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O direito constitucional de defesa do acusado no devido processo penal eletrônico

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Agenda 03/09/2016 às 17:41

O direito constitucional de defesa do acusado no devido processo penal eletrônico.

1 INTRODUÇÃO

Durante as primeiras civilizações, a resolução dos conflitos se dava mediante o uso da força física; no decorrer do tempo, a autotutela foi substituída pela jurisdição. Assim, no lugar das próprias partes resolverem seus conflitos mediante a força física, o Estado tomou para si, por meio dos juízes togados, a decisão de solucioná-los. Para isso, utiliza como método, o processo judicial, no quais os litígios neles envolvidos, são substituídos pelo pronunciamento judicial dos magistrados, a quem incumbe o poder-dever de solução das lides e pacificação dos conflitos.

Especificamente, o Direito Processual, por meio de seu conjunto de normas e princípios, possui o objetivo de regular o exercício da jurisdição, com o intuito de assegurar a aplicação das leis aos casos concretos, a pacificação dos conflitos, resguardo da ordem jurídica em vigor e a tutela dos interesses das partes envolvidas em determinada ação.

Destarte, no momento em que o Estado-juiz chamou para si a responsabilidade de solucionar as querelas entres os interessados, também garantiu que os entraves fossem resolvidos racionalmente e com agilidade. Assim, fez-se mister que a resolução das contendas se adequasse com a duração razoável do processo, atualmente garantida na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988.

Nesse contexto, o processo judicial teve de se adaptar à realidade encontrada no mundo globalizado, tendo passado por diversas fases, como a oral, a escrita (papéis) e, na atualidade, como foco deste trabalho, o processo eletrônico.

O processo eletrônico tem como uma de suas principais finalidades, imprimir celeridade à prestação jurisdicional, devido à grande morosidade observada no judiciário brasileiro, o que vai de encontro ao artigo 5º da Constituição Federal ao exigir a duração razoável do processo.

Objetivando colocar em prática a informatização do processo no país, diversas legislações foram criadas ao longo dos anos, sendo a mais importante a lei 11.419/2006, que dispôs sobre a informatização do processo judicial e alterou em vários pontos o Código de Processo Civil.

Por outro lado, o respeito à duração razoável do processo não deve subjugar os demais direitos que o indivíduo possui, em especial, ao devido processo legal. O devido processo legal assegurará que as partes sustentem suas razões e promoverá o acesso à justiça, garantindo o contraditório e a ampla defesa.

Assim, conforme o Pacto de São José da Costa Rica[1] (art. 8º), tendo o Brasil como signatário: “Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela (...)”.

Dessa forma, no decorrer deste estudo, serão abordadas as legislações aplicadas ao processo eletrônico, o processo virtual no âmbito do direito processual penal, suas vantagens e desvantagens, sua aplicação perante o direito constitucional, sua adequação ao devido processo legal, o principio do contraditório e o da ampla defesa no âmbito do processo virtual, a dignidade da pessoa humana, dentre outros.

2 HISTÓRICO, LEGISLAÇÃO E DIREITO COMPARADO

O poder judiciário brasileiro, com a evolução social e, em especial, com a evolução tecnológica, teve que se atualizar com o uso de mecanismos mais recentes, no que tange à tecnologia da informação, para que pudesse adequar-se a estes novos tempos. No decorrer das décadas, inúmeras descobertas no campo cientifico ocorreram, como por exemplo na filosofia, na matemática, na física etc. Contudo, a grande revolução do século XX deu-se em decorrência da criação do computador, da evolução da internet e da informatização globalizada.

Nesse contexto, o judiciário não mais pôde se afastar desse fenômeno que modifica e interliga todas as pessoas no mundo e influencia, até mesmo, a tutela jurisdicional. Dessa forma, ao longo dos anos, diversas legislações e transformações aliadas a essa nova realidade, a eletrônica, foram surgindo, dando ao judiciário brasileiro um caráter inovador.

Assim, no Brasil, a primeira lei que dispôs acerca da informatização foi a de n.º 7.232/1984, que dispunha sobre a Política Nacional de Informática, objetivando a capacitação nacional nas atividades de informática, em proveito do desenvolvimento social, cultural, político, tecnológico e econômico da sociedade brasileira (art. 2º). Essa lei estabelecia em seu art. 1º, o seguinte:

Esta Lei estabelece princípios, objetivos e diretrizes da Política Nacional de Informática, seus fins e mecanismos de formulação, cria o Conselho Nacional de Informática e Automação - CONIN, dispõe sobre a Secretaria Especial de Informática - SEI, cria os Distritos de Exportação de Informática, autoriza a criação da Fundação Centro Tecnológico para Informática - CTI, institui o Plano Nacional de Informática e Automação e o Fundo Especial de Informática e Automação.

Posteriormente, diversas foram as normas que trataram da informatização no país, como a lei n. 8.248/1991, que alterou a normativa acima citada e a Lei n.º 10.176 de 11 de janeiro de 2001, que as alteraram. Houve ainda, a Lei n.º 7.646/1987, que tratou da proteção à propriedade intelectual sobre programas de computador e sua comercialização no país, tendo sido revogada posteriormente pela Lei n.º 9.609/1998.

No que tange à internet, sua introdução no Brasil deu-se em 1990, através da Rede Nacional de Pesquisa, tendo sido um projeto do Ministério da Educação. Contudo, o país conectou-se à rede mundial de computadores apenas em 1992, sendo que somente em 1995 liberou-se a internet para comercialização, através de Portaria do Ministério da Ciência e Tecnologia.

A primeira norma que tratou da tecnologia da informação nos processos judiciais brasileiros foi a lei 9.800/99, que permitia às partes a utilização de sistema de transmissão de dados para a prática de atos processuais. Essa lei abordava em seu art. 1º, que: “É permitida às partes a utilização de sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou outro similar, para a prática de atos processuais que dependam de petição escrita.”.

Em contrapartida, essa norma não possibilitava a celeridade dos processos judiciais, visto que condicionava a validade dos atos à apresentação física (original) dos documentos, o que levava a um aumento dos prazos processuais. No entanto, foi a primeira vez que houve mudança nos atos do processo, relacionados à tecnologia da informação.

 No ano de 2001, com a criação dos Juizados Cíveis e Criminais no âmbito Federal, com a edição da lei n. 10.259 do mesmo ano, possibilitou-se a prática de atos na justiça federal de forma eletrônica, que se dava desde a intimação das partes até a recepção das petições, sem necessidade de apresentação, posteriormente, dos originais dos documentos.

Continuamente, foi a partir da lei 11.419 de 19 de dezembro 2006, que o judiciário brasileiro se adaptou aos poucos, mas definitivamente, ao processo eletrônico. Essa norma trouxe diversas alterações ao Código de Processo Civil, dispondo, primordialmente, acerca da disciplina do processo (civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição) de forma eletrônica, com o intuito de, ABRÃO (2011):

(...)minando as resistências, reduzindo os custos, acarretando celeridade e economia processual, na medida em que papel deixa de existir e o armazenamento de toda a informação, do início até o fim do procedimento, acontece pela via eletrônica.

