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O Tribunal Penal Internacional sob a ótica da Constituição brasileira de 1988 e o primeiro julgado: Thomas Lubanga Dyilo

Agenda 25/10/2016 às 12:25

Este Trabalho tem como escopo identificar possíveis conflitos entre o Estatuto de Roma e os ditames fundamentais insculpidos na CF/88, ante a submissão do Brasil à jurisdição do TPI. Síntese 1º julgado Thomas Lubanga Dyilo e suas repercussões no mundo.

RESUMO

O presente trabalho de pesquisa tem como titulo e desiderato a identificação de possíveis conflitos entre o Estatuto de Roma e os ditames fundamentais insculpidos na CF/88, ante a submissão do Brasil à jurisdição do TPI. O objetivo geral está centrado na apreciação de normas, jurisprudências e doutrina a fim de comprovar a (in) compatibilidade entre as normas que regem o TPI e a CF/88. São seus objetivos específicos: estudar os antecedentes históricos da criação do TPI e sua evolução; identificar os preceitos normativos do Estatuto de Roma e avaliar a colisão entre eles e as normas fundamentais que se encontram no bojo das constituições de seus signatários; elaborar uma pesquisa acerca da (in) constitucionalidade no ato da entrega de nacionais para julgamento perante o TPI; e ainda realizar uma síntese do primeiro julgado pelo TPI: Thomas Lubanga Dyilo e suas repercussões no cenário mundial. A metodologia utilizada foi eminentemente de cunho bibliográfico e documental, voltado para pesquisa em livros, revistas, materiais eletrônicos, bem como estudo de caso. Os resultados apontam para não existência de quaisquer óbices ou incompatibilidades entre os textos normativos do Estatuto de Roma e a CF/88 e para a existência de maiores incentivos aos estudos acadêmicos voltados à área do conhecimento penal internacional, afinal a globalização reclama e está a exigir profissionais especializados nesta seara de conhecimento técnico.

Palavras-chave: Tribunal Penal Internacional. Estatuto de Roma. Primeiro Julgamento: Thomas Lubanga Dyilo.

ABSTRACT

The present work of searching has a title and desideratum the identification of possible conflicts between the Rome Statute and fundamental roles engraved in the CF/88, before the submission from Brazil to the jurisdiction of the ICC. Being its general objective of assessing standards, jurisprudence and doctrine in order to prove the (in) compatibility between the rules governing the ICC and CF/88. With regard to specific objectives: to study the historical background of the creation of the ICC and its evolution; identify the normative precepts of the Rome Statute and evaluate the collision between them and the fundamental roles which are in the midst of the constitutions of its signatories; develop a research about the (un) constitutionality upon delivery nationals for trial before the ICC, and even make a summary of the first trial by the ICC: Thomas Lubanga Dyilo and its repercussions on the world stage. The methodology was from eminently a bibliographic and documentary research oriented from books, magazines, electronic materials, well as case study. The results show that there are no obstacles or incompatibilities between the normative texts of the Rome Statute and CF/88. And there are greater incentives to the academic studies focused on the area of international criminal knowledge, after all the globalization complains and demands specialized professionals in the harvest of technical knowledge.

Keywords: International Criminal Court. Rome Statute. First Trial - Case: Thomas Lubanga Dyilo.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CDHO – Comissão de Direitos Humanos da ONU

CF/88 – Constituição Brasileira de 1988

CPC – Código de Processo Civil

CSO – Conselho de Segurança da ONU

DI - Direito Internacional

DIDH – Direito Internacional dos Direitos Humanos

DIP - Direito Internacional Penal

DH’s – Direitos Humanos

DPI - Direito Penal Internacional

DUDH - Declaração Universal dos Direitos Humanos

ERTPI – Estatuto de Roma do Tribunal Penal internacional

EC – Emenda Constitucional

EUA – Estados Unidos da América

FPLC – Forças Patrióticas de Libertação do Congo

JPI – Justiça Penal Internacional

OI – Organização Internacional

ONU – Organização das Nações Unidas

PCPI – Promotoria da Corte Penal Internacional

RDC – República Democrática de Congo

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

TPI – Tribunal Penal Internacional

UPC – União dos Patriotas Congoleses.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 12

1 O DESENVOLVIMENTO DO DIREITO PENAL INTERNACIONAL........................ 16

1.1 ANÁLISES DOS PRECEDENTES HISTÓRICOS.................................................... 18

1.2 ASPECTOS CONCEITUAIS E GERAIS PARA SUA IMPLEMENTAÇAO........... 21

1.3 O DIP E SUA RELAÇÃO COM A ORDEM INTERNA.............................................. 30

1.4 O DIP E A TUTELA DOS DIREITOS HUMANOS..................................................... 32

2 O ESTATUTO DE ROMA E O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL................. 39

2.1 OS ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO TPI............................................................ 41

2.2 AS CARACTERÍSTICAS, COMPETÊNCIA E PRINCIPIOS NORTEADORES DO TPI        47

2.3 OS TIPOS PENAIS SOBRE A JURISDIÇÃO DO TPI.............................................. 58

3 O TPI E SUA INTEGRAÇÃO AO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO..... 62

3.1 OS CONFLITOS VISÍVEIS DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA EM FACE ÀS NORMAS REGENTES DO TPI..................................................................................................................................... 64

3.2 A ANÁLISE DISTINTIVA DA EFICÁCIA DAS DECISÕES PROLATADAS PELO TPI VERSUS DECISÕES ESTRANGEIRAS NO ÂMBITO DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO   79

3.3 SÍNTESE DO PRIMEIRO JULGAMENTO PROFERIDO PELO TPI E SUAS REPERCUSSÕES NO CENÁRIO MUNDIAL............................................................................................................ 85

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................ 98

REFERÊNCIAS................................................................................................................ ..100

INTRODUÇÃO

O propósito da presente pesquisa consiste em realizar um estudo acerca do surgimento do Tribunal Penal Internacional (TPI), e cujo maior benefício em favor da sociedade mundial é a persecução do delito penal no território internacional. Este anseio foi muito aguardado pela comunidade mundial como forma de combate e prevenção à violação de direitos humanos.

Busca-se ainda constatar se o TPI está cumprindo realmente com o objetivo proposto, quando da sua criação, no combate e prevenção aos delitos de ordem humanitária no seio internacional, em especial, na busca por uma justiça eficaz e duradoura, e se está sendo eficaz na persecução destes objetivos, senão, o que o está travando e como sanar tal deficiência, de modo que ele possa atingir aos seus objetivos e desta forma satisfazer aos anseios da população internacional.

A relevância do presente estudo para o campo acadêmico está em demonstrar que o TPI na verdade começa a dar sinal de que poderá emplacar como uma ferramenta eficaz no combate às barbáries e atrocidades que possam ser cometidas na esfera penal internacional, e assim poder suprir as lacunas existentes neste cenário no que se refere à imputação de sanções de caráter penal, além de ser o marco de evolução do direito penal internacional e de contribuir de forma significativa para a sedimentação desta codificação.

É imperioso salientar que diante da globalização, da facilidade proporcionada pela comunicação para a interação e o maior relacionamento entre as nações mundiais, de ordem econômica, política, social, religiosa, é necessária a atuação do direito a fim de regulamentar e coibir transgressões oriundas das relações entre os Estados soberanos no contexto internacional, principalmente no âmbito da seara penal, carecedora de normatização a fim de não se permitir o uso da força como forma de solucionar os conflitos, sob pena de se retroceder no tempo e retornar aos primórdios da nossa civilização, quando imperava a autotutela como instrumento de determinação de quem possuía razão, sempre prevalecendo a lei do mais forte na relação, além da comprovação da ineficácia do próprio direito como norma disciplinadora e reguladora das relações em sociedade.

Por derradeiro, fica evidente a busca por medidas com o fito de conscientizar os Estados soberanos da necessidade de uma normatização na esfera internacional quanto à codificação do Direito Penal Internacional, como um mecanismo de tutela da comunidade mundial, de modo a garantir uma segurança de ordem jurídica quando diante da interação surgirem violações aos direitos fundamentais, ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana, que deve ser preservado a todo custo como bem jurídico mais importante para a existência de uma sociedade, não só pelas normas internas de cada Estado, mas também todos os países estrangeiros. Esta tendo sido a missão basilar e primordial incumbida ao TPI, que esbarra em entraves ao seu cumprimento, principalmente por estar atrelado, na sua atuação, ao princípio da complementaridade e da cooperação dos Estados.

O problema de pesquisa a que se propõe atingir esse Trabalho de Conclusão de Curso consiste em descobrir o que seria empecilho para a aplicação pelo Estado Brasileiro do Estatuto do Roma que criou o TPI e se existe violação a seus preceitos normativos constitucionais, já que o Brasil o aceitou? E como questões norteadoras: Qual seria a importância do pós-segunda Guerra Mundial para o surgimento do TPI? Estaria o óbice à concretização dos objetivos do TPI no Ordenamento Pátrio Brasileiro justamente na colisão aparente entre os preceitos que os norteiam e as normas de ordem fundamentais e constitucionais estatuídas na Carta Política Brasileira de 1988? Caberia na jurisdição do TPI todos os delitos de ordem penal internacional, sem qualquer tipo de restrição? Teriam as regras normativas que norteiam o TPI aplicações universais e irrestritas?

O objetivo geral proposto por este trabalho é analisar o arcabouço legal, doutrinário e jurisprudencial acerca do surgimento do Tribunal Penal Internacional sobre a ótica da Constituição Cidadã Brasileira de 1988, além de se ater ao estudo das possíveis controvérsias existentes de violação a preceitos de ordem fundamental e da (In) Constitucionalidade na entrega e julgamento de nacionais perante essa Corte Internacional. Como objetivos específicos: analisar os antecedentes históricos da criação do TPI, sua evolução com a aprovação do Estatuto de Roma de 1988; identificar os preceitos normativos que regulam o TPI e avaliar a existência de colisão entre estes e os preceitos normativos de ordem constitucional que se encontram no bojo do ordenamento pátrio brasileiro; realizar análise sobre a (in) constitucionalidade no ato de entrega de nacionais ao TPI para julgamento e fixação das sanções na forma da legislação internacional; e por último efetuar um estudo sobre o primeiro julgamento proferido pelo Tribunal Penal Internacional e suas repercussões no seio internacional.

A metodologia aplicada na presente pesquisa caracteriza-se como bibliográfica, voltada para pesquisa e leitura em livros, revistas e materiais eletrônicos que tratem do tema e parcialmente exploratória, ante o engatinhar da doutrina brasileira no estudo e aprofundamento sobre o assunto em apreço. Existe uma variedade de artigos e comentários já produzidos no meio doutrinário brasileiro, mas ainda muito incipientes área do conhecimento, contudo é necessário frisar que está havendo um grande interesse não só pelo meio acadêmico como pela melhor doutrina pátria e alienígena com o desiderato de conhecer cada vez mais este tema de suma importância para as relações do dia a dia da sociedade mundial, que, em função da globalização, expande-se de forma frenética em todos os ordenamentos domésticos mundiais.

No tocante à estruturação, o presente trabalho encontra-se dividido em cinco partes: a primeira refere-se à introdução, cujo objetivo é delimitar os objetivos a ser alcançados ao longo do referido estudo, bem como os meios metodológicos aplicados para obter os resultados pretendidos.

Na segunda parte buscou-se realizar um estudo geral acerca do surgimento do Direito Penal no cenário internacional, visto ser de suma importância para se adentrar posteriormente no assunto principal, objeto da presente pesquisa. Para isso, apresentaram-se de diversos conceitos doutrinários e jurisprudenciais a respeito do tema em comento.

Na terceira parte, procurou-se colacionar diversos conceitos doutrinários e jurisprudenciais a respeito do TPI: sua origem, evolução, óbices a sua implantação, dentre outros.

Na quarta parte analisou-se o primeiro julgamento proferido pelo TPI e suas repercussões no cenário internacional e de que maneira isto pôde ser considerado como uma evolução na persecução do delito penal no campo mundial.

A quinta e última parte trata das considerações finais, trazendo uma reflexão a respeito dos resultados alcançados com a presente pesquisa, de modo a apresentar as conclusões obtidas, assim como, apontar diretrizes que poderão ser adotadas para tornar eficaz a atuação do TPI, na busca da tão propalada justiça penal internacional e ver realizado o desejo da sociedade mundial.

1. O DESENVOLVIMENTO DO DIREITO PENAL INTERNACIONAL

O presente trabalho tem como escopo analisar os fatores determinantes para o surgimento do Direito Internacional Penal (DPI), iniciando-se por seus precedentes históricos indo até o momento atual de evolução em que se encontra no plano internacional.

Para se atingir tal desiderato, faz-se necessário entender a importância do DIP em frente às ordens internas, assim como a sua evolução deste, ainda que em fase de maturação para que no futuro seja uma ferramenta determinante para assegurar a paz e a Justiça Penal Internacional (JPI) que a população mundial tanto almeja de forma incessante.

Corroborando com a exposição supra, preleciona Gemaque (2011, p. 188):

Assim, a comunidade internacional já não aceita esses desvios de conduta estabeleceu, ao longo das últimas décadas, um conjuntos gradativo de medidas e de instituições internacionais que proporcionam hoje um substrato efetivo aos Estados nacionais para que possam reconhecer uma pauta mínima de direitos e garantias a ser preservadas por todos os sistemas jurídicos. Mencionem-se, a título ilustrativo, a União Européia e o Tribunal Europeu de Direitos do Homem, a Corte Interamericana de Direitos do Homem e a Comissão de Direitos Humanos da ONU.

Hodiernamente existe no ambiente internacional uma vontade em se alcançar a plenitude de uma JPI eficiente e capaz de combater os crimes internacionais, além da repressão e detenção de eventuais infratores, consequentemente garantindo a manutenção da ordem e da paz no seio mundial.

Neste sentido, afirma Gemaque (2011, p. 19) “Isso significa, ainda que embrionariamente, uma gradual, mas efetiva evolução rumo a uma Justiça Penal Internacional que, de fato, possa no futuro exercer a coação total para a repressão dos crimes internacionais [...].” Mas para que isso possa efetivamente se tornar uma realidade, é preciso que os Estados desejem cooperar, sob pena de fatalmente não se alcançar tal desiderato, visto que para a aplicação do Direito Penal devem coexistir as vontades dos Estados integrantes da ordem internacional que queiram e permitam a aplicação de forma complementar desta jurisdição em face de seu ordenamento doméstico, por este não ter conseguido combalir tal delito e assim garantir a aplicação da JPI, inobstante, representar, não só uma segurança jurídica, como também uma convivência pacífica entre os Estados nacionais no cenário internacional, ainda carentes de uma legislação efetiva.

Embora se tenha criado tribunais com a missão de punir e combater os crimes praticados no plano internacional, de forma que seus autores sejam exemplarmente responsabilizados, o que viria a criar um novo modelo de justiça, amparado evidentemente na tão propalada cooperação internacional, apesar de ainda encontrar-se em fase de amadurecimento para se atingir a efetiva JPI, principalmente em virtude de imperar ainda, fortemente, na ordem interna o princípio da soberania e em contrapartida os Estados não se encontrarem totalmente amadurecidos a ponto de relativizarem-na. (GEMAQUE, 2011).

Nota-se que a cooperação permanece como uma das principais características que fundamenta o direito internacional, sob pena de que se torne impossível o alcance e atuação das normas internacionais.

Como acentua Falk (1959 apud MORE, 2002, p. 01):

A jurisdição e a competência internacionais dos Estados são elementos que compõem o moderno conceito de soberania do Estado, o qual vem sendo gradativamente erigido sob a perspectiva internacionalista de que os Estados, na ordem internacional, relacionam-se sob um regime de cooperação, não de subordinação, razão pela qual se pode afirmar que a soberania de um Estado não é absoluta, mas limitada na própria soberania dos demais Estados e nas normas de direito internacional.

Diante de tal afirmativa não resta qualquer margem de dúvida quanto à exigência e importância para o plano internacional que se estabeleça um acordo de cooperação e coordenação, que os Estados desejem a incidência da jurisdição internacional no seu ordenamento jurídico, sendo imprescindível este consentimento, sob pena de não ser possível a atuação da corte internacional penal, inviabilizando a efetivação de uma JPI universal.

De acordo com a visão de Kelsen (1979 apud GEMAQUE, 2011, p. 104):

O direito internacional, como ordem coercitiva, mostra, na verdade, o mesmo caráter que o direito estadual. Distingue-se dele, porém, e revela uma certa semelhança com o direito da sociedade primitiva, pelo facto de não instituir, pelo menos enquanto direito internacional geral vinculante a todos os Estados, quaisquer órgãos funcionando segundo o princípio da divisão do trabalho para a criação e aplicação das suas normas. Encontra-se ainda num estágio de grande descentralização. Encontra-se ainda no começo de uma evolução que o direito estadual já percorreu há muito. A formação das normas gerais processa-se pela via do costume ou através do tratado, ou seja, por intermédio dos próprios membros da comunidade, e não por meio de um órgão legislativo especial.

A dificuldade enfrentada para se estabelecer a aplicação efetiva do DIP no cenário mundial encontra-se atrelada à vontade dos Estados em permitir ou não sua atuação, além da falta de uma norma central que regule as ações no cenário internacional, em contraponto com o direito interno em que existe uma norma suprema para regular as relações na sua jurisdição.

1.1. ANÁLISES DOS PRECEDENTES HISTÓRICOS

O surgimento do DIP está intimamente ligado ao próprio nascimento do Direito Internacional (DI), visto ser aquele uma ramificação deste, cujo escopo é o de regular as relações no plano internacional entre os Estados, objetivando dirimir e evitar conflitos de ordem armada.

De acordo com o pensamento de Casella (2010, p. 54) “Os primeiros rudimentos de um jus inter gentes surgiram entre as tribos os clãs de povos diferentes na Antiguidade, e alguns desses rudimentos jurídicos ainda sobrevivem.”

Percebe-se que nos primórdios da civilização atual imperava a chamada justiça privada, feita pelas próprias mãos, não existia Estado, tampouco normas regulamentadoras para coibir tais práticas delituosas, situação esta aplicável ao plano internacional também, restando patente a necessidade de se alcançar mecanismos que pudessem solucionar estes impasses de maneira mais pacífica e harmoniosa.

Conforme Pellet (1999 apud CARVALHO; ARAÚJO, 2008, p. 07):

A origem do Direito Internacional Penal se deu com advento da Pirataria, enquanto para outros se deu no séc. XIX, quando se puniam somente os crimes de guerra. O que não se pode discutir não é o quando de seu surgimento, mas o porquê surgiu: foi uma tentativa de punir os indivíduos por crimes que na eram intrafronteiriços.

O nascimento do DIP está vinculado ao estabelecimento de mecanismos de punições no campo internacional, de forma a responsabilizar os indivíduos pelas transgressões perpetradas sob a jurisdição internacional, que fugia a seara do direito doméstico, além de criar a figura da responsabilidade do indivíduo, visto que figurava como sujeito de DI somente o Estado.

Há na história da antiguidade resquícios de existência de normas de Direito Internacional. Por volta de 3000 a.C. duas cidades da Mesopotâmia celebraram um tratado de cunho internacional, de um lado estava lagash (representada por Eannatum) e do outro a cidade de Umma, em razão de questões relativas às fronteiras territoriais. Os primeiros tratados referiam-se à guerra. Os institutos da arbitragem e da inviolabilidade das cidades-estados surgiram na antiga Grécia. (SILVA, 2010).

De acordo com Portela (2010, p. 99) “há registros de que os tratados vêm regulando situações específicas de convivência internacional desde a antiguidade, havendo registro de seu uso por povos como os egípcios e os gregos.” Significando que desde o início das civilizações já existia uma preocupação com a regulamentação das relações entre os povos, a fim de evitar o uso da força como medida de solução para conflitos que viessem a surgir desta interação, e quanto mais evolui a sociedade, mais carece de medidas assecuratórias de proteção a uma convivência pacífica.

Seguindo o pensamento acima, preleciona Portela (2010, p. 537) “Durante a maior parte da história da humanidade, a guerra era considerada o meio ilícito de dirimir controvérsias entre as nações.”

Portanto, o uso da força prevalecia quando ocorria qualquer tipo de litígio, recorrendo-se aos conflitos armados como meio lícito de solucionar o incidente na seara internacional, sendo mais que comum a utilização deste meio para por fim a demanda.

Com grande propriedade, assim se manifesta a respeito do tema Guajardo (2004 apud CLEMENTINO, 2010, p. 54):

Todavia, o primeiro precedente efetivo de jurisdição penal internacional somente veio à tona em 1474, com o julgamento de Peter Von Hagenbach, governador do Sacro Império Romano de Breisach, que havia sido nomeado por Charles de Borgonha. Com a derrota deste por uma coalizão formada pela Franca, pela Áustria e por forcas do Alto Reno, Von Hagenbach foi preso sob a acusação de haver violado as Leis de Deus e dos homens, autorizando as suas tropas a raptarem e matarem civis inocentes e a realizarem pilhagens em suas propriedades. Foi então levado a julgamento, na Praça do Mercado de Breisach, por um tribunal composto por 28 juízes de diferentes cidades aliadas do Arquiduque da Áustria, sob a presidência deste.

O surgimento do DIP remonta ao Império Romano, quando já se fazia uso de medidas para penalizar as violações cometidas contra as pessoas, num desrespeito não só às leis divinas, como também as normas consuetudinárias. Ou seja, nota-se uma preocupação com relação à tutela do bem mais importante da sociedade, que é a vida, com a utilização de instrumentos para coibir e proteger a vida das pessoas, bem maior de uma sociedade a ser resguardado.

Preconizam Bassiouni, Guajardo e Geiger (1981 apud CLEMENTINO, 2010, p. 54) “Um segundo precedente datado de 1872, deu-se quando Gustave Moynier, fundador do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, apresentou uma proposta de criação de um tribunal penal internacional competente para julgamento de crimes de guerra”. Contudo, este tribunal não vingou em virtude dos Estados serem irrealistas, estarem fora da realidade do momento e acharem que não lograria êxito tal ideia de criar-se uma corte em nível mundial com o propósito de elucidar as questões porventura desencadeadas em função da relação ali perpetrada, ante a ausência de norma reguladora e mecanismo suficiente para conter e coibir os abusos e delitos cometidos.

Neste mesmo sentido, assevera Clementino (2010, p. 54):

Mais adiante, na época da Liga das Nações, surge um terceiro precedente. Com o fim da Primeira Guerra Mundial, e assinado, em 1919, o Tratado de Versalhes, pelo qual as potencias aliadas e a Alemanha estabeleceu algumas disposições importantes no tocante à responsabilidade internacional, haja vista as graves violações ao direito internacional praticadas pela Alemanha, especialmente ao ter infringido a neutralidade da Bélgica e de Luxemburgo. Previu-se então, nos arts. 227 a 229, a intenção de julgar o kaiser Guilherme II por ofensa a moral internacional e a autoridade sagrada dos tratados, por meio de um alto tribunal especialmente criado para esse fim.

Percebe-se que sempre houve uma preocupação em se estabelecer medidas garantidoras de uma convivência pacífica no ambiente internacional, de modo que a relação pudesse fluir sem maiores problemas no cenário internacional. Mas, para que isto se tornasse efetivamente seguro, fazia-se necessária a criação de um instrumento coercitivo para restabelecer a paz e a segurança.

O surgimento do Direito Internacional Penal deve-se à busca por mecanismos de contenção das violações às normas neste cenário, a fim de reprimir tais ações transgressoras incidentes no âmbito do DI, e assim poder organizar melhor as relações no plano internacional, visto que nos primórdios das civilizações, os indivíduos se digladiavam e diante de tais conflitos não havia norma regulamentadora que reprimisse estes atos violentos, que eram resolvidos por meio do uso da própria força física, prevalecendo sempre à lei do mais forte, denominada de justiça privada. Daí a busca incessante por uma justiça penal internacional universal de Direito Internacional dos Direitos Humanos.

1.2. ASPECTOS CONCEITUAIS E GERAIS PARA SUA IMPLEMENTAÇAO

Neste ponto, era necessário caracterizar o que seria crime internacional, visto ser este o objeto a ser perseguido e assim poder se chegar a uma melhor definição para o DIP.

Para Tiveron (2005, p. 41), o crime seria assim definido:

Os crimes caracterizam-se pela violação do bem jurídico, paz e segurança internacional, mesmo quando visam a bens jurídicos individuais, pois podem atingir, ainda que de forma reflexa, a comunidade internacional. Nesses casos, estará legitimada a intervenção internacional quando puser em risco a paz internacional. A elaboração de um direito penal internacional comum, a definição dos crimes internacionais, bem como a criação de uma Corte internacional de caráter permanente constitui um processo lento, complexo e evolutivo de “globalização” do direito penal.

Percebe-se a necessidade da criação de uma codificação que venha ao encontro dos anseios da comunidade mundial, em repressão aos delitos que ponham em risco a segurança da sociedade internacional, daí a razão da existência de uma normatização que tipifique e puna as transgressões a direitos fundamentais no campo internacional.

Para a Comissão de Direitos Humanos da ONU (CDHO), o crime internacional poderia ser definido como sendo o descumprimento da obrigação de resguardar direitos fundamentais de uma sociedade internacional, e que o referido descumprimento fosse tido por parte dos membros que formavam a sociedade como de natureza grave. Mas não seria esta uma definição perfeita e completa. A melhor definição seria considerar crimes internacionais aqueles que ofendessem as normas que tinham como escopo a salvaguarda da manutenção da paz, a fim de garantir a autodeterminação dos povos, além da tutela à dignidade da pessoa humana e do meio ambiente, os quais estariam sob a guarida dos tratados internacionais. (PORTELA, 2010)

No sentir de Plawski (1972 apud MELLO, 2004, p. 1009),o DIP pode ser definido de uma maneira concisa como sendo “o conjunto de regras jurídicas concernentes às infrações internacionais que constituem violações do direito internacional.”

Vê-se que o DIP seria um conjunto de normas que regulamentariam as relações no campo internacional, cujo objetivo maior está em tutelar uma maior segurança às pessoas que interagem no cenário internacional, ante as violações penais ali perpetradas.

Na mesma esteira de pensamento, assevera Glaser (1954 apud MELLO, 2004, p. 1009):

Assim sendo, só entram neste ramo do DI os crimes definidos nas normas internacionais: o genocídio, os crimes de guerra, etc. O ideal é ele ser aplicado por tribunais internacionais, como o Tribunal de Nurembergue. Entretanto, o crime de pirataria é uma infração internacional e agente é julgado pelos tribunais dos estados, em virtude de uma norma internacional neste sentido. É considerada infração internacional “um fato (ação ou omissão), contrário ao direito internacional, e a tal ponto nocivo aos interesses ou aos bens da comunidade, protegidos por este direito, que se estabelece nas relações entre os Estados a convicção que este fato deve ser penalmente sancionado.

