Estatui a vigente Constituição Federal,
em seu art. 229, que "os pais
têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores,
e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais
na velhice, carência ou enfermidade", estabelecendo,
assim, de forma recíproca, o dever de sustento dos pais
em relação aos filhos, e destes em relação
aos pais.
O Código Civil, por sua vez, ao dispor
acerca dos efeitos jurídicos do casamento e referindo-se
apenas aos encargos conferidos aos cônjuges, inclui, entre
os deveres de ambos, os de sustento, guarda e educação
dos filhos (CCB: art. 231, IV), importando
em perda do pátrio poder deixá-los em abandono (art.
395, II).
E deixar, sem justa causa, de prover à subsistência
do filho menor pode dar ensejo à configuração
do crime de abandono material, previsto no art.
244 do Código Penal.
Resulta, pois, diretamente do pátrio poder
e se constitui em responsabilidade comum dos genitores,
o dever de prestar aos filhos, enquanto civilmente menores,
o necessário ao seu sustento, proporcionando-lhes, com
tal escopo, alimentação, vestuário, educação,
moradia, lazer, assistência à saúde e medicamentos
etc. Essa obrigação específica, dos pais
em relação aos filhos menores, que encontra sua
origem no pátrio poder, é resultante do denominado
"dever de sustento". Difere, portanto, daquela
obrigação que, ainda que alusiva a pais e filhos,
é disciplinada pelo art. 396 e seguintes do Código
Civil, e é identificada e fundamenta-se puramente em
relações de parentesco, já não importando
a subsistência do pátrio poder, mas sim a necessidade
de quem pleiteia a verba alimentar.
Versando o tema e tratando especificamente dessa
distinção entre o já referido "dever
de sustento" e a obrigação alimentar fundada
meramente em laços de parentesco, com a reconhecida
sapiência e grande senso de oportunidade, preleciona YUSSEF
SAHID CAHALI (in, "Dos Alimentos"
- São Paulo: Ed. RT, 1994 - p. 401) que "a doutrina,
de maneira uniforme, inclusive com respaldo na lei, identifica
duas ordens de obrigações alimentares, distintas,
dos pais para com os filhos: uma resultante do pátrio poder,
consubstanciada na obrigação de sustento da prole
durante a menoridade (CC, art. 231, IV); e outra, mais ampla,
de caráter geral, fora do pátrio poder e vinculada
à relação de parentesco em linha reta"
(grifou-se).
Certo que, na vigência do pátrio poder,
subsiste a obrigação alimentar dos pais em relação
aos filhos, enquanto civilmente menores, fundada única
e exclusivamente no dever de sustento a que alude a lei
civil. Enquanto que a obrigação baseada em laços
de parentesco nasce diretamente do fato de não possuir
o beneficiário meios próprios para o seu sustento
e remanesce até a cessação da necessidade
que justificou a concessão.
Considerando especificamente a obrigação
embasada no "pátrio poder", surge questão
de natureza prática que visa a saber como operar-se-á
a cessação da obrigação dos pais em
relação aos filhos que, ao alcançarem a maioridade
civil, deixam de fazer jus legalmente à prestação
de alimentos com fundamento do "dever de sustento".
Torna-se-á relevante a questão posta
quando, em decorrência de determinação judicial
específica, houver o comprometimento de qualquer dos genitores,
competindo-lhe fornecer, mediante prestações periódicas,
os alimentos de que necessita o filho para o seu sustento.
Em situação como a ora exposta,
alcançada a maioridade pelo beneficiário, pode o
devedor apenas deixar de pagar a pensão, sem que qualquer
ordem judicial específica seja obtida? Poderá
o empregador do genitor obrigado, a requerimento do devedor, deixar
pura e simplesmente de realizar a retenção do valor
correspondente à prestação que a ele se incumbiu
de realizar?
Ou seja, pode-se emprestar
à cessação do dever de sustento um caráter
de automaticidade, de modo a que o obrigado, diretamente ou por
intermédio de seu empregador, apenas deixe de realizar
os pagamentos devidos, independentemente de ordem judicial específica
nesse sentido? Ou ver-se-á ele em qualquer circunstância
compelido a buscar através de medida judicial competente
o pretendido efeito liberatório?
A avaliação de tais indagações
exigem inquestionavelmente, que se considere o fato de que as
disposições legais antes mencionadas impõem
aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos
enquanto menores, pressupondo-se que, a partir de então
estarão eles - salvo eventual incapacidade física
ou mental - plenamente aptos a buscar meios que lhes permitam
prover o próprio sustento, estabelecendo-se dai em diante
obrigação em sentido inverso, pois para o filho
surgirá o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade, consoante expressamente preceituado
em dispositivo da vigente Carta Política.
Visa-se claramente, mediante tais regras, desestimular
o ócio e a subsistência de uma relação
de dependência sem limites que, de forma indesejável,
geraria para os pais, de modo injusto e descabido, a preservação
de um encargo que, a rigor, já não mais lhes competiria
atender.
Ora, se é certo que cessará o denominado
dever de sustento, como anteriormente já
restou dito, com o simples fato de haver o beneficiário
alcançado a maioridade civil, de se concluir, em
princípio, que a extinção do encargo operar-se-á
independentemente de qualquer avaliação de necessidades
do alimentando. Não mais subsistirá, a partir de
então, com suporte no dever de sustento, a obrigação
de prestar alimentos ao filho por qualquer dos genitores.
Óbvio, no entanto, que os pais continuarão
- em razão das relações de parentesco - vinculados
ao dever de prestar ao filho incapaz ou inválido o necessário
ao seu sustento, enquanto subsistente a situação
que o incapacita para o trabalho.