Tal norma é considerada como a “Lei de informatização do judiciário”, pois trata da criação do Processo Eletrônico (capítulo III), dispõe sobre “O uso do meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais (...)” (art. 1º). Possibilita também, “O envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico (...)” (art. 2º).

 Outras leis importantes foram a de n.º 11.341/2006, que alterou o parágrafo único do art. 541 do Código de Processo Civil, para admitir que as decisões disponíveis em mídia eletrônica, inclusive na internet, fossem suscetíveis de prova em caso de divergência jurisprudencial. Além dela, a lei 11.382/2006 promoveu muitas alterações no CPC, dentre elas a inclusão do art. 665-A[2] no referido Código, tratando da penhora on line.

Em comparação com outros países e suas legislações, o Brasil é pioneiro quando o assunto é processo eletrônico, pois é o único país a ter uma lei federal (11.419/2006) que dispõe sobre a tramitação de todo o processo feito eletronicamente. Em países, como na Espanha, somente os processos relativos ao fisco é que são digitais; nos Estados Unidos, a informatização do processo só acontece na justiça federal. Destarte, para diversos autores, não há precedentes em qualquer lugar do mundo, no tocante ao processo digital, como o que já existe no ordenamento jurídico brasileiro.

3 O PROCESSO VIRTUAL NO ÂMBITO DO DIREITO PROCESSUAL PENAL

A implementação do processo judicial eletrônico, também chamado de processo virtual, tem como objetivo principal a utilização da tecnologia da informação para tornar mais célere a prestação jurisdicional. Tendo por base, nesse processo, o respeito aos princípios da celeridade processual, do acesso à justiça, assim como a garantia da razoável duração do processo. Um processo totalmente digitalizado se apresenta como uma forma de aceleração do Judiciário, tornando menos moroso o trâmite processual.[3]

Mendes[4] afirma que “a utilização do processo virtual possibilita um maior controle e transparência no âmbito jurídico, maior celeridade no trâmite processual e uma prestação jurisdicional mais eficiente.”

Cabe inicialmente fazer uma breve análise histórica do processo virtual, para  posteriormente tratar de forma mais específica sobre sua incidência no direito processual penal. Nesse sentido, a atenção às modernas tecnologias de comunicação se deu desde 1991, com a promulgação da Lei nº. 8.245, com a possibilidade de citação por meio do fac-símile. Já em 1999 houve a edição da Lei nº. 9800/99 (Lei do Fax), permitindo a transmissão de peças processuais por meio do fax. Em 2001, foi editada a Lei nº10. 259, instituindo os Juizados Especiais Federais e, desta forma garantindo um processo totalmente.[5]

O grande destaque no processo judicial eletrônico é a Lei n. 11.419 de 19 de dezembro de 2006 que foi inserida no mundo jurídico com a finalidade de instituir o processo eletrônico no Brasil e tornar o trâmite processual mais ágil. A lei supracitada também objetiva regulamentar a comunicação e a transmissão de peças processuais por meios eletrônicos nos processos da esfera civil, trabalhista e penal, exigindo, ainda, que os órgãos públicos adotem mecanismos que facilitem a comunicação de atos processuais e de informações referentes aos processos judiciais.

A Lei nº 11.419/06 dispõe sobre a informatização do processo judicial, tratando em seus arts. 8º a 13 especificamente do processo eletrônico, que consiste, conforme estabelece o aludido art. 8º, no “processamento de ações judiciais por meio de autos total ou parcialmente digitais, utilizando, preferencialmente, a rede mundial de computadores e acesso por meio de redes internas e externas”. Todos os seus atos são assinados eletronicamente, através de certificado digital ou mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário (art. 1º, §2º, III da Lei nº 11.419/06).

Piza[6] ao tratar da aplicação das novas tecnologias da comunicação ao Processo Penal, afirma que tal assunto envolve três etapas. A primeira é a etapa da automação, que diz respeito à melhoria dos procedimentos burocráticos dos Tribunais; a segunda etapa é a da informatização, referente à disponibilização de dados em redes como a Internet, e a última é a etapa da transformação, referente à prática de atos processuais com o auxílio da tecnologia de informação.

Cabe destacar também os apontamentos feitos por Almeida Filho e Cesarino[7]:

“A aplicação da informatização judicial no Brasil, em especial quanto ao Processo Penal, deve ser precedida de toda cautela, sob pena de prestigiarmos a violação de Direitos Fundamentais consagrados em nosso sistema (…)”

Ainda com base nos ensinamentos dos autores supracitados, a informatização judicial é muito mais do que processos de informática e da prática de atos processuais por meio eletrônicos, tais como digitação dos autos e peticionamento eletrônico, ela está intimamente ligada à ideia de um procedimento por meio eletrônico. No processo penal, a não ser pelo interrogatório on-line, ou à distância, adotado por alguns doutrinadores, não temos a prática dos atos processuais por meios eletrônicos, a não ser o envio de peças nos termos da Lei no. 9800/99, que se aplica a todos os processos.

Contudo, mesmo com relação ao interrogatório, há divergências sobre a sua  implantação à distancia no processo penal.

Nesse contexto, é fundamental destacar os ensinamentos de GOMES e D URSO[8]; o primeiro autor propõe a existência de compatibilidade entre os avanços tecnológicos no interrogatório e o sistema de garantias do acusado ao defender que:

“Desde que tomadas as devidas cautelas e preservados os direitos e garantias fundamentais de todas as pessoas, não há como evitar que os recursos tecnológicos e informáticos sejam ampla e eticamente utilizados no âmbito do Judiciário. Eficiência e garantismo, esse é o binômio da Justiça do terceiro milênio.”

Em contrapartida, D URSO afirma que “não se admite nenhum retrocesso em termos humanitários, de forma que o réu tem o direito de ter sua voz ouvida, e não lida, sua imagem presente, e não transmitida.”

Entretanto, apesar da existência de correntes a favoráveis e contrárias, prevalece por parte da doutrina, a corrente que defende a não aplicação do interrogatório on-line. Em 2004, por exemplo, como resultado do I Congresso Internacional de Direito Eletrônico, firmou-se a Carta de Petrópolis, quando estudiosos do assunto decidiram não apoiar qualquer movimento neste sentido, ou seja, devem prevalecer os Direitos Fundamentais e, dentre eles, a garantia do interrogando estar presencial e fisicamente à frente da autoridade judiciária competente [9].

Há também quem defenda a aplicação da Informática Jurídica, aliada aos Direito Eletrônico e Processual, no que se refere aos meios de prova na esfera penal. A ideia de um processo totalmente eletrônico não deve ser repudiada no Processo Penal, mas os atos processuais, à exceção do interrogatório e da citação, podem e devem ser praticados por meio eletrônico, com o respectivo armazenamento em sistema computacional seguro, nos termos da norma ABNT no. 27001/2006, que trata da segurança em termos de tecnologia da informação.

