INTRODUÇÃO
Hodiernamente, muito se critica a atuação do sistema penitenciário nacional, sendo caracterizado pala falta de impunidade dos indivíduos infratores, principalmente daqueles dotados de boas condições financeiras e menores de idade, tendo reflexo na PEC 171 – Redução da Maioridade Penal. Mas, em proporções consideravelmente menores se critica a inércia do Estado no cumprimento de suas ações relacionadas aos objetivos proporcionadores da reabilitação do indivíduo ao convívio social.
A progressão de regimes é dotada dessa natureza ressocializatória, havendo o dever do indivíduo passar de regime gravoso inicial para outro mais brando posterior, resultando na forma de cumprir o ideal pouco efetivado. Então, a preocupação de haver aplicação devida dos normativos presentes na legislação será o enfoque aqui dado.
A individualização da pena é assunto que tem vínculo com a questão abordada, ambos estão voltados para o percurso do cumprimento da pena do indivíduo de acordo com suas aptidões, seu desenvolvimento, comportamento, criando entre eles um campo subjetivo. Este campo será de suma importância para haver a realização do viés social. Um indivíduo não deve ser submetido a regimes com grau de severidade genérico, devendo ser observado suas peculiaridades para só então enquadrá-lo. A partir desse juízo, cominado com o comportamento do mesmo, que o julgador será apto a analisar o momento correto para aplicação da progressão.
Ao ser analisada referida regra de natureza beneficiadora do encarcerado, um impasse restringe sua atuação, a inércia do Estado em impor estrutura devida aos estabelecimentos, além de profissionais qualificados, que, para com sua aplicação devida, resulte na repressão humanizada e reabilitação social.
1. DA PROGRESSÃO DE REGIMES
A progressão de regimes está prevista para autores submetidos à pena privativa de liberdade. Caracteriza-se por ser um benefício que serve de estímulo para que o condenado possa paulatinamente sair de um regime gravoso para outro menos rigoroso, quando preenchido os requisitos exigidos, sendo os mesmos de ordem objetiva e subjetiva.
Com sábias palavras, preleciona o renomado autor Cezar Roberto Bitencourt em sua obra Tratados de Direito Penal, Parte Geral I (2010, p. 525):
“Os regimes de cumprimento da pena direcionam-se para maior ou menos intensidade de restrição liberdade do condenado, sempre produto de uma sentença penal condenatória. A sanção aplicada possibilita o apenado progredir ou regredir nos regimes, ampliando ou diminuindo seu status libertatis”.
A legislação expôs a forma de como o condenado, através de sua conduta carcerária poderá galgar com o fim de atingir paulatinamente sua liberdade, fazendo com que sua pena seja cumprida de forma progressiva, determinado pelo juiz qual o regime que o mesmo se enquadrará, quando tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior (requisito objetivo), e ostentar bom comportamento carcerário (BCC – requisito subjetivo), comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão[1].
Vale salientar, é indispensável que o apenado tenha cumprido sua pena em regime anterior do qual se encontra, sendo vedada a progressão por salto, ou seja, o apenado não poderá passar do regime fechado para o aberto, sem ter passado obrigatoriamente pelo semiaberto. O contrário é permitido, se caracterizando como regressão de regime, matéria que não abordaremos com maior detalhes no presente trabalho.
A finalidade de expor tal regra presente em nosso ordenamento jurídico consiste em demonstrar as intenções do legislador em proporcionar efetividade na ressocialização, medida esta adotada na natureza das penas, do condenado que está privado de sua liberdade por ter cometido algum ilícito penal. Então, aquele infrator que iniciará seu cumprimento de pena em regime mais gravoso, terá o direito de passar para outro de natureza mais tênue, recuperando aos poucos sua liberdade e, contudo, adquirindo aptidões para um melhor convívio social. Conforme definiu o ilustríssimo professor Rogério Greco:
“A progressão é uma medida de política criminal que serve de estímulo ao condenado durante o cumprimento de sua pena. A possibilidade de ir galgando regimes menos rigorosos faz com que os condenados tenham a esperança de retorno paulatino ao convívio social[2]”.
Diante de breve exposição do funcionamento e finalidade da progressão de regimes, deu-se para notar a importância na aplicação de tal medida em nosso sistema carcerário, a fim de reconduzir esses indivíduos à sociedade com plausíveis mudanças. Todavia, a realidade nas penitenciárias do nosso país é bastante diferente, sendo caracterizada pela falta de estrutura, impossibilitando a aplicação dessas medidas benevolentes. Além da omissão de juízes no enquadramento adequado daqueles, conforme o cumprimento dos critérios expostos anteriormente.
