1. INTRODUÇÃO
A prática de assédio moral não se trata de tema novo nas relações de trabalho, mas a possibilidade dessa conduta gerar responsabilidades revela-se sim um assunto relativamente recente no direito laboral.
Mostra-se, portanto, importante investigar quais seriam as condutas caracterizadoras do assédio moral e quais as suas consequências para a relação de emprego e para aqueles que dela participam.
A competitividade no mercado de trabalho, o desemprego, o estresse, a intolerância, a precariedade nas relações de emprego, dentre outros fatores do mundo moderno, desencadeiam uma série de práticas por parte dos empregadores e até mesmo dos colegas de trabalho que podem ser caracterizadas como assédio moral.
O assédio moral, de modo geral, pode ser considerado como sendo a conduta reiterada de violência psicológica que, de alguma forma, prejudique o equilíbrio psíquico e emocional do empregado, trazendo-lhe graves enfermidades e deteriorando o meio ambiente de trabalho.
Cumpre salientar que, como inexiste uma norma de abrangência nacional que regulamente a matéria, trazer o assédio moral à discussão revela-se importantíssimo não só para facilitar o entendimento do tema como também para fomentar a necessidade da criação de uma regulamentação nacional, que tipifique condutas e estabeleça responsabilidades e penalidades.
A jurisprudência que vem se formando sobre o assunto já indica qual o caminho seguido pelos aplicadores do direito com relação às condutas caracterizadoras do assédio moral e às sanções aplicáveis.
No entanto, imagina-se que somente um maior conhecimento do tema por parte da sociedade e a sua ampla discussão é que vão revelar quais são as ações punitivas e preventivas que o Estado deverá empregar para coibir a violência moral no trabalho.
Desta feita, quanto mais pesquisas e estudos forem desenvolvidos sobre o assunto, mais perto se chegará de um senso comum capaz de resguardar os interesses dos trabalhadores e das relações de emprego.
Nesse contexto, pretende-se neste trabalho buscar na doutrina e na jurisprudência a definição de assédio moral no trabalho, bem como quais seriam as condutas que caracterizariam tal assédio.
Objetiva-se, ainda, coletar julgados a respeito do tema, para demonstrar como tem sido a orientação jurisprudencial sobre o assunto e, por fim, fazer uma análise sobre as consequências do assédio moral para o empregador, o empregado, a relação de emprego e também para toda sociedade.
2. ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO
2.1. Conceito
A competitividade do mercado de trabalho, a pressão por produtividade, os contratempos da vida moderna, a carga de trabalho excessiva, a precariedade das condições laborais, a discriminação, a intolerância e o stress do dia-a-dia, dentre outros fatores, desencadeiam uma série de atitudes no ambiente de trabalho, tanto no setor público quanto no privado, que podem ser consideradas assédio moral, daí a importância da definição e da caracterização desse comportamento cada vez mais presente nas relações de trabalho.
A psiquiatra e psicanalista francesa Marie-France Hirigoyen, especialista no estudo de assédio moral e participante do grupo de reflexão do projeto de lei submetido à Assembleia Nacional Francesa, define o assédio moral com as seguintes palavras (2012, p.17):
O assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.
Marie-France Hirigoyen ressalta, ainda, que a repetição das agressões e seu efeito cumulativo é que caracterizam o assédio moral e não o ataque isolado, sendo que o estilo da agressão é variável de acordo com os meios socioculturais e setores profissionais.
Maria Aparecida Alkimin (2013, p. 36), por sua vez, entende tratar-se o assédio moral de um terrorismo psicológico ou psicoterror, seria uma forma de violência psíquica praticada no local de trabalho, que consiste na realização de atos, gestos, palavras e comportamentos vexatórios, humilhantes, degradantes e constrangedores, de forma sistemática e prolongada.
Referida autora destaca, outrossim, que tal prática assediante pode ter como sujeito ativo o empregador ou superior hierárquico (assédio vertical), um colega de serviço (assédio horizontal), ou um subordinado (assédio ascendente), com clara intenção discriminatória e perseguidora, visando eliminar a vítima da organização do trabalho.
