RESUMO:O presente artigo procura abordar a forma positiva do INSS em revisar os benefícios concedidos por incapacidade laborativa há mais de dois anos. Revisão fomentada pela publicação da Medida Provisória nº 739 de 07 de julho de 2016, regulamentada pela Portaria Interministerial nº 127 de 04 de agosto de 2016. O objetivo geral foi compreender as circunstancias que permeiam essa atitude da autarquia federal feita de forma urgente com objetivo de abrangência nacional dos segurados que estão em gozo do auxílio doença há dois anos sem modificação de sua situação. Em contrapartida o artigo procurou mostrar que as restrições ao benefício por incapacidade pretendida pelo órgão devem ser implementadas respeitando o direito do segurado e sua real situação de capacidade laborativa.
PALAVRAS-CHAVES: Revisão de benefícios – MP nº 739 de 07/07/2016 – Portaria Interministerial nº 127 de 04/08/2016
1. INTRODUÇÃO
Este artigo não pretende esgotar todos os aspectos que rondam a ordem de convocação dos segurados amparados pelo benefício de auxilio doença pagos pela autarquia federal - INSS – Instituto Nacional do Seguro Social.
O desenvolvimento do artigo visa compreender alguns aspectos da justeza que permeia a decisão da autarquia em revisar com urgência os benefícios concedidos e sem revisão pericial há pelo menos dois anos.
Nossa pretensão é buscar clarificar ao leitor que a autarquia federal considerada por muitos como “força má que caça benefícios dos incapacitados”; não deve a principio ser hostilizada assim. Afinal, muitos de nós sabemos que parte dos beneficiados pelo auxilio doença possuem condições de voltar ao mercado de trabalho.
Contudo, razão não assistirá a autarquia federal que “caçar” a concessão do auxilio doença indispensável ao segurado que não possui qualquer condição de regressar ao trabalho. Caso, poderes ilimitados sejam concedidos ao INSS no sentido de “caçar” todo e qualquer benefício, regressaremos infelizmente ao retrocesso social que contradiz com nossa ordem jurídica constitucional vigente, e também contraria princípios norteadores da proteção social visada em nosso ordenamento jurídico previdenciário.
Convidamos ao leitor a leitura sem prévio julgamento da postura adotada pela autarquia federal, no cumprimento da Medida Provisória nº 739 de 07 de julho de 2016, regulamentada pela Portaria Interministerial nº 127 de 04 de agosto de 2016.
2. BREVE HISTÓRICO SOBRE A EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO SOCIAL COM ENFÂSE NO AUXILIO DOENÇA
No Brasil como em outros países que adotaram o regime econômico capitalista foi necessário o desenvolvimento da proteção social ao trabalhador. Hoje a proteção social que ampara ao trabalhador no Brasil é prestada pela autarquia federal INSS – Instituto Nacional do Seguro Social.
A proteção social do trabalhador para muitos estudiosos no Brasil teve seu gênesis ainda no período colonial com a criação das Santas Casas de Misericórdia, seguindo-se as Irmandades da Ordem Terceiras, e em 1795 um avanço onde a Marinha Brasileira criou o Plano de Beneficência dos Órfãos e Viúvas dos Oficiais da Marinha.
Posteriormente já em termos de legislação nacional a majoritária doutrina considera como marco inaugural da Previdência Social a publicação do Decreto Legislativo nº 4.682 de 24.1.1923, mais conhecido como Lei Eloy Chaves, que criava as Caixas de Aposentadoria e Pensões nas empresas de estrada de ferro existentes.
Passados muitos anos e muitas constituições federais depois chegamos ao ano de 2016, onde somos regidos pelo regime democrático de direito com fundamento na Constituição Federal da Republica do Brasil promulgada em 05 de outubro de 1988, onde o seguro social do trabalhador é garantido pelo Estado através da autarquia federal - INSS – Instituto Nacional do Seguro Social.
Hoje o seguro social é oferecido nacionalmente para todos aqueles que possuem qualidade de segurado perante o regime geral de previdência social – RGPS. A qualidade de segurado dada por este regime geral de previdência social é para todos aqueles que contribuem com a manutenção deste regime, sejam eles trabalhadores com carteira assinada ou não. A base de contribuição deste regime de modo simplista envolve não somente os trabalhadores, mais empresas e governo todos contribuindo para que o regime geral de previdência social possa cumprir sua finalidade que é disposta no artigo 1º da lei 8.213/91, a qual reza:
“Art. 1º A Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.”