4 VANTAGENS E DESVANTAGENS DO PROCESSO PENAL VIRTUAL

A sociedade pós-moderna denota-se tecnológica, ou como já se aponta, uma sociedade da informação. O direito não está se esquivando dessa realidade. A presença tecnológica induz a uma necessária modernização nesta seara jurídica, com a aproximação desse novo modelo e linguagem social, justamente para que o discurso e a prática não sejam engolidos com as céleres interferências tecnológicas.

Em consonância com o desenvolvimento de novas ferramentas de informatização, observa-se o crescimento desproporcional do sistema judiciário, com o aumento de demandas proporcionais aliadas à credibilidade depositada na Justiça enquanto única ferramenta solucionadora de conflitos e divergências. No processo penal, em específico, a mídia é um elemento fomentador desta situação. Quanto mais crime e imagem sensacionalista, maior serão as vendas e lucros da imprensa, criando graves problemas quanto ao domínio da prova e a própria atividade argumentativa das partes, frente as relações multimídias (SAMPAIO, 2013, p. 257).

Ana Montesinos García (2009, p. 23-24), quando discute a inserção de novas tecnologias no processo penal, traz o julgamento dos arguidos condenados pelo ataque terrorista de Madrid, em 2004, onde vários atos processuais e a leitura de sentença ocorreram por videoconferência, em tempo real, em diversos lugares e com espectadores não só no território espanhol. Esse caso foi emblemático e importante difusor mundial do uso de tecnologias no processo penal. No entanto, antes dessa data, no Brasil já ocorriam interrogatórios on-line, em 1996, encaminhados pelo então juiz Luiz Flávio Gomes (2009, p. 30).

Somente com o advento da Lei nº 11.419/2006 é que o Brasil instituiu e regularizou a informatização do processo judicial. E, três anos depois, com a Lei nº 11.900/2009, previu-se a possibilidade de realização do interrogatório e demais atos processuais pelo sistema de videoconferência; garantindo, assim, maior celeridade aos processos judiciais[10], como ratifica Sampaio (2013, p. 253):

Os processos hoje já começam a ser eletrônicos. O acesso aos Tribunais Superiores se mostra on-line, o que em muito poderá ajudar àqueles jurisdicionados e seus representantes. As audiências já começam a ser realizadas através da gravação audiovisual. Toda esta modernização gira na busca de uma resposta judicial rápida, para a demonstração da efetividade do Poder Judiciário à sociedade. Velocidade de recepção e transmissão de dados, atualmente, se traduz em efetividade processual.

A implantação de sistemas judiciais eletrônicos já está em exercício e trazendo muitos benefícios para os que dele necessitam, por exemplo, cartas precatórias e intimações podem ser expedidas por meio eletrônico, pessoas que tenham algum processo tramitando na esfera judicial pode acompanhá-lo, entre outras vantagens. No entanto, na esfera do processo penal, em específico, ainda existem divergências quanto a utilização da videoconferência para interrogatórios e outros atos judiciais em ações penais, sem a presença física do juiz e do réu na mesma sala.

 Tendo em vista a necessidade do Poder Público lançar mão de um mecanismo eficaz que evitasse os transtornos provocados pelo transporte de presos das unidades prisionais aos fóruns, foi publicada a Lei nº 11.900, de 8 de janeiro de 2009, que possibilitou  a utilização do sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, em interrogatório de presos e outros atos processuais, como a acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, inquirição de testemunha ou tomada de declarações do ofendido.

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Ainda que a regra continue a ser a realização do interrogatório do réu preso, em sala própria, no estabelecimento em que estiver recolhido, na presença física do juiz (CPP, art. 185, § 1º), essa Lei passou a autorizar, em situação excepcionais, que o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, realize o interrogatório do réu por videoconferência, conforme previsto no § 2º, art. 185:

§ 2o  Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:

I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;

II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal;

III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código;

IV - responder à gravíssima questão de ordem pública (BRASIL, 2009).

Segundo GOMES (2009, p. 30) e CAPEZ (2009, p. 32), muitos são os argumentos favoráveis ao uso da videoconferência na Justiça Criminal: risco de fugas, risco de resgates, economia orçamentária etc. Em contraposição, o argumento desfavorável mais repetido é o que se refere à videoconferência enquanto um impedimento do contato físico do réu com o juiz. Ainda na década de sessenta, foram estabelecidos o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP)[11] e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica)[12], que falam em contato “pessoal” do acusado com o juiz, esse contato, na época em que foi elaborado, só podia ocorrer em sua forma física. Este posicionamento ainda é predominante na doutrina:

É pelo interrogatório que o juiz mantém contato com a pessoa contra quem se pede a aplicação da norma sancionadora. E tal contato é necessário porque propicia ao julgador o conhecimento da personalidade do acusado e lhe permite, também, ouvindo-o, cientificar-se dos motivos e circunstâncias do crime, elementos valiosos para a dosagem da pena (...). Por isso é fundamental este contato entre julgador e imputado quando aquele ouvirá, de viva voz, a resposta do réu à acusação que se lhe faz (TOURINHO FILHO, 1998, p. 266).

O interrogatório é a grande oportunidade que tem o juiz para, num contato direto com o acusado, formar juízo a respeito de sua personalidade, da sinceridade de suas desculpas ou de sua confissão, do estado d´alma em que se encontra, da malícia ou da negligência com que agiu, da sua frieza e perversidade ou a sua elevação e nobreza; é o ensejo para estudar-lhe as reações, para ver, numa primeira observação, se ele entende o caráter criminoso do fato e para verificar tudo mais que lhe está ligado ao psiquismo e à formação moral (TORNAGHI, 1967, p. 812).

No entanto, diante dos recursos que são apresentados diariamente à sociedade, é possível compreender de forma extensiva e progressiva. O contato continua a existir, só que agora em outros formatos[13], como corrobora a Ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal federal (STF):

Além de não haver diminuição da possibilidade de se verificarem  as características relativas à personalidade, condição socioeconômica, estado psíquico do acusado, entre outros, por meio de videoconferência, é certo que há muito a jurisprudência admite o interrogatório por carta precatória, rogatória ou de ordem, o que reflete a ausência de obrigatoriedade do contato físico direto entre o juiz da causa e o acusado, para a realização do seu interrogatório.

Além disso, outra tese contrária afirma que o emprego de videoconferência reduziria a garantia de autodefesa, pois não proporcionaria ao acusado a serenidade e segurança necessárias para delatar seus comparsas e, ainda, que não haveria garantia de proteção do acusado contra toda forma de coação ou tortura física ou psicológica. Fernando Capez (2009, p. 32), em posição oposta, afirma que o que se faz importante é a forma, já que essa é garantia no processo penal e não o método. E complementa:

Na realidade, percebe-se que a Lei procurou justamente resguardar os direitos e garantias constitucionais do acusado ao prever o direito á entrevista prévia e reservada com o seu defensor; e a presença de um defensor e um advogado na sala de audiência do fórum, os quais poderão se comunicar por intermédio de um canal telefônico reservado; da mesma forma o preso poderá se comunicar pelo canal com o advogado presente no fórum, na medida em que é possível que este realize perguntas ao réu. Além do que assegurou sala reservada no estabelecimento prisional para a realização do ato, a qual será fiscalizada pelo Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil, pelos corregedores e pelo juiz da causa, de forma a garantir a lisura do procedimento, bem como a publicidade do ato (CAPEZ, 2009, p. 32).