2. INÉRCIA DO ESTADO
Nosso Código Penal caracteriza-se por uma elaboração de qualidade, com medidas efetivas, se aplicadas conforme o mesmo expressa na sua letra, se haver estabelecimentos qualificados, estruturados, se estiver presente políticas públicas que proporcionem todo esse apanhado de qualificações. São tantos “se”, que a sociedade, infelizmente, acaba por enxergar um horizonte sem esperanças de possíveis inversões de realidade.
As prisões brasileiras não se apresentam desfavoravelmente somente no que tange a inércia relacionada à proporcionalidade da progressão de regimes, mas são caracterizadas também pela superlotação e violação de direitos, ações essas se opõem à efetivação da ressocialização do apenado.
Para obter melhor compreensão sobre o que está sendo abordado nesse tópico, mostrarei, conforme a previsão expressa no Código Penal, sua regulamentação a respeito dos locais de cumprimento de pena referente a cada regime: “art. 33, § 1º, a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média; b) regime semiaberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar; c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado[3]”.
A falta de tais estabelecimentos adequados para enquadrar os presos conforme seu atual regime é presente na maioria dos Estados do Brasil. Com a intenção de proporcionar informações para os leitos desse trabalho, mostrarei uma enquete expondo os locais de execução de determinado regime nas capitais de todos os Estados-Membros da Nação. De acordo com o site de noticias “Migalhas”, apenas em 11 capitais os condenados ao regime semiaberto ficam reclusos exclusivamente em colônias agrícolas industriais e estabelecimentos similares[4]. São elas: Rio Branco/AC, Salvador/BA, Goiânia/GO, Campo Grande/MS, Recife/PE, Teresina/PI, Curitiba/PR, Rio de Janeiro/RJ, Natal/RN, Porto velho/RO, Porto Alegre/RS e Palmas/TO. Nas demais, com a ausência de estabelecimentos prisionais desse tipo ou pela falta de vaga, enquadram os apenados em penitenciárias comuns, casas do albergado, em prisão domiciliar ou até mesmo livres, com uso de tornozeleira eletrônica ou mediante comprovação de trabalho[5].
Diante do exposto, há uma peculiaridade a ser observada. Na falta de estabelecimentos adequados para o cumprimento de pena do regime semiaberto, o condenado pode cumprir sua pena em estabelecimentos próprios do aberto, até o surgimento de vaga no primeiro (semiaberto). Foi concedido em julgados pelos tribunais com o fundamento de não poder o condenado ser posto em regime mais gravoso do que o estabelecido na sentença condenatória. Não devendo ser penalizado pela inércia estatal.
Conforme o entendimento do STJ a respeito do caso:
“Esta Corte Superior tem entendido pela concessão do benefício da prisão domiciliar ou albergue, a par daquelas hipóteses contidas no art. 117 da Lei de Execução Penal, aos condenados que vêm cumprindo pena em regime mais gravoso do que o estabelecido na sentença condenatória ou que foram promovidos ao regime intermediário, mas não encontram vaga em estabelecimento compatível. Ordem concedida, em que pese o parecer ministerial em sentido contrário, para determinar que o paciente permaneça no regime aberto até o surgimento de vaga em estabelecimento adequado” (STJ, HC 186065/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Dje 1º/7/2011)[6].
Os condenados que encontram-se em regime semiaberto e estão cumprindo suas penas em penitenciárias comuns com alas específicas para esse tipo de regime, como é o caso deparado nas capitais Manaus/AM, Fortaleza/CE, Brasília/DF, Belo Horizonte/MG, João Pessoa/PB, Boa Vista/RR, Florianópolis/SC e São Paulo/SP[7]. Estão sendo prejudicados em virtude de inércia do Estado em cumprir as determinações contidas na Lei de Execução Penal.
É fácil notar as medidas adotadas como uma espécie de segundo plano em tais estabelecimentos, caracterizando-se à forma de remediar, maquiar o problema, como é bastante comum em decisões advindas da nossa administração, nunca havendo uma reforma, reflexo das políticas públicas pouco efetivas. Então, indaga-se, como a efetivação do sistema carcerário, dotado de um viés ressocializador, com a tentativa de tornar apto o apenado para voltar ao convívio social, livre de ideários ilícitos, pode ficar em segundo plano?! Ora, são perguntas que somente eles detêm o domínio de responder. O que podemos aqui nos ater é, somente em passar um pouco de informações e opiniões pautadas na realidade.
Fica claro, levando em consideração a situação atual dos presídios, que as medidas tomadas não se comportam de forma efetiva a fins ressocializatórios. Cogita-se em haver mudanças, tornando o cárcere mais sadio, se tivéssemos estabelecimentos estruturados capazes de proporcionar o que a legislação exige. Pelo fato entender que o recluso teria melhores resultados cumprindo sua pena de acordo com seu atual regime e em local adequado referente ao mesmo, caso contrário, o legislador não teria imposto as condições iniciais. Então, tal inércia do Estado reflete no atraso de obtenção do ideário social.
