4.CARCTERÍSTICAS DO DANO EXISTENCIAL
Além dos elementos intrínsecos e necessários à configuração do dano e a respectiva responsabilização, quais sejam, conduta, nexo de causalidade e o dano, torna-se necessário elencar outros elementos que constituem o dano existencial.
Há na doutrina e jurisprudência entendimentos distintos sobre o que vem a ser o dano existencial, alguns entendem que o mesmo nada mais é do que mera espécie de dano moral, Sonia Mascaro Nascimento assim se posiciona:
Num primeiro momento o dano moral restringia-se à dor, à angústia, ao sofrimento. Hoje em dia, no entanto, seu espectro foi ampliado para abarcar todos os bens personalíssimos.
O dano moral é gênero que envolve diversas espécies de danos extrapatrimoniais, tais como: dano à imagem, dano estético, dano à honra, assédio moral e sexual, dano à intimidade, dano à vida privada, condutas discriminatórias, direitos de personalidade, bem como o dano existencial. (NASCIMENTO, 2014)
Não obstante esse entendimento, é posicionamento majoritário aquele que entende o dano existencial como uma espécie de dano extrapatrimonial, distinto do dano moral, já que possui características próprias que o difere dos demais danos extrapatrimoniais.
Verifica-se pelo histórico do ordenamento jurídico brasileiro, que há uma tendência de se querer caracterizar todo novo dano como sendo uma espécie de dano moral, tenha-se como exemplo o dano estético, que até a edição da Súmula 387 em setembro de 2009, entendiam alguns como uma mera espécie de dano moral, não podendo, portanto, ser cumulado com o dano moral na medida que deste não se diferenciava. Com a edição da referida súmula o STJ pôs fim ao debate, consolidando o entendimento favorável à autonomia do dano estético.
Impende esclarecer que o dano existencial, nada tem a ver com o dano moral, em suma, consiste o dano existencial no prejuízo causado ao planejamento de vida do indivíduo. Esclareça-se que tal prejuízo refere-se a alterações de caráter não pecuniário, que descaminham o curso normal da vida, impedindo a realização das aspirações e vocações do indivíduo vitimado, este se vê impossibilitado de escolher o seu próprio destino, consistindo em uma ameaça ao que o sujeito tem como sentido de existência, ao sentido da vida. Diz-se existencial justamente porque o dano provoca um impacto que tem por consequência o vazio existencial na pessoa que perde a razão de ser. (FROTA, 2013).
Verifica-se, portanto, que aquele que é vitimado e sofre com o dano existencial acaba por perder as perspectivas de um presente e um futuro gratificante, por mínimo que seja, já que se vê obrigado a renunciar os objetivos de vida, que se tornam total ou parcialmente inviabilizados por uma conduta ilícita de um terceiro.
Destarte, torna-se perceptível uma das principais diferenças entre dano existencial e dano moral. Enquanto este se configura pelo abalo íntimo do indivíduo, aquele, foge à esfera meramente psíquica da vítima, abalando efetivamente a vida relacional com as outras pessoas, isso porque não se pode falar em dano existencial, sem se falar em relações interpessoais, já que o mesmo não se adstringe à pessoa individualmente considerada.
Nesse sentido, Frota (2010, apud COLNAGO, 2013, p.55) esclarece que:
[...] Ao participar do mundo com os outros, o ser-aí se liga aos demais seres-aí e se torna um ser-no-mundo-com-os-outros: está no mundo, morada em que vive em indispensável coexistência e ao qual atribui sentido constantemente. Ser-no-mundo, conhece o mundo, nele sabe se movimentar e se orientar, nele encontra a sua morada. Sercom- os-outros, consciente da presença dos demais, a qual lhe é necessária, sem a qual não se completa.
Para Colnago (2013), o dano existencial distingue-se do dano moral porque o primeiro atinge um aspecto público do indivíduo, ou seja, sua relação com outros seres, com o mundo social, enquanto o segundo consiste na lesão ao patrimônio imaterial subjetivo do indivíduo. Posiciona-se a autora, portanto, pelo reconhecimento da autonomia do dano existencial frente ao dano moral.