A infração penal na seara internacional é caracterizada pelos seguintes elementos: ter uma conduta humana voluntária (ação ou omissão), além de se definir ou tipificar todas estas ações ou omissões como crimes internacionais, de modo que se possa aplicar a sanção correspondente à violação perpetrada, sendo necessária a criação de uma estrutura logística para reprimir tais infrações, que no caso em apreço se refletiriam com a instalação dos respectivos tribunais internacionais. Ou seja, seria a imperiosa codificação das normas no cenário internacional.

O DIP na realidade faz parte do Direito Penal e não propriamente do Direito Internacional, como afirma grande parte da doutrina. Seria ele ramo do Direito Penal, o qual determina a competência do Estado no âmbito mundial a fim de reprimir e repreender a prática delituosa. A grande diferença que há entre o Direito Internacional Penal e o Direito Penal Internacional (DPI) é que o primeiro traz em seu bojo normas de conteúdo e origem internacional; ao contrário, o segundo constitui-se de normas que regem a ordem interna do Estado. É importante informar que tal definição na prática não é clara, até porque há um entrelaçamento do direito interno e do DI nesta matéria. Por exemplo: o instituto da extradição tanto é tratado pelo ordenamento interno de cada Estado que o regulamenta, como pelo ordenamento internacional, o DI o faz por meio de seus tratados. (MELLO, 2004).

Na concepção de Mazzuoli (2011, p. 25) a melhor definição para o Direito Penal Internacional seria:

A expressão Justiça Penal Internacional, que adotamos, pode ser definida como o aparato jurídico e o conjunto de normas instituídas pelo Direito Internacional, voltados à persecução e á repressão dos crimes perpetrados contra o próprio Direito Internacional, cuja ilicitude está prevista nas normas ou princípios do ordenamento jurídico internacional e cuja gravidade é de tal ordem e de tal dimensão, em decorrência do horror e da barbárie que determinam ou pela vastidão do perigo que provocam no mundo, que passam a interessar a toda à sociedade dos Estados concomitantemente.

Corroborando com a explanação retrocitada, tem-se aqui uma definição bem abrangente do DIP, a qual afirma que as regras de tipificação das infrações perpetradas e de repercussão no cenário mundial, com intento de se garantir uma JPI plena e segura nas relações de convivência dos Estados, na busca incessante de se penalizar os abusos e atrocidades que venham a ocorrer naquele cenário, sendo de interesse de todas as sociedades.

Já no entendimento de Tiveron (2005, p. 41):

O DIP poderia ser definido como: o Direito Internacional Penal, por seu turno, é o conjunto de normas fundadas no Direito Internacional Público. Tem em vista o direito Comunitário Penal, devendo ser aprovado por convenção e ratificado pelos Estados. Cuida de normas universais e julgamentos, por Cortes Internacionais, de ilícitos como crimes de guerra, contra a paz, contra a humanidade, além do terrorismo, pirataria, discriminação racial, entre outros. Logo, o Direito Penal Internacional faz parte do direito Público interno e não se confunde co o Direito Internacional Penal, que integra o direito Internacional e é voltado para disciplina do ius puniendi nas relações entre os Estados.

Mas antes de tratar de uma definição precisa do DIP, é importante que se trace uma diferença entre o Direito Internacional Penal, que tem como objetivo regulamentar e tipificar na seara internacional os crimes perpetrados em sua jurisdição e que sejam sancionadas as transgressões violadoras do regramento penal internacional. E noutro viés que se estabeleça a definição para o Direito Penal Internacional. Veja-se o que diz autora acima sobre esta questão.

O Direito Penal Internacional é uma ramificação do Direito Penal que concede competência para o Estado no plano internacional, a fim de que possa reprimir os delitos, assim como regulamenta a cooperação entre os Estados em matéria penal. Todavia, a doutrina brasileira atual consagra a ideia unificadora destes dois conceitos – Direito Internacional Penal e Direito Penal Internacional - sob a denominação única de “Direito Penal Internacional”. Para o Prof. Mello, seria extremamente artificial separar o direito interno do direito internacional em ramos diversos, pois não existiria atualmente qualquer ramo do direito que não fosse ou estivesse internacionalizado. (MELLO, 1997 apud TIVERON, 2005, p. 42).

No entender da doutrina, existiria uma distinção entre o DIP e o DPI, onde caberia a este a penalização supranacional, além-fronteira, bem como o estabelecimento do meio de cooperação para aplicação do tipo penal em seu território. Ao contrário, ao DIP estaria reservado o objetivo de punir os crimes tipificados, bem menores do que os da ordem interna, como de sua responsabilidade naquela seara.

Na mesma esteira de pensamento, preleciona Portela (2010, p. 453), ao fazer a distinção entre o DIP e o DPI:

O Direito Internacional Penal é o ramo do direito Internacional que visa a reprimir atos que ofendam valores basilares da convivência internacional.  O Direito Internacional penal tem como objeto preciso o combate aos chamados “crimes internacionais”, com o intuito de promover a defesa da sociedade internacional, dos Estados e da dignidade humana contra ações que possam provocar danos a bens jurídicos cuja proteção permite que a convivência internacional se desenvolva dentro de um quadro de segurança e de estabilidade, como a manutenção da paz, a proteção dos direitos humanos, a preservação ambiental, etc. O Direito Penal Internacional é o ramo do direito das gentes que regula a cooperação internacional à criminalidade.

De maneira muito simplória consegue exprimir uma definição para o objetivo do DIP, consistindo na defesa/repressão de violação aos bens jurídicos tidos como de maior importância para uma sociedade, no caso a vida, a liberdade em todas as suas acepções, a integridade física das pessoas como seres humanos, torturas e outras.

Para que possa haver uma convivência pacifica (paz social e de justiça) no âmbito internacional, resguardando-se a estabilidade e a segurança na interação de todos neste cenário, caberá à ordem interna de cada Estado a promoção da cooperação internacional com a finalidade de combater os crimes também chamados de ilícitos transnacionais, assim como os ilícitos perpetrados em mais de um Estado.

A propósito preconiza Mello (2004, p. 1010):

A prática dos delitos interessa também ao DI quando eles são cometidos no estrangeiro ou por estrangeiro. Diversos sistemas e princípios existem sobre a competência da punibilidade: a) sistema da territorialidade; b) sistema da extraterritorialidade; c) sistema jurisdicional; d) principio da competência pessoal; e) principio da competência real; f) principio da competência universal e g) principio da representação. Sejam quais forem os sistemas e princípios adotados, o autor do delito deverá ser punido, não importando a sua nacionalidade ou local do delito.

A classificação supramencionada nasceu como instrumento de normatização ou criação de regras quanto à aplicação de penalidades cometidas no seio penal e a quem competiria a aplicação de tal sanção ante a violação da norma penal, numa tentativa de harmonizar o confronto da ordem interna com a ordem internacional.

O primeiro sistema, o da territorialidade, visa dar garantia e resguardar a soberania dos Estados, portanto, esse instituto prega ser da responsabilidade do Estado em que ocorreu o delito, aplicação da sanção correspondente. Este instituto já existia e era aplicado na Grécia e em Roma, mas tem sua consagração com o advento das monarquias absolutas, visto que caberia a cada Estado manter a sua ordem interna.

Há exceção a este instituto no caso de pessoas que gozem da chamada imunidade de jurisdição, como: chefes de Estado e agentes diplomáticos. Neste caso, aplica-se o segundo sistema, o da extraterritorialidade, pelo qual elas serão julgadas por seu Estado de origem e isto não significaria de forma alguma um subterfúgio para deixar de se punir o infrator do delito.

O terceiro sistema, a jurisdicional, seria o julgamento realizado por um Estado no território de outro Estado, ou seja, aquele julgaria seus nacionais de acordo com suas normas, exercendo seu poder jurisdicional além de suas fronteiras, no território de outro Estado, num verdadeiro afronto à soberania estatal. Como exemplo têm-se as potências ocidentais que efetivavam estes julgamentos em territórios da China, Turquia, dentre outros.

Já no sistema da competência pessoal, puniam-se os nacionais que praticaram algum delito além de sua fronteira nacional e conseguiram fugir do território estatal onde cometeram o fato delituoso, e, para que eles não ficassem impunes a infração cometida sob a jurisdição de outro Estado, a lei nacional chamava para si a responsabilidade de aplicar a punição do delito perpetrado.

O princípio da competência real visa punir o autor do delito sem vislumbrar qual a sua nacionalidade ou o local do cometimento do delito, interessando a nacionalidade do bem jurídico tutelado que fora vítima do ato delituoso. O seu objetivo maior é proteger o Estado contra atentado a bens ou assuntos de grande importância e que possam trazer grandes transtornos. A título de exemplo, pode-se citar o art. 7º, I, Código Penal Brasileiro.

Por derradeiro, o princípio da competência universal possibilita que qualquer Estado possa punir o criminoso de qualquer nacionalidade, não importa o bem jurídico tutelado e tampouco o local do cometimento do ato delituoso, representando o ideal da sociedade internacional.

Mas para que isto venha tornar-se realidade, é necessária a coexistência da cooperação entre os Estados para persecução destes objetivos.

Conforme preconiza Mello (2004, p. 1014), “pode se mencionar ainda a cooperação da justiça penal dos Estados que se tem desenvolvido.”

Nota-se que os Estados estão conscientes de que para se atingir o estado de paz e justiça social, é mais do que necessária a solidariedade internacional, em que todos se comprometam a dar um pouco de cooperação para implantação de uma justiça internacional eficaz e duradoura, visto tratar-se de um assunto de interesse de mundial.

Corroborando com a exposição supracitada, Mello (2004, p. 1015) traz à colação exemplo da efetiva aplicação do instituto de cooperação e solidariedade: “um caso de cooperação criminal é o tratado concluído entre o Brasil e o Canadá, 1992, em que um canadense julgado no Brasil cumpre a pena no Canadá, e vice-versa.” Numa demonstração de que a união em torno de um objetivo é importante, não só nas relações interpessoais, mas também na relação dos Estados, como instrumento de obtenção de soluções que possam assegurar a paz e a justiça penal internacional tão almejada pela sociedade internacional.

Como bem assevera Silva (2010, p. 513): “as sanções objetivam reprimir as violações às normas internacionais; garantir o respeito às normas jurídicas, para que estas sejam eficazes; e reparar/submeter o culpado a uma pena.” As sanções não são mais do que o reflexo da busca de manutenção da ordem e paz social tão almejadas, seriam o mecanismo de coibição à violação do regramento, visto que a falta de uma normatização no campo internacional o deixa muito fragilizado por ser do próprio perfil humano a necessidade de criação de regramentos para que haja imposição de respeito, evitando-se, desse modo, as violações aos direitos de terceiros em prol de um interesse pessoal.

Assim se pronuncia Silva (2010, p. 495):

O acesso da pessoa humana aos tribunais internacionais nem sempre é reconhecido pelo Direito Internacional Público. Até a Segunda Guerra Mundial, as infrações punidas pelo Direito Internacional restringiam-se à pirataria e ao tráfico de escravos.  A Corte Internacional da Justiça e os principais órgãos judiciários da Sociedade Internacional não admitem que o homem compareça perante eles como parte de litígio. Entretanto, outros tribunais admitiram o homem como parte. No Tribunal Militar Internacional de Nurembergue e de Tóquio, o homem comparece pela primeira vez, como acusado de crimes de guerra, contra a paz e contra a humanidade. O tribunal de Justiça das Comunidades Européias admite o individuo como parte. Qualquer individuo poderá entrar com ação de anulação contra decisões da comissão. O homem foi admitido como parte na Corte de Justiça Centro-Americana, que vigorou de 1907 a 1918, e nos tribunais militares mistos instituídos após a Primeira Guerra Mundial.

Este tema tem suscitado muita discussão, visto que inicialmente a doutrina se encontrava recalcitrante em admitir o indivíduo como sujeito de direito e de obrigações no cenário mundial, e que este só poderia atuar por intermédio do Estado que, no primeiro momento, foi tido como único possuidor de personalidade jurídica. Mais tarde se estendeu às Organizações Internacionais (OI).

No sentir de Portela (2010, p. 328):

A responsabilidade internacional é um instituto que em geral, e pelo menos por enquanto, ainda se refere apenas aos Estados e aos organismos internacionais. Entretanto, como afirmamos anteriormente, o Direito internacional vem caminhando no sentido de consolidar a noção de responsabilidade internacional das pessoas naturais. Em todo o caso, eventuais danos causados aos indivíduos e a outras pessoas jurídicas por infrações das normas de Direito Internacional, quando cometidas por entes estatais estrangeiros e organismos internacionais, podem ser objeto de proteção diplomática.

Percebe-se a existência de uma resistência por parte da maioria da doutrina em aceitar a responsabilização dos indivíduos no âmbito internacional, mas a jurisprudência e a outra parte da doutrina já sinalizam em sentido oposto, reconhecendo e admitindo-se ser possível responsabilizar as pessoas pelos delitos praticados nesta seara.

Neste sentido, afirma Mello (2004, p. 1010):

É de se salientar que este direito é extremamente fraco devido à ausência de uma justiça internacional penal. A responsabilidade do agente pressupõe também aqui, a do D. Penal, a culpabilidade do agente. A própria pratica internacional tem rejeitado a responsabilidade penal do Estado: a) no Tribunal de Nurembergue; b) na Convenção sobre repressão ao genocídio (1948); c) na convenção sobre a abolição da escravidão (1956) e d) na convenção sobre a eliminação e repressão do crime de “apartheid” (1974).

A falta de uma justiça penal permanente dificulta a aplicação da justiça no âmbito internacional, porém está ocorrendo uma evolução no sentido de considera-se como sujeito de direito internacional as pessoas, que até então não eram reconhecidas pela maioria da doutrina, o que viabilizará a aplicação das sanções aos infratores que, na maioria das vezes, são pessoas físicas e não jurídicas.

Contrapondo-se às opiniões supras, preconiza Mazzuoli (2011, p. 77) acerca da consagração da responsabilidade penal internacional dos indivíduos como princípio:

Uma das principais virtudes do Estatuto de Roma de 1988 reside na consagração do principio segundo o qual a responsabilidade penal por atos violadores do Direito Internacional deve recair sobre os indivíduos que os perpetraram, deixando de ter efeito as eventuais imunidades e privilégios ou ainda a posição ou os cargos oficiais que os mesmos porventura ostentem. Nos termos do art. 25, e parágrafos, do Estatuto, o Tribunal tem competência para julgar e punir pessoas físicas, sendo considerado individualmente responsável quem cometer um crime da competência do tribunal. [..] A consagração do princípio da responsabilidade penal internacional dos indivíduos é, sem dúvida, uma conquista da humanidade. [...] O Estatuto de Roma de 1988 modifica radicalmente esse panorama e apaga de vez essa idéia retrograda ao consagrar a responsabilidade penal dos indivíduos perante a ordem internacional. Assim o fazendo, consagrou de vez o Estatuto a idéia de que os indivíduos têm direitos e também obrigações junto à ordem internacional, podendo reclamar direitos nas instâncias internacionais, mas também ser demandado por atos violatórios ao Direito Internacional.

Com propriedade Mazzuoli assevera a consagração do princípio da responsabilização das pessoas em frente ao Direito Internacional, inclusive para ratificar tal entendimento consubstancia sua afirmação no art. 25, do Estatuto de Roma, que traz expressamente em seu bojo tal regramento, o que vem contrariar os que acreditam só poder atuar na ordem internacional os Estados e Organizações Internacionais (OI). Logo, as pessoas podem sim ser responsabilizadas por seus atos delituosos no âmbito internacional.

Preconiza Mello (1997, p. 738), in verbis:

Na verdade, podemos concluir que existem duas principais razões para o homem ser considerado pessoa internacional: a) a própria dignidade da pessoa humana, que leva a ordem jurídica internacional, como veremos, a lhe reconhecer direitos fundamentais e procurar protegê-los e b) a própria noção de direito, obra do homem para o homem.

As razões especificadas acima são fundamentais para caracterizar os indivíduos como detentores de personalidade jurídica na ordem internacional, portanto, sujeitos de direitos e de obrigações no campo internacional.

Assim se pronuncia Silva (2010, p. 518):

Na Sociedade Internacional tivemos dois tribunais militares que submeteram os criminosos de guerra ao julgamento por uma justiça internacional: os Tribunais Militares de Nurembergue e de Tóquio, ambos fruto do acordo de Londres (08.08.1945), concluído entre as potências aliadas no intuito de processar e punir os maiores criminosos de guerra do Estados inimigos, por terem cometidos três espécies de crimes: contra a paz; contra a humanidade; e crimes de guerra propriamente ditos. Tais tribunais são passíveis de uma série de críticas, entre as quais se destacam: o fato de seus criadores terem se colocado perante os acusados como parte e julgadores, admissibilidade da retroatividade das penas e punição restrita apenas a indivíduos, não atingindo Estados e, mesmo assim, não se levando em consideração que os mesmos atuavam cumprindo normas superiores e em consonância com o seu direito interno. 

A ocorrência explícita de violação ao princípio da legalidade do Direito Penal nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege, desdobra-se em dois outros princípios, o primeiro seria o da anterioridade da lei penal, pelo qual não se poderia impor uma pena a fato delituoso cometido antes da vigência da referida norma, e o segundo seria o da reserva legal, que informa ser necessária a existência da tipificação do delito antes de sua perpetração, ou seja, não há crime sem lei anterior que o defina tão menos pena sem uma cominação legal.

Portanto, no caso em apreço, observa-se que o tribunal fora constituído para julgamento específico, para aquele crime em especial, estando presente mais uma flagrante violação de princípios, como o do tribunal de exceção, do juiz natural e da irretroatividade da lei penal. Neste último só deveria retroagir se fosse em benefício do réu, nunca em prejuízo, além de trazer em seu bojo a intenção de punir somente os indivíduos, sem perquirir ou ater-se à responsabilização do Estado e tampouco dos integrantes das forças aliadas.

1.3. O DIP E SUA RELAÇÃO COM A ORDEM INTERNA

A fim de melhor compreender a aplicação do DIP, faz-se necessário realizar um comparativo deste com o ordenamento interno, o que eles comungam a existência de alguma semelhança entre eles, ou antagonismo nas suas aplicações.

Assim descreve Brierly (1958 apud SILVA, 2010, p. 513):

O direito Internacional obviamente não utiliza os mesmos métodos previstos no direito interno, dessa forma, a real diferença entre os dois sistemas não está no fato de que um tem sanções e o outro não, mas sim no fato de que um as sanções são organizadas em um processo sistemáticos (direito interno) e no outro elas são indeterminadas (direito internacional), concluindo que o problema não está em criar sanções em Direito internacional, mas sim em tentar organizá-las de forma sistemática.

Vê-se que o ordenamento interno encontra-se bem avançado em relação ao campo internacional na tipificação dos delitos, assim como mais organizado, enquanto o DI necessita de uma melhor organização para aplicar as suas penalidades, em virtude da descentralização existente no plano internacional e da inexistência no direito interno de uma norma superior que sirva de validade e orientação para as demais produções normativas.

Na mesma linha de pensamento, assim se manifesta Silva (2010, p. 514):

A ONU, por meio da atuação conjunta entre a Assembleia geral e o Conselho de Segurança, tentou organizar um sistema coletivo de sanções a ser por ela aplicado sobre os Estados, que serve de parâmetro para o estudo das sanções em Direito Internacional. Temos, dessa forma, o rompimento das relações diplomáticas, a retorsão e a represália.

Nota-se a preocupação de um organismo internacional como a Organização das Nações Unidas (ONU) na busca por soluções para melhor sistematizar as normas criadas na jurisdição internacional, de maneira a facilitar a aplicação das sanções cabíveis.

Nas lições de Gomes e Mazzuoli (2010, p. 117):

[...] no que diz respeito às relações do direito interno com o Direito Internacional Público existem duas clássicas teorias: a) a dualista e b) a monista. Esta última, por seu turno, se subdivide (também na visão tradicional) em (b.1) monismo nacionalista e (b.2) monismo internacionalista. [...] assim, sendo a norma internacional só pode ser aplicada no plano de direito interno se for internalizada por um ato normativo típico do direito interno.

Das teorias apresentadas, a que prevalece atualmente é a internacionalista lógica, em que se exige um mínimo de cooperação e coordenação dos Estados a fim de possibilitar que as normas internacionais possam ser observadas e aplicadas em seus ordenamentos jurídicos nacionais, principalmente quando as normas tratarem, em especial, de direito humanitário, já existindo por parte de muitos Estados a adequação de suas normas internas para atender aos preceitos de ordem internacional, sem esquecer que se deve sempre privilegiar a norma mais favorável aos indivíduos, em atenção ao princípio do pro homine.

Neste mesmo entendimento comunga Trindade (2003 apud GEMAQUE, 2011. p. 72):

Uma regra importante que tem se consolidado com a construção jurisprudencial da Corte Interamericana de Direitos Humanos e que reflete diretamente na ordem interna quanto às normas processuais penais é a “primazia da norma mais favorável à vítima”, tratando-se da solução adotada por inúmeros tratados internacionais e que, nos dizeres de Antonio Augusto Cançado Trindade rompe com a discussão entre a teoria monista e dualista, na medida em que, na hipótese de conflito, há de prevalecer sempre a norma mais favorável à vítima das ofensas aos direitos humanos, nos termos em que preceitua o art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos, criando uma ferramenta essencial de coordenação entre os planos interno e externo e impedindo o retrocesso na matéria.

Percebe-se a consagração tanto pela doutrina pátria como internacionalista, e diante de choque entre normas internacionais com as estatais, deve prevalecer sempre a que esteja em sintonia com o princípio da primazia da norma mais benéfica à vítima da ofensa.

Existem situações em que as decisões proferidas por tribunais internacionais, bem como as normas internacionais podem servir de alicerce para solucionar questões de ordem interna, ante a lacuna deste ordenamento, ocasionando a penetração da norma penal internacional no direito penal nacional, dando ensejo a uma harmonização da legislação penal. (GEMAQUE, 2011).

Nesta mesma esteira de entendimento, pontua Gemaque (2011, p. 94) “Se isso é admissível para o Direito Penal, aproveitando-se como efeitos indiretos o Direito Internacional ou Comunitário, em que se aplica a interpretação estrita e não se aceita o emprego da analogia in malam partem, [...]É salutar que possam conviver de forma harmônica as normas internacionais e as de direito interno, de maneira que existindo lacuna na ordem interna possa esta fazer uso de decisões internacionais semelhantes, é a denominada integração normativa.

Assevera Choukr (2002 apud GEMAQUE, 2011, p. 75):

Isto, de fato, assim se dá, porque é lógico e razoável que assim o seja, bem como pelo fato de que houve um redesenho do conceito de soberania no plano internacional, como já indicado antes, em que os Estados abrem mão de parcela de sua soberania para pautar suas condutas sob o pálio de um substrato mínimo de direitos e garantias individuais.

Observa-se que deve ocorrer cessão de parte da soberania estatal a fim de que se viabilize a aplicação das normas mais benéficas e garantidoras de direitos fundamentais, deflagrando a chamada relativização da soberania, não há mais que se falar em soberania estatal absoluta, devendo os Estados ceder, com o objetivo de conviver harmonicamente no plano das relações mundiais, sob pena de ficar isolados dos demais, o que é impraticável nos dias atuais, principalmente diante do fenômeno da globalização, que tem cada vez mais estreitado a dependência de um Estado a outro nos diversos segmentos de seus interesses (econômico, tecnológico, ambiental, político e social).

1.4. O DIP E A TUTELA DOS DIREITOS HUMANOS

Desde os primórdios, a civilização anseia por uma justiça penal universal e eficaz, que possa garantir a paz e a tranquilidade necessária na convivência dos povos.

Assim, descreve Gomes e Mazzuoli (2010, p. 17):

A proteção internacional dos direitos humanos é fruto de um processo gradual de amadurecimento da sociedade internacional. Esse amadurecimento teve seu maior desenvolvimento a partir do final da Segunda Guerra Mundial, quando a sociedade internacional percebe a necessidade de se arquitetar um novo modelo de direito Internacional Público, voltado à criação de mecanismo de proteção dos direitos da pessoa humana contra as arbitrariedades dos Estados e dos indivíduos que agem em seu nome. Tal se deu, primeiramente, no contexto global, com a formação do sistema de direitos humanos das Nações Unidas, que tem na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) sua norma mater, espraiando-se posteriormente para as diversas regiões do planeta, quando então começam a serem criados os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos. O primeiro sistema regional a ser criado é o europeu, que tem como tratado-regente a Convenção Européia de Direitos Humanos, de 1950. Em posição intermediária vem o sistema regional interamericano, cuja convenção principal é a Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, cujos comentários são objeto deste livro. E, por último, vem o sistema regional africano, a partir da edição da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, em 1981. Além desses instrumentos gerais, os sistemas regionais de proteção também contam com tratados específicos, que visam proteger, v.g, os direitos das mulheres, das crianças, dos portadores de deficiência, etc.

O reconhecimento dos direitos humanos (DH’s) pela sociedade internacional e também pelos ordenamentos internos é fruto de muita luta que se processou de forma lenta e gradual, tendo como marco inicial o pós-Segunda Grande Guerra Mundial, quando vieram à tona todas as atrocidades, mazelas e abusos perpetrados contra a dignidade das pessoas, como se as mesmas merecessem quaisquer proteções estatais, mesmo que em jogo estivessem os maiores bens dos indivíduos a ser tutelados, como: o direito à vida e a liberdade.

Estas conquistas só se tornaram realidade graças ao trabalho de conscientização que impulsionou a positivação de instrumentos com o objetivo de tutelar tais bens, tendo como dianteira a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que irradiou seus preceitos por todos os continentes, sensibilizando autoridades estatais e mundiais na garantia e respeito a estes direitos fundamentais.

Atualmente a maioria da doutrina tem entendido que o respeito aos direitos humanos encontra-se fundamentado no principio da dignidade que é inerentes a todas as pessoas, entendidas como iguais, não havendo necessidade de uma positivação destes DH’s para que sejam reconhecidas como tais, de sorte que estaria sob a guarida da legislação, o que evitaria em último caso que o homem tivesse que adotar a rebelião como medida para tornar efetivo o seu direito. A positivação tem como escopo assegurar a proteção da dignidade da pessoa humana, assim como é reconhecida pelas normas estatuídas na Declaração Universal dos Direitos Humanos. (PORTELA, 2010).

As principais características dos DH’s seriam: a universalidade, segundo a mesma, os DH’s seriam aplicados a toda a espécie humana sem qualquer distinção, seja qual for à raça, cor, ou qualquer outra distinção. A próxima seria a Inerência, que afirma bastar à condição de ser humano para adquiri-la, não estando atrelada a qualquer condição imposta por quem quer que seja. A transnacionalidade seria a não exigência de nacionalidade, muito menos se ateria ao fato da pessoa ser apátridas.