Segundo Vólia Bomfim Cassar (2013, p. 918), “o assédio moral é caracterizado pelas condutas abusivas praticadas pelo empregador direta ou indiretamente, sob o plano vertical ou horizontal, ao empregado, que afetem seu estado psicológico”.
Para Gustavo Felipe Barbosa Garcia (2013, p. 175), o assédio moral caracteriza-se por uma conduta reiterada, de violência psicológica, que desestabiliza e prejudica o equilíbrio psíquico e emocional do empregado (como atitudes de perseguição, indiferença ou discriminação, normalmente de forma velada), deteriorando o meio ambiente de trabalho, podendo resultar em enfermidades graves como a depressão.
Extrai-se, portanto, das diversas definições trazidas pela doutrina que o assédio moral trata-se da prática de condutas reiteradas de agressão e ataques vexatórios, humilhantes, degradantes e constrangedores que atentam contra o equilíbrio psíquico e emocional daqueles que compõem o ambiente do trabalho. Tais condutas podem partir do empregador, do empregado ou, ainda, dos colegas de trabalho.
2.2. Denominações no Direito Internacional
O assédio moral no ambiente de trabalho não se trata de um fenômeno brasileiro, mas sim de um fato recorrente no mercado de trabalho mundial, recebendo denominações distintas em diversos países.
O sueco Heinz Leymann, psicólogo do trabalho, denominou o assédio moral de mobbing. A Itália também adotou a denominação mobbing. Em Portugal, é chamado de terrorismo psicológico ou assédio moral. Na França, é conhecido como harcélement moral. Na Inglaterra recebe a denominação de bullying. Nos Estados Unidos, também é conhecido como harassment. No Japão, o assédio moral é conhecido como ijime. (ALKIMIN, 2013, p.38-40).
A psiquiatra Marie-France Hirigoyen (2012, p. 81) menciona também o termo whistleblower, que seria a denominação daquele que alerta a opinião pública sobre as malversações e atos de corrupção e violação da lei no serviço público onde trabalha ou as ações de empresas e instituições que apresentem um perigo relevante à saúde ou segurança públicas. Os whistleblowers sofrem represálias por parte do sistema. Trata-se de uma forma específica de assédio moral, destinada a silenciar quem não obedece às regras do jogo.
Interessante destacar que nem todas as denominações adotadas pelos diversos países apresentam o mesmo significado literal, no entanto, as condutas indicadas em cada fenômeno apontam para a prática do assédio moral.
Talvez se houvesse uma denominação única do assédio moral no mundo todo seria mais fácil identificar, prevenir, coibir e punir as condutas caracterizadoras desse mal que afeta não só as relações de trabalho, mas também as sociais.
2.3. Características
De acordo com os conceitos de assédio moral, verifica-se que, para sua caracterização, há a necessidade da presença de alguns componentes essenciais.
Para melhor sistematizar o estudo dos elementos característicos do assédio moral e seguindo a linha de entendimento de Maria Aparecida Alkimin (2013, p.41-42), elenca-se como seus componentes os seguintes:
a) Sujeitos: ativo (assediador); passivo (vítima/assediado);
b) Condutas caracterizadoras do assédio moral;
c) Reiteração e sistematização das condutas;
d) Consciência e intenção do agente.
2.3.1. Sujeitos
O sujeito ativo do assédio moral pode ser o empregador, algum superior hierárquico, colega ou grupo de colegas de trabalho, mas também pode ocorrer, embora de forma menos comum, que um ou vários subordinados assediem um superior hierárquico.
Já o sujeito passivo normalmente é o empregado, considerado individualmente ou de forma coletiva, que sofre o assédio do seu empregador ou superior hierárquico. No entanto, como salientado, no parágrafo anterior, também é possível que o assediado seja o próprio superior hierárquico.
