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Intolerância religiosa no ordenamento brasileiro

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Agenda 22/09/2016 às 16:20

5. Legislação sobre intolerância religiosa

O Brasil tem leis que não têm servido, verdadeiramente, para inibir a prática de atos de intolerância religiosa.

A legislação em vigor, contudo, fez algo positivo, que foi detalhar o conteúdo das próprias disposições constitucionais que vedam atos intolerantes. Isso foi salutar, mas não suficiente para o combate efetivo à intolerância religiosa, pois não bastou se estipular pena de reclusão e multa para sanar a problemática.

Eis alguns corpos normativos sobre o tema:


6. Por uma nova legislação de combate à intolerância religiosa

Esforços dignos de nota têm sido envidados para a criação de uma lei de combate à intolerância religiosa.

A seguir, destacaremos alguns projetos legislativos, em tramitação no Congresso Nacional, que, pelo simples fato de existirem, já tiveram o mérito de trazer ao debate assunto que precisa ser equacionado.

Ei-los:

Não nos interessa analisar, aqui, qualquer um desses projetos de lei, até porque só existe uma maneira para a intolerância religiosa ser totalmente extirpada: os humanos amarem-se uns aos outros. Como essa proposta desafiadora, lançada há mais de dois mil anos, ainda não foi concretizada, resta-nos buscar paliativos, dentre os quais o estabelecimento de pautas jurídicas de conduta.

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Daí a notória importância de se regulamentar a matéria, afinal o cancro persiste, e, até o momento, não recebeu tratamento legislativo condigno à gravidade que representa.

Para fins de punição pela prática do crime de intolerância religiosa, afigura-se insuficiente sujeitar o infrator à pena de multa e de prestação de serviços à comunidade (Lei n. 7.716/1989, art.4º, § 2º). Até mesmo a penalidade de um a três anos de reclusão também não logrou o efeito almejado (Código Penal, art.140, § 3º).

A legislação brasileira sobre intolerância religiosa em vigor não conseguiu debelar agressões físicas, vinditas morais, ofensas pela internet, ameaças, depredação de casas e de comunidades.

Aguardemos providências legislativas que precisam ser tomadas.


BIBLIOGRAFIA

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GOTOVICH, José. Quelques réflexions historiques à propos de terrorisme. Paris, Ed. Université de Bruxelles, 1974.

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SOTTILE. Le terrorisme international. Paris, Sirey, 1972.


“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito” (Eclesiastes, 3:1).


Dedicamos o presente estudo a Leonardo D’Assumpção Lima, Especialista em Innovation and Entrepreneurship by University of Cambridge, que nos despertou para a relevância do tema.


Notas

1 Razoabilidade e alteridade: os princípios da razoabilidade e da alteridade são implícitos e decorrem da lógica do ordenamento, respectivamente, da cláusula do devido processo legal material (CF, art.5º, LIV) e da isonomia (CF, art.5º, caput). Enquanto o bom senso é a pedra de toque da razoabilidade, que se encontra embutida no aspecto substantivo do due process, a empatia é o signo da igualdade, porque temos que nos colocar em posição de isonomia em relação ao nosso semelhante para sentirmos as suas dores, os seus anseios, as suas buscas e inquietações mais profundas. Consultar: Uadi Lammêgo Bulos, Constituição Federal anotada, passim; Uadi Lammêgo Bulos, Curso de direito constitucional, passim.

2 Notícia do portal G1: “O juiz federal titular da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Eugênio Rosa de Araújo, reconheceu nesta terça-feira (20) que as manifestações religiosas afro-brasileiras constituem, de fato, uma religião. O magistrado foi criticado após dizer que os cultos como candomblé e umbanda não seriam religiões. A frase foi usada na justificativa para indeferir um pedido do Ministério Público Federal (MPF) para a retirada, por motivos de preconceito religioso, de vídeos” (https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/05/juiz-federal-volta-atras-e-afirma-que-cultos-afro-brasileiros-sao-religioes.html).

3 Referências: Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, passim; Evaldo Heckler et alii, Dicionário Morfológico da Língua Portuguesa, passim; Caldas Aulete, Dicionário contemporâneo da língua portuguesa, passim; Rodrigo Fontinha, Novo Dicionário Etimológico de Língua Portuguesa, passim.

4 Fontes: www.acaoeducativa.org.br/; www.guiadedireitos.org (Projeto NEV-cidadão do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo); https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/08/rj (registro de mil casos de intolerância religiosa, num levantamento realizado em dois anos e meio); e Disque 100 da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.

