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O agir comunicativo e a democracia deliberativa:

contribuições às políticas públicas educacionais no Brasil

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Agenda 05/08/2016 às 13:32

3 O AGIR COMUNICATIVO E A EDUCAÇÃO

O conceito de agir comunicativo enunciado por Habermas é de fundamental importância na prestação do serviço público de educação de maneira efetiva. A teoria do agir comunicativo pressupõe um modelo de agir orientado para o entendimento mútuo, no qual os atores busquem harmonizar seus objetivos e ações com o acordo alcançado comunicativamente.

Na compreensão de Habermas, a ação comunicativa é uma necessidade dialógica de entendimento entre os sujeitos, assim, esse agir está presente quando as pessoas tentam estabelecer um consenso de maneira que não se vise apenas fins individuais, mas sim universais.

Assim contribui Habermas (2002a, p. 54):

O que é importante notar, por enquanto é o que o agir comunicativo estabelece uma relação reflexiva com o mundo, na qual a pretensão de validade levantada em cada enunciado deve ser reconhecida intersubjetivamente; para isso acontecer, o falante depende da cooperação dos outros. Como uma comentarista tem notado participantes em agir comunicativo podem prosseguir com seus objetivos somente em cooperação um com o outro.

Nesta perspectiva, a participação das partes na busca pela concretização dos serviços públicos pela Administração deve ser ampliada, conferindo maior participação dos sujeitos nas decisões que estão diretamente relacionadas aos serviços oferecidos a estes. Observa-se neste contexto o princípio da cooperação entre as partes, que traz em si o potencial de  garantia de efetividade e concretização dos serviços públicos. No entanto, os acordos podem esbarrar em interesses individuais gerando dificuldades de entendimento que devem ser superadas pela interpretação consensual dos atores envolvidos.  

Nesse sentido, Leal (2009, p.406) esclarece que segundo “[...] a consideração teorética da comunicação de Habermas sobre a ação social, o que torna possível a ação coordenada é nossa capacidade de chegar a um entendimento mútuo sobre alguma coisa”. Os agentes, ao se depararem com questões a serem resolvidas no contexto da situação (mundo da vida) devem levar tal contexto e necessidades coletivas em consideração a fim de buscar um entendimento mútuo.

O entendimento mútuo está diretamente relacionado à aceitação ou rejeição das pretensões de validade apresentadas pelo agente, pois este poderá valer-se de diversas perspectivas de mundo, escolhendo entre os “[...] modos cognitivo, interativo e expressivo do uso linguístico e entre classes correspondentes de atos de fala constatativos, regulativos e representativos”, podendo se concentrar em questões de verdade, de justiça, de gosto ou de expressão pessoal (HABERMAS, 1989, p. 168).

Habermas (1989, p. 40) observa que o risco de dissenso faz-se presente, no entanto, a razão evidencia a necessidade de um acordo, no qual há a possibilidade de se dizer “não”, ocorrendo uma vantajosa “[...] estabilização não-violenta de expectativas de comportamento”.  O acordo, mesmo com o dissenso, torna-se possível quando se considera o agir comunicativo, que considera as resistências da realidade na formulação do consenso.

A complexidade da sociedade revela-se na pluralidade de formas de vida e suas especificidades, ocasionando uma diversidade e segmentação cada vez maior do mundo da vida. Nesse contexto, a ordem normativa assumiu um agir orientado por interesses, influenciando decisivamente na segmentação social. Desse modo, para Habermas (2002a), a integração poderá ser realizada através do agir comunicativo por meio do qual as interações estratégicas no mundo da vida podem ocorrer.  Na sua concepção:

Interações estratégicas têm o seu lugar num mundo da vida enquanto pré-constituído em outro lugar. Mesmo assim, o que age estrategicamente mantém o mundo da vida como um pano de fundo; porém, neutraliza-o em sua função de coordenação da ação. Ele não fornece mais um adiantamento de consenso, porque o que age estrategicamente vê os dados institucionais e os outros participantes da interação apenas como fatos sociais. No enfoque objetivador, um observador não consegue entender-se com eles como se fossem segundas pessoas.

Assim, a organização política deve ser capaz de organizar e manter os processos onde se captam o poder comunicativo da sociedade. A organização tem também a função de executar os argumentos morais, éticos e pragmáticos que se transformam em Direito, e isso se traduz nos poderes judiciário e executivo – o primeiro especializado em discursos de aplicação e o segundo em argumentos instrumentais (HABERMAS, 1997).

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As decisões que se pautam no agir comunicativo trazem a noção de entendimento com o outro, de consensos sobre planos de ação. Assim, a ação comunicativa dirigida, prioritariamente, a um efetivo entendimento, produz a expectativa de que, pelo consenso atingido, se possa alcançar a adesão das partes no diálogo à solução compartilhada e o alcance assim da efetividade e conclusão do serviço público buscado, com menos formalismo e mais comunicação entre cidadão a Administração que presta o serviço (LOPES; CAGLIARI, 2011).

Desta forma, se faz necessário que existe cooperação entre todas as partes envolvidas com a realização e formalização do serviço público, tendo em vista que a necessidade de agilizar sempre ao máximo a prestação dos serviços públicos.  

Nesta perspectiva a participação das partes no exercício da busca pela concretização do serviço público de educação deve ser alargada dando maior participação aos cidadãos, demonstrando assim que o princípio da cooperação vai ao encontro de uma nova visão da garantia de efetividade e concretização dos serviços públicos de qualidade.