Partindo desta premissa temos que a Previdência Social tem papel de garante para todos aqueles que contribuem, respeitadas as regras impostas para caracterização da qualidade de segurado e para concessão dos benefícios oferecidos pelo RGPS.
Nosso artigo restringe-se em relação à discussão da justeza da revisão do auxilio doença diante da Portaria Interministerial 127 de 04 de agosto de 2016. O seguro social disposto ao segurado visa ampará-lo em momentos infortúnios da vida. No caso do auxilio doença temos que ter em mente que sua criação valeu-se no oferecimento de ajuda de custo ao segurado que passa por uma redução em sua capacidade laborativa. Isso significa que ao segurado incapacitado para exercer sua atividade laborativa por doença ou acidente, faz jus a esse auxilio como forma de garantir seu sustento e de sua família.
A incapacidade laborativa pode acometer o segurado tanto de forma física como intelectual, sua duração pode ser: parcial e temporal; completa e definitiva. No instante que acontece a incapacidade laborativa do segurado temos também o nascimento de seu direito ao pleito para receber o auxilio doença.
Para concessão do auxilio doença ao segurado é necessário por questão de ordem que o mesmo ostente na ocasião a qualidade de segurado disposta na lei federal 8.213/91, e respeite o período de carência trazido pela legislação em seu artigo 25 caput e inciso I:
[...] Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:
I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais; [...]
Hoje como podemos ver para que o segurado faça jus ao auxílio doença deve respeitar a carência de 12 (doze) contribuições mensais e ainda passar por pericia médica a ser agendada na unidade do INSS mais próxima de seu domicilio. O agendamento hoje é feito de duas maneiras através da central pelo telefone 135 ou pelo site www.inss.gov.br.
Sobre o auxilio doença decorrente de acidente de trabalho este é concedido independentemente de qualquer período de carência. Mesmo entendimento é aplicado aos segurados que após filiar-se ao RGPS possam ser acometidos das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social. Conforme traz o artigo 26 inciso II da lei 8.213/91:
[...]Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações: (...) II - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, atualizada a cada 3 (três) anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado; [...]
Verificado os principais requisitos legais para a concessão do auxilio doença, informamos que o valor pago pelo INSS geralmente não equivale renda do segurado quando na ativa do trabalho. O quantum a ser recebido pelo segurado corresponde ao resultado do cálculo da seguinte formula legal: média aritmética das 80% (oitenta por cento) maiores contribuições do segurado desde julho de 1994 a ser multiplicado pelo fator de 91% (noventa e um por cento). O resultado desta conta será o valor que o segurado terá direito em receber pelo período que perdurar sua incapacidade laborativa. Mas caso seja verificada necessidade do auxílio para terceiros (para alimentação, higiene e locomoção) que vão ajudar o segurado em seus cuidados caberá complementação do auxílio em mais 25% (vinte e cinco por cento) sobre o valor da renda, mesmo que essa renda já esteja no teto do INSS.
Assim diante do breve apanhado histórico e visão geral sobre o auxilio doença vamos partir para a situação aqui pensada que se trata da urgente revisão nas concessões do auxilio doença. Revisão vem incomodando muitos segurados que recebem o auxilio doença e estão sendo convocados pelo INSS a comparecerem em seus postos para que passem por nova pericia médica como medida de constatação se ainda fazem jus ao recebimento do auxilio doença ou não.
3. A JUSTEZA DA REVISÃO DO AUXILIO DOENÇA VISTO ATRAVÉS DA PORTARIA INTERMINISTERIAL 127 DE 04 DE AGOSTO DE 2016
Antes de adentrarmos a discussão proposta cabe colocarmos algumas definições sobre o uso do vernáculo “justeza” para este artigo. A palavra “justeza” aqui empregada traz sentido de conforme a justiça, aquilo que é legitimo ou adequado. Feitas as considerações cabíveis adentremos a discussão propriamente dita.
Em virtude de uma série de acontecimentos nos últimos anos e meses, no Brasil, hoje vivenciamos uma severa crise econômica e politica. Para a maioria de nós brasileiros, a convivência com uma forte crise econômica ou mesmo politica não seria novidade, posto que um país jovem como o nosso a evolução se dê alavancada por crises. Contudo desta vez mostra-se diferente, pois, fomos assolados pela conjuntura de duas grandes crises uma econômica e outra politica convivendo conjuntamente. Agora você se pergunta por que este artigo menciona a crise econômica e politica para abordar a revisão do auxilio doença?