Neste contexto, o que se observa é que a edição da lei nº 11.900/2009 não importou em flexibilização dos direitos e garantias individuais, mas mera adaptação de um ato processual a um novo procedimento, o qual atende aos novos postulados da sociedade e do Poder Judiciário, e que será cabível somente nos casos previstos em Lei, sem também anular a possibilidade da presença pessoal do réu perante ao juiz. No entanto, a questão ainda gera inúmeras divergências e ainda não se encontra consolidado, garantindo ainda debates latentes sobre o assunto.

5 O DIREITO CONSTITUCIONAL DE DEFESA NO PROCESSO PENAL VIRTUAL

Ao Direito Penal, consagradamente considerado a ultima ratio do ordenamento jurídico, reservou-se a sanção estatal mais severa entre os demais ramos jurídicos: a pena privativa de liberdade. Deveras, e na linha de consonância com a sua estrita finalidade de tutela dos bens jurídicos mais importantes da sociedade, a aplicação dessa sanção pelo Direito Processual Penal (o adjetivo) deve subsumir-se ampla e rigorosamente a princípios constitucionais de observância obrigatória, para que o uso do Direito Penal não se banalize ou se configure de modo a lesionar direitos e garantias individuais.

A base principiológica da aplicação processual penal, na linha do que dispôs o constituinte originário de nossa Carta Magna (CF/88), tais como os princípios do devido processo legal, da presunção de inocência, do duplo grau de jurisdição, do contraditório e ampla defesa, entre outros, constituem-se como um rol de garantias ao acusado do tipo “dupla face”, posto que se combinam de modo que, de um lado, configuram-se como verdadeiros limites quando da aplicação pelo magistrado da pena justa e necessária à culpabilidade do agente, e de outro, revelando-se como direitos ao acusado, para que só receba a sua pena depois do crivo do devido processo legal, a englobar inclusive a possibilidade daquele de dispor-se a se defender usando de todos os meios lícitos para tanto.

Especificamente a ser abordado nesse tópico do presente trabalho, o direito de defesa (a ampla defesa) foi consagrado no Texto Constitucional em seu art. 5º, inciso LV ao dispor que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Assim, essa garantia impõe ao Estado que proporcione ao acusado, sem distinção, a mais completa defesa, seja a técnica, realizada pelo defensor nomeado ou constituído[14], ou a pessoal (autodefesa), já que ao agente processado criminalmente é válido valer-se da sua própria versão dos fatos a ele imputado, sem prejuízo do direito ao silêncio (CAPEZ, 2012), além do que, ao Estado, para possibilitar ainda mais o cumprimento dessa garantia defensiva[15], impõe-se também o dever de “prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (art. 5°, LXXIV, CF):

Desse princípio também decorre a obrigatoriedade de se observar a ordem natural do processo, de modo que a defesa se manifeste sempre em último lugar. Assim, qualquer que seja a situação que dê ensejo a que, no processo penal, o Ministério Público se manifeste depois da defesa (salvo, é óbvio, nas hipóteses de contrarrazões de recurso, de sustentação oral ou de manifestação dos procuradores de justiça, em segunda instância), obriga, sempre, seja aberta vista dos autos à defensoria do acusado, para que possa exercer seu direito de defesa na amplitude que a lei consagra. O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, em seu art. 14, 3, d, assegura a toda pessoa acusada de infração penal o direito de se defender pessoalmente e por meio de um defensor constituído ou nomeado pela Justiça, quando lhe faltarem recursos suficientes para contratar algum. [16]

Sendo de caráter obrigatório e sem distinção para qualquer acusado, este princípio não poderá ser mitigado pelo Estado na atuação do jus puniendi, nem mesmo ao se modernizar na tentativa de cumprir seu papel jurisdicional de solucionador de conflitos num prazo razoável de duração, quando para isso implantou a informatização por meio do processo eletrônico, inclusive e principalmente, no que tange ao processo penal (destarte, o art. 1º, §1º da Lei 11419/2006 reza que: “aplica-se o disposto nesta Lei, indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição”).

Por isso, faz-se mister a discussão/reflexão sobre de que maneira o processo penal poderá continuar a observância e cumprimento destes princípios constitucionais, sobretudo o da ampla defesa, sem que com essa atuação - mais célere e prática, a do processo penal virtual (ou eletrônico) – se permita sufragar e/ou mitigar o que desde 1988 impôs nosso constituinte:

A adoção do Processo Eletrônico apenas confere nova roupagem ao Processo Judicial. O Processo Judicial Eletrônico deverá estar sujeito às mesmas formalidades essenciais que o Pro­cesso tradicional, no tocante a ser obedecido o procedimento legalmente previsto para a apuração da verdade, em uma sucessão concatenada de atos Processuais, em que seja assegurado o contra­ditório e a ampla defesa, umbilicalmente ligados ao Princípio do Devido Processo Legal. [17]

Destarte, o processo de informatização judicial, como anteriormente já explicitado neste trabalho, foi viabilizado com a promulgação da Lei nº 11.419/06, passo importante para uma nova realidade na prestação da tutela jurisdicional. Esta norma trouxe inovações forenses a exemplo da citação e intimação eletrônica, a criação do Diário da Justiça Eletrônico, a carta precatória por meio eletrônico (entre outras novidades), de modo a evitar a morosidade judicial e visando a concretização do preceito constitucional sobre a razoável duração do processo[18].

Pois bem. Não obstante as inovações de cunho processual-cível, no âmbito processual penal, que aqui nos interessa, a praxe eletrônica, segundo Prado (2009)[19], ainda está limitado aos contestáveis interrogatórios on-line[20] (ou por videoconferência), que vêm sendo admitidos pela jurisprudência brasileira[21].

Sendo assim, trataremos do procedimento deste novo tipo de interrogatório no processo penal virtual para relacioná-lo frente ao princípio constitucional da defesa.

O interrogatório, segundo o CPP, é uma das tradicionais espécies de provas no qual o acusado poderá, no exercício da autodefesa, trazer a sua versão dos fatos, sem prejuízo, é claro, da faculdade de preferir permanecer em silêncio. O interrogatório poderá ser realizado a qualquer momento, seja ex officio ou a requerimento das partes (art. 196, CPP).

Todo esse panorama tradicional do interrogatório, entretanto, ganhou novos moldes com a edição da Lei 11.900, de 2009, apontada por muitos doutrinadores como inconstitucional [22].