A historicidade e a proibição de retrocesso informam ser os DH’s dinâmicos e que evoluem de acordo com o passar do tempo, refletem os valores da sociedade e, uma vez adquiridos, não poderão ser suprimidos ou mesmo ter seu alcance reduzido, poderão até ser substituídos, mas desde que por uma norma que seja mais favorável, pois eles são: indisponíveis, inalienáveis e irrenunciáveis, não podem ser vendidos, renunciados e tampouco transacionados.

Os Direitos Humanos são imprescritíveis por estar afetos à dignidade da pessoa humana, se ocorrer sua violação, poderá a qualquer tempo ser requerido o seu restabelecimento e a responsabilização do infrator. Por último, não poderia deixar de ser citada a indivisibilidade, visto que eles não poderão ser divididos.

Aplica-se aos DH’s a primazia da norma mais favorável, mas em havendo colisão de normas, deve-se realizar a análise de qual delas é a mais favorável. (PORTELA, 2010)

De acordo Herkenhoff (2004 apud TIVERON, 2005, p. 44):

Os direitos individuais dos homens provavelmente surgiram no Egito e na Mesopotâmia. O código de Hamurabi foi o primeiro a relatar os direitos comuns aos homens, como à vida e à dignidade. Posteriormente, surgiram na Grécia os ideais de igualdade e liberdade do homem. Entretanto, coube ao direito romano estabelecer uma relação entre os direitos individuais e o Estado. A Lei das dozes tábuas, uma criação romana, foi a origem escrita dos ideais de liberdade e de proteção dos direitos dos cidadãos.

Os DH’s já eram causa de preocupação nas primeiras civilizações, quando as pessoas começaram a reconhecer a importância da vida para os seres humanos, além de outros direitos como: a liberdade e a igualdade, e que tais direitos deveriam ser respeitados e garantidos pelo Estado.

Como bem acentua Portela (2010, p. 691):

Após a II Guerra Mundial, os direitos humanos adquirem o caráter de prioridade da sociedade internacional, mormente a partir da criação da ONU (1945) e da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que reitera o reconhecimento de que todos os seres humanos, sem distinção de qualquer espécie, são essencialmente livres e iguais. Cabe ressaltar que a declaração Universal, que é uma mera resolução da ONU e que, nesse sentido, não é tecnicamente um tratado e não teria, em princípio, força vinculante, é vista como a principal referência no tocante aos direitos humanos no mundo atual, inclusive porque foi seguida pelo aparecimento de tratados e de organizações internacionais voltados diretamente à promoção desses direitos, bem como pela positivação desses direitos, bem como pela positivação de suas normas do Direito interno dos Estados.

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Apesar de, desde os primórdios da civilização, já existir a preocupação em proteger os direitos da pessoa humana, mas foi especialmente após a segunda grande guerra mundial que eles se tornariam uma prioridade para a comunidade internacional e também para os ordenamentos internos. Com a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos tornou-se mais efetiva a tutela de bens jurídicos tão importantes para a humanidade, a dignidade da pessoa como ser, e que mereceria ser positivada para estabelecer uma segurança, com o fito de coibir tantas atrocidades à integridade física e moral das pessoas, sem nenhuma proteção estatal.

Segundo o magistério de Mello (2004, p. 943):

O DI se interessa em proteger o homem contra qualquer restrição que se faça à sua liberdade. A escravidão é a forma mais violenta de atentado à liberdade humana. A primeira preocupação do mundo jurídico internacional para terminar com a escravidão foi a da abolição do tráfico de escravos, uma vez que aquela só existia enquanto esta subsistisse. A escravidão não é, como pode parecer à primeira vista, um problema ultrapassado dentro do DI, pelo contrário, ela ainda se matem em alguns Estados muçulmanos, na África, etc.

O DI preocupa-se em tutelar o direito à liberdade das pessoas e reconhecê-lo como um bem a ser garantido, tanto que se combate atualmente com veemência o tráfico de pessoas e a escravidão, procurando de alguma maneira coibir prática tão abominável no trato à pessoa humana.

Assevera Mello (1997, p. 737) “O homem tem adquirido cada vez mais importância na vida internacional. O próprio DI tem se preocupado com o homem, dando-lhe maior relevância”. Hoje ele é reconhecido como sujeito de direito na ordem internacional, que tem origem na própria dignidade da pessoa humana, finalidade última do direito.

Não se pode negar aos indivíduos a subjetividade internacional, pelo qual contraem direitos e obrigações, situação que enseja a responsabilização pelas violações que ali possam ser perpetradas.

Gomes e Mazzuoli (2010, p. 116):

Por fim, é ainda possível acrescentar às características acima estudadas uma última, relativa à superação do princípio da supremacia da Constituição pelo da supremacia da norma mais favorável (ou princípio pro homine), quando se trata de direito humanos. Trata-se de uma enorme mudança de paradigma que se está a presenciar neste momento histórico em que os direitos humanos chegaram ao ápice da proteção estatal e internacional. No campo dos direitos humanos, no entanto, a supremacia não é necessariamente da Constituição (brasileira) e sim da norma mais favorável ao ser humano (em homenagem ao princípio pro homine). Esta norma mais favorável pode ser uma norma internacional ou constitucional ou até mesmo legal. O princípio da supremacia da Constituição, no âmbito dos direitos humanos, deve conviver com o princípio hoje reconhecido pelos tribunais regionais de direitos humanos (v.g., Corte Européia de Direitos Humanos e Corte Interamericana de Direitos Humanos) chamado de princípio pro homine (que apregoa a supremacia da norma mais favorável ao ser humano).

Há que se privilegiar sempre que houver conflito de norma de direito internacional com norma interna, aquela que for mais favorável e sendo esta de DH’s deverá ser preferida por resguardar bem muito importante para a sociedade, a não ser que a norma em confronto seja mais favorável que a própria norma de DH’s, situação em que aquela prevalecerá em atenção ao principio do pro homine.

Com muita propriedade, pontua Mazzuoli (2011, p. 27) a respeito da concretude dos direitos humanos:

Não obstante estarmos passando pelo período de jurisdicionalização das relações internacionais contemporâneas, um sério problema que atualmente se coloca no Direito Internacional Público diz respeito à concreta efetividade da proteção internacional dos direitos humanos, quando está em jogo a ocorrência de crimes bárbaros e monstruosos contra o Direito Internacional (os chamados delicta iuris gentium), que ultrajam a dignidade de toda a humanidade, tais como o genocídio, os crimes contra a paz, os crimes de guerra e o crime de agressão. A nosso ver, o problema deve ser repartido e examinado sob um dúplice aspecto: a) o primeiro, diz respeito à efetivação do direito inerente a todo ser humano de vindicar a seu favor, em cortes e instâncias internacionais, a proteção dos seus direitos internacionalmente consagrados, caso sejam violados, visando uma justa reparação pelos prejuízos sofridos; e b) o segundo, consubstancia-se no poder de punição que deve ter o Direito Internacional Público em relação àqueles crimes que afetam a humanidade como um todo, anulando por completo a dignidade inerente a qualquer ser humano. Esta última atribuição do Direito Internacional é bastante recente e não encontrava eco nessa arena até o final do século XIX. Mas em decorrência das inúmeras violações de direitos humanos ocorridos a partir das primeiras décadas do século XIX – principalmente com as duas grandes guerras mundiais – a idéia de um jus puniendi em plano global começa a integrar a ordem do dia da agenda internacional, rumo à instituição de uma moderna Justiça Penal internacional.

A efetivação da justiça penal internacional é anseio de toda esta sociedade, mas para que se concretize, é necessária a sistematização das sanções, de maneira a organizar a sua aplicação, o que não se pode é permanecer inerte a esta situação e deixar que as atrocidades perpetradas anteriormente venham a se repetir e não tenham uma resposta eficaz por parte do Estado, diante de tamanha insanidade.

Mazzuoli (2011, p. 29):

A Segunda grande guerra, que ensanguentou a Europa entre 1939 a 1945, ficou marcada na consciência coletiva mundial por apresentar o ser humano como algo simplesmente descartável e destituído da dignidade e direitos. O que fez a chamada “era Hitler” foi condicionar a titularidade de direitos dos seres humanos ao fato de pertencerem a determinada raça, qual seja, a “raça pura” ariana, atingindo-se com isto, toda e qualquer pessoa destituída da referida condição. Assim, acabaram os seres humanos tornando-se refugiados e apátridas. E por faltar-lhes um vinculo com uma ordem jurídica nacional, acabaram não encontrando lugar (qualquer lugar) num como o do século XX, totalmente organizado e ocupado politicamente. Consequentemente, tais vitimas do regime nazista acabaram tornando-se - de fato e de direito – desnecessária porque indesejáveis erga omnes, não encontrando outro destino senão a própria morte nos campos de concentração.

O homem era visto e tratado como um objeto, não tinha qualquer valor, o maior legado do holocausto para o Direito Internacional seria a internacionalização dos direitos humanos, impulsionada pela preocupação advinda do pós-guerra, ante a não existência de estrutura de repressão e tutela aos direitos humanos. A fim de que não se voltasse a repetir tamanha crueldade em relação à vida humana, foi que se buscou a implantação e reconhecimento dos DH’s.

Tornando-se este momento o marco inicial da busca efetiva de instrumentos de proteção aos direitos humanos. A jurisdicionalização dos DH’s inicia-se com a implantação dos tribunais penais internacionais, justamente com o intento de se alcançar a tão propalada JPI e consequentemente o fortalecimento da proteção aos DH’s na seara mundial.

Desde os seus primórdios que a humanidade busca instituir uma justiça penal internacional, permanente e de jurisdição universal com a finalidade de combater as violações perpetradas contra a dignidade da pessoa humana. Hordienamente assevera-se que este sonho esteja em fase de realização com a implantação do Tribunal Penal Internacional (TPI), apesar de que, para alcançar tal intento, tenha ocorrido tanta morte e derramamento de sangue. (MAZZUOLI, 2011).

Para Piovesan (2000 apud GEMAQUE, 2011, p. 69) “[...] os tratados internacionais de direitos humanos apresentam um caráter especial, distinguindo-se dos tratados internacionais comum. Enquanto estes buscam o equilíbrio e a reciprocidade de relações entre Estados partes, [...]”. Os tratados DH’s devam ter uma transcendência sobre os demais tratados, visto que estes tratam da salvaguarda dos direito dos indivíduos, pois o bem jurídico mais importante a ser tutelado, tanto pela ordem interna quanto pela ordem internacional, é a vida, em especial, a dignidade da pessoa humana. Por isso deve ser uma luta e bandeira a ser defendida harmonicamente pelas comunidades internacionais e internas, a fim de ver resguardado este bem maior.

Consoante Ramos (2008 apud GEMAQUE, 2011, p. 68):

Consolidou-se o reconhecimento dos direitos fundamentais do ser humano como parte do ‘jus cogens’ internacional. Destarte, os direitos humanos constituem o núcleo essencial de normas que compõe o ordenamento jurídico internacional contemporâneo e, consequentemente, a norma de direitos humanos é norma hierarquicamente superior no ordenamento jurídico internacional, quer seja pelo critério material (conteúdo) ou pelo critério formal (norma de jus cogens)

 O jus cogens, na verdade quer dizer que, são normas inderrogáveis, não podem ser afastadas pela vontade das partes, tampouco pelos tratados. E, portanto, os DH’s por terem como característica marcante a inalienabilidade, a inerência sobrepõem-se às demais normas, tanto de cunho internacional quanto as internas.

2. O ESTATUTO DE ROMA E O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

O Estatuto de Roma é o marco inicial para implantação da almejada JPI, documento que vem consolidar o nascimento do TPI, já era por demais aguardado com muita ansiedade pela coletividade mundial um tribunal que pudesse combater crimes no plano global, e assim, não ter que conviver com medidas paliativas, como a criação de instâncias judiciais temporárias, com fito de apenas julgar delitos já consumados e que agiria somente sobre determinado espaço territorial, num verdadeiro contrassenso e afronto às aspirações de ordem internacionais de ter uma corte permanente, autônoma, imparcial e universal, cuja existência deveria ser anterior aos delitos e, dessa forma, poder evitar tanta celeuma com preceitos de ordens estatais no que se refere às normas penais que se pautam pelo Princípio da Legalidade e principalmente à tipificação de determinados delitos, que deve ser anterior a sua violação, assim como a cominação já deve estar estabelecida no texto legal, a fim de que possa ser revestida de legitimidade a sua atuação.

Segundo preconiza Portela (2010, p. 455):

O Tribunal Penal Internacional (TPI) é o principal órgão jurisdicional internacional voltado ao combate aos crimes internacionais. O TPI foi criado em 1998 por meio do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, do qual o Brasil é parte (Decreto 4.388, de 25/09/2002). A Corte iniciou suas atividades em 2003, é sediada na Haia (Holanda) tem personalidade jurídica de Direito Internacional Público. Nos termos do Estatuto de Roma (art. 1º), é “uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoa responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de acordo com o presente Estatuto”.

Tem-se que o TPI é o único órgão atualmente com jurisdição internacional, um anseio bem antigo da comunidade mundial, criado com o escopo de prevenção e repreensão aos crimes tidos por mais cruéis e violentos contra a dignidade da pessoa humana e que merecia uma ação positiva do Estado de forma combater e punir os praticantes de tamanha atrocidade no cenário internacional, tido por muitos como um local sem lei e onde o mando estaria do lado mais forte. Daí surgiu a necessidade de criação de uma corte penal internacional de direito público internacional, independente, totalmente imparcial na sua atuação, e que viesse atender a estas expectativas e tornar mais segura as relações no âmbito internacional.

O Brasil não só aderiu ao mesmo, como, inclusive, já ratificou sua participação efetiva como Estado-parte, cuja participação remota aos momentos iniciais da criação deste Tribunal, nos comitês e reuniões que originaram o Estatuto de Roma, como prova a previsão nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) de que fosse instalada uma Corte Penal Internacional, além de ter acrescido à Carta Política Brasileira por meio da Emenda Constitucional (EC) nº 45/2004, o §4º ao art. 5º, da referida Constituição, em que se afirma no texto a submissão do ordenamento pátrio brasileiro ao TPI, com o desiderato de atingir uma justiça penal internacional eficiente e que garanta a proteção ao bem jurídico mais importante à pessoa humana que é a sua dignidade e integridade física, representada no direito de viver.

Preleciona, ainda, Portela (2010, p. 456) acerca da relação entre o TPI e o ERTPI, da seguinte forma:

Em suas atividades, o TPI deve pautar-se pelo Estatuto de Roma, pelos princípios pertinentes e por outros tratados que definem os crimes internacionais, como as convenções aplicáveis aos conflitos armados e os tratados de direitos humanos. Deve também observar o regulamento Processual e o Regimento do Tribunal. Por fim, o TPI pode fundamentar-se no Direito interno dos Estados, desde que suas normas sejam compatíveis com o direito Internacional aplicável e com o Estatuto de Roma. Cabe salientar que o TPI é uma organização internacional com personalidade jurídica própria e, nesse sentido, não é órgão da ONU. Entretanto, é parte do Sistema das Nações Unidas e mantém com esta laços de cooperação, especialmente com o Conselho de Segurança.

Ressalte-se que o funcionamento do TPI, que está vinculado às normas estabelecidas pelo Estatuto de Roma, observará fielmente suas normas sejam elas de ordem material ou processual, podendo em algumas situações reger-se por normas do ordenamento doméstico desde que as mesmas encontrem-se em perfeita sintonia com as disposições do ERTPI e com o próprio ordenamento internacional, o qual atuará em cooperação com a ONU, em especial o Conselho de Segurança da ONU (CSO), não sendo parte integrante daquela organização mundial.

Acentua Silva (2002, p. 14):

O Tribunal Penal Internacional se diferencia dos tribunais criados para a ex- Iugoslávia e para Ruanda em vários aspectos. Estes dois não possuíam caráter permanente, sendo, portanto Tribunais ad hoc, criados para uma tarefa específica. Suas jurisdições eram limitadas ao tempo e aos territórios em questão, sem o propósito de abordarem violações que ocorressem em outras partes do mundo ou em outros tempos. A Corte Penal Internacional será permanente, com sede estabelecida em Haia, e não contará com restrições territoriais ou temporais. Nem mesmo os crimes previstos em sua legislação serão passíveis de prescrição. Terá capacidade para atuar de maneira mais rápida e eficaz que um Tribunal ad hoc. A idéia central é que a própria existência do Tribunal seja um fator que repudie a ação destes criminosos que quase sempre não são submetidos a nenhum tipo de punição devido aos altos cargos políticos e militares que ocupam em seus países. Esta Corte será dotada de uma jurisdição internacional e não estrangeira, da qual todo Estado-Parte será titular. Admitindo sua jurisdição, nenhum país estará sacrificando sua soberania nacional, mas sim complementando esforços para que seja efetivada a preservação e respeito aos direitos humanos consagrados mundialmente.

O TPI surge em função de um anseio da coletividade mundial de ter um tribunal em nível internacional com jurisdição universal, que fosse permanente, que sua atuação não se restringisse a lapso temporal e que suas decisões não viessem contaminadas pela parcialidade, que fosse totalmente independente, não guardasse qualquer relação com os Estados que viessem a macular os seus vereditos, como ocorreu com os tribunais ad hoc, os quais eram criados para casos específicos e, em momentos posteriores aos fatos, iam de encontro a princípios basilares como o da legalidade, da anterioridade e irretroatividade, além de que na sua composição constavam integrantes das forças vencedoras dos conflitos, o que denotava-se um total flagrante ao princípio da imparcialidade, ou seja, a parte acusada jamais teria um julgamento justo, se quem a julgava eram os mesmos que lhes haviam derrotado em campo de batalha, além da existência de sentimentos como rancor e ódio. Com o seu nascimento, o TPI vem atender a princípio a todas estas expectativas de não violação a princípios necessários à tutela de um julgamento digno e justo, pautado acima de tudo pela imparcialidade dos julgadores.

2.1. OS ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO TPI

A criação do TPI remota a um anseio mundial de combate a delitos contra a dignidade da pessoa humana, principalmente, pós-segunda grande Guerra Mundial, quando se tornou do conhecimento da coletividade mundial as atrocidades e horrores, em especial os crimes hediondos, que foram perpetrados durante aquele embate bélico, onde se insurgiram em total desrespeito à proteção do bem jurídico mais importante das pessoas, a vida, bem que merece a tutela do Estado, independente do plano em que se encontre, seja ele interno ou internacional, já que no primeiro, os ordenamentos jurídicos possuem em seu bojo regramento de proteção a tais bens, mas no que se refere ao segundo, ainda se encontra carente de norma protetiva em nível internacional que venha assegurar a coletividade mundial uma maior segurança, e que esta não fique restrita aos ordenamentos domésticos, mas que exista uma justiça de ordem social global, que proteja a pessoa, independente de sua nacionalidade, quando a mesma estiver afastada de seu território nacional.

Mesmo quando da origem da civilização não se viu tantas atrocidades no plano jurídico penal, apesar de que naquela época as pessoas faziam justiça com as próprias mãos, quando vigorava a chamada vingança privada, à qual existiu ojeriza, pela prática de tais atos, tanto que, ela evoluiu para o segundo estágio, que é o da vingança pública, e encontra-se em seu terceiro momento evolutivo, o da criminologia.

Observa-se que esta situação ficou mais evidente com a globalização, em decorrência de uma maior e mais constante interação e dependência entre os Estados Soberanos, que passaram a ter necessidades e interesses comuns de ordem econômica, política, ambiental, tecnológico, dentre outras.

Para corroborar com tal assertiva, assegura Palma (2000 apud MAZZUOLI, 2011, p. 28):

O Estado Racial em que se converteu a Alemanha Nazista no período sombrio do Holocausto – considerado o marco definitivo de desrespeito e ruptura para com a dignidade da pessoa humana, em virtude das barbáries e das atrocidades cometidas a milhares de seres humanos (principalmente contra os judeus) durante a Segunda Guerra mundial – acabou dando ensejo aos debates envolvendo a necessidade, mais que premente, de criação de uma instância penal internacional, com caráter permanente, capaz de processar e punir aqueles criminosos de que a humanidade que definitivamente se livrar.

Vê-se que o marco mais sangrento da história, que deixou as pessoas perplexas com as situações que até então não eram do conhecimento da sociedade, ante tamanha violência e desrespeito à vida do ser humano, bem que deve ser tutelado a qualquer custo pelo Estado. Ali às pessoas eram submetidas às mais trágicas condições, sua integridade física, moral e psicológica era violada de forma cruel. Isso gerou um total desconforto para a sociedade e abriu-se uma necessidade urgente de criar-se um organismo em nível internacional que pudesse coibir tamanhas atrocidades e garantir o direito à dignidade da pessoa humana, pois até mesmo na época em que as guerras eram o único meio de combate, quando da divergência entre Estados, havia um código de ética a ser respeitado, jamais se admitiu que tamanhas violações fossem perpetradas aos prisioneiros de guerras ou feridos em combates bélicos.

Assim descreve Mazzuoli (2011, p. 940):

[....], mas em decorrência das inúmeras violações de direitos humanos ocorridas a partir das primeiras décadas do século XX – principalmente com as duas grandes guerras mundiais – a ideia de um jus puniendi em plano global começa a integrar a ordem do dia da agenda internacional, ruma a instituição de uma moderna Justiça Penal Internacional.  A segunda grande guerra, que, ensanguentou a Europa entre 1939 a 1945, ficou marcada na consciência coletiva mundial por apresentar o seu humano como algo simplesmente descartável e destituído de dignidade e de direitos. O que fez a chamada “Era Hitler” foi condicionar a titularidade de direitos dos seres humanos ao fato de pertencerem à determinada raça, qual seja, a “raça pura” ariana, atingindo-se, com isto, toda e qualquer pessoa destituída da referida condição. Assim, por faltar-lhes um vinculo com uma ordem jurídica nacional, acabaram não encontrando lugar (qualquer lugar) num mundo como o do Século XX, totalmente organizado e ocupado politicamente. Consequentemente, tais vitimas do regime nazista (displaced people) acabaram tornando-se – de facto e de jure – desnecessárias porque indesejáveis erga omnes, não encontrando outro destino senão a própria morte nos campos de concentração.

Diante de tantas atrocidades e crimes cruéis praticados durante a primeira e segunda grande guerra mundial e, especial, com o holocausto da era Hitler, tornou-se premente a criação de um tribunal permanente que tivesse o escopo de prevenir e reprimir tais delitos de ordem internacional, garantindo um sentimento de segurança à sociedade internacional, nascendo o desejo de criação de normas de ordem penal com o intuito de se estabelecerem mecanismos hábeis de combate as transgressões perpetradas no cenário mundial.

Nas lições de Portela (2010, p. 455): “Os precursores do Tribunal Penal Internacional (TPI) foram as cortes militares internacionais, criadas por tratados após a II Guerra Mundial para processar e julgar indivíduos envolvidos em atos considerados como crimes de guerra“. O mais notório exemplo desses entes foi o Tribunal Militar Internacional (Tribunal de Nuremberg), que julgou integrantes do governo nazista alemão. Também antecederam o TPI o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia e o Tribunal Penal Internacional para Ruanda, criados na década de 90 do século passado para processar e julgar indivíduos por atos cometidos nos conflitos nesses países no final do século XX. Todos os foros acima citados compartilham uma característica que permanece no atual TPI: à luz do princípio da responsabilidade individual, tais mecanismos dedicam-se a processar indivíduos, não instituições, como os Estados.

Como se vê, os tribunais ad hoc serviram de base para acelerar a criação do TPI, visto que os mesmos não estavam atendendo a contento ao interesse a que se propunham, que era realizar um julgamento justo e isonômico, mas pecavam por não atenderem a vários princípios: da imparcialidade, da anterioridade, da irretroatividade, dentre outros.

Apesar de contarem com pontos negativos, pode-se ressaltar como legado destes tribunais ad hoc, uma característica marcante que é a instituição da responsabilidade individual em que as pessoas passam a responder no âmbito internacional pelas violações ali perpetradas, visto que só se julgavam naquele cenário os Estados, somente estes eram reconhecidos como sujeitos de direitos e obrigações, e consequentemente passivos de responsabilização naquele plano.

Os Tribunais Militares de Nuremberg e de Tóquio, apesar de terem sidos instituídos para julgar e processar os responsáveis, tanto na Alemanha como no Japão, pelos delitos praticados contra a paz, a humanidade e aqueles tidos por crimes de guerra, foram estabelecidos pelas nações vitoriosas, o que os tornaria, portanto, tribunais de exceção, além de que as decisões proferidas por eles causaram algum desconforto, por disseminarem a sensação de desigualdade e injustiça, o que tornou latente a necessidade de instalar-se uma Corte Penal Internacional de caráter permanente. (BARREIROS, 2010).

Quanto às criticas à criação de tribunais ad hoc em vez de uma corte permanente e universal, ressalta Mazzuoli (2011, p. 942):

Não obstante o entendimento da consciência coletiva mundial de que aqueles que perpetram atos bárbaros e hediondos contra a dignidade humana devam ser punidos internacionalmente, os tribunais ad hoc acima mencionados não passaram imunes a criticas, dentre elas a de que tais tribunais (que têm caráter temporário e não permanente) foram criados por resoluções do Conselho de Segurança da ONU [...], o que poderia prejudicar (pelo menos em parte) o estabelecimento concreto de uma Justiça Penal Internacional de caráter permanente.

Os tribunais ad hoc são, na realidade, verdadeiros tribunais de exceção, expressamente vedados pela maioria dos ordenamentos estatais, inclusive, o brasileiro, os quais violam princípios, são parciais, e a imparcialidade é garantia necessária e primordial para se atingir um julgamento justo, além do principio da legalidade, da presunção da inocência ou da culpabilidade, da irretroatividade e outros. Com o objetivo de se estabelecer uma justiça penal global plena, mas uma vez renasce o ideal e a discussão de criação de uma corte penal internacional que viesse atender à plenitude de uma JPI.