Ainda sobre o sujeito passivo, Maria Aparecida Alkimin (2013, p. 42) defende que uma pessoa que não participe ativamente do ambiente de trabalho não poderá ser vítima de assédio moral, pois, em razão da necessidade da reiteração e sistematização da conduta assediante, a vítima tem que integrar a organização do trabalho de forma permanente. Para a citada autora, o trabalhador eventual não poderia, em tese, ser vítima do assédio moral. No entanto, caso seja ofendido, poderá buscar a indenização pelo dano moral que possa eventualmente ter sofrido.
2.3.2. Condutas caracterizadoras do assédio moral
Ainda não existe uma tipificação do assédio moral no ordenamento jurídico brasileiro, no entanto, a doutrina elenca algumas das condutas mais recorrentes.
Há uma infinidade de condutas que, quando dirigidas ao empregado, afetam sua dignidade, sua honra e sua integridade física e psíquica, podendo caracterizar o assédio moral por parte do empregador. Vólia Bomfim Cassar, em seu livro Direito do Trabalho, (2013, p. 918-919) menciona as seguintes práticas:
[...] retirar a autonomia do empregado que a detinha; transferir seus poderes a outro, isolar o trabalhador no ambiente de trabalho; premiar o ‘dedo-duro’ por entregar as falhas do outro, causando disputa entre os pares; fomentar a inveja de um trabalhador pelo cargo do ouro, estimulando-o à competição desleal; criar metas impossíveis de atingimento; rebaixar; diminuir o salário; conceder prazos exíguos para atividades complexas, de forma que o trabalho jamais saia perfeito etc.
De acordo com a citada autora, tais condutas, caso sejam repetidas por meses ou anos, passam a afetar a saúde mental do trabalhador, que coloca em dúvida sua autoestima, passando a acreditar que é o causador dos problemas e executa um péssimo trabalho.
Segundo Maria Aparecida Alkimin (2013, p. 48), para se admitir uma conduta como assédio moral, ela deve ser apta para degradar o clima na organização do trabalho e ser considerada insuportável pelo homo medius, que seria aquele dotado de sensibilidade normal.
Sônia Mascaro do Nascimento elenca algumas das práticas mais comuns, ressaltando que apesar da listar ser extensa, trata-se de um rol meramente exemplificativo, confira-se:
[...] as práticas mais comuns consistem em: (i) desaprovação velada e sutil a qualquer comportamento da vítima; (ii) críticas repetidas e continuadas em relação à capacidade profissional; (iii) comunicações incorretas ou incompletas quanto à forma de realização do serviço, metas ou reuniões, de forma que a vítima sempre faça o seu serviço de forma incompleta, incorreta ou intempestiva, e ainda se atrase para reuniões importante; (iv) apropriação de ideias da vítima para serem apresentados como de autoria do assediador; (v) isolamento da vítima de almoços, confraternizações ou atividades junto aos demais colegas; (vi) descrédito da vítima no ambiente de trabalho mediante rumores ou boatos sobre a sua vida pessoal ou profissional; (vii) exposição da vítima ao ridículo perante colegas ou clientes, de forma repetida e continuada; (viii) alegação pelo agressor, quando e se confrontados, de que a vítima é paranoica, com mania de perseguição ou não tema maturidade emocional suficiente para desempenhar as funções; e (ix) identificação da vítima como “criadora de caso” ou indisciplinada.
A jurisprudência pátria também traz condutas caracterizadoras de assédio moral, valendo transcrever as ementas dos seguintes julgados:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. VENDEDORA. ESTRATÉGIA EMPRESARIAL CONTIDA EM CARTILHA E DENOMINADA BOCA DE CAIXA (COLOCAR O EMPREGADO DE PÉ NA BOCA DO CAIXA DIRIGINDO-LHE CHAMAMENTOS OFENSIVOS EM RAZÃO DA PERFORMANCE NAS VENDAS). ASSÉDIO MORAL CARACTERIZADO. INDENIZAÇÃO FIXADA EM R$5.000,00. PRETENSÃO DE REDUÇÃO DESTE VALOR. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE CONSTATADAS EM FACE, INCLUSIVE, DA CONDUTA REITERADA DA EMPRESA. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO EMPREGADO NÃO VERIFICADO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ARTIGO 5º, V, X E LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Não preenchidos os pressupostos de cabimento do recurso de revista não merece ser provido o agravo de instrumento. Agravo de instrumento conhecido e não provido. [Sem grifos no original].