Assim, no processo penal, com a edição desta norma, passou-se a admitir a oitiva do acusado por videoconferência, o interrogatório on-line (ou telemático).

Segundo o art. 185, § 2º do CPP (ali inserido por esta lei em comento), excepcionalmente o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:

a) prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;

b) viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal, a exemplo da idade avançada;

c) impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 do CPP;

d) responder à gravíssima questão de ordem pública, como quando a presença do réu ao interrogatório possa conturbar o bom andamento da comarca, com manifestações e até mesmo risco a integridade física do imputado e dos presentes.

O direito de defesa, em todo momento processual deve ser exercido amplamente pelo acusado, inclusive e, sobretudo, no processo penal virtual. Tendo em vista isso, de muita serventia e praticidade, a previsão constante do §5º do art. 185 que diz que “em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com seu defensor; se realizado por vídeo conferência, ficando também garantido o acesso  a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso”, homenageando o principio da ampla defesa.

Não obstante as hipóteses estritamente excepcionais e taxativas, o STF, segundo Távora e Rodrigues (2013. P. 490),

entretanto, reconheceu a sua inconstitucionalidade por se tratar de forma singular não prevista em lei e por violentar as regras do justo processo legal, ferindo ainda as normas ordinárias do local da realização dos atos processuais, além de violentar a ampla defesa, a igualdade e a publicidade

Ressalte-se que o entendimento jurisprudencial do STF (STF, 2ªTurma - HC 88914/SP Rel. Min. Cezar Peluso - Informativo nº 476 de 13 a 17 de agosto de 2007 - Interrogatório por videoconferência - 1.439), foi proferido antes da edição da Lei 11.900/2009, o que, para os autores, não se alterou, tendo em vista que esta lei (segundo eles) foi editada apenas para satisfazer a reclamação do Pretório Excelso da falta de norma a legitimar o interrogatório por videoconferência.

Apesar de atualmente já ser previsto, regulamentado e permitido por lei, prevalece na visão de parte da doutrina, embora admitido por algumas jurisprudências, o entendimento que o interrogatório on-line é inconstitucional.

Não obstante isso, o certo é que essa inovação eletrônica vem sendo adotado pelo Judiciário brasileiro hodiernamente. Assim, por ter sido admitido pelo legislador ordinário, o processo penal virtual por meio do interrogatório on-line foi legalizado com a edição da lei 11.900/2009.

Assim, apesar de inovadora e apta a concretizar a árdua tarefa de prestação jurisdicional num prazo razoável do processo, à luz dos princípios irradiadores da Constituição, que devem se espraiar por toda a legislação infraconstitucional, o interrogatório on-line jamais poderá ser admitido a não ser excepcionalmente, devido a presença e preenchimento daquelas hipóteses previstas no §2º do art. 185 do CPP, por si sós extremadas, pois mesmo na visão daqueles que concordam com a sua aplicação, a máxima de que o acusado deverá ser ouvido na presença física do juiz[23], em face e em homenagem ao princípio da ampla defesa, não deve ser relativizado a menos, é claro, que restem provadas as suas circunstâncias autorizadoras.

Sendo admitido ou na eminência de o ser pela autoridade judicial, o interrogatório virtual não poderá se distanciar dos princípios constitucionais- penais, que a ele se estendem, sob pena de nulidade, devendo sempre prevalecer os Direitos Fundamentais ao acusado e, dentre eles, a garantia do interrogando estar à frente do magistrado competente (o que decorre da plenitude de defesa), somente não o sendo quando incidirem aquelas hipóteses.

E, quando for autorizada a sua adoção, não sufragará o direito de defesa, já que, pela inteligência do §5º do art. 185 do CPP, a garantia constitucional prevista no art. 5º, inciso LV da CF/88 (“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”), estará assegurada com a exigência de dois defensores, um no Fórum, perante o juiz, e outro no local onde estiver o preso, além do fato de que o procedimento do interrogatório, nesses termos, permitirá ao juiz inquirir o réu diretamente, embora não fisicamente.

Nas palavras conclusivas de José Eulálio Figueiredo de Almeida[24],

Mas para que o meio eletrônico seja aplicado no âmbito do processo, a observância de alguns princípios que o informam deve ser exigida com especial rigor, porque nele, dependendo da lide em discussão, podem estar em jogo dois valores inestimáveis, quais sejam: a liberdade do indivíduo e o seu patrimônio. Destarte, a lei do processo eletrônico não precisa contemplar os princípios que garantem o respeito ao direito de defesa do demandado, pois como norma infraconstitucional deve submeter-se à supremacia da Carta Magna, a qual relaciona tanto os pressupostos que vedam os abusos estatais na aplicabilidade do novel procedimento digital, quanto os que garantem o direito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, como postulados decorrentes do princípio da dignidade da pessoa humana.

6 O DEVIDO PROCESSO LEGAL NO PROCESSO PENAL VIRTUAL

Antes de adentrarmos na problemática proposta no título referenciado acima, é mister elucidarmos em linhas gerais o princípio do devido processo legal.

O princípio do devido processo legal pode ser entendido como exigência de um processo jurídico anterior que obedece e tem guarida na Lei, ou seja, consiste basicamente em dizer que para ceifar a liberdade de ir e vir de certo indivíduo, deve-se, antes, haver um processo, não qualquer processo, mas um processo legal, justo e adequado. Além disso, o devido processo legal impõe ao Estado um dever, e garante aos cidadãos que seus direitos serão respeitados.

Conforme assevera Alexandre de Moraes, o devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado persecutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal) [25].

A fundamentação jurídica do devido processo legal está albergada constitucionalmente em três incisos do art. 5º: LIII, LIV e LV, in verbis:

Art. 5º (...)

LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes [26].

Em razão de sua amplitude o Prof. Nelson Nery Júnior afirma que: “Em nosso parecer bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of law para que daí decorressem todas as consequências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e uma sentença justa.  É por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do processo são espécies” [27].

Uma vantagem notória no uso do processo judicial eletrônico consiste numa diminuição dos volumosos arquivos necessários para se armazenar os feitos após processados e julgados. Logo, esses novos processos serão armazenados em computadores e poderão existir cópias em locais geograficamente distantes, evitando-se assim a perda acidental dos processos por falhas nos equipamentos de informática, ou até em caso de tragédias ocorridas ao local de armazenamento.

Trata-se de uma garantia que assegura o desenvolvimento processual de acordo com regras previamente estabelecidas, conforme assevera Clementino, “a adoção do Processo Eletrônico apenas confere nova roupagem ao Processo Judicial. O Processo Judicial Eletrônico deverá estar sujeito às mesmas formalidades essenciais que o Processo tradicional, no tocante a ser obedecido o procedimento legalmente previsto para a apuração da verdade, em que seja assegurado o contraditório e a ampla defesa, umbilicalmente ligados ao Princípio do Devido Processo Legal.” [28].