Na mesma esteira de pensamento, assim se manifesta Silva (2002, p. 13), no tocante às criticas aos tribunais ad hoc, que foram determinantes para o surgimento do TPI:

Mais tarde, o mundo assistiria a um genocídio sem precedentes em Ruanda. Da mesma forma o Conselho de Segurança da ONU interveio criando uma segunda Corte de Justiça, o Tribunal Penal Internacional para Ruanda. Apesar dos gigantescos problemas enfrentados por ambos, estes Tribunais foram à ilustração do progresso a favor do desenvolvimento da paz e do respeito ao direito internacional. O problema é que suas competências estavam circunscritas ao julgamento de determinados crimes cometidos em um determinado território e também dentro de um lapso de tempo determinado. Ficava cada vez mais clara a necessidade da criação de uma Corte permanente, pronta para atuar a qualquer tempo e em quaisquer circunstâncias dentro de sua jurisdição, porque apesar de haverem tratados, leis, convenções e, até mesmo, códigos que proíbam os crimes de guerra, os crimes contra a humanidade e principalmente o genocídio, o que se verifica é a falta de um sistema eficaz que aplique estas normas e faça com que os indivíduos que as desrespeitem sejam realmente punidos. Foi dentro deste contexto que o Tribunal Penal Internacional foi criado em 17 de julho de 1998 após a realização de uma conferência mundial na cidade de Roma, Itália. Lá, 160 países decidiram pelo estabelecimento de uma Corte Criminal de âmbito internacional e permanente com o objetivo de julgar indivíduos responsáveis por crimes considerados graves a nível mundial, como o crime de genocídio, os crimes de guerra, crimes de agressão entre outros. Porém a decisão não foi unânime, 120 votos a favor, 21 abstenções e 7 votos contra, incluindo entre estes o voto de países de grande expressão política, como Estados Unidos, China, Israel, Rússia e Índia. Mesmo assim, com a grande maioria de votos a favor, o Estatuto do Tribunal foi aprovado, dependendo de 60 ratificações posteriores para que entrasse realmente em funcionamento no primeiro dia do mês seguinte a um lapso temporal de 60 dias após a data do depósito do sexagésimo instrumento de ratificação junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas, como prevê o art. 126 do Estatuto de Roma.

Renasce novamente a discussão em torno da eficácia dos tribunais ad hoc, o que denota a sua importância como causa da criação da Corte Penal Internacional. Em meados de julho de 1998, foi realizada em Roma, na Itália, uma conferência para tratar da criação de uma corte penal permanente, que viesse atender aos anseios tão desejados pela coletividade mundial, o que desencadeou o surgimento do TPI, com a aprovação do ERTPI, dependendo apenas da ratificação de 60 estados para que pudesse efetivamente funcionar, algumas nações influentes e de grande peso como os Estados Unidos da América (EUA), Rússia, China, Índia e Israel, por motivos políticos, resolveram não aderir ao presente Estatuto.

Diante de tamanhas atrocidades e horrores que marcaram a segunda grande guerra mundial, as nações finalmente atentaram para a necessidade de estabelecer uma corte de jurisdição penal internacional, decorrente das experiências colhidas com os tribunais de Nuremberg e de Tóquio, que despertaram a conscientização da humanidade para a necessidade de estabelecimento de normas jurídicas penais supranacionais para o alcance de uma justiça punitiva de violações a direitos humanos na seara internacional. Estes tribunais não serviram para tal intento, pois estavam impregnados de vícios, eram verdadeiramente de tribunais de exceção, criados pelos Estados vencedores e após os fatos para julgarem os nacionais dos Estados vencidos e em atenção às garantias reconhecidas pela DUDH de 1948 de um julgamento justo, propiciando que a comunidade mundial evoluísse no aspecto de criar um sistema judicial internacional permanente, independente e totalmente imparcial para atender a processo e julgamento de delitos que transcendessem a esfera doméstica. (STEINER, 1999).

Corroborando com as afirmações retrotranscritas, assim se pronuncia o professor Mazzuoli (2011, p. 945):

A Instituição de tribunais internacionais é consequência da tendência jurisdicionalizante do Direito Internacional contemporâneo. Neste momento em que se presencia a fase da jurisdicionalização do direito das gentes, a sociedade internacional fomenta a criação de tribunais internacionais de variada natureza, para resolver questões das mais diversas, apresentadas no contexto das relações internacionais. A partir daqui é que pode ser compreendido o anseio generalizado pela criação de uma Justiça Penal Internacional, que dignifique e fortaleça a proteção internacional dos direitos humanos em plano global. A sociedade internacional, contudo, tem pretendido consagrar a responsabilidade penal internacional desde o final da Primeira Guerra Mundial. A criação de um tribunal penal internacional, instituído para julgar as violações de direitos humanos presentes no planeta, foi também reafirmada pelo parágrafo 92 da Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993, nestes termos: “A conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda a comissão de Direitos Humanos examine a possibilidade de melhorar a aplicação de instrumentos de direitos humanos existentes em níveis internacionais e regional e encoraja a Comissão de Direitos Internacional a continuar seus trabalhos visando ao estabelecimento de um tribunal penal internacional.” Como resposta a esse anseio da sociedade internacional, no sentido de estabelecer uma corte criminal internacional de caráter permanente, e ainda em razão das críticas aos tribunais ad hoc das Nações Unidas em fazer frente às violações massivas de direitos humanos, finalmente vem à luz o Tribunal Penal Internacional, pelo Estatuto de Roma de 1998, trata-se da primeira instituição global permanente de justiça penal internacional.

Há necessidade patente de criar-se um sistema judicial supranacional que pudesse de maneira efetiva e eficaz reprimir e prevenir os delitos que atentem contra a dignidade da pessoa humana, protegendo a vida, bem jurídico necessário a sua coexistência. Em atenção a este anseio coletivo internacional, criou-se a tão desejada corte judicial penal global, permanente e imparcial para fazer frente às violações contra a dignidade da pessoa e em substituição aos tribunais ad hoc que violavam direitos fundamentais e não atendiam de forma precípua aos desejos mundiais de uma justiça penal internacional isonômica e independente de qualquer influência externa na tomada de suas decisões.

2.2. AS CARACTERISTICAS, COMPETÊNCIA E PRINCÍPIOS NORTEADORES DO TPI

O presente tópico tem por objetivo o estudo acerca das características marcantes do TPI, o porquê de sua criação, e quais os objetivos almejados por seus instituidores.

Surgiu primeiramente com o escopo de se implantar a Justiça Penal Internacional de modo que a coletividade mundial pudesse ter ao seu alcance em qualquer parte do globo, garantia dos direitos mais importantes e essenciais ao ser humano, como a proteção à vida, à integridade física e, em respeito ao bem jurídico da dignidade da pessoa humana, além de servir como um instrumento complementar aos Estados na efetivação desta JPI e diante da inércia destes no combate rigoroso aos crimes tipificados na seara internacional,cujos mecanismos de sanções de alguma maneira estivesse sendo burlados a fim de beneficiar e não punir eventuais pessoas que houvessem praticado tais delitos de ordem internacional.

Segundo o magistério de Mazzuoli (2011, p. 47): “O TPI dispõe de características muito próprias, distintas daquelas presentes em outros tribunais internacionais.”

O que torna o TPI um tribunal diferente em relação aos demais é pautar-se por diretrizes e características próprias e que não viole princípios tidos por fundamentais ou sirva de questionamento futuro a sua aplicação, sendo, inclusive, óbice a sua implantação, como ocorreu com os tribunais ad hoc.

Dentre as características do TPI, podem-se destacar três que o diferenciam das demais instâncias internacionais. A primeira delas seria ele não ter sido criado por um tratado comum, mas por um tratado especial de natureza centrifuga, que o dotaria de singularidade que é a natureza supraconstitucional, garantindo-lhe derrogar todo tipo de norma do direito doméstico, ou seja, são tratados que fogem de sua jurisdição doméstica para levá-lo para à autoridade da justiça universal (a um órgão jurisdicional global) e não a órgãos regionais, como: Comissão ou Corte Interamericana de Direitos Humanos. O TPI é atualmente o único órgão jurisdicional existente com alcance universal, daí advém seu status supraconstitucional em face dos ordenamentos internos.

Como segunda característica, a sua independência, visto que seu funcionamento não depende de qualquer gerência externa, podendo inclusive demandar nacionais de Estados não partes no Estatuto, ante o seu caráter universal.

A terceira característica é a justiça automática. Diversamente do que ocorre aos tribunais internacionais em geral, o TPI não depende, para seu funcionamento, de qualquer aceite do Estado-parte. Ele opera imediatamente após a entrada em vigor (1º de julho de 2002). (MAZZUOLI, 2011).

Como bem acentua Steiner (1999, p. 211) “O caráter do TPI é essencialmente acusatório”.

Nota-se que o papel o TPI é de acusar e julgar os delitos perpetrados no cenário internacional, não sendo de sua incumbência a dilação probatória, se bem que, em algumas situações, o ERTPI permita aos magistrados colher ou buscar provas que possam embasar o seu convencimento, mas a regra geral é de um sistema acusatório, e as coletas de provas ficam ao encargo da Procuradoria.

Segundo lições de Steiner (1999, p. 213) “Não existe, no Estatuto, previsão de remédio semelhante ao habeas corpus.” Não é permitido à propositura do habeas corpus como mecanismo de garantia de direito fundamental, em caso de violação ou abuso de poder, se decretada a prisão provisória e não se delimitar o tempo que a mesma vigorará, não estaria existindo um afronto a direito fundamental, mas especificamente ao de liberdade, se o tempo que a pessoa ficar enclausurada for superior ao tempo necessário para a formação do processo, se a mesma não for nenhuma ameaça ou possa influenciar na condução das investigações, a sua detenção não seria ilegal e mantê-la em cárcere privado não seria uma afronta ao direito individual e fundamental, não se estaria indo de encontro a violação da dignidade da pessoa humana. Diante de tal lacuna, é necessário que seja realizado o mais breve possível alteração no texto do ERTPI como o objetivo de se sanar tal brecha legislativa, sob pena de incorrer em violação a princípio que se propõe a defender.

A princípio, o TPI terá competência para julgar os crimes de genocídio, de guerra, crimes contra a humanidade e de agressão. O TPI deverá processar qualquer pessoa responsável pela prática de crimes fundamentais, independentemente do lugar em que foram cometidos e do cargo ou posição que ele ocupe, seja soldado raso, comandante, ministro da defesa, primeiro-ministro, presidente ou rei. Esse mesmo princípio integrou os documentos constituintes dos Tribunais de Nuremberg e Tóquio. Meio século depois, toda pessoa adulta deve saber que as ordens de um superior não a eximem de responsabilidades em relação a crimes de genocídio, de guerra e de outros crimes contra a humanidade. A jurisdição é complementar e recai sobre indivíduos com relação aos crimes mais graves de transcendência internacional, segundo afirma o art. 1º do Estatuto de Roma. (PIOVESAN, 2000).

Conforme entendimento de Barreiros (2010, p. 04) no tocante à ratificação do ERTPI pelos Estados-partes:

Os Estados que retificam aceitam sua competência. O tribunal só pode exercer sua jurisdição sobre os crimes cometidos nos territórios dos Estados-membros ou por algum de seus nacionais. “Como exceção à regra, o Tribunal poderá exercer sua jurisdição sobre qualquer situação a ele remetida pelo Conselho de Segurança da ONU, não importando, nesse caso, se o crime tiver sido cometido em território de Estado-parte, ou por nacional de Estado-parte”.

Os Estados que ratificaram o Estatuto, a partir daquele momento em diante se submetem aos preceitos e à jurisdição daquela Corte Internacional, não podendo alegar qualquer situação com o fito de eximir-se ou não permitir a atuação do TPI. A única exceção que comporta a presente regra, seriam justamente os casos demandados e encaminhados àquela Corte Penal pelo Conselho de Segurança da ONU, não importando ter sido ou não cometido pelo Estado-parte ou por seu nacional em seu território ou não.

De acordo com Mazzuoli (2004, p. 224) “Nos termos do art. 25, e parágrafos, do estatuto, o Tribunal tem competência para julgar e punir pessoas físicas, sendo considerado individualmente responsável quem cometer um crime da competência do Tribunal”.

Nota-se que a competência do TPI é para julgar pessoas físicas e não jurídicas, as quais competem a outros tribunais de ordem internacional, somente as pessoas poderão ser julgadas pelo TPI, desde que tenham perpetrado os delitos enumerados em seu Estatuto.

Preleciona Mazzuoli (2004, p. 224):

Nos termos do Estatuto, será considerado criminalmente responsável e poderá ser punido pela prática de um crime da competência do Tribunal quem: a) cometer esse crime individualmente ou em conjunto ou por intermédio de outrem, quer essa pessoa seja, ou não, criminalmente responsável; b) ordenar, solicitar ou instigar a prática desse crime, sob forma consumada ou sob a forma de tentativa; c) com o propósito de facilitar a pratica desse crime, for cúmplice ou encobridor, ou colaborar de algum modo na pratica ou na tentativa de pratica do crime, nomeadamente pelo fornecimento dos meios para a sua pratica; e d) contribuir de alguma outra forma para a pratica ou tentativa de pratica do crime por um grupo de pessoas que tenha um objetivo comum. O chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos, que emerge finda a Segunda Guerra Mundial, vem sepultar de vez esta antiga doutrina, que não atribuía aos indivíduos personalidade jurídica de direito das gentes. A idéia crescente de que os indivíduos devem ser responsabilizados no cenário internacional, em decorrência dos crimes cometidos contra o Direito Internacional, aparece bastante reforçada no Estatuto de Roma que, além de ensejar a punição dos indivíduos como tais, positivou, no bojo de suas normas, imediatamente, os princípios gerais de direito penal internacional (arts. 22 a 33), bem como trouxe regras claras e bem estabelecidas sobre o procedimento criminal perante o Tribunal (arts. 53 a 61). Tal acréscimo vem suprir as lacunas deixadas pelas Convenções de Genebra de 1949, que sempre foram criticadas pelo fato de terem dado pouca ou quase nenhuma importância às regras materiais e processuais da ciência jurídica criminal.

Um dos grandes avanços na criação do TPI foi o estabelecimento como competência do mesmo o julgamento de pessoas, positivando e reconhecendo no cenário internacional o indivíduo como sujeito de direitos e obrigações, o que ensejará a sua responsabilização criminal pelos delitos que venham a ser perpetrados na seara internacional. Positivaram-se, ainda, as normas procedimentais a serem aplicadas por essa corte na sua atuação, assim como especificou os princípios que deverão ser observados quando da aplicação de suas normas. O ERTPI contempla em seu artigo 25 as situações em que se identificará e responsabilizará o agente passível de julgamento perante aquela corte penal internacional, não só responde quem pratica pessoalmente, como aquele que atua em conjunto com outro(s), mas também quem ordena, instiga, seja cúmplice ou venha de algum modo a contribuir para a perpetração da ocorrência daquele delito de alçada do TPI.

Preconiza Mazzuoli (2011, p. 49):

O Tribunal tem competência subsidiária em relação às jurisdições nacionais de seus Estados-partes (art. 1º). Consagrou-se, portanto, o principio da complementaridade, segundo o qual o TPI nãopode interferir indevidamente nos sistema judiciais nacionais, que continuam tendo a responsabilidade primária de investigar e processar os crimes cometidos pelos seus nacionais, salvo nos casos em que os Estados se mostrem incapazes ou não demonstrem efetiva vontade de punir os seus criminosos.

Em conformidade com o disposto no art. 88 do ERTPI, os Estados-partes deverão sim cooperar, sendo que a cooperação deverá ser total e não parcial, sob pena de não se atingirem os objetivos pretendidos. Há que existir uma disponibilidade sem reservas, uma vontade real de se alcançar a JPI e em não sendo possível ao Estado aplicá-la por intermédio de suas normas, que este possa colaborar efetivamente permitindo que o TPI aplique suas normas e puna os verdadeiros culpados pela infração perpetrada no âmbito internacional. Esta atitude que pode parecer no primeiro momento inexpressiva, é de suma importância na concretização de uma justiça penal eficaz.

Mas é necessário que os Estados-partes entendam a importância da participação deles na efetivação e consecução de uma justiça penal sólida e eficaz no domínio internacional, de modo que se venha criar normativos coibitivos que resguardem de maneira definitiva a segurança jurídica naquele plano, desiderato tão almejado pela população mundial e crucial para o estabelecimento da JPI.

Defende Steiner (1999, p. 211) “O Tribunal exercerá sua competência em relação aos crimes cometidos após a entrada em vigor do Estatuto, [...]. Para os estados que aderirem posteriormente, [...] só poderá ser exercida sobre os fatos cometidos após a entrada em vigor [...]”.

Trata-se na verdade da aplicação do principio da anterioridade, a qual informa que só poderá ser aplicada no momento da sua entrada em vigor ou em data posterior por ela indicada, não se podendo aplicá-la a fato passado em que vigoravam outras normas ou mesmo que não tivesse qualquer outro ato normativo disciplinando tal regramento, nem assim comportaria a sua aplicabilidade a fatos anteriores a sua criação.

No entender de Mazzuoli (2011, p. 50) “Essa complementaridade, presente no Estatuto de Roma, já não ocorre com os tribunais internacionais ad hoc, que são concorrentes às jurisdições estatais e têm primazia sobre os tribunais nacionais”.

Observa-se que há uma evolução distintiva entre os princípios que norteiam o TPI e aqueles que disciplinam os tribunais ad hoc, os atos normativos destes eram aplicados de modo concomitantes aos dos Estados e tinham primazia sobre estes, ou seja, em caso de choque entre as normas, prevaleciam as que disciplinavam os tribunais ad hoc sobre os atos normativos estatais, de forma diversa ocorre com as normas que regem o funcionamento do TPI, este só estará apto a agir se houver qualquer negligência ou falha por parte do ordenamento doméstico, não há que se falar em concorrência de normas, prevalecerá sempre em primeiro lugar as normas internas, somente diante de sua inoperância é que entra em cena o TPI.

As normas que disciplinam a atuação do TPI, de forma alguma antecedem aos sistemas judiciais domésticos, ele aguarda que o Estado cumpra com sua obrigação primeira de reprimir e punir aquele que comete crime dentro do seu território, crime este que pode ser também de natureza internacional, somente diante da inércia ou mesmo de ações que visem forjar deliberadamente o julgamento com o intuito de não punir o acusado, é que surgirá a oportunidade de interferência do TPI.

Na opinião de Condorelli (2003 apud MAZZUOLI, 2011, p. 50) “pode-se dizer que a Corte foi concebida como um “tapaburacos”, pois será chamada a funcionar somente se e quando a justiça repressiva interna não funcione”.

Para atuar, o TPI para depende de que o Estado-parte seja totalmente negligente, inerte na sua atuação à repressão e/ou prevenção dos delitos cometidos de ordem internacional, não funcione ou aja com descaso ou venha fazer uso de mecanismos com o fito de burlar ou forjar a aplicação da norma jurídica penal, com o intuito de não punir o acusado pelo cometimento de crime elencado no ERTPI.

Assevera com grande propriedade Portela (2010, p. 456):

O TPI nasce da percepção de que a história da humanidade tem sido marcada por grandes atrocidades, relacionadas a crimes graves que representam ameaças à paz, à segurança e à estabilidade internacionais, que maculam a dignidade humana e que rompem os laços comuns existentes entre todos os povos. Nesse sentido, o TPI pretende contribuir para reprimir os crimes internacionais, tarefa que cumprirá em conjunto com os Estados, aos quais caberá, primariamente, a competência de exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por tais atos, sendo a jurisdição dessa corte apenas complementar às jurisdições penais nacionais.

O surgimento do TPI tem como pano de fundo o anseio da coletividade mundial na busca pela criação de uma corte penal de jurisdição internacional que pudesse garantir uma maior segurança e estabilidade jurídica as relações perpetradas naquele cenário, assim como fosse propulsora e difusora da paz e harmonia entre os cidadãos, perpetrando-se o respeito à dignidade da pessoa humana, integridade física,  moral e porque não a liberdade.

Nesta esteira de pensamento, afirma Steiner (2006 apud BARREIROS, 2010, p. 03):

O Tribunal Penal Internacional rege-se pelo principio da complementaridade. Não antecede, nem tem primazia sobre os sistemas judiciais internos. Ao contrário, para exercer sua jurisdição exige-se sejam reconhecidos uma série de requisitos atinentes à admissibilidade, orientados especialmente na questão referente à capacidade ou vontade de um Estado em exercer sua jurisdição primária.

Não cabe ao TPI anteceder aos sistemas penais domésticos, pelo contrário ele só atuará de maneira subsidiária, só agindo diante da fragilidade do sistema penal interno estatal, ou seja, cabe ao Estado exercer primariamente a sua competência territorial, só diante de falhas ou inércia deste é que o TPI atuará efetivamente.

A propósito se manifesta Saboia (2000, p. 08):

É mediante a complementaridade que o TPI poderá, a longo prazo, dar sua mais importante contribuição, ao incentivar os Estados a dotar seus sistemas judiciais dos instrumentos normativos e processuais capazes de aplicar a justiça de forma eficaz e equânime, nos casos dos crimes previstos no Estatuto.

O que se pretende transmitir e deixar assente é que a atuação do TPI se fará presente como mecanismo de incentivo aos Estados de que eles poderão no futuro ter uma legislação que sirva para reprimir e prevenir crimes tanto na esfera interna quanto na internacional de seus ordenamentos, de tal forma que não seja mais necessária a atuação do TPI, visto que os ordenamentos estarão aptos a julgar e coibir quaisquer delitos, estejam eles no âmbito interno ou internacional, ou seja, a realização do sonho de estabelecimento de uma justiça penal em nível internacional nos moldes como existe em cada ordenamento estatal, com o estabelecimento de uma norma que sirva de parâmetro de validade para a criação das demais que irão conviver de maneira harmônica dentro do sistema.

Nesse sentido, pontua Piovesan (2000, p. 73):

O Tribunal Internacional Penal surge como um aparato complementar a jurisdição penal nacional. O Estatuto de Roma reitera a idéia de que o Estado tem a responsabilidade primária, o dever jurídico de emprestar a sua jurisdição. No entanto, se isso não ocorrer, a responsabilidade subsidiária é da comunidade internacional. Lembro, ainda, os arts. 17 a 19 do Estatuto que preveem as condições de admissibilidade para a jurisdição do Tribunal Internacional, como a não disposição ou a incapacidade de o Estado julgar esses crimes, o que inclui a inexistência de um processo imparcial independente, o colapso do sistema judicial nacional, a impossibilidade de obtenção de provas, testemunhas necessárias etc. Dessa maneira, entendemos que o Estatuto busca equacionar a garantia do direito à justiça, o fim da impunidade, a soberania do Estado à luz do Princípio de Complementariedade.

Busca-se com aplicação do princípio da complementaridade que venha a ocorrer em primeiro lugar a atuação estatal, e só diante de dificuldades encontradas é que se permitirá a intervenção do TPI, que agirá com respaldado nos princípios da imparcialidade, da independência, não estando sujeito a qualquer tipo de interferência de ordem externa que possa macular as suas decisões, possibilitando uma maior segurança e estabilidade jurídica, tudo com o desiderato de alcançar a plena justiça.

De modo diverso aos tribunais ad hoc, que eram concorrentes e ainda tinham primazia sobre os ordenamentos estatais, o TPI é sui generis e complementar, e sua jurisdição aplica-se somente aos delitos extremamente graves, segundo está estabelecido em seu estatuto, além do mais não serão alvos de exames por parte dele, os casos ou manifestações que estejam sob investigações ou já tenham sido investigados pelo Estado competente. (PIOVESAN, 2000).

Seguindo esta linha de raciocínio, acentua Silva (2002, p. 15):

É com base nisto que afirmo que talvez o aspecto mais importante a ser observado no Tribunal seja seu caráter de jurisdição complementar. A Corte Penal Internacional não violará a jurisdição das Cortes nacionais, continuando estas a terem prioridade nos processos de investigação e julgamento dos crimes sob sua jurisdição. O Tribunal somente atuará quando estas não forem capazes de exercer esta jurisdição ou se mostrarem desinteressadas ou precárias de fazê-lo. Para tanto o Tribunal verificará se o processo foi instaurado ou está pendente, verificando se a decisão do Estado em questão foi com o propósito de excluir a responsabilidade penal do indivíduo por crimes de competência do Tribunal. A Corte apreciará também se houve demora injustificada no processo, se este não foi ou não está sendo conduzido de maneira imparcial como deve ser. “Acima de tudo, a fim de determinar a admissibilidade de um caso, o Tribunal verificará se o Estado, por colapso total ou substancial da respectiva administração nacional da Justiça ou indisponibilidade desta, não está em condições de fazer comparecer em juízo o acusado, de reunir os meios de prova e depoimentos necessários, ou não está, por outros motivos, em condições de concluir o processo”.

Pelo princípio em comento, denota-se que a jurisdição interna na sua atuação está resguardada pelo TPI, mas se manterá em alerta e fiscalizará a atuação estatal naqueles crimes que estejam sob a sua jurisdição e, que em atenção ao princípio da complementaridade, não poderá interferir ao menos que aquele demonstre que não reúne as condições necessárias para levar a cabo até o final o respectivo processo.

Assegura Steiner (1999, p. 211) “O Estatuto do TPI traz expresso o princípio da legalidade em seu art. 22. Não se admite a analogia, nem a interpretação extensiva. Também é expresso o principio da legalidade das penas (art. 23).”

O TPI orienta-se, especialmente, nos ditames estabelecidos pelo Princípio da Legalidade e com o objetivo de implantação de uma justiça penal global tão almejada pela comunidade internacional; para que alguém seja submetido a sua jurisdição tem que ter cometido o crime que se encontre elencado em seu regulamento, não podendo ser anterior a sua criação, bem como deve está tipificado na norma em comento.

Ante a lacuna ou o silêncio da norma não há que se cogitar do uso da analogia e aplicar norma parecida ao caso concreto, pois o Estatuto rechaçou tal aplicação, aplicando-se nas situações descritas no preceito primário do ato normativo, e muito menos que seja realizada qualquer tipo de interpretação extensiva da norma, que deve reger-se na sua literalidade, não havendo qualquer dedução quanto ao sentido do ato normativo. Idêntico raciocínio deve ser aplicado à comutação das penas, só o que estiver expresso no ato normativo, nada mais ou além daquilo que está determinado.

No artigo 24 do ERTPI encontra-se previsto o Princípio da Irretroatividade de suas normas, exceto quando as mesmas forem benéficas ao acusado. Mas a responsabilidade penal é individual, prevê ainda a figura de autor ou partícipe, consoante redação do artigo 25 do referido Estatuto. Pela regra geral, os crimes são punidos apenas a título de dolo, de acordo com a dicção do artigo 30 do mencionado Estatuto. São consideradas condições eximentes do crime a doença mental ou desenvolvimento mental retardado, a legítima defesa e a coação mediante ameaça de morte ou lesões graves, além daquelas que podem ser reconhecidas pela corte, de acordo com o art. 31, sem esquecer que os menores de 18 anos são inimputáveis, consoante dispõe o art. 26. (STEINER, 1999).

