DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Os indivíduos devem conduzir suas vidas de modo regrado, zelando para não causar prejuízos a si e às outras pessoas. Nesse ponto, o ordenamento jurídico funciona como um dos mais importantes reguladores do equilíbrio social, visando impedir o cometimento de atos ilícitos e quando não for possível, responsabilizar o agente causador e ressarcir a vítima afetada, estabelecendo, assim, o instituto da responsabilidade civil. Desse modo, várias obras jurídicas a conceituaram, merecendo destaque a imprescindibilidade de haver a violação do dever jurídico e o dano. Nesse sentido, Gonçalves (2010, p. 24) esclarece que:
“Responsabilidade civil é, assim, um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário. Destarte, toda conduta humana que, violando dever jurídico originário, causa prejuízo a outrem é fonte geradora de responsabilidade civil.”
Mencionada violação constitui o ato ilícito, considerado pela doutrina como o fato gerador da responsabilidade civil. Tanto é que o artigo 186 do Código Civil dispõe que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. A fim de arrematar o mencionado dispositivo, editou-se o artigo 927, no mesmo código, assim prevendo: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Assim sendo, mostra-se imprescindível preservar o patrimônio material e moral das pessoas, de modo que o principal norte da responsabilidade civil é buscar o retorno do status quo ante da situação suportada pela vítima dos danos.
Breves considerações sobre os pressupostos da responsabilidade civil
Corolário à responsabilidade civil, nasce o dever de indenizar, correspondente à obrigação de reparar o dano suportado pela vítima. Todavia, para que haja a pretensão reparatória, faz-se mister a presença de alguns elementos, os chamados pressupostos do dever de indenizar.
Nota-se que alguns doutrinadores apontam a existência de três elementos, enquanto outros lecionam haver quatro pressupostos da responsabilidade civil (há discordância quanto ao elemento “culpa”). No entanto, a partir da análise do artigo 186 do Código Civil, esse estudo filia-se à tese de que o mencionado dispositivo apresenta os elementos essenciais à identificação do dever de indenizar. Extrai-se dos ensinamentos de Gonçalves (2010) e Tartuce (2012) que quatro são os pressupostos da responsabilidade civil, a saber: ação ou omissão, culpa genérica ou dolo do agente, nexo de causalidade e o dano.
Ação ou omissão
O ser humano, desde a sua concepção, tem direito à liberdade, o que, como cláusula pétrea, veio previsto na Constituição Federal, no caput do artigo 5º. Dessa forma, a conduta humana é conduzida pelo livre-arbítrio, calcado na possibilidade de tomar decisões instituídas pela própria vontade.
Contudo, ao tratar de responsabilidade civil, a conduta positiva ou negativa do homem, guiada pela vontade do agente, pode vir a gerar prejuízos (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2009), ficando claro que deve haver a voluntariedade do agente em ter consciência do ato que está cometendo, não abrangendo fatos causados por forças naturais ou indivíduos sem discernimento. Assim sendo, o comportamento humano pode ser causado por uma ação/comissão/conduta positiva e omissão/conduta negativa.
Diniz (2012, p. 56) afirma que “a comissão vem ser a prática de um ato que não se deveria efetivar, e a omissão, a não-observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se”. Para haver responsabilização por omissão, parafraseia-se Gonçalves (2010) ao entender que é necessário a existência do dever jurídico de praticar determinado ato (de não se omitir), bem como a demonstração de que, com a prática, o dano poderia ser evitado.
Dito isso, conclui-se que, tanto o comportamento ativo, ou seja, a prática de algo que não se pode fazer; quanto o negativo, onde se demonstra uma omissão à conduta que deveria ter sido praticada, compõem elementos imprescindíveis ao dever de indenizar.
Culpa ou dolo do agente
Partindo-se da premissa de culpa como um dos elementos da responsabilidade civil, essa deve ser analisada em sentido amplo, englobando o dolo e a culpa stricto sensu. Conforme aduz Tartuce (2012, p. 345), “o dolo constitui uma violação intencional do dever jurídico com o objetivo de prejudicar outrem.”
Na culpa em sentido estrito, por sua vez, retira-se o elemento volitivo presente no dolo, persistindo a violação do dever jurídico e prejuízo da vítima em decorrência de uma conduta imprudente, negligente e imperita do responsável pelo dano. Mister esclarecer que a imprudência consiste em uma ação positiva, onde, sem observância da cautela necessária, há o cometimento do dano. Nesse mesmo sentido é o conceito de negligência, diferenciando-se por tratar-se de uma conduta omissiva. E, por imperícia, tem-se a incapacidade técnica para o exercício de determinada função, profissão ou arte (GONÇALVES, 2010).
Aqui, analisar-se-á o caso concreto, partindo-se de uma conduta a ser normalmente aceita pela sociedade. Nas palavras de Venosa (2012, p. 25), “o agente não é culpado porque agiu desviando-se da moral, mas porque deixou de empregar a diligência social média”. Ao arremate, frisa-se que a culpa não constitui elemento essencial à caracterização da responsabilização, uma vez que, na espécie objetiva, não se exigirá a demonstração de culpa, o que será visto mais adiante.