Independentemente, portanto, do ajuizamento de qualquer
medida judicial, alcançada a maioridade pelo filho plenamente
capaz, cessará a obrigação para os pais de
prover-lhe o sustento. Nesse caso, e estando o genitor vinculado
a obrigação judicialmente constituída, apenas
deixará ele de pagar a prestação que já
não mais lhe cabe. Razoável concluir-se que operar-se-á
a exoneração automática e imediata do encargo
a que estava ele obrigado.
Importa dizer, desse modo, que a despeito de haver
ocorrido a prestação jurisdicional para o efeito
de constituir-se a obrigação em favor do filho,
não permanecerá o devedor de alimentos - quando
baseada a obrigação no dever de sustento - vinculado
à prestação além da data em que o
credor atingiu a sua maioridade.
A exoneração independerá, assim,
de qualquer decisão judicial, o que autorizará o
empregador, mediante requerimento específico, a cessar
descontos em folha que eventualmente venha realizando a esse título.
Abordando especificamente o tema "maioridade
e cessação do dever de sustento do filho",
YUSSEF SAID CAHALI (in, "Dos Alimentos"
- São Paulo: Editora RT, 1994 - 2ª ed. - pág.
504) assevera que "... o dever de sustento diz respeito
ao filho menor, e vincula-se ao pátrio poder; seu fundamento
encontra-se no art. 231, III, do CC, como dever de ambos os cônjuges
em relação à prole, e no art. 233, IV, como
obrigação precípua do genitor, de mantença
da família; cessado o pátrio poder, pela maioridade
ou pela emancipação, cessa consequentemente aquele
dever; ...".
Versando ainda o mesmo assunto, acrescenta o citado
autor que "... cessada a menoridade, cessa ipso
jure a causa jurídica da obrigação de
sustento adimplida sob a forma de prestação alimentar,
sem que se faça necessário o ajuizamento, pelo devedor,
de uma ação exoneratória. ... Daí
a possibilidade de o obrigado suspender, incontinenti, os pagamentos
ou requerer simples ofício ao juiz, ao empregador, para
suspender os descontos" (op. cit., pág.
506).
A propósito não é outro o entendimento
consagrado na jurisprudência, bem sintetizado nos arestos
prolatados pelo egrégio TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS que vão a
seguir transcritos: "Direito Civil. Alimentos. Maioridade
do alimentando. Extinção da obrigação
alimentar. Incapaz o dependente, há o pressuposto da necessidade
de alimentos. Alcançada a plena capacidade, inverte-se
a presunção que só será elidida por
prova contrária a cargo do alimentando" (Ap.
Cív. nº 14.816 - Rel. Des. Mello Martins. Rev. Des.
Irajá Pimentel. In, DJ de 28.08.86, pág. 15130)
- "Ação exoneratória de sustento.
Com o advento da maioridade, cessa para o pai o dever de sustentar
o filho, sem necessidade de prestação jurisdicional.
Distinção entre o dever de sustento e a obrigação
alimentar. Aquele dever do pai se extingue com a maioridade do
filho, a partir da qual pode nascer a obrigação
alimentar seja para o ascendente, seja para o descendente, desde
que demonstrados, em ação própria, os pressupostos
do art. 399, do Código Civil." (Ap. Cív.
13.609 - Rel. Des. Dirceu de Faria. Rev. Des. Luiz Cláudio
Abreu. In, DJ de 11.09.85, pág. 15260).
De concluir-se, assim, que em conformidade com os
argumentos e fundamentos anteriormente expostos, tendo o filho
alcançado a maioridade civil, cessa para o genitor vinculado
à prestação de alimentos a obrigação
correspondente, ressumbrando induvidoso, ademais, que a cessação
pura e simples dos pagamentos devidos em decorrência do
dever de sustento não significarão abandono do credor
e não importarão em afronta ao dever de sustento,
guarda e educação dos filhos a que alude a lei civil
(CCB: art. 231, IV). Também não
ensejará, tal atitude, a configuração do
crime de abandono material, previsto no art.
244 do Código Penal.
Restando configurada, pois, a hipótese aventada
de alcance da maioridade civil por pessoa plenamente capaz e apta
para o trabalho, totalmente desnecessária será a
propositura de ação exoneratória
da obrigação por parte do devedor de alimentos.
Isto porque, como visto, com o advento da maioridade, cessa automaticamente
para o alimentante o encargo de sustentar o alimentando.
No entanto, embora dispensável a prestação
jurisdicional, ainda se tem enfrentado na prática a desconfiança
e o temor dos empregadores, quando tenham eles recebido ordem
judicial no sentido de processar descontos em folha, o que tem
exigido do interessado providência simples no sentido de
formular, nos autos da ação competente (ação
de alimentos, separação, divórcio etc), onde
restou constituída a obrigação, pedido no
sentido de que se faça expedir ofício ao empregador
informando a extinção da obrigação
e, em consequência, a imediata cessação dos
descontos.
Artigo
Destaque dos editores
Obrigação alimentar e cessação do dever de sustento
24/06/1998 às 00:00
Airton Rocha Nobrega
Advogado inscrito na OAB/DF desde 04.1983, Parecerista, Palestrante e sócio sênior da Nóbrega e Reis Advocacia. Exerceu o magistério superior na Universidade Católica de Brasília-UCB, AEUDF e ICAT. Foi Procurador-Geral do CNPq e Consultor Jurídico do MCT. Exerce a advocacia nas esferas empresarial, trabalhista, cível e pública.
NÓBREGA, Airton Rocha Nobrega. Obrigação alimentar e cessação do dever de sustento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 25, 24 jun. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/530. Acesso em: 23 nov. 2024.