Acerca da sua autonomia, assim se posiciona o Colendo TST acerca do dano existencial:
Embora exista no âmbito doutrinário razoável divergência a respeito da classificação do dano existencial como espécie de dano moral ou como dano de natureza extrapatrimonial estranho aos contornos gerais da ofensa à personalidade, o que se tem é que dano moral e dano existencial não se confundem, seja quanto aos seus pressupostos, seja quanto à sua comprovação (BRASIL, 2012, grifo nosso)
Ainda sobre o assunto, o mesmo Tribunal confirma seu posicionamento quando do julgamento do Recurso de Revista nº -154-80.2013.5.04.0016 ao afirmar que:
[...] O dano existencial, pois, não se identifica com o dano moral. (...)O Direito brasileiro comporta uma visão mais ampla do dano existencial, na perspectiva do art. 186 do Código Civil, segundo o qual “aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. A norma em apreço, além do dano moral, comporta reparabilidade de qualquer outro dano imaterial causado a outrem, inclusive o dano existencial. (BRASIL, 2013, grifo nosso)
A jurisprudência pátria, sem dúvidas, tem reconhecido o dano existencial em determinadas situações, mas para que a vítima seja reparada dos alegados prejuízos aos planejamentos de vida, existe a necessidade da efetiva comprovação do dano sofrido, e que além disso, haja a razoabilidade no projeto de vida frustrado, é necessário, que haja a possibilidade, probabilidade de realização do projeto de vida, sendo que um outro futuro deverá ser programado, com as limitações que o dano impôs. (BEBBER, 2009 apud ALVARENGA, 2013, p.48)
Destarte, frise-se que para a configuração do dano em estudo, há de haver necessariamente o dano ao projeto de vida do indivíduo, sendo que este deve ser possível, razoável e concretizável, posto que não haveria razoabilidade em se indenizar o alegado prejuízo a determinados planos mirabolantes de um sujeito.
Ao elencar determinados elementos caracterizadores do dano existencial Frota (2013) menciona que este dano tem por característica ocasionar uma alteração nas relações familiares, sociais, culturais, afetivas, etc. Aduz ainda que, o instituto em comento materializa-se como uma renúncia involuntária às atividades cotidianas, o que acaba por comprometer a própria esfera de desenvolvimento pessoal. Seguindo em sua linha de raciocínio o autor diz que os setores que podem ser atingidos são os mais variados, cite –se como exemplo, as relações familiares, sociais, religiosas, atividades recreativas e demais outras.
Isto posto, é possível afirmar que o dano existencial tem como características predominantes o fato de uma pessoa se submeter involuntariamente a uma rotina que a priori não tinha planejado para si, em virtude de um ato ilícito de um terceiro. Ademais, é também característico o fato de esta espécie de dano afetar a relação interpessoal do indivíduo, nos mais diversos aspectos, religioso, amoroso, laboral, etc., não se restringindo o dano ao seu próprio eu, como é característico do dano moral.
Por fim, frise-se que há a renúncia involuntária dos planos de vida, mas para que seja reconhecido o direito a uma possível indenização faz-se indispensável que esses planos de vida sejam razoáveis e possíveis, cabendo à vítima o ônus quanto à prova do dano efetivamente sofrido.
Quanto a este último aspecto, já decidiu o TRT da 4ª Região que na relação de emprego a realização de horas extras exorbitantes caracterizam comprovação presumida dos danos morais, seria segundo o citado Tribunal, uma consequência lógica de realização das horas extras. Apesar deste entendimento o Eg. TRT da 23ª Região adotou entendimento diametralmente oposto ao considerar que “o descumprimento da legislação trabalhista no tocante às horas extras enseja tão somente os efeitos pecuniários correspondentes; e o dano existencial não se revela in re ipsa, dependendo de comprovação do prejuízo suportado”. (BRASIL, 2013).
Aduz o c. TST que o dano moral e o existencial têm pressupostos de comprovação peculiares e distintos, segundo o esposado em decisão recente tem-se que:
[...] Embora exista prova da sobrejornada, não houve na instrução processual demonstração ou indício de que tal jornada tenha comprometido as relações sociais do trabalhador ou seu projeto de vida, fato constitutivo do direito do reclamante(...)trata-se da impossibilidade de presumir que esse dano efetivamente aconteceu no caso concreto, em face da ausência de prova nesse sentido. Embora a possibilidade abstratamente exista, é necessário que ela seja constatada no caso concreto para sobre o indivíduo recaia a reparação almejada. Demonstrado concretamente o prejuízo às relações sociais e a ruína do projeto de vida do trabalhador, tem-se como comprovado, in re ipsa, a dor e o dano a sua dignidade. O que não se pode admitir é que, comprovada a prestação em horas extraordinárias, extraia-se daí automaticamente a consequência de que as relações sociais do trabalhador foram rompidas ou que seu projeto de vida foi suprimido do seu horizonte. (BRASIL, 2012, grifo nosso)
Diferentemente do que decidiu o Tribunal Regional da 4ª Região, o Colendo TST entende que a realização de horas extraordinárias de serviço não configura por si só e automaticamente o direito à indenização por danos existenciais, sendo necessário e imperioso, a comprovação do efetivo prejuízo às relações sociais, cabendo ao lesado o ônus dessa prova.
