Resumo: Na atualidade a educação tem assumido papel fundamental no combate aos grandes dilemas sociais. A Constituição Federal brasileira de 1988 conferiu à educação o status de direito social, de forma que este direito passou a integrar o mínimo existencial do indivíduo tornando-se serviço público capaz de garantir-lhe a formação para a cidadania e a dignidade como pessoa humana. Este estudo tem como objetivo analisar as contribuições dos conceitos habermasianos de agir comunicativo e democracia deliberativa às políticas públicas educacionais no Brasil. Como técnica de pesquisa adotou-se a documentação indireta por meio da pesquisa bibliográfica. Constituíram-se em fontes de pesquisa livros, artigos científicos, dissertações e outras produções, destacando-se as contribuições teóricas de Habermas (1995, 1997, 2002a, 2002b), Hachem (2014), Gabardo (2009), Reck, Thier e Moraes (2011), dentre outros. Pode-se afirmar que no âmbito das políticas públicas educacionais a consideração do agir comunicativo e da democracia deliberativa podem trazer melhorias ao possibilitar maior participação dos sujeitos e a própria emancipação social a partir da reflexão crítica sobre o contexto social e a inserção ativa neste meio.
Palavras-chave: Agir comunicativo. Democracia deliberativa. Políticas públicas. Direito à educação.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Como direito social fundamental, a educação visa não somente a preparação ao mercado de trabalho, mas também a formação da consciência cidadã nas comunidades humanas. O nível de formação de uma população é condição para que haja desenvolvimento econômico e social, assim, torna-se cada vez mais evidente o papel primordial da educação na solução para os principais dilemas da sociedade atual como a violência, a alienação, o incipiente desenvolvimento econômico e as desigualdades sociais.
A educação, como serviço público constitucionalmente previsto no ordenamento jurídico brasileiro, tem sua efetivação garantida por meio de políticas públicas que se consolidam como instrumento para a realização dos direitos fundamentais, resguardando a dignidade humana e, consequentemente, possibilitando a inclusão social. Nesse âmbito, os conceitos de agir comunicativo e de democracia deliberativa de Jurgen Habermas ganham relevância na medida em que podem conduzir à concepção e implementação de políticas públicas mais efetivas.
Assim, este estudo partiu do seguinte problema: quais as contribuições dos conceitos habermasianos de agir comunicativo e democracia deliberativa às políticas públicas educacionais no Brasil?
Como hipótese, concebe-se que as contribuições do agir comunicativo e da democracia deliberativa referem-se à possibilidade de maior participação dos sujeitos destinatários das políticas públicas em sua formulação e implementação. Entende-se que o agir comunicativo faz-se necessário, pois traz consigo o entendimento mútuo que permite o consenso em relação às políticas de maneira que não se vise apenas fins individuais, mas sim universais. A democracia deliberativa garante neste âmbito uma espécie de legitimidade democrática por meio da ampliação da participação dos indivíduos nos processos de decisão e no incentivo à uma cultura política democrática.
Este estudo tem como objetivo geral analisar as contribuições dos conceitos habermasianos de agir comunicativo e democracia deliberativa às políticas públicas educacionais no Brasil e, como objetivos específicos visou-se: compreender o direito à educação como serviço público; descrever a concepção de Habermas acerca do agir comunicativo; caracterizar as políticas públicas educacionais no Brasil e refletir acerca da concepção de democracia deliberativa.
Metodologicamente, utilizou-se como técnica de pesquisa a documentação indireta por meio da pesquisa bibliográfica. A pesquisa bibliográfica baseia-se na coleta de publicações diversas acerca de um determinado tema. Constituíram-se em fontes de pesquisa livros, artigos científicos, dissertações e legislação pátria, destacando-se as contribuições teóricas de Habermas (1995, 1997, 2002a, 2002b), Hachem (2014), Gabardo (2009), Reck, Thier e Moraes (2011), dentre outros.
A investigação realizada justifica-se cientificamente pela necessidade de aprofundar e expandir os estudos acerca de teorias de pensadores como Habermas extraindo suas contribuições para a sociedade atual. No âmbito social o estudo ora empreendido justifica-se por promover a reflexão acerca das políticas públicas no contexto brasileiro, trazendo para este contexto de discussão contribuições teóricas que possam favorecer a promoção de melhorias na prestação dos serviços públicos, em especial, a educação. Pessoalmente, justifica-se a pesquisa realizada pela produção de novos conhecimentos que serão fundamentais para o desenvolvimento da dissertação de Mestrado que vem sendo produzida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC.