5 Sobre terrorismo: Georges Levasseur, Terrorisme international, passim; Pedro Salvetti Netto, Terrorismo – I, passim; C. Lobão Ferreira, Terrorismo – II, passim; Jean Servier, Le terrorisme, passim; Roland Gaher, Les terroristes, passim; Sottile, Le terrorisme international, passim; José Gotovich, Quelques réflexions historiques à propos de terrorisme, passim.

6 Lei Charia: é o corpo da lei religiosa islâmica, que regulamenta as condutas públicas e privadas dos seguidores do Islamismo. Ao pé da letra, a palavra charia significa “caminho que leva à fonte de água”. A Lei Charia traz os princípios jurisprudenciais islâmicos, disciplinando aspectos da política, da economia, dos bancos, dos negócios, dos costumes, dos contratos, da família, da sexualidade, da higiene etc. Sobre o assunto: Daniel W. Brown, Rethinking traditions in modern Islamic thought, passim; Mawil Izzi Dien, Islamic Law: From Historical Foundations To Contemporary Practice, passim.

7 Oração de Voltaire: “Não é mais aos homens a que me dirijo, é a Ti, Deus de todos os seres, de todos os mundos e de todos os tempos. Se é permitido a frágeis criaturas perdidas na imensidão e imperceptíveis ao resto do Universo, ousar Te pedir alguma coisa, a Ti que tudo criaste, a Ti cujos decretos são imutáveis e eternos, digna-Te olhar com piedade os erros decorrentes de nossa natureza. Que esses erros não venham a ser nossas calamidades. Não nos destes um coração para nos odiarmos e mãos para nos matarmos. Faz com que nos ajudemos, mutuamente, a suportar o fardo de uma vida difícil e passageira; que as pequenas diferenças entre as roupas que cobrem nossos corpos diminutos, entre nossas linguagens insuficientes, entre nossos costumes ridículos, entre nossas leis imperfeitas, entre nossas opiniões insensatas, entre nossas condições tão desproporcionadas a nossos olhos e tão iguais diante de Ti; que todas essas pequenas nuances que distinguem os átomos chamados homens não sejam sinais de ódio e perseguição; que os que ascendem velas em pleno meio-dia para Te celebrar suportem os que se contentam com a luz do Teu sol; que os que cobrem suas vestes com linho branco para dizer que devemos Te amar não detestem os que dizem a mesma coisa sob um manto de lã negra. Que seja igual Te adorar num jargão formado de uma antiga língua, ou num jargão mais novo; que aqueles cuja roupa é tingida de vermelho ou de violeta, que dominam sobre uma pequena porção de um montículo de lama deste mundo e que possuem alguns fragmentos arredondados de certo metal, usufruam, sem orgulho, o que chamam de grandeza e riqueza, e que os outros não os invejem, pois Sabes que não há nessas vaidades nem o que invejar, nem do que se orgulhar. Possam todos os homens lembrar-se de que são irmãos! Que abominem a tirania exercida sobre as almas, assim como execrem o banditismo que toma pela força o fruto do trabalho e da indústria pacífica! Se os flagelos da guerra são inevitáveis, não nos odiemos, não nos dilaceremos uns aos outros em tempo de paz e empreguemos o instante de nossa existência para abençoar igualmente em mil línguas diversas, do Sião à Califórnia, Tua bondade que nos deu esse instante” (Tratado sobre a tolerância: por ocasião da morte de João Calas, p.198).

8 Para aprofundamento: Mohandas Karamchand Gandhi, A roca e o calmo pensar, passim; Mohandas Karamchand Gandhi, As palavras de Gandhi, passim; Mohandas Karamchand Gandhi, Autobiografia: minha vida e minhas experiências com a verdade, passim; Mohandas Karamchand Gandhi, Minha vida e minhas experiências com a verdade, passim.

9 Benoît Mandelbrot: foi um matemático francês de origem judaico-polonesa. Nasceu na Varsóvia, 20-11-1924, falecendo em Cambridge, no dia 14-10-2010. Exerceu, com grande primor, o munus de matemático, tornando-se conhecido, mundialmente, por seu contributo no campo da geometria fractal. Orientado pelo Professor Paul Pierre Lévy, apresentou, em 1952, a tese Contribution à la théorie mathématique des communications.

Sobre o autor
Uadi Lammêgo Bulos

Advogado Constitucionalista. Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Constitucional (SBDC), Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Autor de "Constituição Federal Anotada", "Curso de Direito Constitucional" e "Direito Constitucional ao alcance de todos" (Editora Saraiva).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BULOS, Uadi Lammêgo. Intolerância religiosa no ordenamento brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4831, 22 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52290. Acesso em: 3 mai. 2024.

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