A obediência ao Devido Processo Legal impõe que seja mantida a observância de um conjunto de normas que disciplinem a função jurisdicional do Estado, no que em nada se inova em relação ao tradicional Processo. Diante disso, é preciso ressaltar que o processo judicial eletrônico previsto na Lei 11.419/2006, bem como previsto em outras normas não positivou princípios novos, mas reforçou os já existentes.

Em decorrência e junto ao devido processo legal foram se criando diversos outros princípios que paulatinamente vão se desdobrando e buscando coexistir de forma autônoma, como .é o caso do principio da duração razoável do processo destacado que foi pela EC 45, em 2004. Sendo assim, o Devido Processo Legal é um princípio aglutinador de todos os princípios processuais explícitos e implícitos na CF, bem como previstos no Código de Processo Penal.

Não só este, mas existem muitos outros Princípios que são tentáculos do Devido Processo. A saber: a) de acesso à justiça; b) do juiz natural ou pré-constituído; c) de tratamento paritário dos sujeitos parciais do processo; d) da plenitude de defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes; e) da publicidade dos atos processuais e da motivação das decisões jurisdicionais; e f) da tutela jurisdicional dentro de um lapso temporal razoável.

É acertadamente atribuído ao devido processo legal o significado de processo justo, que corresponde ao meio concreto de praticar o processo judicial delineado pela Constituição para assegurar o pleno acesso à Justiça e a realização das garantias fundamentais traduzidas nos princípios da legalidade, liberdade e igualdade.

Em relação ao processo judicial eletrônico, vale ainda registrar que o princípio do devido processo legal permanece intacto em qualquer das concepções doutrinárias apresentadas.

O Devido Processo Legal diante das novas regras de processamento virtual – originárias da Lei 11.419/2006 – nada se altera. No aspecto procedimental, continuarão sendo exigidas todas as formalidades e garantias processuais que esse importantíssimo princípio determina. No campo material, o processamento digital exigirá igualmente dos sujeitos da relação processual a mesma ética objetiva que se exigiu até então.

7 DEVER DE ACUSAR VERSUS DIREITO DE DEFESA: O CONTRADITÓRIO

7.1 O princípio do contraditório

O contraditório é um princípio constitucional (CF, art. 5º, inciso LV), historicamente, alcançava apenas o processo penal; apesar da manifestação contrária da doutrina; atualmente, o contraditório também alcança os âmbitos processual civil e administrativo. Assim, aponta LEITE (2010):

O princípio do contraditório quer significar tanto o direito de ação quanto o direito de defesa. Todos aqueles que tiverem alguma pretensão de direito material a ser deduzida no processo têm direito de invocar o princípio do contraditório a seu favor.[29].

O contraditório possui três dimensões estruturadas pela doutrina ao longo do tempo:

a) Concepção tradicional: nessa perspectiva o contraditório corresponde ao binômio: informação + possibilidade de reação. Através da lição de CLEMENTINO (2011), seria objetivo precípuo do processo, a necessidade de oferecer ao acusado a oportunidade de defender-se contra as acusações sofridas e garantir-lhe o acesso a todos os instrumentos que possam propiciar-lhe a sua defesa.

b) Poder de influência das partes na formação do convencimento do juiz: essa nova visão do principio do contraditório reconhece a importância da efetiva participação das partes na formação do convencimento do juiz. Porém, assegurar tal premissa ainda é um desafio, porque ainda existem posturas equivocadas dos magistrados que recebem a defesa escrita em audiência nos Juizados Especiais ou ainda, desembargadores que leem, conversam ou se ausentam enquanto o advogado faz a sustentação oral perante o Tribunal.

c) Contraditório como forma de evitar surpresas às partes: essa terceira acepção se vincula mais pertinente em causas que veiculam matéria de ordem pública, nas quais o juiz pode decidir de ofício.

Destarte, faz-se necessário a análise do caráter absoluto, do qual se reveste tal principio. O contraditório é principio processual que não admite exceções, uma vez que a sua ausência resulta em nulidade do processo, como aduz Humberto Theodoro Júnior (2009), quando, ao afirmar que, apesar de assegurar o viés absoluto deste princípio, destaca que esse “absolutismo principiológico” não decorre da supremacia absoluta e plena do contraditório sobre todos os princípios.  O devido processo legal- que para o autor citado sintetiza a principiologia da tutela jurisdicional- exige que o con­traditório, às vezes, tenha de ceder momentaneamente a medidas indispensáveis à eficácia e efetividade da garantia de acesso ao justo processo. [30]

7.2 A ampla defesa

A ampla defesa também é uma premissa constitucional (CF, art. V, inciso LV), e se configura na perspectiva de demonstrar que o Processo é uma via de mão dupla, pois ao provocador (autor) também são impostos que possibilitem o natural curso processual. Porém, apesar de correlatos os princípios do contraditório e da ampla defesa se distinguem, como assevera DIDDIER (2004), quando ao citar DELOSMAR MENDONÇA afirma a conexão dos princípios supracitados; porém, destaca que é a ampla defesa a qualificadora do contraditória, uma vez que não há contraditório sem defesa, haja vista que o contraditório é instrumento de atuação do direito de defesa.

7.3 Os princípio do contraditório e ampla defesa no processo penal eletrônico

A doutrina processualista majoritária converte-se ao entendimento que o regramento das comunicações processuais no processo judicial eletrônico é assunto relevante dentro do novo modelo implantado a partir do processo eletrônico. NEVES (2009) ratifica que são a intimação e a citação, as duas formas de comunicação dos atos processuais existentes da legislação processualista seja ela penal ou civil. Na lei especifica que trata da temática (lei 11.419/ 06) foi destinado o capítulo II intitulado “DA COMUNICAÇÃO ELETRÔNICA DOS ATOS PROCESSUAIS” para dispor acerca da matéria. Nos dispositivos legais que o compõe estão positivados os procedimentos que as comunicações processuais eletrônicos devem adotar para que tenham eficácia jurídica.

Assim, com o advento do novo modelo processual diversos órgãos já publicaram portarias determinando que o correio eletrônico seja utilizado como meio oficial de comunicação interna e externa. Já em 2002, o juiz GEORGE MARMELSTEIN LIMA já chamava atenção para o e-processo. Na sua lição prelecionava que a comunicação dos atos processuais ocorreria em tempo real, assim que uma decisão judicial fosse proferida, tão logo seria disponibilizada em meio eletrônico- o que possibilitaria que as partes se manifestassem após o recebimento de um email; assim, após apresentada a contestação, o autor já seria imediatamente informado, e se for o caso poderia replicar. E o juiz federal citado vai além ao afirmar que:

Não haverá, em regra, citações, intimações e notificações no mundo “real”. Tudo será pela internet. O correio eletrônico (e-mail) é infinitamente mais eficiente para comunicação dos atos processuais do que o correio convencional.[31]

Percebe-se, portanto, que a lição futurista apresentada pelo magistrado supracitado é uma realidade homologada pela jurisprudência.[32].