5A VIABILIDADE DE CUMULAÇÃO DO DANO EXISTENCIAL COM OUTRAS ESPECIES DE DANO
Danos Extrapatrimoniais em Espécie
A doutrina, unanimemente, tem diferenciado o dano em duas grandes espécies, quais sejam, danos patrimoniais, estes, afetam o patrimônio do indivíduo que sofre o dano, podendo configurar-se em dano emergente (aquilo que a vítima efetivamente perdeu) e lucro cessante (são os efeitos mediatos ou futuros do patrimônio, aquilo que se deixou de ganhar).
O lucro cessante é uma perda do lucro esperado, uma frustração da expectativa de lucro, citado dano caracteriza-se por causar uma diminuição potencial do patrimônio da vítima. (CAVALIERE FILHO, 2014)
Por outro lado, existem os danos extrapatrimoniais, que englobam sem muita discussão duas espécies de dano, o dano moral e o dano estético. Resta-nos esclarecer e distinguir o que vem a ser cada um desses danos para melhor entendimento do conteúdo aqui discutido.
Dano moral
O dano moral é uma espécie de dano não patrimonial, enquadra-se no que doutrinariamente se convencionou chamar de dano extrapatrimonial, danos estes que ultrapassam a esfera patrimonial do indivíduo vindo a abalar o emocional e o psíquico do mesmo, não bastando para sua configuração os contratempos enfrentados diariamente, sem indícios de vexame ou humilhação.
Segundo Cavaliere Filho, (2014, p.111) a mera contrariedade não basta para configurar o dano moral, nesse sentido assevera que:
Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto além de fazerem parte do nosso dia a dia, no trabalho, no transito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.
Verifica-se, portanto, nessa linha de raciocínio, que é também a entendida pela jurisprudência majoritária, que o dano moral prescinde ao mero dissabor cotidiano, que necessita, para sua configuração, do efetivo abalo psíquico do indivíduo.
Em estudo sobre o tema Stolze (2012, p.95) diz que “ o dano poderá atingir outros bens da vítima, de cunho personalíssimo, deslocando o seu estudo para a seara do denominado dano moral”. Segundo o mesmo autor, trata-se o dano moral de lesão de direitos, cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro, e traz como exemplos o direito à vida à integridade física, psíquica, moral etc.
Segundo Bittar (1993 apud STOLZE, 2012, p.95) os danos morais podem ser vistos da seguinte forma:
Qualificam-se como danos morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se, portanto, como tais, aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social).
Por ser um dano essencialmente emocional, desvinculado da noção de propriedade material o dano moral encontra barreiras que em tese dificultariam a sua comprovação. Sob essa indagação, qual seja, de como comprovar o dano moral, é que Cavaliere Filho (2014) diz sem mais delongas, que se prova o dano moral com a prova do fato lesivo, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do fato ofensivo, diz o ilustre autor, que provada a ofensa, estará provado o dano moral à guisa de consequência natural dos fatos.
Dano estético
Tem-se como dano estético aquele que causa deformidade, aleijão, defeitos físicos permanentes na vítima do dano, não apenas danos meramente patrimoniais ou de cunho íntimo psicológico caracterizadores do dano moral.
Na doutrina e jurisprudência travou-se um debate acerca da autonomia do dano estético, se este inseria-se no que se convencionou chamar de dano moral ou se na verdade seria uma espécie distinta deste último podendo inclusive ser cumulado com o mesmo.
Existe hoje, entendimento doutrinário que não admite a autonomia do dano estético, considerando este, como uma espécie de dano moral, Cavaliere Filho (2014, p.136) ao argumentar sobre o tema, menciona que: “continuo convicto de que o dano estético é modalidade de dano moral e que tudo se resume a uma questão de arbitramento. ”
Destarte, entende o autor a impossibilidade de cumulação entre dano estético e dano moral por entender justamente que ambos não se diferem, sendo o dano moral mais genérico, abrangendo, portanto, o dano estético.