(TST, AIRR 19406720125100101, Relator Alexandre de Souza Agra Belmonte; Julgamento em 20/08/2014. Órgão Julgador: 3ª Turma. Publicação DEJT 22/08/2014).
RECURSO ADESIVO E DE APELAÇÃO AÇÃO DE INDENIZAÇÃO ASSÉDIO MORAL ALTERAÇÃO DE FUNÇÃO INJUSTIFICADAMENTE, POR MOTIVAÇÃO POLÍTICA OCIOSIDADE DO FUNCIONÁRIO DANO MORAL OCORRÊNCIA.
1. O Servidor Público Municipal deixou de exercer a função de motorista de ambulância, tendo sido transferido para o barracão da Prefeitura Municipal, desempenhando atividades esporádicas, mantido na ociosidade.
2. Divergências políticas com relação ao Prefeito Municipal.
3. Assédio moral caracterizado.
4. Elementos de convicção produzidos nos autos conferindo credibilidade à versão dos fatos apresentada na petição inicial.
5. Dano moral fixado em valor compatível com a gravidade do fato, observados os critérios de proporcionalidade e razoabilidade, não comportando alteração.
6. Ação de indenização julgada procedente.
7. Sentença mantida.
8. Recursos oficial e de apelação desprovidos, com observação. [Sem grifos no original].
(TJ/SP. APL 00065873320068260356 SP 0006587-33.2006.8.26.0356. Relator Francisco Bianco. Julgamento: 27/01/2014. 5ª Câmara de Direito Público. Publicação 30/01/2014).
ASSÉDIO MORAL. COBRANÇA DE CUMPRIMENTO DE METAS COM XINGAMENTO E AMEAÇAS. DANO MORAL CARACTERIZADO.
A cobrança de metas faz parte do dia a dia de qualquer empresa como natural pressão decorrente do mercado de trabalho cada vez mais competitivo. Porém, quando feita pelo empregador, de forma abusiva, com intimidações e xingamento, em reuniões, na presença de outros empregados, configura-se a conduta abusiva atingindo a dignidade e a integridade psíquica do empregado. Reparação devida a título de dano moral. [Sem grifos no original].
(TRT 3. Recurso Ordinário Trabalhista 01398200913803002 0139800-96.2009.5.03.0138. Relator(a):Deoclecia Amorelli Dias. Órgão Julgador: Decima Turma. Publicação:13/07/2010. 12/07/2010. DEJT. Página 119).
DANO MORAL - LIMITAÇÃO DO USO DO BANHEIRO - ASSÉDIO MORAL CARACTERIZADO -INDENIZAÇÃO CABÍVEL.
A prática ostensiva de o empregador regrar o uso das instalações sanitárias aos seus empregados com o fim de alcançar índice de produtividade, caracteriza ato atentatório à dignidade da pessoa humana, a ensejar indenização a título de dano moral. [Sem grifos no original].
(TRT-20 - Recurso Ordinário : RECORD 1752008820075200003 SE 0175200-88.2007.5.20.0003. DJ/SE de 17/12/2008).
Na verdade, não há nenhuma lista estanque de condutas tidas como sendo assédio moral, o que a doutrina traz são exemplos de situações e atitudes que podem ser caracterizadas como tal. A jurisprudência, por sua vez, analisando os casos postos, aponta as situações concretas indicativas da prática do assédio moral.
2.3.3. Reiteração e sistematização das condutas
Como dito alhures, para a caracterização da conduta degradante como sendo assédio moral, há a necessidade da reiteração e sistematização de tal agir. Uma agressão episódica, sem repetição, não poderá ser considerada assédio.
