EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA INIMPUTABILIDADE
A loucura sempre existiu, uma vez que está no homem e o acompanhou durante toda sua evolução.
Contudo, as pessoas consideradas atualmente como portadoras de doença mental nem sempre foram consideradas como vítima de uma doença, como esclarece Marco Antônio Praxedes de Moraes Filho10, ao fazer uma breve análise a cerca da evolução da inimputabilidade:
“Nem sempre essas pessoas consideradas hoje como portadoras de problemas mentais foram interpretadas como enfermas - vítimas de uma doença. Esta visão da loucura como fato médico é relativamente recente na cultura ocidental. Tivemos ao longo dos tempos inúmeros outros conceitos para este tipo de mau: trazendo conteúdos religiosos ou morais, poéticos e científicos. Tal evolução é fruto de um longo processo de organização social, gerando diferentes formas de observação e interpretação de seus comportamentos, aliada ao surgimento da ciência teórica no Ocidente pelos filósofos gregos no séc. VI a.C”.
No Brasil, antes mesmo da vinda da coroa portuguesa, já existia algumas ordenações jurídicas, sendo a principal as Ordenações Filipinas, promulgada em 11 de janeiro de 1603, em que consistia em um conjunto de normas jurídicas enviado pelo rei da Espanha, Filipe II, com o objetivo de reformar o Código Manuelino.
Nesse período não existia uma menção sobre um tratamento ao louco, mas apenas uma citação sobre o indivíduo com desenvolvimento mental incompleto. Onde estabelecia que a pessoa maior de 17 anos e menor que 20 anos que praticasse um crime, o juiz da causa poderia aplicar uma sanção mais branda. Ordenações Filipinas – Livro V, Título CXXXV, in verbis:
Ordenações Filipinas – Livro V, Título CXXXV: “Quando os menores serão punidos por os delictos, que fizerem. Quando algum homem, ou mulher, que passar de vinte annos, commetter qualquer delicto, dar-se-lhe-ha a pena total, que lhe seria dada, se de vinte e cinco annos passasse. E se fôr de idade de dezasete annos até vinte, ficará em arbítrio dos Julgadores dar-lhe a pena total, ou diminuir-lha. E em esse caso olhará o Julgador o modo, com que o delicto foi commettido, e as circunstâncias delle, e a pessôa do menor; e se o achar em tanta malicia, que lhe pareça que merece total pena, dar-lhe-ha, postoque seja de morte natural. E parecendo-lhe que não a merece, poder-lha-ha diminuir, segundo a qualidade, ou simpleza, com que achar, que o delicto foi commettido. E quando o delinquente fôr menor de dezasete annos cumpridos, postoque o delicto mereça morte natural, em nenhum caso lhe será dada, mas ficará em arbítrio do Julgador dar-lhe outra menor pena. E não sendo o delicto tal, em que caiba pena de morte natural, se guardará a disposição do Direito Commum.”
Em 16 de dezembro de 1824, surge o Código do Império Brasileiro, diferentemente das Ordenanças Filipinas, o referido código trouxe uma garantia às pessoas portadoras de loucura, pois asseguravam a estas um tratamento diferenciado ao do criminoso comum. No entanto, ainda não existia uma distinção entre a medida de segurança e a pena. No art. 10. do Código Criminal do Império do Brasil, estabelecia que:
Art. 10: “Também não se julgarão criminosos: §1.º Os menores de quatorze annos. §2º Os loucos de todo o gênero, salvo se tiverem lucidos intervallos e nelles commetterem o crime”. Art. 12: “Os loucos que tiverem commettido crimes serão recolhidos ás casas para elles destinadas, ou entregues ás suas famílias, como ao juiz parece mais conveniente”.
Após a proclamação da República, em 1890 foi elaborado o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil. Vale ressaltar que houve muitas críticas referentes a este código uma vez que não correspondia à realidade social da época. Contudo, no que tange a inimputabilidade, ele trouxe os indivíduos que não seriam considerados como criminosos, conforme o artigo 27, do citado código:
Art. 27. Não são criminosos:
§ 1º Os menores de 9 annos completos;
§ 2º Os maiores de 9 e menores de 14, que obrarem sem discernimento;
§ 3º Os que por imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil, forem absolutamente incapazes de imputação;
§ 4º Os que se acharem em estado de completa privação de sentidos e de intelligencia no acto de commetter o crime;
§ 5º Os que forem impellidos a commetter o crime por violencia physica irresistivel, ou ameaças acompanhadas de perigo actual;
§ 6º Os que commetterem o crime casualmente, no exercicio ou pratica de qualquer acto licito, feito com attenção ordinaria;
§ 7º Os surdos-mudos de nascimento, que não tiverem recebido educação nem instrucção, salvo provando-se que obraram com discernimento.