Apesar de a comunicação dos atos processuais por meio eletrônico se mostrar eficaz, todavia, é importante que com a nova forma, a citação e a intimação percorram os caminhos que possibilitem exibir integralmente o acesso ao contraditório e a ampla defesa. Vale também frisar, que quando não for possível a citação eletrônica, o ato processual deverá ser realizado da forma tradicional, como ensina Abrão (2011):

“Não sendo factível a citação eletrônica, o ato processual será realizado por intermédio da regra ordinária, digitalizando-se o documento físico, que deverá ser, no futuro, destruído.” [33].

                                                   

Segundo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) as informações on-line prestadas pelos tribunais são oficiais e merecem confiança. As cartas precatórias e as de ordem também estão nos rol dos atos atingidos pelo novo modelo processualista eletrônico.

Outra discussão que merece relevo dentro desta temática diz respeito à competência; pois o que até o advento do processo eletrônico era determinado estritamente por divisas físicas, passa a ser possível também virtualmente. Destarte, já existe posicionamento jurisprudencial acerca da jurisdição nessa nova perspectiva processual penal:

                                                                                                                         

Crimes contra a honra praticados por meio de reportagens veiculadas na Internet ensejam a competência do Juízo do local onde foi concluída a ação delituosa, ou seja, onde se encontrava o responsável pela veiculação e divulgação de tais notícias.” [34].

     Portanto, se vislumbra claramente que os princípios do contraditório e da ampla defesa devem ser assegurados pelo processo eletrônico. A maioria doutrinária que se debruça acerca do tema emite parecer positivo quanto ao novo sistema, pois, existem modernas técnicas de segurança de informação que podem constatar o recebimento efetivo da comunicação judicial. Ademais, pode-se concluir que o processo eletrônico é viável quando se trata de resguardar os principio do contraditório e da ampla defesa. Por eles é possível:

a) garantir, com eficiência e eficácia, a comunicação dos atos processuais;

b) assegurar às partes o conhecimento das alegações contrárias;

c) ensejar oportunidade para produção de todas as provas que sejam aptas à demonstração dos direitos alegados em Juízo.[35].

8 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O PAPEL DA MÍDIA NO PROCESSO PENAL VIRTUAL

Antes de iniciar a análise sobre o papel da mídia no processo penal virtual e a sua influência no cerceamento das garantias do acusado é necessário o estudo de alguns conceitos importantes. Devemos distinguir direito penal de sistema penal, aquele é o conjunto de normas jurídicas que preveem os crimes e lhes cominam sanções e este, segundo o professor Zaffaroni é o “controle social punitivo institucionalizado”[36]. Sobre o mesmo conceito Cirino dos Santos afirma que é “constituído pelos aparelhos judicial, policial e prisional, e operacionalizado nos limites das matrizes legais”[37].

O sistema penal é apresentado como igualitário, atingindo igualmente as pessoas em função de suas condutas, quando na verdade seu funcionamento é seletivo, atingindo apenas determinadas pessoas, integrantes de determinados grupos sociais, a pretexto de suas condutas[38]. A pena aplicada muitas vezes é justa, porém seu desempenho é repressivo, frustrando os seus objetivos preventivos, além de degradar a figura social do acusado.

O Instituto Interamericano de Direitos Humanos realizou uma pesquisa sobre sistemas penais e direitos humanos na América Latina[39], apresentando em seus resultados as características principais dos nossos sistemas penais: seletividade, repressividade, estigmatização.

Na maioria das vezes, o acusado é tratado como inimigo da sociedade e sua condição de pessoa é negada, sendo ele considerado ente perigoso ou daninho. Além de ser “coisificado”, ou seja, privado de sua condição de pessoa, porque é considerado perigoso para a sociedade.

Sobre este tema, Luis Garcia possui uma afirmação oportuna “o Estado pode privá-lo de sua cidadania, porém isso não implica que esteja autorizado a privá-lo da condição de pessoa, ou seja, de sua qualidade de portador de todos os direitos que assistem a um ser humano pelo simples fato de sê-lo” [40].

O que se discute em doutrina penal é a admissibilidade do conceito de inimigo no direito penal do Estado de direito, considerando como tal aquele que é punido só em razão de sua condição de ente perigoso ou daninho para a sociedade, sem que seja relevante saber se a privação dos direitos mais elementares à qual é submetido (sobretudo, a sua liberdade) seja praticada com qualquer outro nome diferente do de pena, e sem prejuízo, tampouco, de que se lhe reconheça um resíduo de direitos mais ou menos amplos.

A Constituição Federal de 1988 atribuiu aos direitos individuais significado inigualável, sendo o seu destaque na carta constitucional um indicio desta intenção. A ideia de que os direitos fundamentais devem ter eficácia imediata vincula aos órgãos estatais o dever de proteção.

Logo é todo ser humano titular de direitos, ainda que o mesmo não os defenda ou não os reconheça em si, devendo estes direitos serem reconhecidos, respeitados e protegidos pelo Estado. Como bem fez a Constituição Federal de 1988:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.” (BRASIL, 1988, grifo nosso)

A tradução da dignidade da pessoa humana na ordem jurídica é relativamente recente, pois, ainda que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão considere os direitos naturais inalienáveis e sagrados, não faz menção expressa ao princípio. Tais direitos são inseparáveis de uma dignidade que, embora não expressa, está subjacente[41].

Ingo Wolfgang Sarlet apresenta um conceito de dignidade da pessoa humana que resume o entendimento deste grupo: “Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”[42].

O garantismo penal é a proteção dos direitos fundamentais do cidadão, mesmo que contra os interesses da maioria, evitando, assim, as arbitrariedades dos castigos, das proibições e dos processos, mediante a imposição de regras iguais para todos e em respeito à dignidade da pessoa humana.

A consolidação do termo garantismo é decorrência direta das atividades e pesquisas científicas desenvolvidas por Luigi Ferrajoli — à época juiz vinculado à Magistratura Democrática e professor da faculdade de Direito da Universidade de Camerino —, em especial a partir da publicação, em 1989, de Diritto e Ragione: Teoria del Garantismo Penale.

Ferrajoli em sua obra inicialmente conceitua garantismo como um " modelo normativo de direito"[43]. Tal modelo normativo se estrutura a partir do princípio da legalidade, que segundo ele é a base do Estado de Direito.

O garantismo seria, no entender de Ferrajoli, uma forma de direito que se preocupa com aspectos formais e substanciais que devem sempre existir para que o direito seja válido. Essa junção de aspectos formais e substanciais teria a função de resgatar a possibilidade de se garantir, efetivamente, aos sujeitos de direito, todos os direitos fundamentais existentes.

Assim, o garantismo penal, como poder mínimo que não viola direitos do cidadão, não pode ser ameaçado por influências geradas no sentimento popular principalmente pelo sensacionalismo da mídia.

Após as argumentações sobre conceitos necessários iremos analisar a influência da mídia no cerceamento de garantias individuais no devido processo penal virtual e os impactos na dignidade dos indivíduos suspeitos ou acusados. Além disso, vamos analisar a estreita ligação da mídia com a manutenção do poder através da criação de inimigos na sociedade.