Além desta primeira seção introdutória este artigo está estruturado em outras cinco seções. Na segunda seção serão abordados aspectos essenciais para a compreensão do direito à educação no Brasil e sua consolidação como serviço público; na terceira seção analisar-se-á a concepção de agir comunicativo; a quarta seção apresenta considerações sobre as políticas públicas educacionais no Brasil, principalmente no âmbito do ensino superior; na quinta seção analisa-se a concepção de democracia deliberativa e sua relação com as políticas públicas educacionais e, por fim, a sexta seção traz as considerações finais com as principais constatações realizadas a partir da pesquisa bibliográfica acerca do tema proposto.
As discussões propostas no presente trabalho, sem a pretensão de esgotar o estudo da temática em questão, visam revelar as contribuições das concepções de agir comunicativo e democracia deliberativa enunciadas por Habermas para as políticas públicas no âmbito educacional brasileiro.
2 DIREITO À EDUCAÇÃO COMO SERVIÇO PÚBLICO
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 6º indica a educação como direito social, inserido dentre os direitos e garantias fundamentais. O direito à educação é elemento indispensável ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e à concreção da própria cidadania (BRASIL, 1988).
Dessa forma:
[...] educação, para a Constituição, é um esforço no sentido de competências formativas, isto é, de contribuir na construção de uma personalidade dotada de determinadas estruturas aptas a pensar a mundo, e não meramente memorizá-lo. Estas estruturas aparecem em uma ordem de prioridade na Constituição Federal. Esta ordem de prioridades materializa-se, em um primeiro momento, na necessidade de “desenvolvimento da pessoa”, “preparação para a cidadania” e “formação para o trabalho”. A ordem de competências prevista na Constituição não é meramente retórica, e abrange a que o poder público, e quem por ele (escolas privadas e comunitárias) sigam a ordem de preferência constitucional, uma vez que fora posta por decisão. (RECK; THIER; MORAES, 2011, p. 66)
O direito à educação constitui-se em um dos componentes do princípio maior do Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana, visto que a efetivação de tal princípio garante à pessoa o direito a uma vida digna que só é possível diante de condições mínimas de subsistência, ou seja, através da efetivação de direitos fundamentais como o direito à educação, dentre outros imprescindíveis. Assim, ensina Fiorillo (2000, p. 14): “[...] tem-se a educação como um dos componentes do mínimo existencial ou piso mínimo normativo, como uma das condições de que a pessoa necessita para viver em sociedade, para ter uma vida digna”.
A educação é direito de todos e dever do Estado. De um lado, tem-se a pessoa humana portadora do direito à educação e, do outro, a obrigação estatal de prestá-la. Em favor do indivíduo há um direito subjetivo, em relação ao Estado, um dever jurídico a cumprir.
O artigo 205 do texto constitucional de 1988 define a educação e seus objetivos, entendendo tal direito com uma concepção ampla:
Art. 205 – A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
A educação escolar brasileira é herdeira direta do sistema discriminatório da sociedade escravagista sob dominação imperial. Na sociedade imperial e nas primeiras décadas da República, a educação tinha duas características principais: o ensino superior voltado para a formação das elites e o ensino profissional oferecido nas escolas agrícolas e nas escolas de aprendizes-artífices, destinado à formação da força de trabalho. Nesse contexto a maior parte da população permanecia sem acesso a escolas de qualquer tipo (CUNHA, 2007).
Tal realidade permaneceu ao longo dos anos, no entanto, a mesma educação que durante anos foi privilégio das elites, tornou-se também instrumento de mobilidade e inclusão social. A educação é processo fundamental para que o ser humano possa obter as condições mínimas de sobrevivência com dignidade em uma sociedade edificada na cultura de exclusão social. O desafio da educação consiste na busca e manutenção de estratégias para uma organização social de convivência mais justa e pacífica, transmitindo conhecimentos sobre a diversidade da espécie humana.
Desde a consolidação do direito à educação no rol de direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988 a educação vem sendo repensada a partir dos embates político-sociais marcados pela luta em prol da ampliação, laicidade, gratuidade, obrigatoriedade, universalização do acesso, gestão democrática, ampliação da jornada e garantia de padrão de qualidade em todos os níveis.
