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Dos filhos havidos fora do casamento

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Agenda 01/03/2000 às 00:00

IV - À luz da legislação infraconstitucional, especialmente a Lei 8.560/92

          É sensível, como se pôde observar, até aqui, a constante evolução pela qual passa o assunto em tela, qual seja, a condição jurídica dos filhos havidos fora do matrimonio.

          Antes da promulgação da Carta Constitucional Brasileira (1988), e como já se mencionou antes, entre a promulgação do Código Civil e a referida Constituição Federal, cinco principais momentos legislativos vêm caracterizar a tendência evolutiva do tema, no sentido de sempre procurar ampliar a tutela jurídica aos filhos extramatrimoniais. Alinhavando-os:

          Com o advento da Constituição Federal de 1988, e como se viu, nitidamente se erigiu a grau hierarquicamente superior, a noção da "paternidade responsável", já que, de acordo com o art. 227, § 6º, "os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação".

          Desde então, novas leis ordinárias foram promulgadas com a finalidade de regulamentar o comando constitucional, mas sem que tenham conseguido, na verdade, alcançar tal desiderato.

          O excepcional e sensível jurista mineiro, João Baptista Villela ("O Reconhecimento da Paternidade entre o pós-moderno e o arcaico: primeiras observações sobre a Lei 8.560/92", in Repertório de Jurisprudência IOB, 2ª quinzena de fevereiro de 1993 - nº 04/93), se refere ao assunto de modo conclusivo: "A fragmentação da matéria por textos que se superpõem e que, juntos, mal passam a imagem de uma colcha de retalhos é bem um indicativo de que, passados mais de quatro anos de vigência da nova Constituição, ainda falta ao País, um projeto político orgânico e consistente para a filiação não-matrimonial". (p. 76).

          A legislação infraconstitucional, em comento, arrola-se da seguinte maneira:

          Com relação a esta última Lei, e em que pese o elogiável propósito do legislador, haveríamos que considerar alguns pontos falhos ou frágeis em seus dez dispositivos.

          Entre os mais destacados destes pontos faremos referência especial ao art. 2º, e seus §§, da mencionada Lei 8.560/92. Este dispositivo determina que "em registro de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida, o oficial remeterá ao juiz certidão integral do registro e o nome e prenome, profissão, identidade e residência do suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente a procedência da alegação".

          Instala-se assim, uma averiguação oficiosa da paternidade, a cargo de um juiz que, fora de suas funções e atribuições específicas, operará uma espécie de sindicância pública contra o indigitado pai, cujo resultado, se não for o do pronto reconhecimento voluntário, não deixará, ao magistrado "sindicante" qualquer outra alternativa (mais assemelhada às suas específicas e especiais atribuições e competências) que não a da simples remessa dos autos ao representante do Ministério Público (§ 4º).

          Situação igualmente desconfortável, do ponto de vista de correta postura de competências é, por certo, a do próprio Ministério Público que deverá se sobrepor à certeza de se tratar, in casu, de um direito personalíssimo (art. 27 do ECA), este de alguém buscar, judicialmente, o "conhecimento de sua ascendência biológica", (como se expressa João Baptista Villela), para munir-se do direito de exercê-lo por meio de ação, independentemente da consulta aos interesses privados do filho e mesmo aos de sua mãe.

          O que há por trás disso é simples - e já o houvera diagnosticado João Baptista Villela em fevereiro de 1993, dois meses apenas após a edição da Lei - "a opção do legislador insinua-se claramente contra a autonomia da pessoa humana ao converter a paternidade, literalmente, de questão de estado em questão de Estado".

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          Quatro anos passados, no entanto, desde a edição da Lei, a verdade que se instala no cenário atual é outra, diferente daquela retratada pelo dispositivo ora comentado.

          Talvez pelo excesso de atribuições, mas talvez pela preocupação maior de ingressar em juízo, em nome próprio ou não, para pleitear direito personalíssimo de outrem, a verdade é que o Ministério Público, ao menos no Estado de São Paulo, não tem intentado as referidas ações de investigação de paternidade.

          Isto porque o Conselho Superior da Magistratura, por meio do Provimento nº 494/93 de 28.05.1993, depois, a Procuradoria Geral de Justiça (em conjunto com o Conselho Superior do Ministério Público e a Corregedoria Geral do Ministério Público), por meio do Ato nº 11/93 de 10.10.1993, determinaram, essencialmente, que "havendo órgão ou serviço de Assistência Judiciária na comarca ou localidade, a Promotoria de Justiça deverá encaminhar-lhes, prontamente e sem qualquer manifestação, os autos de averiguação recebidos, informando o Juízo competente da remessa realizada".

          A solução intermediária, por ora, parece bastante razoável, eis que estes órgãos de assistência gratuita ou defensoria pública só poderão ingressar, em juízo, com a ação correspondente, se obtiverem da representante do menor (a mãe), a devida outorga de poderes, para pleitear aquele personalíssimo direito de investigar sua ascendência biológica, sua raiz genética.


ANEXO

Modificações legislativas - Filiação extramatrimonial.

Sobre a autora
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka

procuradora federal em São Paulo (SP), doutora em Direito pela USP, professora doutora de Direito Civil da USP, diretora da Região Sudeste do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Dos filhos havidos fora do casamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/528. Acesso em: 22 nov. 2024.

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