O fato é que em tempos de recessão necessário se faz que o governo pense em implantação de medidas impopulares com a finalidade de cortar gastos de modo a conseguir equilibrar o orçamento público. No caso do nosso artigo, vemos alguns dos reflexos desta politica diretamente na Previdência Social, na parte que cabe a revisão dos benefícios concedidos por incapacidade.
Essa medida é revisória é adequada? Medida essa tomada de forma afoita e urgente pelo governo através da medida provisória nº 739 publicada, com o sentido claro de cortar benefícios?
Quando a Medida Provisória 739 de 07 de julho de 2016 – que alterou a lei 8.213/91 sobre os planos de benefícios da previdência social e instituiu bônus especial de desempenho institucional por pericia médica em benefícios por incapacidade - foi publicada e entrou em vigor, houve grande alvoroço foi feito pelos meios de comunicação, juristas e outros defensores das politicas trabalhistas e previdenciárias. A razão desta grande discussão foi o grande perigo que este tipo de medida restritiva de direito traz ao segurado, e a enorme chance de serem cometidos absurdos em nome da economia que tem que ser operada. Os meios de comunicação chegaram a divulgar que o governo poderia economizar até sete bilhões de reais no corte dos benefícios de auxilio doença e pensões por invalidez. [2]
Passado o primeiro alvoroço com a publicação da famigerada medida provisória, foi necessário que o governo disciplinasse a referida medida. Assim, em 04 de agosto de 2016 através de da Portaria Interministerial nº 127, buscou-se regulamentar alguns aspectos da medida provisória 739 de 07 de julho de 2016.
A Portaria Interministerial nº 127 de 04/08/2016, procurou trazer maior clareza de como será feita a revisão dos segurados que estão em gozo do beneficio de incapacidade. No texto legal da Portaria Interministerial citada temos os seguintes dispositivos sobre a realização desta revisão de benefícios concedidos, passamos transcrever abaixo o texto da portaria.
[...] Art. 1º O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS deverá convocar para a realização de perícia médica os segurados que estavam em gozo de benefício por incapacidade mantidos há mais de dois anos, nos termos do art. 3º, inciso I, da Medida Provisória nº 739, de 2016.
§ 2º O INSS, em conjunto com a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social – Dataprev, deverá consolidar as informações relativas ao conjunto dos segurados a serem convocados de maneira a permitir o agendamento e posterior aferição, monitoramento e controle das perícias médicas realizadas.
Art. 2º Para definição da ordem de prioridade no agendamento e na convocação dos segurados em gozo de benefício por incapacidade de que trata esta Portaria, o INSS adotará, preferencialmente, os seguintes critérios:
I – No caso de benefícios de auxílio-doença:
a) benefício concedido sem data de cessação do beneficio (DCB) ou sem data de comprovação da incapacidade (DCI)
b) tempo de manutenção do beneficio, do maior para o menor; e
c) idade do segurado, na ordem da menor para a maior idade. [...]
A leitura dos respectivos dispositivos acima nos remete a posição adotada pelo Governo através do INSS para efetivar a revisão pormenorizada pleiteada como medida de economia a ser gerada pela previdência social. A priori o ato de se revisar benefícios concedidos não nos parece ilegal, se conjugarmos ao fato da revisão acontecer em momento de grande recessão econômica enfrentada pelo país nos parece razoável a medida tomada.
O auxilio doença não é um beneficio gozado pelo segurado de forma programada. Sobre o assunto trazemos a citação do doutrinador Fábio Zambitte Ibrahim.
[...] O auxílio-doença é beneficio não programado, decorrente da incapacidade temporária do segurado para o seu trabalho habitual. Porém, somente será devido, para empregados, se a incapacidade for superior a determinado lapso temporal, fixado em dias. O tema é tratado na Lei 8.213/91, arts. 59 a 63, e no RPS, arts. 71 a 80. [...] O risco coberto é a incapacidade para o trabalho, oriunda de doenças ou mesmo acidentes (o nome da prestação induz a erro). Como o evento é imprevisível, tem se aí a sua natureza não programada. A doença, por si só, não garante o benefício – o evento deflagrador é a incapacidade. Pode um segurado ter uma doença, como a miopia, mas nem por isso ser incapacitado. [...] (IBRAHIM, ZAMBITTE FÁBIO, 2015, CURSO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO, p.640-641).