Não obstante esse entendimento, a jurisprudência do STJ já pacificou essa discussão ao editar a Súmula nº 387 dispondo que “é licita a cumulação das indenizações do dano estético e do dano moral. ”
Dessa forma, com a edição da mencionada súmula o STJ reconheceu expressamente a possibilidade de cumulação do dano existencial com o dano moral, admitindo assim, a sua autonomia em face deste último.
A possibilidade da Cumulação
O dano moral abrange o indivíduo na sua esfera íntima e subjetiva, ou seja, é a dor, o sofrimento, o vexame, o desconforto, a humilhação, em suma é a “dor na alma”. Ocorre que o dano existencial não se resume à pessoa do indivíduo, pois o bem jurídico que este tutela é a possibilidade que foi retirada ou prejudicada do indivíduo se relacionar com outras pessoas, com o mundo social em sua volta, de colocar em prática os planos que tenha elaborado para sua vida.
Nesse sentido, assevera Almeida Neto (2005, p.48):
Nos danos da espécie existencial, o ofendido se vê privado do direito fundamental, constitucionalmente assegurado, de, respeitando o direito alheio, livre dispor do seu tempo fazendo ou deixando de fazer o que bem entender. Em última análise, ele se vê despojado de seu direito à liberdade e á sua dignidade humana.
Apesar de não estar o dano existencial categoricamente conceituado, isso não impede que seja reconhecido ou aplicado no caso concreto. Antigamente, o dano moral se limitava à dor e à angústia. Entretanto, o direito é dinâmico de forma que se adapta à sociedade no decorrer dos tempos. Nesse sentido, com a evolução da vida em sociedade, o aspecto do dano moral foi ampliado consideravelmente, tendo como principal marco a Constituição Federal de 1998 que dentre outras matérias, procura dar ênfase à proteção dos direitos da personalidade de forma integral.
Do princípio da dignidade humana, decorre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade. Quando a carta magna assegura o livre exercício dos direitos sociais, da liberdade e do bem estar, este tendo como intuito a busca da felicidade, na verdade ela está prevendo valores que devem ser efetivados, não podendo ser vistos apenas como normas principiológicas, mas sim como uma valoração que se abstrai da interpretação teleológica do espirito humanista adotado pela Constituição brasileira, no sentido de dar concretude ao objetivo da norma.
Dentro dos direitos da personalidade encontramos os direitos imateriais ou extrapatrimoniais. São nesses que se encontram como espécies o dano moral e o dano existencial. Apesar da semelhança entre os institutos, não são sinônimos. É certo que os dois protegem os direitos imateriais, bem como a pessoa na sua personalidade. Ocorre que se exteriorizam de forma diversa.
Segundo Soares (2009, p.46):
A distinção entre o dano existencial e o dano moral reside no fato de que este é essencialmente um sentir, e aquele é um não mais poder fazer, um dever de agir de outra forma, um relacionar-se diversamente do pretendido, em que ocorre uma limitação ao desenvolvimento normal da vida da pessoa.
Logo, é possível perceber que além do dano em seu íntimo, o indivíduo se vê prejudicado e frustrado dos prazeres de sua existência, decorrente de um ato ilícito. O crescimento e realização profissional ou pessoal que outrora imaginou e projetou para sua trajetória de vida, se vê distante em virtude da destruição e dano profundo sofrido pelo seu projeto de realização como ser humano.
O dano que a pessoa vem a sofrer ocorre em suas atividades realizadoras enquanto ser humano e ser social (relações sociais, culturais, afetivas, etc), incidindo negativamente sobre o complexo de relações do indivíduo, repercutindo direta ou indiretamente, temporária ou permanentemente, sobre a sua existência, e não apenas no seu caráter psíquico-sociológico por si só e/ou individualmente considerado.
Nas lições de Bolcinhas Filho (2013, p. 243):
Ainda que o ato ilícito seja devidamente reparado e indenizado, o prejuízo que esse dano causou ao indivíduo, impedindo-o de desfrutar do convívio com seus amigos, fazendo-lhe perder a oportunidade de ver seus filhos crescerem e, por vezes, privando-o até mesmo do direito de exercer seu credo religioso, subsistirá.