No Direito do Trabalho, a reiteração também é denominada habitualidade e para ser habitual não precisa acontecer todos os dias, nem a cada dois ou cinco dias, o que importa é a regularidade e repetição sistemática da conduta, apta a degradar o ambiente de trabalho e causar danos à vítima. (ALKIMIN, 2013, p. 51).
Embora não se negue que apenas uma conduta atentatória à honra e à dignidade do trabalhador seja capaz de afetá-lo, o fato é que somente a repetição de tais práticas poderá classificá-las como assédio moral.
2.3.4. Consciência do agente
A conduta tida como assédio moral deve ser intencional, ou seja, o agressor deve ter consciência dos prejuízos que sua conduta irá causar na integridade física e psíquica da vítima. Ausente tal consciência ou intenção, não há como ser caracterizado o assédio moral. Nesse sentido, vale transcrever a seguinte ementa de julgado do E. Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, in verbis:
TRT-PR-23-02-2010 AVALIAÇÃO CRÍTICA - ASSÉDIO MORAL - COMENTÁRIO QUANTO A APTIDÃO PARA VENDAS - SENTIMENTO DE CONTRARIEDADE.
Caracteriza-se o assédio moral, em suma, pela exclusão da vítima do ambiente de trabalho, mediante pressão ou terror psicológico, constituindo-se em uma das formas de dano aos direitos personalíssimos do indivíduo, suscetível, portanto, de reparação. Para que se reconheça a existência de assédio moral, e consequente dano moral, se faz necessário constatar a existência de conduta moralmente ofensiva por parte do empregador, de forma sistemática, com a finalidade de prejudicar a esfera psíquica do empregado. ‘In casu’, as supostas agressões morais perpetuadas pelo gerente das Reclamadas eram em verdade Juizos de valor quanto as habilidades comerciais do Reclamante, inexistindo em tais declarações ‘animus’ de lesionar a moral deste. Tais formas de avaliações são próprias de uma relação de trabalho comum. Supõe-se que a franqueza no exercício da atividade laboral não seja enquadrada pelo Direito como ato ilícito. Em verdade, como explicitado pelo próprio Reclamante em seu depoimento, as declarações provocaram mera frustração ou chateação. Sendo assim, inexiste ato capaz de causar lesão ao patrimônio imaterial do empregado. Termos em que se nega provimento ao recurso do Reclamante. [Sem grifos no original].
(TRT 9. Processo: 8785200810902 PR 8785-2008-10-9-0-2. Relator(a): SUELI GIL EL-RAFIHI. Órgão Julgador: 4A. TURMA. Publicação: 23/02/2010).
Como se vê, faz-se necessário que o suposto assediador tenha a intenção de atentar contra a honra e a dignidade do trabalhador. Assim, comentários e avaliações decorrentes da própria relação de trabalho sem o “animus” de lesionar, discriminar ou excluir não podem ser considerados assédio moral.
3. TIPOS DE ASSÉDIO MORAL
Para melhor entender o assédio moral, importante que seja feita a distinção dos tipos identificados pela doutrina e jurisprudência. O assédio moral, considerando o sujeito que o pratica, pode ser de três tipos: vertical, horizontal e misto. A seguir, passa-se a analisar cada um desses tipos mais detidamente.
3.1. Assédio moral vertical
O assédio moral vertical é aquele que é praticado em decorrência da hierarquia, podendo ser de duas modalidades: a) assédio moral vertical descendente (do superior hierárquico para o subordinado); b) assédio moral vertical ascendente (do empregado para seu superior hierárquico).
3.1.1. Assédio moral vertical descendente
O assédio moral vertical descendente ocorre quando o superior hierárquico (aqui compreendido tanto o empregador quanto empregados ocupantes de cargos na hierarquia da empresa) assedia moralmente seu subordinado.
Comentando o assédio moral praticado pelo empregador e pelo superior hierárquico, Maria Aparecida Alkimin traz os seguintes esclarecimentos:
Quando o empregador, por trás dos “poderes de mando”, pratica assédio moral, desrespeitando a dignidade do trabalhador, afasta a função social da empresa, atrofia o desenvolvimento pessoal e profissional do trabalhador, evitando a manifestação de cooperação, e, em contrapartida evita que o empregado tenha o devido reconhecimento e consideração, impedindo um ambiente de trabalho harmônico e com qualidade.