Nexo de causalidade
O terceiro e indispensável elemento da responsabilidade civil consiste no liame de causalidade entre o ato ilícito e o dano ocasionado, sendo que sem essa relação não há o dever de indenizar. Na lição de Cavalieri Filho (2012), é preciso que o dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente e que exista entre ambos um imprescindível elo de causa e efeito.
Ressalta-se, portanto, que o nexo causal deverá ser comprovado antes de caracterizar a obrigação de indenizar, devendo o juiz eliminar fatos irrelevantes para a efetivação do dano (CAVALIERI FILHO, 2012). É o que ocorre com as chamadas excludentes do nexo causal, as quais são responsáveis por romper o binômio causa e efeito e retirar a obrigação de indenizar. Destacam-se o caso fortuito ou a força maior e fato exclusivo da vítima ou de terceiros.
Dano
Conceitua-se dano como o resultado de uma ação ou omissão, constituindo elemento essencial da responsabilidade civil. Ora, não há o que falar em indenização ou ressarcimento se com determinado ato não houve prejuízo a ser reparado, isso porque indenizar traz a ideia de retorno ao status quo ante, ou seja, o retorno à situação anterior ao dano.
Feitos os devidos apontamentos, é importante salientar que o dano divide-se em duas categorias, uma vez que é visualizado tanto sob a ótica patrimonial quanto na esfera moral. Nesse viés, o dano material é aquele que provoca considerável lesão ao patrimônio da vítima, de modo que é passível quantificá-lo e aferi-lo em valores pecuniários. Por sua vez, no dano imaterial, mostra-se impossível a avaliação pecuniária do prejuízo, restando apenas a reparação, uma vez que há a afetação do ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima em decorrência da lesão aos seus direitos de personalidade (SILVA, 2011).
Classificação da responsabilidade civil quanto à culpa
Expostos os pressupostos da responsabilidade civil, necessária se faz a diferenciação entre a responsabilidade subjetiva e objetiva, as quais, muito embora não sejam as únicas modalidades – dividem-se, também, em contratual e extracontratual –, são as que possuem conceituação relevante ao presente trabalho.
De modo sucinto, afirma-se que a responsabilidade civil subjetiva é aquela que pressupõe a existência de culpa para que haja o dever de indenizar. Nesse ínterim, “a vítima só obterá a reparação do dano se provar que o agente agiu com culpa” (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 17). É a teoria adotada pelo Código Civil de 2002, verificando-se no artigo 186 a necessidade do elemento culpa (negligência ou imprudência) para a ocorrência da responsabilização civil.
Ao contrário, a teoria objetiva funda-se no risco, dispensando a apreciação da culpa e necessitando apenas do liame de causalidade entre a conduta positiva ou negativa e o dano causado, como prevê o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, constituindo principal dispositivo caracterizador da responsabilidade civil objetiva: “[...] Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Assim, a modalidade objetiva constitui exceção, sendo encontrada em dispositivos dispersos no ordenamento jurídico, como é o caso do disposto no artigo 933 do Código Civil, atribuindo aos pais, tutores, curadores, empregadores, dentre outros, a responsabilidade por atos danosos cometidos por terceiros, independentemente da comprovação de culpa.
Da responsabilidade indireta e objetiva dos pais
Em princípio, a responsabilidade pressupõe a conduta humana geradora de ilicitude e a correspondente indenização, advinda diretamente do agente que causou os danos. Todavia, há também a responsabilização indireta, onde um sujeito responderá civilmente pela atuação de um terceiro, que tem com ele ligação jurídica, contratual ou legal (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2009).
Com enfoque no presente estudo, cumpre esclarecer quanto à responsabilidade dos pais pelos filhos menores, os quais, na lição do artigo 932, inciso I do atual Código Civil, devem estar sob sua autoridade e companhia. Nota-se que optou-se pela expressão “sob sua autoridade” a “sob seu poder” elencada no artigo 1.521 do Código de 1916, o que conferiu melhor compreensão ao dispositivo, sem, contudo, alterar sua essência. Na visão de Venosa (2012), não carece apreciar se os filhos estavam sob o poder direto dos pais, mas sob sua autoridade, o que nem sempre pressupõe proximidade física.
Destarte, essa responsabilidade específica funda-se no exercício do poder familiar, de modo que os pais devem envidar esforços nos deveres de educação e criação dos filhos menores e sobre eles exercer vigilância, sendo que, caso estes cometam atos ilícitos (comprovada a negligência ou imprudência do menor), aqueles responderão ainda que não haja culpa de sua parte.
Ora, mostra-se clara a responsabilidade de ambos os cônjuges pelos atos lesivos cometidos por seus infantes, isso quando casados ou na vivência da união estável, excetuando-se dessa regra pacífica os casos em que os pais rompem relações e a guarda do menor fica estabelecida unilateralmente a um dos consortes.
Aqui, o tema é controverso tanto na doutrina quanto na jurisprudência, uma vez que há quem filie-se ao entendimento da responsabilidade ser atrelada ao poder familiar, mantidos inalterados os deveres inerentes mesmo com a separação. Porém, outra corrente entende que a responsabilização deriva da guarda e não exatamente da autoridade parental, fazendo interpretação literal ao dispositivo 932, I, do Código Civil ao tratar da expressão “em sua companhia”, o que causa controvérsia e diferentes entendimentos, os quais serão explanados a seguir.