É fato que o segurado não sabe quando será acometido por moléstia que o impossibilite de trabalhar nem mesmo quando sofrerá o infortúnio de um acidente de trabalho que possa lhe retirar a capacidade laborativa provisória ou definitivamente. Assim, da mesma forma que o beneficio é gozado pelo segurado sem que o mesmo tenha programado sua incapacidade, entendemos que, a capacidade laborativa pode retornar em muitas vezes sem programação nenhuma, pois, depende da recuperação natural de cada individuo.
Vemos, portanto, que os benefícios devem ser revistos em acordo com sua adequação primitiva, qual seja, o segurado que não possua capacidade laborativa, e, portanto não tem como garantir o próprio sustento ou de sua família deve ser amparado pelo sistema do seguro social nacional. Em contrapartida aquele segurado que recobre sua capacidade laborativa deve retornar ao mercado de trabalho para prover seu sustento e de sua família sem mais precisar da ajuda concedida pelo auxilio doença.
Considerando que a revisão contemplará aqueles benefícios concedidos há pelo menos dois anos e que foram dados sem uma data provisória de cessação ou mesmo início da incapacidade. É cabível que tenhamos normativa capaz de gerar movimento organizado para conferência da concessão feita anteriormente independentemente da concessão ter sido administrativa ou por medida judicial.
A lei não prevê um prazo máximo para que o segurado faça uso do auxilio doença visto sua natureza provisória e muitas vezes transitória. Muitos segurados ficam anos recebendo este tipo de benefício sem que sua situação seja resolvida. Falamos aqui em solução da situação do segurado em vários sentidos, senão vejamos: o segurado pode ter seu beneficio restringido por ter recuperado sua capacidade laborativa; o segurado pode migrar do beneficio do auxilio doença para a aposentadoria por invalidez; o segurado pode ainda em alguns casos mesmo que não consiga se recuperar para voltar a sua atividade laborativa primária poderá ser conduzido ao processo de reabilitação profissional podendo voltar à ativa no exercício de outra atividade laboral desde que esteja completamente apto para isso.
Salientamos que a revisão a ser feita pelos médicos peritos do INSS deve respeitar a condição do segurado chamado para reavaliação. O procedimento é tão importante que deve ser feito em consonância ao Código de Ética da Categoria. Como nos diz os doutrinadores João Batista Lazzari, Jefferson Luis Kravchychyn, Gisele Lemos Kravchychyn e Carlos Alberto Pereira de Castro.
[...] A pericia é, portanto, fundamental para o deslinde das questões ligadas aos benefícios por incapacidade – acidentários ou não – com maior ênfase para os primeiros, ante a necessidade de se analisar o nexo de causalidade entre a atividade laboral e a enfermidade. Não há como prescindir da prova técnica em matéria de nexo de causalidade, já que não existe outro meio de prova que possa suprir a avaliação médica.
Sobre o procedimento para realização de perícias – tanto no âmbito das empresas, no do INSS ou mesmo em sede de perícia judicial – deve o profissional da Medicina observar os ditames do Código de Ética da categoria, e especialmente em relação ao tema, a Resolução n] 1.488/1998 do Conselho Federal de Medicina, que dispõe sobre as normas específicas de atendimento a trabalhadores. [...] (LAZZARI, JOÃO BATISTA; KRAVCHYCHYN, JEFFERSON LUIS; KRAVCHYCHYN, LEMOS GISELE; DE CASTRO, PEREIRA CARLOS ALBERTO; 2015, PRATICA PROCESSUAL PREVIDENCIÁRIA, 6ª edição, p.338)
Vislumbrando a seriedade que uma pericia deve trazer no bojo de seu procedimento, não é muito exigir dos médicos peritos a adoção de postura ética coerente com a legalidade. Apesar de sabermos da existência de incentivo velado para que se restrinja a maior parte dos benefícios possíveis, tal postura não deve ser reproduzida por quem tem capacidade técnica para auferir se o segurado persiste em sua incapacidade laborativa ou não.
Em verdade, a revisão deve ser realizada de forma consciente pelos médicos peritos do INSS, com fim de se evitar futuramente uma enormidade contenciosa para o Poder Judiciário, que terá que revisar a revisão dos benefícios restringidos.