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Ciências criminais, pedagogia, pokémon go e o crime como um castelo de cartas

Agenda 09/08/2016 às 09:04

O Direito, afirma Jakobs: é sistémico. Na medida em que todo sistema possui uma forma.

I – Como jogar

Para quem ainda não se familiarizou com o novo game, “pokemon go” é um jogo, que virou febre entre os estudantes nos últimos dias, funciona, basicamente, da seguinte forma: o aplicativo utiliza as informações reais do GPS para montar um cenário virtual na tela do celular, com base no mapa real da cidade.

O objetivo, assim como no “Anime”, é vencer as mais diversas batalhas durante o percurso, ao lado do seu “pokemon”, na medida em que o faz evoluir, bem como conquista outros no decorrer do percurso, para robustecer o time durante as batalhas.

As principais limitações para o usuário do “app” são de ordem física, haja vista, que exige-se do jogador o deslocamento real em volta da cidade para avançar no jogo.

Mas, afinal, o que Pokémon tem a ver com Direito?

Todos nós, enquanto estudantes de Direito, passamos por alguns momentos significativamente desanimadores durante o curso. O primeiro contato com o Vade Mecum, subtrai, já nos primeiros períodos, o sono de muitos, paradoxalmente, para os alunos que estão nos últimos anos, esses pesadelos, sempre vem em dupla. Chamados: OAB e Concurso Público.

Só de olhar para a espessura do Vade Mecum ou para o conteúdo do edital, muitas vezes, já nos causa uma minidep


ressão, achamos impossível aprender todo o conteúdo programático. Esse é o maior erro dos estudantes de Direito: olhar o Direito, seja Penal ou Processual Penal, por baixo, imaginando-o como uma enorme parede de concreto, a partir de hoje, teremos um novo olhar, uma visão topográfica, ou seja, do topo.

Imagine, por exemplo, que você esteja estudando para uma prova de final de período, que cairá todo o assunto do semestre, geralmente aqui, o aluno toma duas posições, ou se angustia e começa a estudar desesperado para acabar o assunto, fazendo com que o desespero e a pressa se sobreponham a sua concentração, ou simplesmente, desanima e pensa que já que não tem como estudar tudo, nem estuda.

Enxergar o assunto de cima, começa a partir de sua definição. Primeiro: você pode imaginar que terá que estudar todo conteúdo do semestre, ou simplesmente como realmente é, apenas um livro.

A falta desse olhar, do topo, sempre reprova centenas de alunos na segunda fase da OAB. Passo a explicar: na segunda fase, é preciso analisar um caso concreto, descobrir qual a peça que se encaixa, quais os fundamentos adequados e redigi-la.

Exemplo de questão:

Em uma faculdade do Piauí, durante a aula de Teoria do Crime, os colegas de turma decidem fazer uma brincadeira com Mévio, o aluno tímido da sala, então, colocaram uma forte concentração de álcool em seu café, sem perceber, Mévio, que nunca tomou nenhuma bebida alcoólica, ingere o café batizado, embriaga-se totalmente, sem nenhuma capacidade para discernir, disfere um soco em seu professor. O professor, muito furioso, além de expulsar Mélvio de sala, presta denúncia por crime de lesão corporal. Como advogado de Mévio, encontre os fundamentos jurídicos para defendê-lo.

Apesar de ser uma questão de simples resolução, como nosso Código Penal possui 361 artigos, o de Processo Penal 811, juntando com as leis penais extravagantes, está formado o muro. Diante dessa perspectiva, temos a certeza de que será impossível encontrar a resposta, tendo em vista a quantidade de assunto E de fato, nessas condições, até encontrá-la, a prova já acabou.

O problema está na origem. Na preparação para a prova, no primeiro contato com o livro. Comumente, ao estudar Direito Penal ou Processual Penal a fatia majoritária do corpo discente abre o livro, descobre o conceito da disciplina; características; relações com outros ramos do Direito; fontes; princípios; etc. chegando até a parte final do estudo, terminam a fase recursal, a Lei de Execuções Penais, tendo uma visão fracionada, sem correlacionar os assuntos. Desse modo, o processo de memorização da matéria torna-se duplamente oneroso, Tendo em vista, que o cérebro humano tem mais facilidade de guardar informações sistematizadas do que aquelas que não se correlacionados com outros assuntos.

O Direito tem começo, meio e fim, é como um corpo, que apesar de ter 206 ossos e 650 músculos, ainda é apenas isso: um corpo.

Antes de começar a estudar o capítulo I do Manual, os alunos desprezam uma parte fundamental: o Código! encare o código como o mapa do jogo, que te mostra, de uma forma global, a parte de cima de todo o terreno. Ou seja, você pode entrar em um carro, pegar a “estrada” e dirigir de rua em rua procurando os pokemons com o celular no bolso, ou pode enxergar, de antemão, onde você está, para onde vai, e como vai, basta ligar o celular, abrir o mapa, ler o código!

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A leitura do Código Penal e do Código Processual Penal não segue um caminho harmônico gradativamente progressivo. Mas sistemático.

Trazendo esses exemplos para o Direito Penal, ao entrar no carro, sem olhar para o índice (o nosso mapa), para responder ao nosso probleminha da OAB, você pegará a primeira avenida, a dos princípios, lá você encontrará um senhor, interiorano, sentado em sua cadeira de balanço, em frente sua casa, logo após o almoço, que lhe informará o caminho que precisará passar até chegar a resposta. Vamos chama-lo aqui, educadamente, de senhor “Treta”.