A educação representa tanto um mecanismo de desenvolvimento pessoal do indivíduo, como da própria sociedade em que ele se insere. A atuação do Estado no campo educacional é necessária para a igualdade no acesso à formação, com o compromisso de desenvolver mecanismos para possibilitar este acesso. A educação como direito social se contrapõe a ideia de educação como mercadoria, ou seja, aquela que beneficia apenas aos que podem pagar. Se não compreendida como bem público, a educação atenderá a determinados indivíduos e aos seus interesses exclusivos, jamais será compromissada com a sociedade.
Ao se compreender a educação como um direito público subjetivo, tem-se que a mesma não se esgota na educação formal ou regular. Presentes as partes constitutivas do processo educacional, o que é relevante do ponto de vista educacional é o avanço no potencial de conhecimento do indivíduo, na condição de aluno, é esse acréscimo aprendido e modificador do comportamento humano, com a cobertura do Estado. Nesse contexto, o direito à educação resguarda íntima relação com o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que, na constituição dessa dignidade, a educação tem papel fundamental no desenvolvimento pessoal e social do sujeito.
A educação no ordenamento jurídico pátrio constitui-se em serviço público, uma vez que se relaciona a uma utilidade que satisfaz necessidades humanas (GASTALDI, 1999). Assim:
Atividades como os serviços de educação, saúde, transporte, fornecimento de energia elétrica, abastecimento de água potável, entre tantas [...] Independentemente de quem esteja autorizado a prestá-las (Estado ou sujeitos privados) e sob qual regime jurídico (mais ou menos benéfico ao destinatário), são serviços que envolvem bens escassos e úteis, e, portanto, representam atividade de caráter econômico. (GABARDO, 2009, p. 130).
Dessa forma, pode-se afirmar que os serviços públicos correspondem a atividades cuja prestação é considerada atribuição típica do Poder Público, a quem cabe o dever de garantir que serão oferecidas à população. Estas atividades poderiam ser realizadas pela iniciativa privada, no entanto, estar-se-ia correndo o risco de que fossem prestadas de maneira inadequada e, diante de sua importância na satisfação de necessidades humanas fundamentais, o Estado atribuiu a si, primariamente, a prestação de tais serviços.
Assim, através de normas jurídicas primárias atributivas de deveres-poderes às entidades estatais, o Poder Público dirige à Administração a obrigação de assegurar que tais atividades sejam prestadas permanentemente, estipulando princípios de observância obrigatória sobre elas incidentes para atingir a finalidade de que todos os cidadãos que delas necessitem possam acedê-las de maneira igualitária (HACHEM, 2014, p. 126).
Os serviços públicos tem o elemento material como fator decisivo para sua configuração, ou seja, a atividade precisa ser de utilidade material, relacionada a prestações destinadas à satisfação de relevantes necessidades humanas que gera ao Estado o dever de garantir o seu fornecimento contínuo. Nesse ponto, Hachem (2014) identifica a relação entre o serviço público e os direitos fundamentais sociais, como a educação, pois são expressos constitucionalmente com a função de atender às necessidades básicas dos sujeitos, resguardando sua dignidade.
A satisfação destes direitos está relacionada diretamente à implementação de ações estatais promovidas por meio de serviços públicos, constituindo-se estes no principal instrumento de que dispõe a Administração para a realização dos direitos fundamentais sociais. Para cada um desses direitos o sistema constitucional estipula uma correlativa atividade estatal destinada a oferecer aos cidadãos prestações materiais imprescindíveis à fruição dos bens jurídicos.
Assim, tem-se a essencialidade dos serviços públicos como meio para que o Estado promova uma tutela efetiva dos direitos fundamentais sociais, pois “[...] a Administração tem o dever de prestar um serviço público adequado, ao qual corresponde o direito do cidadão de recebê-lo.” (HACHEM, 2014, p. 129).
No entanto, o excesso de formalismo na prestação dos serviços públicos acaba por vezes a acarretar a morosidade na efetivação da tutela de direitos distanciando-se de um modelo ideal de administração participativa centrado na celeridade e efetividade do serviço público.
A importância da efetivação do direito a ser exercido pelo serviço público implica na busca de critérios de legitimação da atividade administrativa encontrada nas sociedades pós-modernas. Dentre as propostas surgidas para reconstruir a concepção do direito, destaca-se a ideia da ação comunicativa de Habermas (LOPES; CAGLIARI, 2013).
A ação comunicativa dirigida, prioritariamente, a um efetivo entendimento, produz a expectativa de que, pelo consenso atingido, se possa alcançar a adesão das partes no diálogo à solução compartilhada e o alcance da efetividade do serviço público buscado, com menos formalismo e mais comunicação entre cidadão e a Administração que presta o serviço.