Para Augusto Zagonel11 esse novo código trouxe uma restrição sobre o arbítrio do juiz, pois “no Código Republicano, o juiz deveria justificar a internação, ou seja, a internação deveria ser fundamentada na periculosidade do agente para a sociedade e na doença de que era portador”.
Em 1932, o desembargador Vicente Pirangibe deu origem a um novo Código Penal, ao publicar o livro Código Penal Brasileiro Completado com as Leis Modificadoras em Vigor, o qual tinha como objetivo ajudar a aplicação correta das leis penais.
Nele previa a presunção absoluta de inimputabilidade para os menores de 14 anos, não importando se estes agiram com discernimento ou não. Também trouxe a internação dos inimputáveis em hospitais próprios, porém até sua construção os mesmos ficariam internados em hospitais públicos ou em pavilhões separados.
Obsta que a medida de segurança apenas surgiu, bem como passou a regular o tratamento dos doentes mentais através do Código Penal de 1940.
Pelo artigo 22, Título III, do Código Penal de 1940, percebe-se que o critério utilizado como pressuposto da responsabilidade penal era o biopsicológico, pois era necessário a somatória dos fatores biológico e psicológico, in verbis:
“É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.
Por fim, com a reforma de 1984, onde modificou totalmente a parte geral do Código Penal de 1940 e que perdura até hoje, houve a mudança do sistema da sanção penal, o qual antes era o duplo binário e com a reforma passou para o sistema vicariante, onde se tornou proibido aplicar de forma cumulada a pena e medida de segurança, deste modo, agora, ao imputável aplica-se uma pena e ao inimputável aplica-se uma medida de segurança.
Ainda classificou a medida de segurança em detentiva e restritiva. Também trouxe o conceito para os inimputáveis em seu artigo 26, porém, o critério para considerar um agente inimputável permaneceu o mesmo do Código de 1940, que é o critério biopsicológico.
Nesse esteio, Ísis Marafanti et al.12 trazem uma breve análise sobre a inimputabilidade no direito penal brasileiro:
“Como se pode notar, a questão da internação do doente mental evoluiu ao longo da história. No Código Penal do Império deveria ser determinada como parecesse mais conveniente ao julgador, passando a ser fundamentada no Código Republicano no caso de necessidade de segurança pública, e por fim, no Código Penal de 1940, obrigatória devido à presunção de periculosidade do mentalmente enfermo. O critério adotado para a responsabilidade penal atualmente é o critério biopsicológico, seguindo a tendência do Código de 1940. Enquanto nos texto legais do Código Penal do Império e do Código Republicano o doente mental não era considerado criminoso, a partir do Código de 1940 o doente mental passa a ser considerado isento de pena, ou seja, a Lei reconhece objetivamente que houve ação ou omissão típica e antijurídica, mas que quem a cometeu não responderá por ela, devendo o fato não lhe ser imputado”.
Notas
1 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral, vl. 1. – 15ª ed. Rio de Janeiro. Impetus, 2013.
2 TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral: arts. 1º a 120, vl. 1. – 2 ed. São Paulo, Atlas, 2006.
3 TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral: arts. 1º a 120, vl. 1. – 2 ed. São Paulo, Atlas, 2006.
4 CAPEZ, Fernando e Stela Prado. Código de Processo Comentado – 5ª ed. São Paulo. Saraiva, 2014.
5 Súmula 341 do STJ: A freqüência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semi-aberto.
6 TELES, Ney Moura. Direito Penal – Parte Geral. vl 1. 2ª ed. São Paulo. Atlas. 2006, p. 469.
7 CAPEZ, Fernando e Stela Prado. Código de Processo Comentado – 5ª ed. São Paulo. Saraiva, 2014.
8 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 10. Ed. São Paulo. Atlas, 2002. p 267.
10 Em artigo intitulado “Evolução histórica da inimputabilidade penal”, disponível em: <https://jus.com.br/artigos/8234/evolucao-historica-da-inimputabilidade-penal>. Acesso em: 29 ago. 2015.
11 Em artigo intitulado “A Evolução Histórica da Inimputabilidade Penal e Medida de Segurança no Brasil”, disponível em <https://uj.novaprolink.com.br/doutrina/8263/a_evolucao_historica_da_inimputabilidade_penal_e_medida_de_seguranca_no_brasil>. Acesso em 30 de ago. de 2015.
12 Em artigo intitulado como “Aspectos Históricos e Atuais da Inimputabilidade Penal no Brasil”, disponível em: <https://www.procrim.org/revista/index.php/COPEN/article/view/179/288>. Acessado em: 30 de agosto de 2015.