Assim, o agir comunicativo torna-se elemento essencial  na eficácia do serviço público de educação e nas políticas públicas que se desenvolvem nesse contexto, uma vez que as decisões neste âmbito devem ter em vista a exigência de se buscar um entendimento intersubjetivo entre aquele que presta o serviço e o destinatário deste serviço. Dessa forma, o contexto educativo deve favorecer a promoção de ações que efetivem o direito à educação de maneira igualitária, produzindo o entendimento entre as partes prestadora e destinatária de forma que “[...] a linguagem voltada para o entendimento torna-se condição a priori de possibilidade da própria experiência educativa e pode recuperar um caráter crítico-emancipatório da educação.” (BOUFLEUR apud HERMANN, 1999, p. 64).

Nesse sentido:

[...] o conceito de ação comunicativa retroliga-se com o conceito de racionalidade discursiva. A ação comunicativa pressupõe atores capazes de, utilizando-se da linguagem, tomarem postura frente às pretensões de validade apresentadas pelo outro. Como o mundo da vida aparce desdiferenciado aos indivíduos, a reconstrução de uma oferta de fala leva à conclusão de que as pretensões de validade defendidas sempre estarão referenciadas aos três mundos (objetivo, social e subjetivo). Desta forma, quem oferece um ato de fala comunicativamente, ou seja, orientado à cooperação, necessariamente fundamenta seu ato na pretensão de que é verdadeiro em relação ao mundo social e veraz com relação ao mundo subjetivo. (ALMEIDA; RECK, 2013, p. 76)

Políticas públicas educacionais pautadas pelo agir educativo pressupõem um espaço onde todos os atores possam expressar suas opiniões e interagir com seus pares, refletindo acerca do que é melhor para a coletividade, tendo em vista que os agentes educacionais não são meros receptores de informações, mas sim sujeitos efetivos do processo educacional.

O contexto educacional é espaço crucial na concretização do agir comunicativo enunciado por Habermas, pois faz-se necessário repensar as ações desenvolvidas neste contexto a fim de promover a formação de sujeitos comunicativamente competentes em uma sociedade excludente na qual opera a lógica da razão instrumental. A racionalidade do entendimento mútuo possibilita abir-se ao diálogo concebendo o outro em suas diversidades e, não obstante haja dissensos entre uma opinião e outra, isso não seria um problema, pois, nas estruturas de comunicação, estes dissensos não prejudicam o entendimento (RUIZ, 2006).   Assim, as ideias de Habermas podem contribuir na formulação e implementação de políticas públicas educacionais de maneira que o contexto educativo seja concebido como comunidade comunicativa baseada na relação entre os sujeitos cujas propostas pedagógicas sejam comuns, assumidas por todos os envolvidos. Dessa forma, pode-se dizer que a razão comunicativa habermasiana pode vir a auxiliar a efetivação de políticas mais democráticas e condizentes aos anseios da coletividade.

Pela teoria habermasiana torna-se possível, segundo Iarozinsk (2000), construção de uma nova e democrática estrutura nos sistemas de ensino atuais, dessa forma procurando basicamente uma combinação entre o mundo do sistema e o mundo da vida, onde a teoria e a prática estariam interligadas através de ações concretas, em uma dinâmica de interação entre os atores envolvidos, visando novas racionalidades.

De acordo com Habermas (2002a, p. 63):

Chamo ação comunicativa àquela forma de interação social em que os planos de ação dos diversos atores ficam coordenados pelo intercâmbio de atos comunicativos, fazendo, para isso, uma utilização da linguagem (ou das correspondentes manifestações extraverbais) orientada ao entendimento.  À medida que a comunicação serve ao entendimento (e não só ao exercício das influências recíprocas) pode adotar para as interações o papel de um mecanismo de coordenação da ação e com isso fazer possível a ação comunicativa.

No paradigma da comunicação proposto por Habermas, o sujeito não é mais definido exclusivamente como sendo aquele que se relaciona com objetos para conhecê-los ou para agir através deles e dominá-los, e sim, como aquele que, durante seu processo de desenvolvimento histórico, é obrigado a interagir, entender e se fazer entender por outros sujeitos. (SIEBENEICHLER, 1989).

Portanto, a ação comunicativa é voltada para a compreensão, que é a capacidade dos sujeitos em entrarem em um consenso, realizando com isso, na concepção de Habermas, o ideal de emancipação humana no momento que há o entendimento mútuo e no entendimento livre do sujeito consigo mesmo. Logo, de acordo com Habermas apud Prestes (1997, p. 81) é necessário compreender:

Não é o conhecimento ou submissão de uma natureza objetivada, tomados em si mesmos, senão a intersubjetividade do entendimento possível, tanto no plano interpessoal, como no plano intrapsíquico. O foco se desloca então de uma racionalidade cognitivo-instrumental a uma racionalidade comunicativa.

Nesse sentido, a proposta da teoria habermasiana se abriga na quebra do paradigma instrumental, onde a educação é visualizada como mera transmissora de conhecimentos, passando a ser posta como uma construção e reconstrução do conhecimento, baseado numa visão do todo. Com isso proporcionando uma emancipação do sujeito que outrora estava arraigado à razão instrumental, que o privava dessa construção global do conhecimento.

Assim, o agir comunicativo torna-se elemento essencial a ser considerado nas políticas educacionais, possibilitando o desenvolvimento da democracia deliberativa.

Sobre o autor
João Deusdete de Carvalho

Advogado e Economista, Procurador Público, Professor Assistente da URCA/CE, Estudou pós-graduação em Direito Processual Civil pela UFPI e, Pós-graduação em Planejamento pela FAO, Estudou Mestrado em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, João Deusdete. O agir comunicativo e a democracia deliberativa:: contribuições às políticas públicas educacionais no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4783, 5 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51158. Acesso em: 25 nov. 2024.

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