Inicialmente, antes de conceituar os elementos dos precedentes, se faz necessário trazer o seguinte esclarecimento: o juiz ao julgar uma demanda cria duas normas jurídicas, conforme preleciona Luiz Guilherme Marinoni apud Oldack Alves da Silva Neto:
“A primeira, de caráter geral, é construída, “a partir da interpretação de acordo com a Constituição, do controle da constitucionalidade e da adoção da regra do balanceamento (ou da regra da proporcionalidade em sentido estrito) dos direitos fundamentais no caso concreto”. Trata-se de uma norma jurídica, contida na fundamentação do julgado, criada para justificar sua decisão.
A segunda, de caráter individual, é a própria decisão do magistrado acerca daquela situação específica que lhe é submetida à análise. Trata-se da norma jurídica individualizada, contida no dispositivo da decisão, que decide um caso concreto.”
Nesse sentido, entende que aquela norma de caráter geral, isto é, criada pelo juiz e que consta na fundamentação do julgado tem o intuito de afirmar a tese jurídica adotada no caso é a ratio decidendi.
Fredie Didier, Paulo Braga e Rafael Oliveira, definem “a tese jurídica (ratio decidendi) se desprende do caso específico e pode ser aplicada em outras situações concretas que se assemelhem àquela em que foi originariamente construída”[i].
Nessa feita, conclui que a ratio decidendi é a cerne do precedente judicial, pois, é a decisão judicial determinada com base no caso concreto que servirá de paradigma para julgamentos posteriores de situações equivalentes[ii].
Outro conceito importante, que está ao lado da ratio decidendi é o da obter dictum, pois, são os argumentos jurídicos expostos apenas de passagem na motivação da decisão, que revelam: “a) juízos normativos acessórios, provisórios e secundários; b) impressões ou qualquer elemento jurídico-hermenêutico que não tenham influência relevante para a decisão; c) opiniões jurídicas adicionais e paralelas, mencionadas incidentalmente pelo juiz, dispensáveis para a fundamentação e para a conclusão da decisão. É dizer, obiter dictum é tudo aquilo que, retirado da fundamentação da decisão judicial, não alterará a norma jurídica individual”[iii].
Dessa maneira, a obter dictum constitui considerações periféricas do precedente judicial visto que é carente de força vinculante para julgados futuros.
Dinâmica
Como já explanado no presente trabalho, para que um caso seja considerado precedente se faz necessário analisar caso concreto a luz do caso paradigma.
Dessa maneira, para aplicar ou superar o precedente, o operador do direito deverá aplicar os seguintes métodos:
- Distinguishing
José Rogério Cruz e Tucci e Fredie Didier Jr, citados por Haroldo Lourenço, entendem que “um precedente origina-se de um caso concreto e, para ser utilizado em outro caso concreto, exige-se a demonstração da semelhança existente entre esse e aquele. De igual modo, depois desse cotejo inicial, deverá ser enfrentada a norma jurídica firmada no precedente (ratio decidendi). Esta comparação e eventual distinção entre os casos leva o nome técnico de distinguishing (ou distinguish), haveria um distringuishing método e resultado”.
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Nessa linha, fala-se em distinguishing quando houver distinção entre o caso concreto em julgamento e o paradigma, seja porque não há coincidência entre os fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica) constante do precedente, seja porque, a despeito de existir uma aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a aplicação do precedente. Assim, percebendo o magistrado que há distinção entre o caso em análise e aquele que ensejou o precedente, pode restringí-lo, dando uma interpretação.”
Como bem observado o distinguishing se resume em uma técnica de confronto, interpretação e aplicação do precedente, utilizada para os casos em que houver distinção entre o caso concreto, que esteja em julgamento, e o paradigma, precedente invocável, seja por ausência de coincidência entre os fatos fundamentais discutidos e os que serviram de base à ratio decidendi constante do precedente, seja porque, não obstante exista certa aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento permite o afastamento da aplicação do precedente[iv].
- Overruling
Segundo Fredie Didier apud Oldack ,Alves da Silva Neto, “overruling é a técnica através da qual um precedente perde a sua força vinculante e é substituído (overruled) por outro precedente”[v].
Para ocorrer o overrruling o precedente deve esta superado, e, por conseqüência, exige-se uma carga maior na fundamentação, trazendo argumentos até então não enfrentados.
Destarte, que é uma técnica que se assemelha a revogação de uma lei, sendo assim, pode ocorrer de forma expressa (express overruling) ou tácita (implied overruling), conforme manifestação do tribunal[vi].
Certo é que para identificar o overruling se faz necessário certificar mudança do cenário econômico, político, cultural e social de determinado povo. Ademais, também é importante noticiar que a mudança de composição do Tribunal, o qual elaborou o precedente, influencia para a ocorrência do overruling[vii].
É importante registrar, também, a diferença de overruling e overriding. Para Tiago Asfor Rocha Lima citado por Claudio Ricardo Lima Junior, “overruling e overriding não são sinônimos. Defende o autor que “o overriding refere-se à prática de restringir o âmbito de aplicação de um precedente judicial em julgamento posterior”, pelo que se assemelha a uma revogação parcial da orientação jurisprudencial pretérita, limitando-se o alcance da holding extraída no primeiro julgamento. Distingue o autor, ainda, o overruling do reversal. Neste caso, não há propriamente revogação do precedente, mas reforma pelo órgão ad quem da decisão prolatada pela instância inferior, a qual aplicou equivocadamente a ordem jurídica ao caso – hipótese que ocorre, no mais das vezes, para adequar o julgamento proferido pelo juízo de primeiro grau aos precedentes emanados pela corte revisora”[viii].
No Brasil, temos um exemplo do método de superação dos precedentes, é o caso do processo para revisão ou cancelamento de súmulas vinculantes, previsto no artigo 103-A, § 2º da Constituição Federal.
Conclusão
Como exposto, não é qualquer decisão judicial que terá a força de precedente, será necessário mais, ou seja, é elementar que tal decisão tenha força normativa, conforme entendimento do Ministro Luiz Fux.[ix]
Assim é necessário entender a definição dos elementos dos precedentes bem como a dinâmica já que o Novo Código de Processo Civil estabelece regras para aplicação dos precedentes, a fim de conferir maior celeridade e efetividade no atual sistema jurídico brasileiro.
No entanto, saber se os efeitos práticos desse mecanismo são positivos ou não, só o tempo responderá essa questão.
[i] DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JudPodivm, 2013, v. 2., p.427-428.
[ii] FREDIE Didider Jr, Curso de Direito Processual Civil, Vol. 2. 8ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 427.
[iii] NASCIMENTO, Márgara Bezerra do. Obra citada.
[iv] LIMA JÚNIOR, Cláudio Ricardo Silva. Stare decisis e teoria do precedente judicial no sistema anglo-saxônico. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4101, 23 set. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/30051>. Acesso em: 30 jul. 2016.
[v] Oldack ,Alves da Silva Neto, obra citada.
[vi] DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 4. ed. Salvador: JusPodium, 2009.
[vii] NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito brasileiro e comparado. 2. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodium, 2013. p.199.
[viii] LIMA JÚNIOR, Cláudio Ricardo Silva. Obra citada.
[ix] Reportagem de 17 de abril de 2015 (http://www.conjur.com.br/2015-abr-17/fux-juiz-seguir-jurisprudencia-cortes-superiores acesso em ago 2016.