Em países como o Brasil a democracia necessita de um consentimento social, de um sentimento de união da população, para isso é utilizado o poder midiático. Como afirma Armand Matterlart “cria-se a convicção de que a democracia não consegue sobreviver sem as técnicas modernas de ‘gerenciamento invisível da sociedade maior’” [44].

Na visão de Galeano [45]:

Ao se apoderarem dos fetiches que oferecem existência às pessoas, cada assaltante quer ser como sua vítima. A televisão oferece o serviço completo: não apenas ensina a confundir a qualidade de vida com quantidade de coisas, como oferece cotidianos cursos audiovisuais de violências, que os videogames completam. O crime é o espetáculo de maior êxito na telinha.

Na realidade atual da sociedade a adaptação da opinião pública aos moldes dos detentores do poder é essencial [46]. Aparentemente ao Estado só resta a intimidação, através da repressão penal como solução dos problemas sociais existentes. Tavares (1997, p. 53) afirma:

As penas elevadas a imensa gama de novos delitos servem para demonstrar, simbolicamente, que o poder é detentor de instrumentos de força, que o Estado não está descuidado de suas tarefas básicas de segurança pública e que, ademais, os políticos trabalham em prol do bem estar de todos. [...] com a elaboração das leis e sua difusão, se assegura que o sistema político se veja aceitado pelo sistema social, independentemente do controle efetivo que possa exercer sobre os indivíduos, com base na expectativa de sua atuação.

Os meios de comunicação em massa têm como função minorar perante a sociedade um problema sistêmico e apresentar soluções simbólicas, como a perseguição a determinado acusado de um crime ou aparentemente criticar o Estado por sua passividade diante da situação. O objetivo destes é tornar-se o interlocutor do cidadão, manipular os pensamentos e ações da sociedade conforme seus interesses, criando inimigos declarados que são perseguidos enquanto outros casos relevantes são simplesmente omitidos, inexistindo a imparcialidade jornalística.

Além disso, a mídia cria na sociedade a sensação de medo [47], com o objetivo de legitimar ações estatais e fazer com que a população aceite qualquer estratégia proposta, inclusive, medidas que alcancem a própria liberdade, assim como outros direitos e garantias dos indivíduos até pouco tempo inegociáveis, todos inerentes a própria condição humana.

Barata, F. (2000, pp. 255-256), sobre o tema, afirma:

Nos últimos anos, a violência se converteu em um produto de consumo que invade os meio de comunicação de massas. Estamos ante a volta do sucesso criminal e a visibilidade do mal se incorporou à agenda midiática. Frente a uma sociedade obcecada pelo controle e pela segurança, os meios fazem visíveis o espaço do medo, uma vez que exploram e jogam com os limites de sua representação. [...] Hoje o medo é difuso, um medo ante o imprevisível que alimenta o grande negócio da segurança. O medo se tem convertido em uma matéria prima rentável [...].

A mídia através de programas (series, novelas, filmes, etc.) cria moralismos, como o extermínio dos “bons” contra os “maus”, manipulando principalmente as classes mais baixas da sociedade, que muitas vezes acreditam como se fosse a realidade. Diante disso, quando ocorrem casos verídicos na sociedade, esta é induzida pelos valores “vendidos” pela mídia, levando inclusive a extremos de indignação e exigência de consequências repressivas aos causadores desta insatisfação popular.

A fabricação de estereótipos de criminoso possui grande influência da mídia, que através de seus programas rotulam determinadas classes, raças, bairros e até mesmo cidades. Além de, como vimos anteriormente, “coisificar” o impetrado penalmente e trata-lo como inimigo da sociedade que não tem direito a garantias individuais. Muitas vezes, os apresentadores de programas classificados como “jornalismo policial” inflamam na sociedade um senso de justiça que não considera as garantias individuais e o devido processo legal, apresentando inclusive provas ilícitas (gravações não autorizadas, por exemplo) que não podem ser utilizadas no processo penal, porém são escancaradas na televisão brasileira, influenciando até mesmo possíveis membros do júri popular que ainda será formado.

9 CONCLUSÃO

O homem ao longo da história vem buscando meios de otimizar e aprimorar os processos que executa. A evolução humana demonstra esta busca incessante: escrita, papel, livros, tecnologias cada dia mais avançadas, estas inovações são inseridas em diversas áreas: engenharia, medicina, educação, e, como já era de se esperar, também chegaram à seara jurídica.

O uso do papel nos processos judiciais se tornou objeto de segundo plano, sendo gradativamente eliminado e substituído, e embora alguns procedimentos ainda utilizem papéis, estes estão sendo digitalizados e armazenados em meio eletrônico, permitindo uma recuperação célere e um menor tempo de guardo do registro físico.

Hoje, nas salas de aula das universidades, os alunos começam a compreender que os processos não são mais iguais aos da época de formação dos seus professores, exigindo destes estudantes uma postura receptiva a inovações, além da busca por um aprendizado continuo.

Outro ponto para reflexão é a existência de dificuldades de acesso à justiça, e somando-se a este problema, a exclusão digital que ocorre em nosso pais, não estaremos agravando um problema com a justificativa de solucioná-lo? Além disso, devemos lembrar que existem magistrados, advogados, defensores que não cresceram na “geração tecnológica” e não estão habituados com o processo virtual, sendo necessárias ações com o objetivo de superar estas dificuldades para que esta nova etapa da evolução seja plenamente aproveitada em benefício das pessoas.

A lei do processo eletrônico permite a utilização de ferramentas até tempos atrás impensáveis em processos penais, como, por exemplo, a videoconferência. Embora do ponto de vista dos arquivos, economia orçamentária e redução dos riscos de fugas tenha grandes vantagens, ainda existem divergências quanto a utilização da videoconferência para o interrogatório e outros atos sem a presença física do juiz e réu na mesma sala. A lei 11.900/2009 não flexibilizou os direitos e garantias individuais, mas adaptou o ato processual a um novo procedimento.

Concordamos com o posicionamento do doutrinador José Eulálio Figueiredo de Almeida exposto em seu artigo Breve histórico forense do judiciário maranhense: do processo oral ao processo judicial eletrônico ao afirmar que chegará o dia em que os processos em papel serão peças de museu para registro histórico, citando a seguinte assertiva: “Dissipadas todas essas questões, aproxima-se o dia em que o paradigma do processo físico atingirá o status de finado. Prognosticar quando isso ocorrerá é realizar um trabalho de vidente, para o qual não nos sentimos capacitados”.

Destarte, embora não se negue a importância da inovação realizada com o advento da informatização judicial, sobretudo em face da modernização do Judiciário, a sua aplicação, em especial quanto ao Processo Penal, deve ser precedida de toda cautela, sob pena da quebra de compromisso com os preceitos exigidos pelo nosso constituinte originário, para que não resulte na violação de Direitos Fundamentais consagrados em nossa Carta Constitucional.

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