3. MEDIDAS RESSOCIALIZATÓRIAS
Como já se deve ter notado, a progressão de regimes traz em seu fundamento a proporção de reabilitar o indivíduo à sociedade conforme seu comportamento dentro do cárcere, e com isso tendo o direito de adquirir paulatinamente sua liberdade retirada pelo cometimento de determinado (os) delito (os).
Conforme o preso vai progredindo nos regimes, vai se instalando em estabelecimentos assemelhados a vida em sociedade, afastando-o do convívio carcerário que, como todos nós sabemos, somente contribui para formar negativamente sua personalidade. Tendo como exemplo demonstrativo, a Casa de Albergado, que tem a função se simular uma residência alheia ao ambiente do cárcere, pois, como determina o art. 94 da LEP, o prédio deverá situar-se em centro urbano, separado dos demais estabelecimentos, e caracterizar-se pela ausência de obstáculos físicos contra fuga[8].
Nas palavras de Ana Maria de Barros, membro do Observatório dos Movimentos Sociais e pesquisadora no Sistema Penitenciário, é importante demonstrar:
“O aumento da criminalidade violenta no país, os crescentes problemas sociais expõem cada vez mais as populações mais pobres às variadas situações que as aproximam do universo da criminalidade. Nesse cenário, caótico, as prisões passam por um amplo processo de rejeição e incômodo social, aliada as dificuldades enfrentadas pelo Estado Brasileiro no controle social. Os setores mais conservadores da política brasileira enxergam no endurecimento das penas, no aumento do encarceramento a solução para o problema da violência.” (BARROS, Ana Maria. 2011, p. 3).
Percebe-se, diante do exposto, que a criminalidade é geradora e também gera problemas sociais, e o cárcere, ambiente com natureza de controle deste ciclo, também se integra no mesmo como propulsor de tal vício. E aí, são diversos os aspectos notados com o funcionamento atual do sistema, desde a superlotação dos presídios à violação dos direitos humanos. Dentro desse paralelo, inclui-se a omissão no proporcionamento da progressão de regimes, sendo o ponto negativo abordado no presente trabalho.
Assim como foi apresentado acima, para que o condenado se beneficie com a progressão, é necessária a presença dos dois critérios (objetivo e subjetivo), no que tange a esta matéria, o bom comportamento carcerário, requisito subjetivo, por ser mérito do condenado, o mesmo deve mostrar aptidões de adaptação ao sistema ressocializador, frequentando cursos educativos, trabalhando, não cometendo faltas graves, etc. Não obstante isso, a maioria dos estabelecimentos prisionais não proporcionam acesso qualificado à educação ou nem oferecem, então, se não há eficácia no oferecimento de recursos que facilitem a sociabilidade do indivíduo e que contribuam para o atingimento de um dos critérios para progressão, quiçá, a aplicação da mesma.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fins conclusórios, de acordo com os meios que obtivemos para a construção deste trabalho, detemo-nos de opiniões que figuram-se a favor da aplicabilidade efetiva de tais medidas adotadas no nosso ordenamento jurídico, e acreditamos que se houver estabelecimentos bem estruturados, dotados de meios aptos a proporcionar suas finalidades essenciais, a realidade presente neles seria outra.
Então, estamos expondo idéias não tanto técnicas a respeito de somente uma de várias situações de desordem no sistema penitenciário nacional, o que contribui para se chegar a conclusão de quão é complexa as falhas que ocasionam o seu mal funcionamento e contribuem para o agravamento do problema social.
Contudo, outro questionamento é de suma importância ser ressaltado para se dar o desfecho desse trabalho. No que tange a ressocialização do condenado. Deve-se ter cautela quando se fala em ressocializar, pois, não se sabe como se deu a sociabilidade daquele infrator, quais os juízos empregados por ele, essa “ressocialização” deve ser estabelecida de acordo com cada indivíduo, por isso a necessidade de haver um número de profissionais cada vez mais qualificados. No entanto, esse termo é bem mais complexo quanto se imagina, e o emprego dele com cautela é que poderá realmente fazer a diferença.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal – parte geral 1. 15ª edição, 2010.
[2] GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral, 2015, p. 561.
[3] Código Penal, art. 33, § 1º, a, b, c.
[4] http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI194415,101048-Regime+semiaberto+praticamente+nao+existe+no+Brasil
[5] Op. Cit.
[6] GRECO, Rogério. Curso de direito penal - parte geral, 2015, p. 586.
[7] Op. Cit.
[8]GRECO, Rogério. Curso de direito penal - parte geral, 2015, p. 586.
[9] GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. Vol 1. 17ª edição, 2015.
[10] STJ, HC 186065/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Dje 1º/7/2011.
[11] BARROS, Ana Maria. A educação penitenciária em questão: notas para uma metodologia, 2011.