Preceitos que orientam as atividades do TPI são comum ao Direito e ao Processo Penal, como o da legalidade (nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege), o da anterioridade da lei penal, o in dubio pro reo, e o da irretroatividade, exceto quando vier a beneficiar o réu. Esta definição do tipo penal deve ser precisa, não se admite a aplicação da analogia, consoante o disposto no artigo 23, parágrafo segundo do ERTPI. A tentativa é punível, mas caso venha a ocorrer a desistência de se praticar determinado delito ou mesmo impedir que ele se consuma, não poderá o agente, se renunciar total ou parcialmente, ser punido de acordo com as normas do referido Estatuto. (PORTELA, 2010).

Segundo compreensão de Barreiros (2010, p. 06), o TPI orienta-se pelos seguintes princípios:

O funcionamento do tribunal Penal Internacional é regido por princípios gerais do Direito Penal e outros que lhe conferem a qualidade de corte especial, direcionada ao julgamento de situações peculiares relacionadas à pratica dos crimes de sua competência. Destacam-se a seguir alguns dos princípios e regras as atividades da corte. Principio da Legalidade: apenas as condutas elencadas no Estatuto como crimes são julgadas pelo Tribunal Penal Internacional. Princípios da anterioridade não crime sem normativa anterior que o defina, nem podem ser aplicadas penas não revistas no tratado. Em outras palavras, no âmbito do tribunal Penal Internacional, aplica-se a máxima nullum crime, nulla poena sine lege. Principio da irretroatividade: ninguém pode ser punido pelos crimes elencados no tratado se os mesmos foram cometidos anteriormente à entrada em vigor do Estatuto. Determina-se também que é aplicável, em qualquer caso, a norma mais benéfica, que poderá ser retroativa ou ultrativa para favorecer o réu. No Estatuto, o principio em questão está descrito no art. 24.

Frise-se que o TPI rege-se em verdadeira sintonia com os princípios da legalidade e irretroatividade, e para que ocorra a cominação da pena é necessário que ela esteja tipificada pela norma, que preveja no seu preceito primário a descrição da conduta a ser considerada como ilegal e que no seu preceito secundário preveja qual será a penalidade a ser imposta diante da violação aos ditames do preceito primário.

Já a irretroatividade é definida como sendo aquela norma que só terá eficácia a partir da data da sua entrada em vigor, não se aplica a fatos pretéritos, excetuando-se quando esta for bem mais benéfica ao réu, consoante dispõe a dicção do art. 24 do ERTPI.

O Estatuto de Roma reconhece a aplicação do Princípio da Presunção da Inocência, segundo disposto em seu artigo 66, permitindo um regime probatório amplo, similar ao principio da ampla defesa e do contraditório, não se admite as provas obtidas por meios ilícitos, permite ainda sua mitigação, de modo a atenuar a sua aplicação, até porque a prova só poderá ser rejeitada se ficar comprovado que a violação gera alguma incerteza quanto à credibilidade da mesma ou que sua admissão pode atentar contra a integridade do processo ou em demérito do próprio juízo, de acordo com o prescrito no art. 69 e seguinte do aludido diploma legal. O outro princípio que rege o TPI é o da norma cogente do pacta sunt servanda, o qual afirma que uma vez firmado o compromisso de cooperação, o Estado deverá cumpri-lo fielmente, sob pena de descumprimento contratual a que se submeteu e aderiu de livre e espontânea vontade, devendo em caso de descumprimento ser apenado na forma legal. (STEINER, 1999).

Assim descreve Barreiros (2010, p. 08) “Principio da Imprescritibilidade: os crimes de competência do Tribunal Penal Internacional são considerados imprescritíveis, sendo esse um dos pontos conflitantes com os sistemas jurídicos de vários países, incluindo o Brasil”.

É um ponto bastante controverso na doutrina, visto que o ERTPI estabelece que os crimes ali elencados não serão passiveis de prescrição, o que de certa forma vai de encontro às normas constitucionais brasileiras, gerando uma grande dúvida quanto a validade ou não, se fere os preceitos fundamentais inseridos na CF/88. De um lado uma corrente defende que há violação a tais preceitos fundamentais, indo de encontro às garantias de soberania do Estado Brasileiro, porém, a outra corrente defende que não há qualquer violação, tendo em vista que a observação deste princípio só se fará em razão da não atuação do ordenamento doméstico em face dos crimes praticados em seu território, e desde que este delito esteja arrolado dentre aqueles tipificados como da jurisdição do TPI e, em havendo tal aplicação, isto se fará pelo uso da ponderação de valores dos princípios, não se cogita de maneira alguma de conflito de regras, prevalecendo aquele princípio que consagre a preservação da dignidade humana.

Conforme acentua Mazzuoli (2004, p. 225) “A consagração do princípio da responsabilidade penal internacional dos indivíduos é, sem dúvida, uma conquista da humanidade”.

Sem dúvida, a responsabilização penal dos indivíduos é algo a ser comemorado, visto que anteriormente nos tribunais ad hoc e do próprio TPI, as pessoas não possuíam personalidade sob a ótica do ordenamento internacional, eram consideradas apenas como atores, portanto não eram possuidoras de direitos e obrigações, o que não lhes permitia demandar naquela seara.

A criação do TPI e a inserção no ERTPI em seu artigo 25 vieram garantir aos indivíduos personalidade na seara internacional, portanto, dotadas de direitos e obrigações naquele cenário, podendo demandar e ser demandada perante aquela corte penal internacional, visto que nos demais tribunais só demandavam as pessoas jurídicas. E que as pessoas teriam que procurar seus Estados nacionais para que esses agissem em defesa de seus direitos quando eles assim achassem convenientes.

2.3. OS TIPOS PENAIS SOBRE A JURISDIÇÃO DO TPI

O preâmbulo do ERTPI estabelece que os crimes ali elencados sejam tidos por imprescritíveis e de competência do TPI, podendo, ainda, ser catalogados em 4 categorias: competência ratione materiae: os crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão. A ratione temporis (competência temporal): o TPI somente está autorizado a agir relativamente nos delitos praticados após sua instituição, já com relação aos Estados que aderirem posteriormente à entrada em vigor do ERTPI, a sua jurisdição só poderá ser exercida sobre crimes cometidos após a data da adesão do Estado, a não ser que haja manifestação em contrário pelo Estado, em atenção estrita ao principio da irretroatividade penal da norma.

No tocante a competência ratione personae: o Tribunal só exercerá sua jurisdição sobre pessoas maiores de 18 anos, estando, portanto, excluídas da sua competência os Estados, as Organizações Internacionais e as Pessoas Jurídicas de Direito Privado. (MAZZUOLI, 2011).

Para Campos (2010, p. 07) “[...]. A jurisdição do TPI atua, nos termos do artigo 5º do Tratado de Roma, sobre os crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão [...]”.

Os crimes de competência do TPI são em número de quatro: genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra e o de agressão. Pela redação e interpretação sistemática dos demais artigos do Estatuto de Roma, pode-se inferir que tal rol seja taxativo.

Nas palavras de Portela (2010, p. 461):

O Tribunal Penal Internacional (TPI) é competente para examinar quatro tipos de ilícitos, desde que sejam de maior gravidade e que afetem a comunidade internacional em seu conjunto: Crimes de guerra, crimes contra a humanidade, crimes de agressão e genocídio.

Cabe ao TPI julgar aqueles crimes/delitos descritos em seu estatuto e desde que estes sejam em sua extensão de maior gravidade e que afetem diretamente aos interesses da comunidade internacional.

No mesmo sentido manifesta-se Mazzuoli (2011, p. 75):

O art. 5º do Estatuto restringe a competência do tribunal (“A competência do tribunal restringe-se-à...”) aos crimes acima estudados (genocídio, crime contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão), considerados pelo Estatuto como “os crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto”. Assim, percebe-se que nem todos os crimes internacionais graves integram a competência ratione materiae do TPI, por uma questão mais tipológica que conceitual. Ou seja, a abrangência jurisdicional do Tribunal é aferida pela tipologia estabelecida taxativamente no Estatuto, que especifica a categoria conceitual abstrata dos “crimes internacionais graves”. Frise-se, por fim, que o Estatuto não descarta a possibilidade de uma ulterior revisão sobre a lista de crimes do art. 5º, a qual pode ser requerida por qualquer Estado-parte ao secretário-Geral da ONU (art. 123, § 2º).

Percebe-se que os crimes de competência do TPI são aqueles mais graves que venham a afetar a comunidade internacional, observando-se que se devem coadunar com aquilo que está estabelecido pelo seu artigo 5º, não abarca todo e qualquer crime, apenas pela gravidade que o denota, mas deverá se amoldar à tipologia que se encontra inserida no ERTPI, deve adequar-se à descrição do tipo penal estabelecida pelo preceito primário, donde se deduz que nem todos os crimes tidos por graves estarão amparados pela jurisdição do TPI, poder-se-ia citar, a título de exemplo, o terrorismo e tanto outros. Atente-se ainda que o ERTPI prevê uma cláusula de que este poderá sofrer modificação.

No sentir de Silva (2002, p. 16):

É importante ressaltar que, primeiramente, para que o Tribunal possa exercer sua jurisdição é necessário que o Estado consinta em ser parte do Estatuto, ratificando-o. O art. 12 do Estatuto de Roma, em seu §1º, estabelece as condições prévias para exercício da jurisdição da Corte. Diz o artigo: “Art. 12 Condições prévias para o exercício da jurisdição: §1º O Estado que se tornar parte no presente Estatuto aceita, por esse ato, a jurisdição do Tribunal sobre os crimes a que se refere o artigo 5º.”3 É desta forma e a partir deste entendimento que o Brasil poderá proceder à ratificação do Estatuto de Roma sem reservas, como prevê seu próprio texto. A relação entre a Corte e o Estado-Parte deverá ser de cooperação total, e não parcial, para que seus objetivos possam ser realmente atingidos.

O escopo do ERTPI é de estabelecer um regime de cooperação entre os seus signatários e também, com o tempo, provar que ele é viável e assim obter mais adesões e ratificações, de modo que no futuro todos os Estados estejam sob a sua jurisdição. Mas para que isto venha a ocorrer, é necessário demonstrar que tem viabilidade e efetividade, apesar de que todo começo é muito árduo e trabalhoso, principalmente quando não se tem nenhuma referência, se é o primeiro, que tem que construir tudo, métodos, jurisprudências, e isso demanda tempo. Os primeiros julgados serão os mais complexos e trabalhosos, mas acredita-se que a partir dos primeiros e da confiança que estes proporcionarem, serão muito mais fáceis e céleres os demais julgamentos. A sociedade como um todo quer ver resultado, somente quando estes começarem a surgir é que efetivamente esta Corte poderá ser vista com outros olhos e assim conseguirá conquistar a credibilidade para prosseguir com o seu desiderato, a tão propalada JPI global.

Segundo o ERTPI que foi assimilado pelo ordenamento brasileiro por meio do Decreto nº 4.338, de 25 de setembro de 2002, em seu art. 77, capitula as penas possíveis de ser aplicadas pelo TPI aos réus que perpetrem os delitos de jurisdição do TPI, in verbis:

Artigo 77. Penas Aplicáveis. 1. Sem prejuízo do disposto no artigo 110, o Tribunal pode impor à pessoa condenada por um dos crimes previstos no artigo 5o do presente Estatuto uma das seguintes penas: a) Pena de prisão por um número determinado de anos, até ao limite máximo de 30 anos; ou b) Pena de prisão perpétua, se o elevado grau de ilicitude do fato e as condições pessoais do condenado o justificarem, 2. Além da pena de prisão, o Tribunal poderá aplicar: a) Uma multa, de acordo com os critérios previstos no Regulamento Processual; b) A perda de produtos, bens e haveres provenientes, direta ou indiretamente, do crime, sem prejuízo dos direitos de terceiros que tenham agido de boa fé. (BRASIL, 2002).

Conforme se depreende da leitura do mencionado artigo, aos juízes do TPI é dado aplicar a dosimetria da pena de maneira que nos casos menos gravosos possa chegar ao limite de 30 anos, coincidindo com o estabelecido pela CF/88, mas é permitido diante da gravidade da ilicitude dos crimes perpetrados em conjunto com as condições pessoais do acusado aplicar-se a prisão perpétua, o que a doutrina brasileira tenta afastar sob o argumento de ferimento aos preceitos fundamentais e contrária a ordem da soberania estatal brasileira, o que não merece prosperar pelas justificativas e embasamentos já dissecados em tópicos anteriores.

Ainda é permitido ao TPI realizar a aplicação de uma multa ou mesmo de proceder à tomada de produto ou bens provenientes do delito, garantindo o direito dos terceiros que tenham agido de boa-fé.

3. O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E SUA INTEGRAÇÃO AO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O inicio é sempre tortuoso, há muitos obstáculos a serem vencidos, resistência de todos, o medo do novo afasta a adesão imediata e isso é mais do que normal, pois há muitos interesses envolvidos, apesar da causa ser nobre e atender a um ideário coletivo, sempre há aqueles que resistem por terem alguns de interesses atingidos. Mas acima de tudo isto devem trilhar-se os objetivos traçados, pois o que se almeja está bem acima de um desejo individual e egoísta, por isso deve-se ir à busca do ideal de vida, ainda mais quando este ideal tem por objeto a tutela da própria vida que está em jogo.

Nas lições Portela (2010, p. 467):

O Brasil encontra-se vinculado ao TPI não só por ser signatário do Estatuto de Roma, como também em vista da norma da Constituição Federal (art. 5º, § 4º), que reza que “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.

No Brasil, o TPI foi adicionado à Constituição Federal por intermédio da Emenda Constitucional nº 45/2004, que acresceu o § 4º ao artigo 5º da Carta Política Brasileira, cuja redação submete expressamente o ordenamento brasileiro à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, ou seja, a referida emenda só veio ratificar a intenção do Estado brasileiro de se submeter aos ditames basilares constantes do Estatuto de Roma, elevando a condição de norma constitucional.

A aplicação do ERTPI no espaço territorial brasileiro ainda é muito polêmica e rodeada de incertezas, principalmente diante da manifestação da Suprema Corte Brasileira, guardiã da Constituição Nacional, que é o STF, quando afirma que, para se considerar como crime, o ato deverá ser objeto de regulação de uma lei em seu sentido formal ou estrito, ou seja, oriunda da criação do Poder Legislativo, que não se coadunaria com o ERTPI que é apenas um tratado. Contudo, tal dilema poderá ser sanado com a aprovação do Projeto de Lei 4.308/2008, que se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados, cujo objeto é justamente instituir normas processuais específicas, assim como dispor sobre a cooperação com o TPI, além de definir os crimes enumerados pelo Estatuto de Roma: crimes de genocídio, crime contra a humanidade, crimes de guerra e os crimes contra a justiça do Tribunal Penal Internacional. (PORTELA, 2010).

Corroborando com entendimento supra, assevera Mazzuoli (2011, p. 948):

Em 7 de fevereiro de 2000 o governo brasileiro assinou o tratado internacional referente ao Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, tendo sido o mesmo posteriormente aprovado pelo Parlamento brasileiro por meio do Decreto Legislativo nº 112, de 06.06.2002, e promulgado pelo Decreto nº 4.388, de 25.09.2002. O depósito da carta de ratificação brasileira foi feito em 20 de junho de 2002, momento, por força da norma do art. 5º, § 2º, da Constituição brasileira de 1988 (verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”), o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional integrou-se ao direito brasileiro com status de norma constitucional, não podendo quaisquer dos direitos e garantias nele constantes ser abolidos por qualquer meio no Brasil, inclusive por emenda constitucional.

A partir da ratificação que se deu em 20.06.2002 e do referendo brasileiro por meio do Decreto Legislativo nº 4.388, de 25.09.2002 ao ERTPI, o Brasil, por força de sua própria Constituição Federal, expressa em seu art. 5º, § 2º, que o ERTPI foi assimilado pelo ordenamento pátrio brasileiro com o status de norma constitucional, além de estar formalmente resguardado pela proteção de cláusula pétrea, visto que conforme a respectiva redação não é permitida a sua alteração nem mesmo por meio de Emenda a Constituição.

Assevera Portela (2010, p. 468):

O PL 4.038/2008 visa, portanto, a permitir a aplicação do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI) no Brasil, tipificando como crimes, dentro de lei brasileira aprovada pelo parlamento, todos aqueles atos indicados como delituosos no Estatuto de Roma, e estabelecendo as penas cabíveis para cada um desses atos, bem como fixando regras adicionais, voltadas a permitir a melhor persecução penal desses atos no Brasil e a colaboração entre o Estado brasileiro e aquela Corte Internacional.

Visando aperfeiçoar a aplicação e a efetividade do TPI pela nação brasileira, encontra-se em tramitação atualmente no Congresso Nacional Projeto de Lei com o objetivo de tipificar todos os crimes elencados no ERTPI no ordenamento nacional de maneira a se adequar às normas daquele Tribunal do qual o Brasil é signatário, permitindo uma melhor colaboração com aquela corte internacional a fim de atingir a JPI.

Preleciona Felipeto (2001, p. 03):

A vida, como bem universal, é o primeiro e mais importante interesse a ser tutelado de modo uniforme e global. O interesse na preservação desse bem é tal, que é ele guindado à esfera do Direito, passando a ser um interesse juridicamente tutelado, ou seja, um bem jurídico. Não interessa que na ordem jurídica interna de cada país esse bem jurídico já seja protegido, pois a criminalidade internacional extrapola as fronteiras formais dos Estados, reclamando que os diversos países mobilizem as respectivas ordens jurídicas para protegê-lo, instituindo-se instrumentos que alcancem os responsáveis pela ofensa desse bem jurídico universal.

Percebe-se que o bem jurídico mais importante do planeta a ser assegurado seja realmente a vida, o direito de viver, representando o respeito que deve ser reservado à dignidade da pessoa. Sem tal bem, não há que se cogitar da existência humana e muito menos das relações que poderão advir de uma relação entre elas. Portanto, o desiderato buscado pelo TPI e que envolve a participação de diversos países, inclusive, o Brasil é de ver resguardado esse bem em nível internacional, ante tamanhas crueldades e atrocidades que têm marcado as relações no seio internacional, em total desrespeito à vida das pessoas, tratadas como objeto, sem nenhum valor. Mas, ao contrário, ela tem um valor imenso, é universal e interessa a toda a sociedade, responsável não só pela origem e existência da espécie humana, como da sua propria perpetuação.

O TPI surge com a missão e como instrumento de tutela deste maior bem jurídico pertencente à comunidade mundial, de forma a preservá-la e garantir a todo ser humano esse direito indisponível. Não adianta existir nos ordenamentos domésticos regramentos normativos salvaguardando este bem, se além dos seus territórios ele se encontra totalmente desamparado, desprovido de mecanismos e instrumentos que garantam a sua efetividade. É chegado o momento de todos se unirem em defesa da manutenção deste bem maior, que é a vida, este é o papel de que se encontra imbuído o TPI, a garantia da dignidade do indivíduo como pessoa.

3.1. OS CONFLITOS VISÍVEIS DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA EM FACE ÀS NORMAS REGENTES DO TPI

Conforme já foi esboçado, quando da apresentação de alguns princípios que norteiam a atuação do TPI, certas disposições ali contidas no Estatuto de Roma vão de encontro a princípios que regem os sistemas jurídicos penais de vários países, essas questões que dificultam a sua implementação, com relação ao ordenamento brasileiro, apontam os seguintes conflitos: a prisão perpétua, a entrega de nacionais e a imprescritibilidade dos crimes, como sendo óbices à implementação no sistema brasileiro. (BARREIROS, 2010).

Na visão de Mazzuoli (2004, p. 225) acerca dos óbices à implantação do TPI junto ao ordenamento pátrio brasileiro:

Tais regras penais e procedimentais, estabelecidas pelo Estatuto de Roma, com uma leitura apressada do texto convencional, podem pressupor certa incompatibilidade com o direito constitucional brasileiro, mais especificamente em relação a três assuntos de fundamental importância disciplinados pelo Estatuto: a) a entrega de nacionais ao Tribunal; b) a instituição da pena de prisão perpétua; e c) a questão das imunidades em geral e as relativas ao foro por prerrogativas de função.

Observa-se que não deve e nem se pode realizar uma leitura apressada dos regramentos instituídos pelo ERTPI em consonância com as disposições constitucionais inseridas na CF/88, sob pena de se cometer um grave erro de interpretação e aplicação de tais dispositivos. Deve existir sim uma parcimônia no momento de analisar cada caso em concreto, orientando-se segundo a maior parte da doutrina em visualizar que se trata de questão de colisão de princípios e não de conflito de normas, o que leva a utilizar como instrumento para solucionar o caso a ponderação de valores, de maneira a resguardar sempre a aplicação do princípio que venha contribuir para consagração ao direito da dignidade humana, conforme já está terminantemente expresso no texto constitucional brasileiro.

Percebe-se que a doutrina e a jurisprudência ainda estão se digladiando a fim de chegar a um bom termo acerca da existência ou não de incompatibilidade das normas do ERTPI em face da Constituição brasileira. As situações que requerem apreciações seriam quanto à entrega de nacionais, a pena de prisão perpetua e à questão das imunidades de foro por prerrogativa de função, que pelas razões jurídicas e fáticas acima mencionadas não merecem prosperar.

Posiciona Silva (2002, p. 17) no que diz respeito à entrega de nacionais ao TPI para que realize julgamento inserto na sua jurisdição:

Quanto à questão da entrega de nacionais à Corte, a controvérsia se baseia, a princípio, no fato de se saber até que ponto esta “entrega” seria apenas uma denominação dada como meio de se camuflar uma verdadeira extradição, constitucionalmente proibida pelo ordenamento jurídico brasileiro no art. 5º, inciso LI, da Constituição Federal de 19884. Porém este entrave já se encontra doutrinariamente superado, uma vez discutido e aceito que entrega e extradição são dois institutos completamente distintos. A extradição caracteriza-se como “o ato pelo qual um Estado entrega um indivíduo, acusado de um delito ou já condenado como criminoso, à justiça de outro, que o reclama, e que é competente para julgá-lo e puni-lo”. Ou seja, é a entrega de um indivíduo por um Estado para a justiça de outro Estado. Já a entrega consiste na disponibilidade de um indivíduo por um Estado a uma Corte, independente, imparcial e com jurisdição internacional, para que lá seja processado e julgado. O Brasil, mesmo diante das aparentes incompatibilidades constitucionais constantes do Estatuto de Roma tornou-se o nonagésimo quarto signatário do Estatuto, o que significa dizer que o país está de acordo com o texto final do mesmo, e dispõe-se a submetê-lo a procedimentos internos que tenham por objetivo a cooperação do Brasil como Estado-Parte do Tribunal de Haia. Porém, para tanto será necessário vencer barreiras para que se chegue à conclusão de que o Estatuto de Roma não apresenta entraves à Constituição Federal Brasileira, quanto à aplicação da pena de prisão perpétua, ressalte-se, excepcionalmente pela Corte.

Apesar da divergência doutrinária existente a respeito da (in) constitucionalidade da entrega de um nacional ao TPI para o julgá-lo, a maior parte da doutrina não vê qualquer entrave à aplicação do estatuto no ordenamento pátrio brasileiro, concordando, inclusive, com a diferença estatuída pelo artigo 92 do ERTPI, o qual faz a diferença técnica entre o que seria a entrega também chamada de “surrender” e a extradição propriamente dita e em havendo concorrência entre eles, deve prevalecer a entrega.

Posto que a entrega da pessoa seja feita diretamente ao Tribunal Penal Internacional de que o Brasil é signatário e se comprometeu a cooperar, na forma do disposto no §4º, do artigo 5º, da CF/88, idêntico raciocínio deve ser perfilhado quanto à instituição da pena de prisão perpétua, visto não existir qualquer violação ou afronta a direitos fundamentais, até porque quando o Brasil incorporou o Estatuto de Roma ao seu ordenamento interno, o fez com a intenção de tutelar a dignidade da pessoa, o que estaria aqui ocorrendo nada mais é do que uma ponderação de princípios, e somente diante do caso concreto é que se poderá definir aquele que deverá prevalecer. Não se trata de antinomia de normas, quando se teria de fazer uso do tudo ou nada, ou é se válido ou não.

Complementando a exposição supra, preleciona Medeiros (2000 apud MAZZUOLI, 2004, p. 226):

A diferença fundamental “consiste em ser o Tribunal uma instituição criada para processar e julgar os crimes mais atrozes contra a dignidade humana de uma forma justa, independente e imparcial. Na condição de órgão internacional, que visa realizar o bem-estar da sociedade mundial, porque reprime crimes contra o próprio direito Internacional, a entrega do tribunal não pode ser comparada à extradição.” Portanto não se trata de entregar alguém para outro sujeito de Direito Internacional, de categoria igual a do Estado-parte, também dotado de soberania na ordem internacional, mas sim a um organismo internacional de que fazem parte vários Estados. Daí entendermos que o ato de entrega é aquele feito pelo Estado a um tribunal internacional, diferentemente da extradição, que é feita por um Estado a outro, a pedido deste, em plano de absoluta igualdade, [...]. A extradição envolve sempre dois Estados soberanos, sendo ato de cooperação entre ambos na repressão internacional de crimes, diferentemente do que o Estatuto de Roma chamou de entrega, onde a relação de cooperação se processa entre um Estado e o próprio Tribunal.

Pode-se notar perfeitamente que a entrega ocorre não para outro Estado que se encontra horizontalmente no mesmo plano de igualdade de soberania, não há que um subjugar-se aos preceitos do outro, mas diversamente é feita a um sujeito de direito internacional público que se encontra comprometido a agir de maneira imparcial e independente para atingir a JPI, da qual o Brasil é signatário e que por vontade própria resolveu aderir e se propôs em cooperação com os demais Estados-partes do ERTPI buscarem a implantação e aplicação eficaz de uma justiça penal internacional em favor de um bem estar social mundial que protegesse a dignidade da pessoa humana em primeiro plano.

Como pontua Mazzuoli (2004, p. 227) “O fundamento que existe para que as Constituições contemporâneas prevejam a não extradição de nacionais, está ligado ao fato de a justiça estrangeira poder ser injusta e julgar o nacional de outro Estado sem imparcialidade, [...]”.

Nota-se que a entrega do nacional com o escopo de que possa ser submetido a julgamento perante o TPI não deve ser confundido com o instituto da extradição, a qual, é veementemente proibida pela Constituição brasileira, de acordo o disposto no inciso LI, do artigo 5º da mesma, mas se trata na realidade de uma cooperação internacional e a soberania neste caso é apenas relativizada para atender à tutela de um bem jurídico importantíssimo a todo ser humano, e o que se encontra em jogo é a defesa da dignidade da pessoa humana, o Estado cede apenas certa margem desta soberania, a fim de que se possa atingir um bem estar da coletividade e erradicar do seio internacional a visão de impunidade, espantando aquele sentimento de insegurança e impunidade que rodeia as relações de trato internacionais entre os países, principalmente pós-globalização, em que há uma maior dependência de um Estado a outro, necessitando-se de uma legislação no plano internacional eficaz que venha a garantir a segurança jurídica às relações naquele cenário.