O assédio moral cometido por superior hierárquico, em regra, tem por objetivo eliminar do ambiente de trabalho o empregado que, por alguma característica, represente uma ameaça ao superior, no que tange ao seu cargo ou desempenho do mesmo; também o empregado que não se adapta, por qualquer fator, à organização produtiva, ou que esteja doente ou debilitado. Como exemplo, temos o caso da mulher: a gravidez pode se tornar um fator incômodo para alguns. Outrossim, o assédio moral pode ser praticado com o objetivo de eliminar custos e forçar o pedido de demissão. (2013, p. 62).
O assédio moral praticado pelo superior hierárquico (aqui compreendido o empregador), em grande parte das situações, está ligado a fatores econômicos, ou seja, a empresa necessitando diminuir custos, força por meio de atitudes vexatórias ou discriminatórias os trabalhadores (que por algum motivo não estariam atendo às expectativas da empresa) a espontaneamente desligarem-se da empresa, sem que seja necessário o pagamento de algumas verbas trabalhista.
Tal prática revela-se deveras odiosa e viola frontalmente o disposto no art. 170 da Constituição Federal que, além de prever a valorização do trabalho humano, estabelece que toda a propriedade (no caso a empresa) deve exercer sua função social.
3.1.2. Assédio moral vertical ascendente
O assédio moral vertical ascendente, por sua vez, é aquele praticado por um ou mais subordinados em desfavor de seu superior.
Ocorre quando o superior hierárquico não consegue manter o domínio sobre um trabalhador ou um grupo deles, que desrespeita ou descumpre suas ordens, com o intuito de pressioná-lo a desistir de seu cargo. Pode ocorrer também quando o subordinado atenta contra a honra, a dignidade ou a boa fama de seu superior.
Comentando o assédio moral praticado pelo empregado em face do superior hierárquico, Maria Aparecida Alkimin (2013, p.104-105) esclarece que o empregado pode se valer de várias atitudes, comportamentos, gestos ou palavras para cometer esse tipo assédio moral, como por exemplo: atentar contra a honra ou boa fama do seu superior; proferir palavras de baixo calão; negar-se, reiteradamente, a cumprimentá-lo ou ignorá-lo; responder com sarcasmo; ignorar suas ordens; difamá-lo, propagando assuntos pessoais e sobre a sua honra, sua sexualidade, características pessoais ou familiares.
Sem dúvida que o assédio moral vertical ascendente é menos comum, uma vez que, em regra, o trabalhador tende a respeitar o seu superior hierárquico, em razão do temor de perder o emprego. No entanto, existem casos em que o empregado, por ser melhor qualificado, não se intimida diante de seu superior. Sobre o assunto, vale trazer à colação os esclarecimentos lançados pela Juíza do Trabalho Janaína Vasco Fernandes, na fundamentação da sentença prolatada, em 10 de julho de 2012, no âmbito da Reclamatória nº 57000-62.2011.5.21.0001[1], in verbis:
[...]Por fim, de maior raridade, temos o assédio moral ascendente, praticado pelo empregado subordinado em relação a seu chefe ou empregador. Os poderes diretivo e disciplinar, a precariedade da relação de emprego, o poder potestativo de dispensa, as dificuldades de reinserção no mercado de trabalho em caso de desemprego, dentre outros, são fatores que reduzem a margem de ocorrência dessa espécie de assédio moral. Nada obstante, teoricamente, pode-se cogitar do assédio moral ascendente levado a efeito pelo trabalhador melhor qualificado profissionalmente. É um típico caso de subordinação técnica às avessas, próprio da evolução do sistema produtivo, em que o empregador, cada vez mais distanciado da atividade fabril para dedicar-se à administração econômica do empreendimento, depende do empregado que possui os conhecimentos práticos inerentes ao processo produtivo.