Logo, o senhor Treta, começa a lhe explica que para chegar até a resposta que salvará Mévio, o aluno que socou o professor bonitão, é muito fácil! basta você sair dos princípios, ir direto todo tempo pela Avenida da Aplicação da Lei Penal, dobrar no decimo segundo artigo até encontrar uma praça, chamada de praça do crime, chegando na praça do crime, você dobrará a direita, no Fato Típico, passará pelas ruas da conduta, da tipicidade, do resultado, do nexo de causalidade, até chegar em um escritório de advocacia, chamado “antijurídico”, agora está fácil! Passando pelo escritório, você vai encontrar quatro esquinas, dobra a direita na doestado de necessidade, a esquerda na legítima defesa, novamente a direita no estrito cumprimento do dever legal até chegar a defensoria pública, do bairro exercício regular do direito. Agora sim! Está chegando! Basta ir reto e ao chegar na culpabilidade, você avistará de longe uma placa, escrita: “é isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilíquido do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Bem-vindo”.

Não há dúvida de que Mévio era ao tempo da ação, inimputável, e por não ter dado causa a sua embriaguez, é isento de pena. Contudo, encontrar essa simples resposta através do tradicional método da tentativa e erro, tornou a questão extremamente difícil.

Do nosso modo de ver, para responder à questão, primeiro é necessário ter uma visão ampla do crime, tirar um “print” da disciplina, enxerga-la como um todo, ler o mapa! Perceber que todo crime possui alguns elementos essenciais para sua configuração, bem como um procedimento não escalonado, mas sistematicamente eficaz para persegui-lo, essa é a visão de cima. No Processo penal, onde os alunos já têm o conhecimento da Teoria do Crime, faz-se imprescindível esse olhar do topo a cerca da persecutio criminis, para que seja possível compreender de maneira fluída e sistêmica o caminho do delito.

Em nosso pueril exemplo, a embriaguez involuntária, proveniente de caso fortuito, quando completa, retira um dos elementos fundamentais do crime, no caso, a culpabilidade. Montar o crime a partir dos seus elementos, ou perseguir o delito (pessoal do processo), é como montar um pequeno quebra-cabeças, basta juntar as peças, se uma peça vier a faltar, não há crime.

II- O CRIME COMO UM CASTELO DE CARTAS

Todos os ramos do Direito possuem uma parte essencial que ajuda a decifrá-lo, um segredo. No Direito Penal, esse segredo tem nome, chama-se Teoria do Crime.

A Teoria do Crime é o núcleo vital do Direito Penal, o coração! Não se está a afirmar, aqui, que quem entende a Teoria do Crime sabe tudo de Direito Penal, mas entende-la, de forma sistemática, como um todo, além de representar metade da caminhada, é a chave para abrir as outras portas.

Mas antes de decifrar o Crime, é preciso enxerga-lo de cima, perceber que ele possui uma forma, aqui representada por um Castelo de Cartas. Esse castelo é sustentado por três torres:

Torre I: do Fato Típico;

Torre II da Antijuridicidade;

Torre III da culpabilidade;

Para construir cada torre, é necessário equilibrar uma série de cartas, nossas cartas, são os subelementos do crime.

Montar o crime a partir dos seus elementos, é como montar um pequeno quebra-cabeças, basta juntar as peças, se uma peça vier a faltar, não há crime!

Resumindo, se conseguirmos equilibrar cada carta (subelementos do crime), construindo cada torre (elementos do crime) montaremos nosso Castelo (o crime).

Para aplicar na prática nossa teoria, tomemos como exemplo o princípio da insignificância. O postulado da insignificância, chamado por alguns de criminalidade da bagatela, é um princípio extraído do Direito Privado e incorporado ao direito penal na década de 70 pelos estudos de Claus Roxin.

Basicamente, o princípio da insignificância determina que o Direito Penal não deve criminalizar condutas menores, incapazes de ofender um bem jurídico penalmente tutelado, condutas insignificantes, daí o nome.

Trata-se de um fundamento de política criminal, que realiza uma interpretação restritiva do tipo, em outras palavras, o princípio da criminalidade da bagatela, diminui as hipóteses de incidência do crime, atribuindo apenas a algumas condutas, o rotulo de criminosas.

A natureza jurídica desse princípio, funciona como excludente da tipicidade material do crime. Tipicidade material é a capacidade de uma conduta ofender um bem jurídico, no furto, por exemplo, é a ofensa ao patrimônio alheio. Mas para nós, tipicidade, é apenas mais um sub elemento do crime, visto aqui, como uma simples carta. Ao excluir a carta da tipicidade material, estar-se-á a excluir o próprio crime, pois retiramos um dos seus elementos.

No tradicional exemplo de furto famélico, em que um senhor, furta um pãozinho francês de uma padaria, para saciar sua fome, não existe crime de furto, pela exclusão da tipicidade material do crime. Como o furto de um simples pãozinho não é capaz de ofender o patrimônio do dono da padaria, não há ofensa ao bem jurídico, patrimônio, não há tipicidade material, falta uma carta.

Por isso, diz-se que ao aplicar o princípio da insignificância, estamos na verdade, a excluir o próprio crime (STJ), pois retira-se dele, um elemento. Se o crime é um tripé, o princípio da insignificância, retira um dos pés que o sustenta.

Estudar Direito Penal é como montar um CASTELO DE CARTAS, com muito cuidado, equilibrando carta por carta, montando uma torre de cada vez, mas eventualmente, a depender de que lado jogamos, descobriremos também, a ligar o ventilador.

Sobre o autor
Rafael Araújo

Cristão;<br><br>Empresário;<br><br>Professor De Direito;<br><br>Especialista em Docência do Ensino Superior;<br><br>Especialista em Direito Penal;<br><br>Especialista em Direito Processual Penal;<br><br>Pós-Graduando em Direitos Humanos;<br><br>Mestrando em Direito;<br><br>Aprovado para o Doutorado em Direito Penal na Universidad de Buenos Aires

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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