O aludido instituto de entrega, também chamado por alguns doutrinadores de surrender, é totalmente diverso do instituto da Extradição, esse sim, é vedado expressamente pela Carta política brasileira, visto que nesta a entrega se dá de um Estado soberano a outro, os quais se encontrariam horizontalmente no mesmo patamar de soberania. Frise-se ainda que o óbice à aplicação ao referido instituto existe justamente porque, quando da criação de cada Constituição, não há que se cogitar da vontade de um outro Estado sobre as normas constitucionais ali a serem estabelecidas, o que dificulta sua aplicação ou exigência além do território do Estado constituinte, sob pena de ferimento ao poder soberano do outro ente estatal.

Na entrega realizada pelo Brasil em conformidade com as normas estatuídas no Estatuto de Roma ao Tribunal Penal Internacional, não há qualquer violação ou ferimento ao direito individual de não extradição estabelecido pela Constituição brasileira de 1988 em seu artigo 5º, LI, assim como ao direito de não extradição de estrangeiros por motivos de crime político ou de opinião, conforme já consagrado no artigo 5º, LII, da Carta política brasileira de 1988. Resta comprovar a diferença entre a entrega de um nacional a um corte de jurisdição internacional, como o TPI, do qual o Brasil não só faz parte como ratificou sua adesão e se comprometeu em cumprir fielmente as suas disposições, e a entrega realizada a um tribunal estrangeiro, que é vedado pelo texto Constitucional nacional, cuja jurisdição se encontra afeta à soberania de outra nação estrangeira, que não a brasileira e da qual não houve qualquer participação e vontade para sua construção.

Além desta diferença técnica, ressalte-se ainda a existência de uma outra. Embora nos termos do ERTPI as regras internas dos Estados-partes continuem a ter validade, não será admitida qualquer escusa de não cooperação, sob o pretexto de que tais normas ferem ao ordenamento jurídico interno, posto que conforme já estabelecido pelo Estatuto, o Estado que não realizar a entrega do nacional quando emitida uma ordem de prisão, será tido como não colaborador, o que poderá lhe acarretar várias consequências. Segundo o referido diploma legal será instaurado um processo e submetido à apreciação da Assembleia de Estados-partes do TPI e até mesmo ao Conselho de Segurança da ONU, para que sejam adotadas as providências de enquadramento da conduta em relação ao Estado não colaborador, que já passara a não ficar bem visto perante a sociedade internacional. (MAZZUOLI, 2004).

A visão de Campos (2010, p. 7) acerca da adoção da prisão perpétua pelo TPI:

Mais uma problemática é a prisão perpétua, que é vedada pela Constituição Federal no seu art. 5º, XLVII, "b". E esta previsão pátria sequer pode ser alterada por emenda constitucional, ante a cláusula pétrea inserida no § 4º do artigo 60, IV da Carta Magna, que nos fala que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. No entanto, pode ser entendido que este conflito é aparente, uma vez que no Brasil há previsão de pena de morte, que é uma punição mais grave que a pena perpétua, presente ao art. 84, XIX. A jurisdição do TPI atua, nos termos do artigo 5º do Tratado de Roma, sobre os crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão. O que queremos demonstrar aqui é que uma decisão do Tribunal Penal Internacional será executada somente se houver interesse do Estado de entregar seu nacional. O TPI não pode exigir a entrega desse, pois não há hierarquia legítima internacional, ou seja, voltamos para a questão da anarquia internacional. Pode-se cumprir também se houver sanções econômicas ao Estado. Podemos exemplificar da seguinte forma: imaginemos que fosse do interesse dos Estados Unidos da América que al-Bashir fosse preso. Mesmo não tendo ratificado o Estatuto de Roma, ele poderia criar barreiras comerciais e econômicas ao Sudão para que o presidente desse país fosse entregue à corte. Desta forma, poderíamos ver a soberania de um Estado ser esmagada por interesses de outro Estado, ou seja, seria um Estado influenciando, mesmo que indiretamente, numa organização internacional, neste caso, o Tribunal Penal Internacional. O que queremos mostrar é que a distribuição de preferências entre os Estados vai gerar a possível cooperação. Não é apenas por força das normas internacionais ou tratados internacionais, ratificados ou não pelos Estados, que uma decisão ou promessa acontecerá de fato. Ou seja, sua eficiência dependerá necessariamente do nível de interesse dos Estados envolvidos.

Observa-se que a prisão perpétua está disciplinada no artigo 5º, XLVII, “b”, da CF/88, vedada expressamente a sua aplicação no ordenamento pátrio. Ocorre que a doutrina propugna que mesmo que seja para cumprir pena de caráter perpétuo na forma estabelecida pelo ERTPI não violaria dispositivo constitucional, visto que tal vedação foi instituída para ter aplicação no território brasileiro, o que no caso seria compatível com o mencionado diploma legal, posto que o cumprimento não se daria no solo brasileiro, podendo ser em qualquer outro que não estaria em confronto com a CF/88. Além do mais, o Brasil, ao realizar sua ratificação ao mencionado estatuto, comprometeu-se a cooperar na forma ali estatuída.

Assim descreve Silva (2002, p. 22):

[..]. Não se colocará em discussão a eficácia ou não da pena de caráter perpétuo nos limites do território brasileiro, mas sim os efeitos de sua aplicação pelo Tribunal Penal Internacional, diante da ratificação do Brasil ao Estatuto de Roma, uma vez que este, em seu art. 77, alínea b, prevê a aplicação da pena em questão. Diz a primeira parte de tal artigo: “1. O Tribunal poderá, observado o disposto no artigo 110, aplicar uma das seguintes penas ao réu culpado por um dos crimes previstos no artigo 5º do presente Estatuto: a) [...]; b) pena de prisão perpétua, quando justificada pela extrema gravidade do crime e pelas circunstâncias pessoais do condenado”. A questão no âmbito constitucional é polêmica e gera grandes divergências entre doutrinadores e estudiosos do assunto. Muitos, apesar de assumirem a enorme importância da criação do Tribunal Penal Internacional, acreditam que a ratificação do Brasil, sem reservas, como prevê o Estatuto de Roma aprovado em 1998 (Art.120. “Não se admitirão reservas ao presente Estatuto”), seria um afrontamento à lei maior do país, eivado de vícios e inconstitucionalidade, representando também um retrocesso no direito humanitário e penal brasileiro, apoiando a aplicação de penas abolidas e rejeitadas pela lei do país. Os argumentos contra a ratificação do país ao Estatuto de Roma se baseiam em quase sua totalidade na inconstitucionalidade do mesmo devido à aplicação da pena perpétua pela Corte, e consequente vedação Constitucional. Porém, para que se prove a constitucionalidade do referido Estatuto é preciso ter em mente que a criação deste Tribunal se deu com efetivo apoio nos direitos humanos e com a ativa participação de países interessados, inclusive o Brasil. Anos antes de 1998, quando, em Roma, foi definitivamente elaborado o Estatuto que regeria a Corte Criminal de Haia, o Brasil já participava das chamadas “Comissões Preparatórias para Estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional- PrepCom”. Nestas Comissões, a delegação brasileira buscou colocar em pauta a necessidade de que o futuro estatuto do Tribunal tivesse a mais ampla aceitação possível entre os países aderentes. O Brasil foi um dos países que enfatizou a importância e necessidade de que o Tribunal tivesse independência garantida diante do Conselho de Segurança das Nações Unidas, uma vez que os esforços seriam em vão se as investigações e processos do Tribunal pudessem ser paralisados por veto de qualquer um dos membros permanentes daquele Conselho. Diante disto, vê-se que o Brasil sempre esteve a par das negociações até a consequente criação e aprovação do Estatuto. Porém este, não podendo agradar a gregos e troianos, apresenta, aos olhos de muitos e somente à primeira vista para outros, incompatibilidades com a lei máxima do país. Questões, ao meu ver, de ordem muito mais burocrática, teórica e conservadora do que legal. Talvez as vozes que primam pela inconstitucionalidade da ratificação sem reservas, tenham se esquecido que a mesma Constituição que eles tanto temem que seja “afrontada” pelo Estatuo de Roma, prima primeiramente pela dignidade da pessoa humana, respeitando-se sempre, em primeiro lugar, os direitos humanos. É o que diz claramente o art. 1º, III, da Carta Magna: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de direito e tem como fundamentos: I- ... II- ... III- a dignidade da pessoa humana.” E o art. 4º, inciso II: “Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I- ... II- prevalência dos direitos humanos.” A Constituição prevê ainda, nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, no art. 7º, que, “o Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos”. O Tribunal de Haia nada mais é do que uma corte que tem por principal objetivo a proteção dos direitos humanos do homem e do cidadão em caráter permanente e em nível mundial. Como se vê, não se pode aceitar que questões de cunho meramente teóricos afastem o país de tão importante passo rumo a uma caminhada longa, porém não menos destinada ao sucesso, que conduza a uma justiça internacional eficaz.

O TPI surgiu como o ideário da humanidade no combate às atrocidades contra a dignidade humana. Seu espírito é de proteção à pessoa humana, a sua integridade no cenário mundial, além do que a sua origem se deu por vontade dos Estados-partes, inclusive, o Brasil, que já no ADCT, em seu artigo 7º propugnava a criação de uma corte internacional de jurisdição penal e sedimentou mais ainda tal intento quando, por intermédio da Emenda constitucional nº 45/2004 inseriu o § 4º ao artigo 5º, da Constituição brasileira, estabelecendo sua submissão ao Tribunal Penal Internacional, ainda que a vedação constante da CF/88 se refira ao seu cumprimento em território brasileiro, área de sua jurisdição e soberania. Ressalte-se, também, que só comportaria sua aplicação pela aquela corte em caso de extrema excepcionalidade e se tratando de casos de gravíssima natureza.

A pena de caráter perpétuo somente seria aplicada em casos extremamente graves e excepcionais e poderáo ser revista e consequentemente reduzida após o cumprimento de 25 anos da pena. Consoante preceitua a redação do art. 110, § 3º, do Estatuto de Roma. (SILVA, 2002).

Nas lições de Silva (2002, p. 29):

A norma constitucional impõe a proibição da aplicação da pena de prisão perpétua, porém seus princípios propugnam pela preservação dos direitos humanos, fundamento principal do Tribunal Penal Internacional [...[. Este entendimento encontra respaldo definitivo nos próprios julgamentos do Supremo Tribunal Federal, a Corte máxima do país. Mesmo na vigência da atual Constituição, o STF ordenou extradições para países que adotam a pena de prisão perpétua, não exigindo para tanto a conversão desta pena em outra. Entende também o Supremo ser esta lei dirigida somente ao legislador interno, não podendo o Brasil querer impor o mesmo regime de penas a outros países.Conclui-se, portanto que até mesmo a Corte Suprema do país admite que a proibição da pena de prisão perpétua imposta pelo art. 5º, XLVII, “b”, é dirigida somente ao legislador interno, nos limites territoriais do Brasil, não devendo e nem mesmo podendo ser imposta a outras jurisdições. Desta maneira não há que se falar em incompatibilidade entre o Estatuto de Roma e o texto constitucional. A pena em questão não seria aplicada e nem mesmo cumprida em território brasileiro, o que reforça ainda mais a falta de incompatibilidades entre o Estatuto e o texto constitucional.

O STF tem se manifestado em seus julgados favorável ao pedido de prisão perpétua formulada pelo TPI, visto que o cumprimento não seria aplicado e muito menos cumprida em solo pátrio, mas em outro Estado, diverso do brasileiro, segundo, ainda, o entendimento do Pretório Excelso não há que se cogitar de qualquer violação a preceitos fundamentais, porque as normas estatuídas na CF/88 são dirigidas ao legislador doméstico, não alcançam limites além da fronteira territorial. Portanto, não há qualquer conflito aparente entre as normas que regem o TPI e a CF/88.

Nessa mesma esteira de pensamento, pronuncia-se Medeiros (2000 apud MAZZUOLI, 2004, p. 228):

O Supremo Tribunal Federal não tem tido nenhum problema em autorizar extradições para países onde existe a pena de prisão perpétua, em relação aos crimes imputados aos extraditandos, mesmo quando o réu corre o risco efetivo de ser preso por esta modalidade de pena. Entende “o pretório excelso que a esfera da nossa lei penal é interna. Se somos, benevolentes com “nossos delinquentes”, isso só diz bem com os sentimentos dos brasileiros. Não podemos impor o mesmo tipo de “benevolência” aos Países estrangeiros”. Portanto, a interpretação mais correta a ser dada para o caso em comento é a de que a Constituição, quando prevê a vedação de pena de caráter perpétuo, está direcionando o seu comando tão-somente para o legislador interno brasileiro, não alcançando os legisladores estrangeiros e tampouco os legisladores internacionais que, a exemplo da comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, trabalham ruma à construção do sistema jurídico internacional.

Corroborando com o que foi mencionado no parágrafo anterior, o STF entende que não há qualquer vício na concessão da extradição para países que adotem a pena de prisão perpétua, tanto que aquela corte tem permitido a extradição de presos para países que aplicam a pena de prisão perpétua sem nenhuma ressalva, porque o texto normativo constitucional está direcionado ao ordenamento nacional, que tem aplicação interna e não é cabível que tal normativo seja aplicado aos ordenamentos de outros Estados ou mesmo à jurisdição da TPI.

Há diversos julgados prolatados em que Supremo Tribunal Federal autorizou a extradição para Estados que tem prevista em seus ordenamentos internos a pena de morte, com a condição de que houvesse a comutação desta pela de prisão perpétua. (MAZZUOLI, 2004).

Reforçando os entendimentos expressos acima, afirma Steiner (2000 apud MAZZUOLI, 2004, p. 228):

A pena de prisão perpétua – que não recebe a mesma ressalva constitucional conferida à pena de morte- não pode ser instituída dentro do Brasil, quer por meio de tratados internacionais, quer mediante emendas constitucionais, por se tratar de cláusula pétrea constitucional. Mas isso não obsta, de forma alguma, que a mesma pena possa ser instituída fora do nosso país, em tribunal permanente com jurisdição internacional, de que o Brasil é parte e em relação ao qual deve obediência, em prol do bem-estar da humanidade.

Observa-se que não será da competência da justiça brasileira a aplicação da pena de caráter perpétuo, quando tais delitos forem perpetrados em violentos flagrantes aos crimes tipificados e elencados no ERTPI, mas sim, será de competência daquela corte penal internacional, e desde que não seja cumprida em solo brasileiro, visto que o Brasil, ao ratificar o referido tratado, e em atenção ao principio da cooperação a que se obrigou daquele ato em diante, repassou parte de sua soberania para o TPI, no limite da complementaridade global estatuída no ERTPI, sendo este um órgão de jurisdição penal internacional, que atua com imparcialidade e em conjunto com o sistema das Nações Unidas em prol do alcance da JPI.

Em sentido diametral ao que vem sendo disposto a respeito do tema prisão perpétua, assim se manifesta Sgarbossa e Jensen (2006, p. 02):

A pena de prisão perpétua é apenas aparentemente menos gravosa do que a pena de morte. Pode até ser menos cruenta, menos selvagem, mais é tão cruel quanto a última. Ambas aniquilam o ser humano igualmente. Certamente causa ainda mais sofrimento do que a pena capital, pela sua continuidade, perenidade e pela ausência de perspectiva para o condenado. De se lembrar, inclusive, que, ao passo que nosso ordenamento prevê, ainda que excepcionalmente, uma reminiscência de pena de morte no direito militar, em tempo de guerra – CR, art. 5º, XLVII, "a", in fine, veda terminantemente e sem exceções a prisão perpétua – CR, art. 5º, XLVII, "b", o que poderia mesmo justificar uma interpretação juridicamente plausível de que esta última foi considerada, pelo Constituinte, ainda mais grave que a primeira, e que, se houvesse a possibilidade de exceção em relação à mesma, esta estaria prevista expressamente na Carta Política, como no caso da pena capital.

Em sentido contrário ao que até agora vinha sendo adotado em relação à colisão de tópico da prisão perpétua em face à CF/88, tem-se o pensamento de doutrinadores que adotam outra linha de raciocínio e que se posicionam totalmente contrários a alegação de que não exista qualquer violação a preceitos de ordem constitucional e fundamental, os quais vislumbram, ainda, que da mesma maneira como foi ressalvado no texto Constitucional, quanto ao instituto da pena de morte, se o legislador constituinte originário tivesse a mesma intenção de excepcional com relação à prisão perpétua, o tê-lo-ia feito expressamente, o que não ocorreu.

Defende Piovesan (2000, p. 73):

É lógico que a grande maioria vai negar a prisão perpétua, ninguém pode ser simpatizante ou defender esse tipo de pena; no entanto, nessa balança, tenho de optar, e esse conflito de valores deve ser solucionado à luz da condição, é essa pauta valorativa que nos vai orientar a detectar a racionalidade abraçada pelo sistema e a racionalidade da dignidade humana, essa é a alma do constitucionalismo de 1988. Portanto, com toda a convicção, entendo que a balança deve pesar em prol do direito à justiça, do combate à impunidade, quando se trata de crimes que afrontam a humanidade. Veja-se a questão da prisão perpétua – é uma hipótese da hipótese: a jurisdição nacional não funcionou, não foi capaz de responder ao conflito; a questão chega ao Tribunal Internacional Criminal permanente e esse, em vez de se valer da regra geral, que é a pena privativa de liberdade de trinta anos, poderá, excepcionalmente, valer-se desse tipo de pena. Portanto, penso que nessa balança – e por isso entendo que a análise deva ser feita nesse contexto, e não apenas enfocando a prisão perpétua como instituto – temos de avaliar esse contexto e dar essa dimensão mais ampla

Note-se que a maneira sensata de resolver tal impasse encontra-se na realização da ponderação de peso valorativo dos bens em conflito, de maneira que prevaleça aquele que contenha a maior carga valorativa e que atenda ao sentimento de justiça, de combate à impunidade e, sobretudo que vá ao encontro da tutela da dignidade humana. Há que concluir-se de acordo com o caso concreto, porque o TPI só aplicará tal pena em caso de graves violações.

Segundo Legrand (1999 apud BARREIROS, 2010, p. 11):

Se a um determinado país a pena de morte e a de prisão perpétua podem parecer normais, como ocorre em certas unidades dos Estados Unidos da América, por exemplo, há que se levar em consideração, por outro lado, que penas de tal natureza, assim gravosas, podem parecer abomináveis em outros Estados, como o Brasil e uma miríade de outros Estados latino-americanos, particularmente.

Na mesma linha de pensamento contrária ao adotado pela maior parte da doutrina brasileira a respeito do tema em comento, na qual se cogita que, o que pode parecer algo simplesmente banal para alguns Estados, como os que já aplicam tais penalidades, como os Estados Unidos da América (EUA), para outras nações que abominam tal manifestação, ante a sua gravosidade, como no Brasil e outros países latinos. Sendo esta bem mais subumana, que vai de encontro ao princípio da proteção à dignidade da pessoa humana, sem lhe dar qualquer condição de restabelecimento de uma vida nova e de poder ressocializar-se e retornar ao convívio social. Poder-se-ia até comparar com a própria pena de morte.

Preconiza Barreiros (2010, p. 11) acerca da relativização da coisa julgada:

Em certas situações, ainda que o Estado que exerça jurisdição sobre determinada causa já a tenha julgado, proferindo sentença condenatória ou absolutória, o Tribunal Penal Internacional pode invocar a competência para si. O estatuto prevê essa possibilidade nas situações em que o Tribunal entenda que o julgamento no país de origem tenha obedecido ao propósito de isentar o acusado de sua responsabilidade penal, ou nos casos em que a corte entenda que o processo no país de origem não tenha sido imparcial, ou ainda quando tenha se desenvolvido de acordo com as regras do devido processo legal, mas de tal forma que, nas circunstâncias, era incompatível com a intenção de efetivamente submeter o indivíduo em questão à ação da justiça. Note-se que, no Brasil, a coisa julgada tem amparo constitucional e define-se também como cláusula pétrea, uma vez que consta do rol de direitos e garantias fundamentais, sendo, portanto, inviolável. O texto da Constituição Federal diz que: Art. 5º[...] XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; [...] Nas hipóteses mencionadas, há indiscutível violação ao “dogma da coisa julgada interna, promovida, em última análise, no Brasil, pelo Supremo Tribunal Federal, pois prevê o Tratado de Roma o reexame de questões já decididas em último grau soberano”.

A doutrina preconiza que não há conflito com a CF/88, e que a atuação do TPI está em perfeita consonância com o princípio da complementaridade, o que ensejará a sua participação diante da ocorrência de alguma falha, inércia ou discrepância na atuação do Estado. Somente em o Estado deixando de exercer sua jurisdição de forma eficaz e responsável, sem denotar desídia ou qualquer outro tipo de falha que comprometa um julgamento justo ou, ainda, que sejam detectados vestígios de anormalidades quanto aos procedimentos processuais que possam levar a impunidade, maculando de sobremaneira o julgamento prolatado, poderá sim o TPI atuar, consoante autorização permissiva inserida no bojo do ERTPI e que esteja na esfera de jurisdição desta Corte.

Como bem acentua Mazzuoli (2011, p. 971):

[...]. A regra aqui é a da prevalência das decisões internas, excepcionada porém pelas hipóteses das alíneas a e b, do § 3º do art. 20, do Estatuto de Roma. Ou seja, a jurisdição do TPI é complementar as jurisdições penais dos Estados, como já se falou, mas isso não impede o tribunal de julgar um acusado (já julgado por um tribunal interno) quando o julgamento local tiver sido forjado para absolver o autor dos crimes definidos pelo Estatuto ou, então, quando a investigação e o processamento de um acusado não tenham sido conduzidos de forma independente ou imparcial, [...]. uma segunda questão que pode ser colocada diz respeito ao caso de o Tribunal poder reexaminar as questões já decididas em último grau pelas instâncias nacionais competentes, permissivo encontrado no art. 17 e seus parágrafos do Estatuto. Sem muita dificuldade de interpretação, pode-se dizer que é também um equivoco pensar que o Estatuto de Roma ofende a coisa julgada material (resguardada, no Brasil, em ultima instância, pelo Supremo tribunal Federal), [...].Neste caso, sem dúvida, a norma constitucional brasileira deve ceder perante a jurisdição do TPI nos mesmos termos em que a norma do inc. XLVII, alínea b, do art. 5º, da Constituição (proibição das penas de caráter perpetuo) cede frente a possibilidade de prisão perpétua prevista pelo Estatuto de Roma de 1998.

Como regra geral, o trânsito em julgado de uma sentença proferida pelo tribunal interno cessa automaticamente a competência do TPI, sob pena de ferimento do principio do ne bis in idem, consoante disposto no artigo 20, 3, do ERTPI, ou seja, a regra é a prevalência das decisões internas, excetuando-se a ocorrência das situações enumeradas no aludido artigo.

Portanto, para que haja a interferência do TPI nos julgados proferidos em cada ordenamento doméstico, faz se necessário que a atuação estatal tenha deixado a desejar, tenha feito uso de mecanismo ardiloso para absolver o réu, isentando de sua responsabilidade penal ou até mesmo não tenha adotado as precauções necessárias para que a decisão proferida fosse totalmente imparcial, justa e não tenha havido qualquer tipo de interferência externa que prejudique sua independência. Idêntico tratamento deve ser adotado no tocante à análise da coisa julgada com o intuito de forjar, pois em atenção ao princípio da complementaridade, só cabe à intervenção do TPI nas situações mencionadas acima, no que se refere às decisões proferidas pela corte máxima do Estado brasileiro e, em consonância com a permissibilidade insculpida no artigo 17 e seus parágrafos do ERTPI, não há que se cogitar de qualquer irregularidade, pois o Brasil se submeteu à jurisdição desta Corte Penal Internacional.

Afirma Barreiros (2010, p. 13) sob a imprescritibilidade dos crimes tipificados nos Estatuto de Roma:

Essa previsão contida no Estatuto de Roma não se amolda à Constituição Brasileira, segundo a qual são imprescritíveis apenas os crimes de racismo e os crimes de grupos armados, civis ou militares, cometidos contra a ordem constitucional e o Estado democrático. Essa previsão consta do art. 5º, XLII e XLIV: Art. 5º [...] XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; [...] XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; No Brasil, a esses crimes, e somente a eles, “se aplicam os efeitos da imprescritibilidade. São cláusulas pétreas, não podendo ser removidas nem modificadas, ingressando no ordenamento jurídico como desvios da evolução histórica dos próprios direitos humanos”. O Tribunal Penal Internacional, ao determinar a imprescritibilidade como princípio, a despeito da gravidade das condutas puníveis, adotou um posicionamento contrário ao processo de evolução do Direito Penal. Esse princípio passou a integrar os sistemas jurídicos dos países signatários e, no caso do Brasil, teve inclusive como resultado o aumento do rol de crimes imprescritíveis previstos constitucionalmente, algo que é, no mínimo, discutível.

Vê-se que a CF/88 têm em seu bojo apenas duas exceções à aplicação do princípio da imprescritibilidade penal no ordenamento, as quais se encontram insculpidas no art. 5º, incisos XLII e XLIV, em que o ERTPI instituiu como imprescritíveis o rol de crimes que ele elenca como de jurisdição do TPI, de modo que os Estados-partes tenham que observar e cumprir, visto que se obrigaram a cooperar com a corte penal internacional na sua atuação, visando atingir a JPI, sob pena de que, não o fazendo ou contrariando tal dispositivo, estarão dificultando a implementação desta corte e concomitantemente o alcance de seus objetivos, logo deverão responder por responsabilidade internacional a que estavam obrigadas a cumprir e não o fizerem ou se esquivaram.

Acerca da imprescritibilidade de crimes, assim se pronuncia Bahia (2003 apud TOMAZ, 2004, p. 45):

Deve-se considerar que a previsão restrita quanto à imprescritibilidade não pode significar que este rol não possa ser alargado, seja pro lei ordinária seja pro tratado internacional, pois tanto garante os direitos fundamentais individuais à previsão de prescritibilidade (em relação ao autor do delito) quanto à de imprescritibilidade (em relação à vitima e à sociedade). A figura de imprescritibilidade apenas para os crimes de racismo e os relativos à ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático, parece significar apenas mais uma daquelas normas formalmente constitucionais, mas que materialmente não são.