Diante do exposto, em que pese os direitos extrapatrimoniais em alguns casos derivarem do mesmo ato ilícito no caso concreto, tratam e tutelam objetos jurídicos diferentes, produzindo efeitos nitidamente distintos, não sendo possível se falar em absorção de um pelo outro.
Em sendo o projeto de vida possível, razoável e concretizável, como os bens jurídicos tutelados, as formas de exteriorização e reconhecimento serem distintas, não há óbice à cumulação do dano existencial com as outras espécies de dano extrapatrimonial, não podendo se deixar a questão se resumir ao arbitramento do magistrado de todos os danos imateriais dentro do dano moral, por exemplo.
Perceptível, pois, a tendência ao reconhecimento da autonomia do dano existencial, pois em inúmeros casos, além do indivíduo sofrer dano em seu íntimo, dano este de ordem moral, ele também sofre dano enquanto ser social, este de ordem existencial, constituindo um plus não abrangido pela reparação moral.
Não obstante a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca dessa autonomia do dano existencial é notório que os tribunais pátrios vêm decidindo no sentido de aceitar a sua independência como direito extrapatrimonial, considerando o mesmo como um aprimoramento e evolução do instituto da responsabilidade civil.
Nesse sentido, foi levada a discussão perante o Tribunal de Justiça do Rio Grande Sul caso em que se discutiu o dever de indenização por erro odontológico de cirurgião dentista onde o Desembargador Relator Leonel Pires decidiu pela condenação do profissional liberal, considerando que a esfera existencial da pessoa humana foi afetada de maneira a ensejar prejuízos aos direitos de personalidade e, de forma mais ampla à tutela da pessoa humana, afetando de sobremaneira interesses transindividuais não patrimoniais. (BRASIL, TJ-RS APELAÇÃO CÍVEL 70046849121).
Mais recentemente, o conceito de dano existencial vem sendo absorvido pelos tribunais trabalhistas. Na seara do direito do trabalho, a discussão sobre as limitações ao direito da personalidade abrange também às relações com terceiros que potencialmente poderiam ter sido construídas, mas que foram excluídas do seu horizonte de escolhas.
A grande questão surgida na Justiça do Trabalho está ligada ao ônus da prova, se a mera configuração de jornadas extraordinárias habituais muito além da jornada normal de trabalho caracterizaria, por si só o dano existencial, ou se o reclamante teria o ônus de provar que sua esfera existencial fora afetada em decorrência do ato ilícito do empregador.
Nesses termos, já foi decidido pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) no processo 0001137- 93.2010.5.04.0013 (RO), JOSÉ FELIPE LEDUR, em 16/05/2012, que a mera prestação de jornada extraordinária excedente ao limite legal já configura dano existencial, dada a violação de direitos fundamentais do trabalhador. O entendimento da corte se exteriorizou como se fosse uma decorrência lógica: comprovada a jornada excessiva, decorreria o dano existencial pela impossibilidade do convívio familiar, dificultando as relações pessoais e sociais do trabalhador. Assim, não terá necessidade de o empregado demonstrar o “prejuízo de relações” por ele sofrido. (BRASIL, TRT- RO-0001137- 93.2010.5.04.0013, 2012)
Contudo, existem decisões trabalhistas em sentido contrário, mais especificadamente, no TST. Em um de seus julgados, com decisão proferida em agosto de 2015, a suprema corte trabalhista afirma que:
É importante esclarecer: não se trata, em absoluto, de negar a possibilidade de a jornada efetivamente praticada pelo reclamante na situação dos autos (ilicitamente fixada em 70horas semanais) ter por consequência a deterioração de suas relações pessoais ou de eventual projeto de vida: trata-se da impossibilidade de presumir que esse dano efetivamente aconteceu no caso concreto, em face da ausência de prova nesse sentido. Embora a possibilidade, abstratamente, exista é necessário que ela seja constatada no caso concreto para sobre o indivíduo recaia a reparação almejada. Demonstrado concretamente o prejuízo às relações sociais e a ruína do projeto de vida do trabalhador, tem-se como comprovado, in re ipsa, a dor e o dano a sua personalidade. O que não se pode admitir é que, comprovada a prestação em horas extraordinárias, extraia-se daí automaticamente a consequência de que as relações sociais do trabalhador foram rompidas ou que seu projeto de vida foi suprimido do seu horizonte. (BRASIL, TST- RR- 523-56.2012.5.04.0292, 2012, grifo nosso).