Pode-se vislumbrar, de outra parte, sem maior esforço, a possível existência do assédio moral ascendente em relações de emprego especiais, dentre as quais ressalta ilustrativa a do atleta profissional. Em certos casos de atletas consagrados, de remuneração de padrão elevado, a subordinação ao técnico da equipe ou à diretoria é bastante mitigada, contribuindo para a tomada de atitudes abusivas, como a de boicotar ou ignorar as instruções de um treinador.
Por fim, pode ocorrer o assédio moral do tipo ascendente na hipótese de discriminação dos subordinados a um novo chefe, menos tolerante e amigo que o anterior.
Não há dúvida, entretanto, que pela própria estrutura da relação de emprego, os casos mais habituais envolvem assédio dirigido pelo empregador ou chefe ao seu subordinado.
A importância dessa constatação apresenta alguma relevância no campo probatório. Não se pode chegar ao extremo de presumir-se a existência do assédio moral vertical ou descendente; todavia, será exigido um acervo probatório muito mais robusto e convincente para demonstrar o assédio horizontal e, principalmente, o ascendente. Afinal, conforme vetusta lição de Malatesta, convertida em verdadeiro adágio jurídico, ‘o ordinário se presume, o extraordinário se comprova’.
[...]
Vislumbra-se, pois, que o assédio vertical ascendente está mais presente com relação aos trabalhadores mais qualificados ou ainda àquelas profissões consideradas especiais como a dos atletas consagrados que possuem uma subordinação mais mitigada com seus treinadores e clubes. Esse tipo de assédio também pode ser detectado dentre artistas consagrados ou outras ditas “celebridades”, que têm dificuldades de relacionamento e subordinação.
Convém destacar, ainda, como salientado no julgado acima transcrito que, considerando que o assédio vertical ascendente não se trata da prática mais comum de assédio moral, sua comprovação demanda maior robustez probatória.
3.2. Assédio moral horizontal
O assédio moral horizontal caracteriza-se por se referir às condutas lesivas ao estado físico e mental praticadas entre empregados que estejam no mesmo nível hierárquico, sem relação de subordinação.
Para Maria Aparecida Alkimin (2013, p. 63-64), o assédio moral cometido entre colegas de trabalho manifesta-se por meio de brincadeiras maldosas, gracejos, piadas, grosserias, gestos obscenos, menosprezo, isolamento, tendo sua origem em dois fatores: a) conflitos interpessoais que provocam dificuldades de convivência por qualquer motivo pessoal (atributos pessoais, profissionais, capacidade, dificuldade de relacionamento, falta de cooperação, destaque junto à chefia, discriminação sexual etc.); b) competitividade ou rivalidade para alcançar destaque, manter-se no cargo, disputar outro ou obter promoção.
Sobre o mal que o assédio moral cometido pelos empregados gera para a organização do trabalho, Maria Aparecida Alkimin (2013, p.105), esclarece o seguinte:
O assédio moral cometido por empregado também representa um grande mal para a organização do trabalho, pois não apenas desestabiliza as relações humanas dentro da organização, mas também gera prejuízo econômico para o empregador em razão da responsabilidade deste por atos ilícitos de seus subordinados, além de implicar queda na produtividade, já que o assédio moral constrange, humilha, desqualifica, fere a autoestima, enfim, atinge a qualidade de vida no trabalho, e, consequentemente, o fenômeno acaba contaminando todo o ambiente de trabalho quando todos tomam conhecimento, proporcionando queda geral na produção em razão das más condições psicológicas de trabalho.
3.3. Assédio moral misto
Sônia Mascaro do Nascimento (2011, p. 16), citando Rodolfo Pamplona Filho, define o assédio moral misto como sendo aquele que envolve no mínimo três sujeitos: o assediador vertical, o assediador horizontal e a vítima, que é atacada por todos os lados, trazendo-lhe uma situação insustentável em curto espaço de tempo.
Esses são os tipos de assédio moral praticados no ambiente de trabalho, levando em conta o sujeito ou sujeitos que assediam.