Surge novamente à questão de fazer uso da ponderação de princípios ante a colisão de conflitos entre eles, quando se afastará um para atender a outro, mas só poderá ser determinada esta valoração de princípios em colisão em face do caso concreto, quando após análise será determinado qual deles deve preponderar naquele momento e para aquela situação. Portanto, não há que se cogitar de violação à CF/88 ante a norma do ERTPI que garante a imprescritibilidade ao rol de crimes ali elencados e sendo da competência do TPI e, em se encontrando diante desta situação, deve existir uma ponderação quanto a sua aplicabilidade, porque a Constituição brasileira elegeu apenas as situações descritas nos incisos XLII e XLIV, do artigo 5º, da CF/88 como aplicáveis ao princípio da imprescritibilidade, se os crimes que atentam contra a dignidade humana como estes especificados no ERTPI encontram-se alçados no mesmo patamar, são normas constitucionais e de direito fundamentais de tutela à vida, bem jurídico de maior expressão e valor para sociedade, seja ela doméstica, seja mundial.

Quanto à imunidade de prerrogativa de função e foro, assim se manifesta Mazzuoli (2004, p. 229):

Os crimes de competência do TPI – crime de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão -, por sua vez, são quase sempre perpetrados por indivíduos que se escondem atrás dos privilégios e imunidades que lhes conferem os seus ordenamentos jurídicos internos. Levando em conta tais circunstâncias, o Estatuto de Roma pretendeu estabelecer de regra clara a esse respeito, e assim o fez no seu art. 27, que trata da irrelevância da qualidade oficial daqueles que cometem os crimes por ele definidos, segundo o qual: “1. O presente Estatuto será aplicável de forma igual a todas as pessoas sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de funcionário público, em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal nos termos do presente Estatuto, nem constituirá de per se motivo de redução da pena. 2. As imunidade ou normas de procedimentos especiais decorrentes da qualidade de oficial de uma pessoa, nos termos do direito interno ou do direito internacional não deverão obstar a que o tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa. [...]. O Estatuto elide qualquer possibilidade de invocação da imunidade de jurisdição contra a humanidade, genocídio, crimes de guerra ou de agressão. Assim, de acordo com a sistemática do Direito Internacional Penal, nãopodem os genocidas e os responsáveis pelos piores crimes cometidos contra a humanidade acobertar-se pela prerrogativas de foro, pelo fato de que exerciam uma função pública ou de liderança à época do delito.

Não merece prosperar tal regalia, o que só vem acobertar maus feitos por pessoas que sobre o manto das prerrogativas advindas da atuação diplomática, passam a violar regramentos e normas, pois sabem que não seriam alcançadas, ou seja, são intocáveis por determinação legal e, portanto, estariam impunes. O ERTPI veio acabar com tamanha disparidade de direito, igualando todas as pessoas, trazendo-as para um mesmo nível de responsabilidade, não admitindo nenhum tipo de medida que possa isentar alguém em detrimentos dos demais, nem mesmo pelo exercício de altas funções de Estado. Esse órgão colocou como elemento primordial e acima de tudo o dever de respeito à dignidade da pessoa humana o tolhimento de qualquer mecanismo que venha proteger quem cometer algum dos delitos elencados naquele estatuto. Vê-se aqui a aplicação do princípio da isonomia pura, sem restrições algumas, de forma a banir qualquer alegação de que a justiça só alcança e pune quem não tem influência, seja de ordem política ou econômica.

Na ótica de Rezek (2000 apud TOMAZ, 2004, p. 46), quanto ao rompimento do regime de imunidades e prerrogativas de foro:

A ideologia do Tribunal Penal Internacional tem a ver com a idéia de evitar a impunidade mais grosseira e chocante de todas as possíveis; a impunidade de crimes que se cometem contra direitos humanos elementares; contra a paz dos povos; contra nações; contra comunidades raciais; ou por algum outro móvel reunidas. Essa ideologia leva em consideração a circunstância particular de que esses crimes, em larga medida, são cometidos à sombra da autoridade do Estado, ao beneficio temporário da função pública, às vezes no mais alto nível.

Este pensamento vem ao encontro de tudo o que foi dito no parágrafo anterior, a missão do TPI é justamente de isonomia, de eliminar qualquer tipo de privilégio que possa retirar ou influenciar a sua atuação, de maneira a eximir determinadas pessoas da responsabilidade penal em detrimento de um título que o coloca em nível superior aos demais. Portanto, observa-se que não deve existir qualquer diferença no trato entre as pessoas, sob pena de ter que presenciar situações idênticas as ocorridas no holocausto de Hitler. Por tudo isto, o TPI vem com o objetivo de estabelecer uma justiça digna e justa a tudo que o compõe e habita este planeta, sempre apoiado na primazia da pessoa humana.

Eis a concepção de Mazzuoli (2004, p. 230) acerca da (in) constitucionalidade das normas do TPI frente à Constituição Brasileira:

Quanto à nossa Constituição, ela está perfeitamente apta a operar com o direito internacional dos direitos humanos e com o direito internacional humanitário, não havendo que se falar em conflito entre as disposições do Estatuto de Roma e o texto constitucional brasileiro, consoante a cláusula de recepção imediata dos tratados internacionais de direitos humanos insculpida no § 2º de seu art. 5º, bem como os princípios de direitos humanos consagrados pela Constituição brasileira, em especial o principio da “prevalência dos direitos humanos”, constante de seu art. 4º, II. Não há que se cogitar, portanto, de eventual inconstitucionalidade intrínseca do Estatuto de Roma de 1998 em relação a Constituição brasileira de 1988.  ´

A maior parte da doutrina brasileira comunga do entendimento de que não há conflito das normas do ERTPI em face da CF/88, porque o Brasil participou desde início da criação deste tribunal, inclusive, por meio da EC nº 45/2004, que acrescentou ao bojo da CF/88, em seu art. 5º, o § 4º, no qual afirma a sua submissão ao TPI, elevando ao status de norma constitucional e, em havendo qualquer tipo de colisão, deve-se resolver com base na ponderação de valores, que o TPI está carregado na sua essência do princípio da dignidade humana, sendo este o seu desiderato principal a ser defendido a fim de que se possa no futuro ter uma justiça penal internacional justa e global.

3.2. A ANÁLISE DISTINTIVA DA EFICÁCIA DAS DECISÕES PROLATADAS PELO TPI VERSUS AS DECISÕES ESTRANGEIRAS NO ÂMBITO DO ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO

Este subtópico terá como escopo realizar uma análise a respeito da eficácia das sentenças que venham a serem prolatadas pelos tribunais internacionais em contraponto com as decisões proferidas pelos tribunais de outro Estado, também denominada pela melhor doutrina de sentenças estrangeiras. Haveria alguma diferenciação entre elas, teriam ambas de passar pelo crivo do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para poder ter validade e assim produzir seus reais efeitos no ordenamento interno brasileiro, ou seja, é obrigatória a homologação para que possam vigorar.

Consoante entendimento de Mazzuoli (2011, p. 99): “O problema está ligado à regra insculpida no art. 105, I, i, da Constituição brasileira de 1988, segundo a qual compete ao Superior Tribunal de Justiça a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias”.

Inicialmente é necessário pontuar, que anteriormente à edição da EC n. 45/2004, tal prerrogativa assistia ao Supremo Tribunal Federal (STF), guardiã da CF/88 de homologar ou não as referidas sentenças estrangeiras, de acordo a redação do art. 102, I, h, da CF/88. Nota-se que, no caso em tela, o STJ está se reportando à sentença proferida por outro Estado Nacional o que difere substancialmente da sentença prolatada por uma corte internacional, até mesmo se for comparado na sua amplitude e efeitos, visto tratar-se de uma decisão que poderá ser afeta a mais de um Estado.

Portanto,está evidenciado não assistir ao STJ competência para atuar ou manifestar-se sobre as decisões proferidas no cenário internacional ante a falta de dispositivo constitucional e legal autorizativo, ainda que seja sobre decisões interlocutórias ensejadas durante o andamento processual do processo internacional.

Continuando seu raciocínio, preleciona Mazzuoli (2011, p. 99):

O Superior Tribunal de Justiça não tem competência constitucional para homologar as sentenças provenientes de tribunais internacionais, que têm jurisdição sobre o nosso país, como é o caso do Tribunal Penal Internacional. Sentenças proferidas por “tribunais internacionais” não se enquadram na roupagem de “sentenças estrangeiras” a que se referem os dispositivos citados da Constituição de 1988 e do CPC. Por sentença estrangeira deve se entender aquela proferida por um tribunal afeto à soberania de determinado Estado, e não a emanada de um tribunal internacional que tem jurisdição sobre os Estados.

Percebe-se que há uma diferenciação acentuada entre sentenças estrangeiras e sentenças proferidas por um tribunal internacional, enquanto a primeira encontra-se adstrita à soberania do Estado prolator da decisão, a segunda, de forma inversa, não se encontra presa à dimensão de nenhum país, mas pelo contrário tem jurisdição sobre estes, visto que o DI tem sua atuação no âmbito internacional, buscando regular as relações ali existentes, de forma diversa da ordem interna de cada país que só tem jurisdição naquele território e em caso específico, como sentença que tenha que transcender sua fronteira, tem como requisito para sua validade que haja uma homologação por parte do Estado soberano em que queira ver aplicada sua decisão.

Informa, ainda, Mazzuoli (2011, p. 102) que “O próprio Supremo Tribunal Federal, quando era competente para a homologação de sentenças estrangeiras [...], já tinha se manifestado no sentido de que a enumeração de sua competência constitucional é numerus clausus e não pode ser ampliada”.

Já existe um pronunciamento jurisprudencial sobre o tema em apreço, e não menos proferido pelo guardiã da Constituição Brasileira, o STF, tido como a última instância do país e responsável por declarar a (in) constitucionalidade de normas infraconstitucionais perante a constituição nacional. Observa-se que anteriormente a promulgação da EC nº 45/2004, quando este era constitucionalmente competente para pronunciar quanto à validade das sentenças estrangeiras, manifestou-se esta Corte por sua incompetência, por serem taxativas as competências enumeradas pela Constituição e que não poderá haver uma extensão da amplitude desta competência por falta de amparo legal.

Diante das razões supradescritas, pode-se inferir que falta ao STJ competência constitucional para se manifestar e decidir sobre as matérias atinentes a decisões ou sentenças proferidas no plano internacional.

Nas lições de Magalhães (2000 apud MAZZUOLI, 2011, p. 896):

Um dos internacionalistas brasileiros que têm manifestado expressamente esse entendimento é José Carlos Magalhães, que assim leciona “É conveniente acentuar que a sentença internacional, embora possa revestir-se do caráter de sentença estrangeira, por não provir de autoridade judiciária nacional, com aquela nem sempre se confunde. Sentença internacional consiste em ato judicial emanado de órgão judiciário internacional de que o Estado faz parte, seja porque aceitou sua jurisdição obrigatória, como é o caso da Corte Interamericana de Direitos Humanos, seja porque, em acordo especial, concordou em submeter a solução de determinada controvérsia a um organismo internacional, como a Corte Internacional de Justiça. O mesmo pode-se dizer da submissão de um litígio a um juízo arbitral internacional, mediante compromisso arbitral, conferindo jurisdição especifica para a autoridade nomeada decidir a controvérsia. Em ambos os caso, a submissão do Estado à jurisdição da Corte Internacional ou do juízo arbitral é facultativa. Pode aceitá-la ou não. Mas, se aceitou, mediante declaração formal, como se verifica com a autorizada pelo Decreto Legislativo nº 89, de 1998, o País está obrigado a dar cumprimento à decisão que vier a ser proferida. Se não o fizer, estará descumprindo obrigação de caráter internacional e,assim, sujeito a sanções que a comunidade internacional houver por bem aplicar”. E conclui o citado professor: “Tal sentença, portanto, não depende de homologação do Supremo Tribunal Federal [entenda-se, hoje, como Superior Tribunal de Justiça], até mesmo porque pode ser sido esse Poder o violador dos direitos humanos, cuja reparação foi determinada. Não se trata, nesse caso, de sentença inter alios estranha ao país. Sendo parte, cabe cumpri-la, como faria com decisão de seu Poder judiciário.”

O Estado-parte deve dar cumprimento imediato às sentenças internacionais, já que este assume o compromisso quando, de alguma forma aderiu ou submeteu-se a jurisdição daquela corte internacional. Veja-se que houve a manifestação volitiva em obrigar-se a cumprir qualquer decisão exarada no âmbito daquela corte internacional, não havendo por que não fazê-la, sob pena de estar descumprindo obrigação, sem nenhum motivo justo para tal, e não o fazendo estará sujeita às penalidades cabíveis pelo descumprimento obrigacional de ordem internacional a que se submeteu, inclusive, à abertura de procedimento de caráter contencioso para apuração dos fatos e aplicação da pena comportável ao caso pelo descumprimento da obrigação.

Na mesma esteira de conhecimento, pontua Mazzuoli (2011, p. 897) quanto à aplicabilidade da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH): “em suma, as sentenças da Corte Interamericana, pelo teor do art. 68, 1, da Convenção Americana, têm eficácia imediata na ordem jurídica interna, devendo ser cumprida de plano (sponte sua) pelas autoridades do Estado condenado”.

É obrigatório o cumprimento da sentença prolatada pela CIDH e que nenhum Estado-parte poderá deixar de fazê-la, estando insculpido no artigo 68, parágrafo 1º da referida Convenção de Direitos Humanos que o Estado-parte deverá cumprir todas as decisões em que fizer parte, ou seja, a que tiver aderido, não havendo que prosperar qualquer alegação que tente eximir o Estado do cumprimento do referido Estatuto, nem mesmo sob a ótica de que há incompatibilidade com as normas da sua Constituição, porque, quando da adesão o Estado, comprometeu-se a adequar suas normas internas em conformidade com preceitos do mencionado diploma legal.

A primeira sentença de violação aos direitos humanos, pessoa portadora de deficiência mental, prolatada pelo CIDH em 4 de julho de 2006 e contra o Brasil que sofreu sua primeira condenação por violação aos direitos humanos sob a tutela da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, foi no caso do cidadão brasileiro Damião Ximenes Lopes, originado pela Demanda nº 12.237, protocolada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com sede em Washington/EUA, junto a CIDH, com sede em San José, na Costa rica, em 1º de outubro de 2004. O objeto do caso foi a morte desse brasileiro que sofria de deficiência mental e encontrava-se sob a custódia da Casa de Repouso Guararapes, localizada no município de Sobral-CE, para tratamento psiquiátrico. Nesse período sofreu maus tratos e tortura por parte de funcionários daquela instituição. Por não ter realizado a investigação devida e tampouco punido os responsáveis, e incidido na violação de quatro artigos: 4º (direito à vida), 5º (direito à integridade física), 8º (garantias judiciais) e 25º (direito à proteção judicial), o Brasil foi condenado à obrigação de realizar programa de capacitação para os profissionais da área de atendimento psiquiátrico, de investigar os responsáveis pela morte da vitima, além de efetivar o pagamento no importe total de US$ 146 mil, no prazo de 1 ano, a título de indenização por danos materiais e imateriais em favor dos familiares da vítima. (MAZZUOLI, 2011).

Com o fito de apontar uma direção para solução do conflito supramencionado, pronuncia-se o mestre Mazzuoli (2011, p. 900) acerca da adoção de regulamentação por parte do governo brasileiro no trato do assunto em comento:

O certo é que ainda não há norma no direito brasileiro que obrigue ao pagamento preferencial de indenização ordenada pela Corte interamericana. O que existe de concreto nesse sentido é tão somente um Projeto de Lei n. 4.667/2004 em tramitação na Câmara dos Deputados que, se aprovado, obrigará a União a pagar às vitimas as indenizações devidas. Assim, nos termos do art. 1º do Projeto, as “decisões dos Organismos Internacionais de Proteção aos Direitos Humanos cuja competência for reconhecida pelo Estado brasileiro produzirão efeitos jurídicos imediatos no âmbito do ordenamento interno”. Segundo o art. 2º do mesmo Projeto: “Caberá ao ente federado responsável pela violação dos direitos humanos o cumprimento da obrigação de reparação às vitimas dela”, complementando o parágrafo único que “para evitar o descumprimento da obrigação de caráter pecuniário, caberá à União proceder à reparação devida, permanecendo a obrigação originária do ente violador”. Por fim, o art. 3º dispõe que a União “ajuizará ação regressiva contra as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis direta ou indiretamente pelos atos que ensejaram a decisão de caráter pecuniário”. Esta redação foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 12 de agosto de 2010, podendo sofrer alterações no Senado Federal.

Apesar da falta de um normativo legal no ordenamento estatal brasileiro que obrigue o cumprimento de pagamento de indenizações proferidas por corte de justiça internacional, encontra-se tramitando no Congresso Nacional Projeto de Lei nº 4.667/2004 com o fito de regulamentar tal procedimento, inclusive já tendo sua redação aprovada pela Câmara de Deputados, devendo passar ainda pelo crivo do Senado Federal. Apesar disso, o Brasil, dando cumprimento à obrigação que lhe foi imputada por desrespeito à norma internacional e seguindo o que determina o § 1º do artigo 68 da Convenção Interamericana, procedeu ao pagamento da respectiva indenização, em cumprimento imediato da sentença citada no parágrafo antecedente, o que fez por meio do Decreto n. 6.185, de 13 de agosto de 2007.

Preconiza Mazzuoli (2011, p. 103) sobre a postura adotada pelo Brasil quanto à execução das decisões proferidas pelo TPI:

Uma vez proferida determinada decisão internacional pelo TPI, e tendo esta exigido uma atuação positiva do Estado para sua efetiva realização, caberá ao Poder Judiciário estatal zelar pela sua plena eficácia, a exemplo do que ocorre na ordem de prisão de um acusado de cometimento de crime de competência do Tribunal e sua posterior entrega à Corte para fins de julgamento. Tal decisão, proveniente do TPI, deverá ser processada, internamente, por meio de mecanismos que o Estado, em relação ao qual a ordem foi proferida, colocar à disposição do seu sistema judiciário. Cabe ao Estado, portanto, a faculdade de escolher os meios técnicos de implementação das decisões da Corte Penal Internacional no âmbito do seu direito interno, sob pena de, se não o fizer, incorrer em responsabilidade internacional. Daí entender-se que as decisões provenientes de tribunais internacionais são juridicamente obrigatórias, mas não são autoaplicáveis. Esta aplicabilidade da decisão internacional no direito interno estatal far-se-á por meio de leis nacionais de implementação (as chamadas enabling legislations), onde fique bem estabelecido o modo pelo qual o Judiciário estatal deverá atuar para dar cumprimento à decisão do tribunal.

Percebe-se que as decisões prolatadas pelo TPI, apesar de terem juridicamente observância obrigatória, as mesmas não gozam de autoaplicabilidade, ou seja, cabe ao Estado brasileiro por intermédio de instrumentos por ele escolhidos adotar as providências necessárias para que seja cumprida a decisão exarada pela corte penal internacional, não podendo o ordenamento pátrio se furtar a descumprir tal determinação, sob pena de responsabilização internacional. É dever do ordenamento estatal cumprir obrigatoriamente as decisões emanadas daquela corte penal, apenas será facultada a escolha dos meios a ser utilizados para sua aplicação e cumprimento.

Nas lições de Mazzuoli (2011, p. 103) o processamento das decisões será realizado no território brasileiro “pelo Juiz Federal de primeira instância do domicilio do acusado, nos termos do disposto no art. 109, III, da Constituição, [...] processar e julgar as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional“.

Em conformidade com a prescrição legal do art. 109, III, da CF/88, os cumprimentos das decisões emanadas do TPI deverão ser procedidas pelo Juiz Federal do domicílio do réu. Há que se observar que da mesma maneira como se procede nas causas cíveis, nos domicílios dos réus em que não haja instalada a justiça federal, a competência será exercida pelo juiz de direito da comarca em que reside o réu.

Complementando a exposição supratranscrita, pronuncia-se Mazzuoli (2011, p. 103) “Ao Ministério Público Federal caberá à provocação do juiz para implementação interna da decisão internacional, quando isto se fizer necessário”.

Nota-se que esta atribuição invocada ao Ministério Público encontra-se respaldada e em perfeita sintonia com a dicção dos artigos 127 e seguintes que compõem a Seção I – do Ministério Público, da CF/88, em que elenca diversas atribuições a este órgão dentre as quais a de zelar pela proteção dos direitos humanos, missão esta de que se encontra imbuído o TPI.

3.3. SINTESE DO PRIMEIRO JULGAMENTO PROFERIDO PELO TPI E SUAS REPERCURSSÕES NO CENÁRIO MUNDIAL

O caso que será fruto do presente estudo trata-se do julgamento do ex-chefe de milícia da República Democrática de Congo (RDC), o Sr. Thomas Lubanga Dyilo, que ocorreu em 14 de março de 2012, no qual foi considerado culpado pelos crimes de recrutar e utilizar crianças para atuarem como soldados durante a guerra na República Democrática de Congo, no período de 2002 a 2003, cuja sentença só foi prolatada em 10 de julho de 2012, quando após a realização da dosimetria da pena, o tribunal chegou à pena de 14 anos de reclusão.

Tendo o presente estudo o desiderato de delinear todos os elementos necessários à compreensão do caso, desde as causas que lhe deram origem, os motivos da sua acusação, além do desenrolar de toda esta relação processual até a cominação final com a decisão que agora se reporta, este é um marco por se tratar do primeiro julgamento proferido por esta corte penal internacional, que tem como objetivo a promoção da justiça penal internacional em prol da tutela da dignidade humana.

Quanto aos fatores determinantes que originaram o presente conflito que culminou com a condenação do Sr. Thomas Lubanga, assim se reporta o Observatório (2012, p.01):

A República Democrática do Congo possui 450 diferentes grupos étnicos. A província de Ituri, por si só, possui 18 diferentes grupos étnicos, incluindo os Hema e os Lendu. Desde a colonização belga, as etnias Hema e Lendu tiveram suas diferenças acentuadas, sendo os primeiros favorecidos. Mesmo após a independência da RDC, os Hema permaneceram como a elite congolense e como proprietários de terras. Poderosos Hema transportavam recursos de Ituri para Uganda, sem necessidade de pagamento de taxas de importação. Entre 1998 e 1999, alguns Hema tentaram retirar, por meio do uso de força, habitantes Lendu das terras destes. Como consequência de tais tensões, iniciou-se um confronto armado que gradualmente, espalhou-se por Ituri e transformou-se em conflito entre as etnias Lendu e Hema. A Força Armada Nacional de Uganda (Forças de Defesa do Povo de Uganda – FDPU) envolveu-se no conflito, inicialmente a favor dos proprietários de terra de etnia Hema. Os Lendu criaram forças de defesa, e tais milícias passaram a atacar vilas Hema. Tais forças de defesa contavam com o apoio de certos oficiais de Uganda, do governo congolês e de outros movimentos rebeldes. Por sua vez os Hema criaram comitês de defesa. Em 1999, o grupo com controle nominal em Ituri, [...],dividiu-se no RCD-G, apoiado por Ruanda, e no RCD-ML, apoiado por Uganda. [...], as Forças de Defesa do Povo da Uganda transformaram Ituri em uma nova província chamada Kibali-Ituri, e nomearam um ativista Hema como seu governador provisório. A partir de então, o conflito acentuo-se, [...], em setembro de 2000, o grupo rebelde Union dês Patriotes Congolais (UPC), do qual Thomas Lubanga Dyilon era membro–fundador e Presidente desde a sua criação. Esse grupo possuía, como braço armado, a Force Patriotique pour la Libération du Congo (FPLC). [...]. Em setembro de 2002, a UPC/FPLC detinha o controle de Ituri. Em outubro de 2002, Thomas Lubanga Dyilon escreveu uma carta ao nacional do controle estabelecido na província.

Percebe-se que o estopim que desencadeou tal movimento tem sua origem em disputa étnica, onde dois grupos congolenses os Hema de um lado e os Lendu,  do outro desde a colonização daquele país pelos Belgas, já existia uma rixa entre eles, sendo que os primeiros foram privilegiados e eram tidos como a classe de elite, detentora de propriedades e terras e comercializavam produtos de Ituri com Uganda sem pagar taxas de importação, tendo se iniciado quando os Hema tentaram retirar a força da terra Lendu, gerando um conflito entre estes grupos étnicos, onde os Hema encontraram apoio de Uganda, enquanto os Lendu montaram um grupo de defesa que encontrou apoio no governo congolês, em oficiais de Uganda e de outros movimentos rebeldes. Depois de tanto combate, a província de Ituri foi dominada pelos rebeldes que apoiavam o grupo étnico de Hema.

O recrutamento que perdurou cincos anos, terminou em 2003, deixando um saldo de 60 mil mortos nos conflitos ocorridos entre os povos de Lendu, que disputavam o controle das minas de ouro na região, e Hema, na região de Ituri da RDC, na fronteira com a Uganda ao leste e com o Sudão ao norte. Thomas Lubanga liderava a União dos Congolenses Patriotas (UPC), grupo político comandado por seu braço armado, as Forças Patrióticas pela Libertação do Congo (FPLC).

De acordo com Ambos (2011, p. 94), acerca do início da acusação a Thomas Lubanga:

Thomas Lubanga Dyilo está sendo acusado pela promotoria da Corte Penal Internacional (CPI), de ter cometido Crimes de Guerra na variante do compromisso forçado (Item de Acusação 1) e do Alistamento Militar (Item de Acusação 2) de crianças menores de quinze anos em grupos armados, bem como de seu engajamento ativo (Item de Acusação 3) em hostilidades consoante o Artigo 8 Parágrafo 2 (e) (vii) do Estatuto da CPI1,2. Em conformidade com o libelo isto ocorreu por ocasião de um conflito não-internacional3, a saber, na região de Ituri da Republica Democrática do Congo (RDC), fronteira com a Uganda ao leste e com o Sudão ao norte. Consequentemente, consoante o Artigo 25 Parágrafo 3 (a), ele foi acusado dos crimes supramencionados juntamente com outros comandantes das FLPC e Membros, respectivamente Partidários da UPC.

O termo inicial que culminou com a acusação de Thomas Lubanga partiu do governo congolês ao encaminhar pedido à Procuradoria do TPI para que procedessem as investigações necessárias a fim de pedir o seu julgamento pelas atrocidades que vinha cometendo. A Procuradoria acolheu o pedido e deu inicio aos seus trabalhos investigativos na coleta de provas que fossem suficientes para embasar o pedido de acusação a ser formulado junto ao tribunal, pois só assim poderia interpor um pedido formal de acusação criminal para julgar o Sr. Thomas Lubanga por crime tipificado, como sendo de guerra, diante da gravidade do delito, o que estaria sob a jurisdição daquela corte penal internacional. A acusação foi dirigida para à Câmara de Julgamento Preliminar, responsável pela apuração e constatação das evidências que incriminavam o acusado, ou seja, ali se verifica o juízo de admissibilidade e só então procede-se ao recebimento formal da acusação. O TPI divide-se em três Câmaras: Câmara de Julgamento Preliminar, Câmara de Primeira Instância e Câmara de Apelação.

Segundo o Observatório (2012, p. 02):

A procuradoria do TPI acusou Thomas Luganda Dyilo de ser co-perpetrador do crime de guerra de recrutamento e alistamento de crianças menores de 15 anos de idade visando sua participação nas hostilidades que ocorriam em Ituri. As principais alegações de fatos contra Thomas Lubanga Dyilo iniciaram-se em 15 de setembro de 2002, quando o acusado tornou-se Presidente da Union dês patriotes Congolais (UPC). Afirma-se que ele ocupou tal posição em todos os movimentos desde a criação do grupo.

Pontue-se, ainda, que a acusação formal contra o mesmo foi proposta pela Procuradoria da Corte Penal Internacional (PCPI), na pessoa de seu procurador, o Sr. Luís Moreno-Ocampo, que em setembro de 2002, protocolou junto ao TPI a respectiva peça acusatória, sob o fundamento de violação à integridade física e moral de crianças, ou seja, por recrutar e alistar crianças menores de 15 anos como soldados, obrigando os meninos a participar da sua milícia em conflitos armados, assim como usá-los como guarda-costas e submetê-los às atividades domésticas, enquanto as meninas eram obrigadas a servir os comandantes como escravas sexuais.

Quanto ao histórico processual assim se manifesta Ambos (2011, p. 94):

O Histórico Processual apresenta a seguinte sequencia: no dia 5 de julho de 2004 a situação da RDC foi submetida à Antecâmara processual. No dia 10 de fevereiro de 2006 foi expedida uma ordem de prisão contra Thomas Lubanga Dyilo, com que no dia 16/17 de março de 2006 ele foi transferido para a CPI. No dia 20 de março de 2006, Lubanga Dyilo foi convocado pela primeira vez à Corte para tomar conhecimento dos objetos principais de acusação e para ser esclarecido sobre os seus direitos. A Câmara de Julgamento estabeleceu que o crime de alistar e recrutar crinaças menores de 15 anos de idade é cometido no momento em que crianças menores são registradas ou entram no grupo armado com ou sem coerção. O crime é continuado só terminando quando a criança completa 15 anos de idade ou deixa o grupo armado. De maneira correta, a Câmara classifica o alistamento e a conscrição de crianças como um crime permanente que “continua a ser cometido enquanto as Crianças permanecerem nos grupos ou nas forças armadas”

O início processual do pedido de acusação do Sr. Lubanga ocorreu em 5 de julho de 2004, quando foi emitido mandado de prisão contra ele em fevereiro de 2006. Em 16 de março de 2006 ele foi transferido para sede do TPI em Haia, na Holanda, permaneceu encarcerado até o deslinde do seu processo. Foi estabelecido pela Câmara de Julgamento do TPI que o crime contra crianças menores de 15 anos se consuma no momento em que são incorporadas aos grupos armados, tendo uma natureza continuada, ou seja, a situação se renova a cada dia, só terminando quando cessa aquela atividade ou quando completam a idade de 15 anos, é irrelevante se foram por vontade própria ou sob coação, não há tal distinção para efeito da culpabilidade.

Segundo o Observatório (2012, p. 01), as dificuldades enfrentadas pelo TPI para cominar a pena cabível ao seu primeiro julgado:

Embora as decisões de outras cortes internacionais e de tribunais ad hoc não sejam parte da lei diretamente aplicável ao TPI, segundo o artigo 21 do Estatuto de Roma a Câmara de Julgamento entendeu os tribunais ad hoc em uma posição comparável à do Tribunal no que tange à emissão de sentenças. As únicas condenações por um tribunal penal internacional relativas ao recrutamento ou o uso de crianças como soldados são provenientes da Corte Especial para Serra Leoa. Esta lidou com 4 casos envolvendo o crime de uso de crianças como soldados. Entretanto, em 2 destes casos, a Câmara de primeira instância não procedeu a uma análise individual de cada artigo principal de acusação ao fixar a pena, de forma que tornou-se impossível, para o TPI, determinar o efeito que a condenação pelo uso de crianças como soldados teve na pena global estabelecida. No que tange aos outros dois casos, no caso procurador Vs. Sesay, Kallon e Gbao a Corte Especial para Serra Leoa impôs uma pena de 50 anos em Issa Sesay, por usar crianças ativamente em hostilidades, e sentenciou Morris Kallon há 25 anos, por seu envolvimento com o uso de crianças como soldado, já no caso Procurador Vs. Fofana e Kondewa, o senhor Kondewa foi condenado a 7 anos de prisão (entretanto, tal decisão foi sido anulada na apelação). Como um fator de mitigação da pena, a Câmara levou em consideração a contribuição do senhor Kondewa para o estabelecimento da paz em Serra Leoa. A Câmara aplica, de maneira subsidiária, os princípios gerais de jurisprudência derivados das leis nacionais dos sistemas legais mundiais. Os princípios gerais não são apenas importantes para preencher lacunas legais, mas também para a interpretação de normas legais imprecisas e para o aprimoramento do raciocínio legal.

Percebe-se a dificuldade encontrada pela corte penal internacional na coleta de legislação e jurisprudência de outras cortes no trato de crime de uso de crianças como soldados de grupos armados, de maneira que pudessem subsidiar e reforçar um direcionamento no que concerne à dosimetria da pena a ser aplicada, além de tratar-se do primeiro caso desta corte penal, surgindo as mais diversas dificuldades. Tudo é novo e encontra-se em fase de construção, até mesmo a falta de uma jurisprudência própria que sirva de subsídio na resolução do litígio, e são poucos os casos semelhantes julgados por tribunais internacionais, salvando-se apenas a Corte Especial de Serra Leoa, mas mesmo assim, quando da dosimetria da pena em idêntico caso, a mesma não procedeu de forma individualizada pelo tipo penal de cada acusação e aplicou de forma global, o que não adiantou para esta corte. É dado a Corte aplicar de forma subsidiária os princípios gerais das jurisprudências dos sistemas nacionais, atentando-se para a compatibilidade das normas com o direito internacional, o que servirá para aperfeiçoar o raciocínio e as lacunas existentes.

No relato de Ambos (2011, p. 94), acerca do acolhimento da vítima, bem como da confirmação do recebimento da peça acusatória contra Thomas Lubanga Dyilo:

As vítimas foram admitidas para tomar parte no caso Lubanga, onde de acordo com a Regra 85 do Regimento Processual da CPI, uma relação direta causal (“causal link”) entre as lesões sofridas e os objetos de acusação é necessária Entre os dias 9 e 28 de novembro de 2006, teve lugar a audiência para a confirmação da acusação. [..]. Com a confirmação da acusação, o processo preliminar chegou ao seu fim e o caso Lubanga passou para a alçada da Câmara de Julgamento I (“Trial Chamber”) I sob a presidência do juiz britânico Adrian Fulford. [...]. Em 18.1.2008 a Câmara de Julgamento tomou uma posição básica com relação à admissão de vítimas no processo em plenário aberto, bem como sobre a abrangência de suas participações. Na ocasião, entre outros assuntos, ela era da opinião que também vítimas, não diretamente feridas pelos atos denunciados, poderiam tomar parte no processo, contanto que ao menos seus interesses pessoais tivessem sido de fato, afetados. Esta opinião, no entanto, não resistiu ao exame pelo Tribunal.

Recebida, a acusação foi distribuída para a antecâmara processual, que expediu a ordem de prisão contra Lubanga em 10.02.2006, mas somente em 20 de março de 2006 ele foi convocado pela Corte para tomar conhecimento das acusações que pesavam sobre ele, a fim de prestar os devidos esclarecimentos, bem como proceder a sua defesa, em atenção aos princípios da ampla defesa e do contraditório.

A decisão pela confirmação da acusação de Lubanga só veio a se efetivar pela câmara de julgamento em janeiro de 2009, em conformidade com a redação do artigo 61, § 7º, “a”, do ERTPI.

Afirma, ainda, Ambos (2011, p. 95):

Em julho de 2008, a Câmara descobriu que o Promotor tinha feito amplo uso ilícito do direito da observância de sigilo com relação a determinados Documentos e Informações estipulados, como possibilidade, no artigo 54 (3) (e). A Câmara receou que, em consequência, o acusado não poderia mais contar com a garantia de um processo justo e determinou a suspensão17 do processo, bem como a soltura do acusado18. O promotor impetrou recursos contra as duas decisões. [..]. O Tribunal de Recursos determinou efeito suspensivo às decisões, de forma que Lubanga permanecerá em prisão preventiva até o esclarecimento definitivo da situação jurídica. [...]. Em sua segunda decisão sobre a liberação de Lubanga, a Câmara reverteu a decisão do T.Ch. I. acerca da libertação, argumentando essencialmente que no caso de a suspensão condicional, como no presente caso, o Tribunal não está permanentemente impedido de exercer a jurisdição e, portanto, a libertação incondicional não é uma” consequência inevitável “, especialmente se a ordem de manutenção da prisão “puder ser revogada em um futuro não muito distante. Finalmente, em 26 de janeiro de 2009, o julgamento de Thomas Lubanga Dyilo começou perante a T.Ch. I. A Decisão pela Confirmação da Acusação.

A sentença criticou o trabalho realizado pela Promotoria, segundo os juízes por esta ter delegado seus trabalhos de investigação a intermediários, o que acabou por serem rejeitados os depoimentos de três testemunhas, sob o argumento de falta de credibilidade, ante o uso da figura do referido intermediário na coleta de provas e que isto prejudicava sobremaneira a garantia de um julgamento justo e imparcial, tendo, inclusive, a Câmara decidido por três vezes pela suspensão do processo e determinando a soltura do acusado, mas o Tribunal de Recursos na sua decisão, proferiu efeito suspensivo à mesma, e o acusado permaneceu preso, aguardando o deslinde do processo, sem que exista qualquer violação a direito fundamental.

Para Ambos (2011, p. 99), no tocante à legalidade da acusação ao Sr. Thomas Lubanga:

CPI estabelece o princípio fundamental nullum crime sine lege (não existe crime sem lei) em suas quatro formas: uma pessoa somente poderá ser punida por um ato que tenha sido codificado no Estatuto por ocasião do seu cometimento (lex sripta), tenha sido cometido após sua entrada em vigor (lex praevia), tenha sido definido com suficiente clareza (lex certa) e não tenha sido estendido por analogia (lex scripta).55 O regulamento contra a analogia aplica-se à interpretação. Proíbe a condenação por crimes previamente desconhecidos baseados na sua similaridade com aqueles conhecidos. A verdadeira significância do argumento da Defesa reside na possibilidade de um erro de direito por desconhecimento da proibição da conduta relevante. No entanto, o Artigo 32 parágrafo 2 do Estatuto CPI se baseia na norma error iuris non nocet, i.e., um erro de direito é irrelevante a não ser que negue o elemento mental exigido por tal crime. A Defesa argumentou que o princípio da legalidade requer que o perpetrador esteja ciente da existência de um crime relevante. Em vista do fato que nem Uganda nem o Congo “levaram ao conhecimento dos habitantes de Ituri o fato da ratificação do Estatuto de Roma” (parágrafo 296), a Defesa concluiu que Lubanga não poderia ter tomado conhecimento da proibição de alistar ou de recrutar compulsoriamente crianças e que, portanto, a sua condenação violaria o princípio da legalidade. Este argumento está baseado em um equívoco do princípio da legalidade.

Segundo a defesa do acusado, a respectiva acusação não estaria respaldada no princípio da legalidade, afirmando que o acusado, tampouco a população de Congo e Uganda, tiveram conhecimento de que recrutar, alistar e usar crianças menores de 15 anos em grupos armados eram considerados crimes de natureza de guerra e sujeitos à jurisdição daquela corte internacional. Pontue-se que ninguém poderá se escusar de cumprir qualquer determinação legal sob o argumento de que não sabia ou não tinha conhecimento do ato normativo com o objetivo de frustrar-se a sua obediência, foi o que alegou em sua defesa o acusado, o que foi prontamente rejeitada pela Câmara pelos fundamentos retrocitados.

De acordo com Hahn e Rocha (2012, p. 01) acerca do julgamento do ex-chefe de milícia congolesa, Sr. Thomas Lubanga, pelo TPI:

Dienstag, 10. Juli 2012, 20:16:00 A sentença foi ditada esta terça-feira, 10 de julho. Já em março, o ex-chefe da milícia congolesa foi considerado culpado pelo TPI por ter utilizado crianças soldado durante a guerra na RD do Congo em 2002-2003. “De acordo com a decisão da maioria, o senhor Lubanga é condenado a uma pena total de 14 anos de prisão”, sentenciou o juiz Adrian Fulford, no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda, na manhã desta terça-feira (10.07). A condenação de Thomas Lubanga é a primeira pronunciada pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), desde que entrou em funções em 2003. A acusação tinha pedido 30 anos de prisão, a 13 de junho, para Lubanga, hoje com 51 anos de idade. Com efeito, depois de mais de 200 dias de processo e de ouvidas mais de 60 testemunhas, incluindo muitas vítimas, o TPI ditou a pena de Thomas Lubanga, considerado, já em março, culpado pelo recrutamento forçado de crianças soldado, muitas delas com menos de 15 anos de idade, durante a guerra civil em Ituri, no nordeste da República Democrática do Congo, entre 2002 e 2003. O juiz Adrian Fulford acrescentou que o tempo que Thomas Lubanga passou detido provisoriamente, desde 2006, será deduzido na sentença. O processo contra Lubanga teve início a 26 de janeiro de 2009 e foi concluído a 26 de agosto do ano transato. A 13 de junho último, o Procurador do TPI pediu uma pena de 30 anos de prisão para Lubanga porque, segundo Luís Moreno-Ocampo, “em vez de obedecerem às suas mães, as crianças tinham que obedecer aos seus comandantes”. Ocampo disse ainda “você treinou-as para matar e violar e foram enviadas pelos líderes para matar alguém, não importa se fossem homens, mulheres ou crianças”. Em resposta, o ex-líder rebelde congolês afastou a culpa: “o que está claro é que eu, Thomas Lubanga, sempre fui contra o recrutamento de crianças soldado. Estive sempre contra”. Lubanga cooperou com TPI O tribunal não deu continuidade à solicitação feita pelo anterior Procurador do TPI, Luís Moreno Ocampo, concernente aos 30 anos de prisão. Os juízes concederam ao ex-chefe da milícia uma atenuante por terem reconhecido a "constante e contínua cooperação de Lubanga com o Tribunal ao longo do julgamento"

Em março de 2012, Thomas Lubanga foi condenado pelo TPI pelas acusações que lhe foram imputadas, sendo que em 10 de julho de 2012 foi proferida a pena no total de 14 anos, na forma preceituada pelo art. 78 do ERTPI, apesar da Promotoria ter pugnado por uma condenação de 30 anos, o que não foi atendido pelo Tribunal, visto que na dosimetria da pena devem ser considerados diversos fatores, sejam eles de natureza agravante ou atenuante, e que devem ser excluídos os fatores que determinaram a gravidade do delito, sob pena de duplicidade na contagem. Ressalte-se também que, tanto no convencimento do juiz como na dosimetria da aplicação da respectiva pena, foi fator relevante a cooperação do acusado durante todo o andamento processual.

Thomas Lubanga Dyllo, atualmente, com 51 anos, encontrava-se detidos há 6 anos sob a custódia do TPI. Ficou em prisão domiciliar a partir de 2003, na época com 45 anos de idade, foi encarcerado somente em maio de 2005 na capital Kinshasa, respondendo a três acusações de crimes de guerra, inserido no crime de recrutamento de menores 15 anos forçados a participar ativamente nos combates armados. Foi comprovado que, quando fazia uso do recrutamento de menores para compor as fileiras do seu grupo militar, ele tinha plena consciência de que estava agindo à margem da lei penal.

Na decisão, o Meritíssimo Juiz Adrian Fulford, determinou que na aplicação da condenação que ora fora imposta ao réu fosse aplicado o instituto da detração, ou seja, deveria ser abatido o período em que o mesmo ficou encarcerado aguardando o julgamento final, portanto, desta condenação deverão ser abatidos os 6 anos que ele cumpriu na prisão provisória do TPI, em Haia, na Holanda. 

Corroborando com o exposto acima, informa o Observatório (2012, p. 01) sobre os fatores determinantes como agravantes ao caso Lubanga:

Circunstâncias individuais da pessoa condenada. A Procuradoria argumenta que as circunstâncias individuais do senhor Lubanga aumentam a gravidade do crime. Sugeriu-se que, tendo ele, 41 anos quando cometeu os crimes em questão e sendo bem educado academicamente – ele Possi uma graduação em Psicologia -, entenderia a gravidade de privar crinaças do cuida de suas famílias e de sua educação. A Câmara concordou [...], que entenderia a seria dos crimes pelos quais foi condenado. Conclui-se que esse nível de consciência é um fator relevante na determinação da sentença apropriada.

O Tribunal seguiu à risca o que determina a sua legislação, em especial, as normas estatuídas pelo ERTPI, considerando como agravante a condição do acusado, o que pesou de maneira significante para o caso de Lubanga, visto que o acusado é possuidor de instrução elevada, inclusive com graduação na área de Psicologia, o que o tornaria uma pessoa bem consciente dos atos tomados, capaz de influenciar sobremaneira as outras pessoas.

Ressalta o Observatório (2012, p. 05) com detalhes como foi procedido na dosimetria da pena final do Sr. Thomas Lubanga:

Assim, de acordo com o artigo 78(3) do estatuto, que afirma que, quando uma pessoa é condenada por mais de um crime, o tribunal deve pronunciar uma sentença de pena para cada um desses crimes e uma sentença especificando o tempo total de prisão, a maioria sentenciou Thomas Lubanga: - por ter cometido, juntamente com outras pessoas, crime de recrutar crianças menores de 15 anos para UPC, 13 anos de prisão; - por ter cometido, juntamente com outras pessoas o crime de alistar crianças menores de 15 anos para UPC, 12 anos de prisão; - por ter cometido, juntamente com outras pessoas o crime de usar crianças menores de 15 anos para participarem ativamente de hostilidades, 14 anos de prisão; O período total de prisão com base em uma sentença conjunta é, então, de 14 anos de prisão.

A cominação da pena no âmbito do TPI se processa primeiramente de forma individualizada por crime praticado para, somente no estabelecido do total da pena, levar em consideração o conjunto a pena maior, ressalvando que na determinação do resultado a ser apurado, a pena não poderá ser inferior ao cominado à parcela mais elevada ou superior a 30 anos de prisão, podendo aplicar a perpétua quando a situação assim o exigir.

A repercussão da decisão proferida ao caso Lubanga para comunidade internacional, segundo Hahn e Rocha (2012, p. 01):

[...]. Ainda no Congo democrático, a sentença contra Thomas Lubanga teve outro impacto. Para Doli Ibefo, diretor executivo da Organização Não Governamental (ONG) A Voz dos Sem Vozes, “esta condenação é uma consolação tanto para as vítimas como para os defensores dos direitos do homem que lutam contra a impunidade na República Democrática do Congo”. Mas o ativista Doli Ibefo não se dá por totalmente satisfeito pois “esta condenação limita-se a uma pessoa que estava acompanhada de outras, entre elas Bosco Ntaganda [chefe do movimento rebelde M23, procurado pelo TPI]. Também os que armaram Lubanga e o seu grupo participaram nas atrocidades”. E acrescenta que “por isso, devem também ser condenados da mesma forma que Lubanga”, considera Doli Ibefo, da organização A Voz dos Sem Vozes. Condenação é sinal de aviso Com a sentença do TPI a questão que se põe agora é a de como será a indemnização das vítimas. Segundo o porta-voz e chefe da unidade para os assuntos públicos no Tribunal. A ONG de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW) seguiu o processo. Geraldine Matioli-Zeltner espera que “a sentença seja um aviso para todos aqueles que recrutam crianças soldados para as guerras dos adultos. Esperamos que outros ouçam este aviso, em particular Bosco Ntaganda, que comanda uma nova rebelião no leste do Congo democrático. Ele tem cometido naquela região o mesmo crime que Lubanga cometeu”.

De acordo com pronunciamento do Sr. Doli Ibefo, da ONG, que representa a Voz dos sem vozes, este julgamento vem abrilhantar um desejo contido de muitas vítimas que estão cansadas de presenciar tantas impunidades e, como não poderia ser diferente, alegrou a muitos defensores e operadores do direito em todo o mundo, nascendo aqui à esperança de dias melhores e mais justos para a humanidade. É um momento a ser festejado, mas não se deve esquecer, sobretudo que o trabalho deve continuar com o objetivo de se buscar incessantemente a cada dia o estabelecimento de uma justiça global efetiva e justa.

Para o ativista Doli, agora mais do que nunca, o caminho a ser trilhado por esta Corte de jurisdição penal internacional deve ser de perseguir e punir todos os que participaram de tamanha devassidão e continua afirmando e em colaboração com a ONG – HRV de que o positivo de tudo isso é que esta sentença traz em seu bojo uma mensagem subliminar dirigida àqueles que recrutam, alistam e utilizam crianças como soldadas em grupos armados durante conflito de adultos e, em especial, ao Sr. Bosco Ntaganda, que está  cometendo tal delito no leste do RDC. Que ele ponha suas barbas de molho que o TPI tem uma missão e com certeza continuará a perseguir todos que andam na contramão do interesse internacional, e em proteção e respeito à dignidade humana.

Asseveram Hahn e Rocha (2012, p. 01):

[...]. Fadi Al Abdalla, porta-voz e chefe da unidade para os assuntos públicos no TPI, concordou, assegurando que “a atitude de cooperação e de respeito que o senhor Lubanga demonstrou junto dos juízes foi um dos elementos que explica a [sua] decisão”. Desilusão de um lado... O Tribunal Penal Internacional acusou Thomas Lubanga, fundador da União dos Patriotas Congoleses (UPC) e ex-comandante das Forças Patrióticas para a Libertação do Congo, de ter provocado a morte de 60 mil pessoas desde 1999, durante os confrontos pelo controle dos recursos naturais localizados no nordeste da República Democrática do Congo. [...]. Fadi El Abdallah, “os juízes indicaram que não impõem a Lubanga a indemnização das vítimas porque não ficou claro se ele tem meios financeiros para tal”. Por isso, acrescenta Fadi El Abdallah, “é possível que os juízes recorram ao fundo criado para beneficiar as vítimas. Trata-se de um fundo especial independente do TPI que os juízes podem solicitar, mas a decisão não foi ainda tomada”. O Tribunal Penal Internacional deve agora escolher o país onde Thomas Lubanga irá cumprir a sua pena. O Mali, a Sérvia, a Grã-Bretanha, a Bélgica, a Áustria e a Finlândia já se manifestaram dispostos a acolher Lubanga.

Quanto à não condenação do Sr. Lubanga em indenizar as vitimas, segundo os magistrados do TPI, foram realizadas diversas diligências a fim de identificar bens do mesmo que pudesse servir para cobrir as despesas que deverão ser submetidas às vítimas deste monstruoso delito, crianças que se encontram psicologicamente abaladas, sem um chão, pois que a ressocialização à sociedade vai demandar um certo tempo, a volta a este convívio social é primordial, na busca pela recuperação do tempo que lhes foi tirados dos estudos.

Diante da falta de recurso financeiro do acusado o porta-voz e chefe de assuntos públicos do TPI, o Sr. Fadi Al Abdalla afirma que os juízes poderão fazer uso do fundo especial independente do Tribunal, cujo recursos são oriundos de doação de Estados-partes e de Organismos Internacionais que lutam pela preservação da dignidade das pessoas.

Outro ponto vital que será ainda decidido refere-se à determinação do local em que o Sr. Thomas Lubanga Dyilo irá cumprir o restante de pena a que fora condenado. Alguns países demonstraram interesse em acolher o condenado: Mali, a Sérvia, a Grã-Bretanha, a Bélgica, a Áustria e a Finlândia.

O ERTPI em sua parte X, art. 103 e seguintes, estabelece os critérios a serem adotados na escolha do local em que o condenado deverá cumprir sua pena, devendo ser levada em consideração a opinião do acusado, as garantias que lhe serão resguardadas na condição de preso e em conformidade com a legislação internacional. Frise-se, ainda, que, a qualquer tempo, poderá a Corte determinar a transferência do condenado para outro Estado, seja de oficio ou a pedido do condenado, garantindo ao mesmo a sua comunicação irrestrita com aquela Corte Penal, além de ser confidencial, sempre que necessitar falar com o TPI, consoante o disposto no art. 106, 3, do ERTPI.

Para Ambos (2011, p. 104), sobre a conclusão deste julgado:

Em sua primeira decisão sobre direito substantivo, a Câmara se emancipou dos Tribunais ad-hoc e, neste sentido, tornou claro o início de uma nova era no direito penal internacional. No entanto, a decisão se ressente, em muitas partes, da falta de raciocínio suficiente e de pesquisa comparativas nos remetendo, assim, ao velho e lamentável padrão da jurisprudência dos Tribunais ad-hoc. Espera-se que, no futuro, as Câmaras invistam mais energia e recursos em raciocínios mais apurados sobre suas decisões, enriquecendo-as com as necessárias análises sobre direito comparado.

A demonstração de que o caminho a ser trilhado é este, apesar das dificuldades superadas para se chegar ao final, mas o certo é que o início quase sempre é tortuoso, ás vezes permeado de muitas dúvidas que só o tempo será capaz de solucionar. Esta é a esperança que fica para as futuras decisões, que procurem apoia-se nas legislações subsidiárias, buscando apurar um raciocino mais efetivo, até que se tenha criado uma jurisprudência própria para esta corte, e que sirva de embasamento a quem interessar.

Considerações finais acerca do primeiro julgamento emanado pelo TPI:

Primeiramente, destacar que o ponto comum que vincula esta pesquisa e o presente julgamento é justamente o papel da corte internacional, TPI, em combate a delitos perpetrados em face de um dos princípios mais importantes para coletividade internacional, que é o da dignidade da pessoa humana, que tem como desiderato a tutela do bem jurídico mais relevante do ser humano, que é a vida.

Este estudo teve como objetivo demonstrar que apesar de muito novo apenas uma década desde a sua criação, o TPI está sim no rumo certo. É natural que o início seja realmente muito complicado e demande muito mais trabalho para se construir e sedimentar uma jurisprudência que venha no futuro facilitar muito as soluções impostas a esta Corte.

É justamente a efetividade deste tribunal que se está tratando na presente pesquisa, buscando-se identificar quais os fatores que poderiam está criar óbices a sua implantação.

Com sua primeira decisão procura se estabelecer e angariar credibilidade junto aos Estados que ainda resistem em não se filiarem ao objetivo desta Corte. Demonstrando que é possível reprimir tamanhas atrocidades que estão sendo cometidas a cada dia no mundo, servindo de alerta àqueles que praticam ainda tais delitos, que não será mais tolerada esta prática hordiena de escravização e de brutalização das crianças, que deveriam estar em escolas e não em campo de batalha.

Existe um sentimento de confiança de que o caminho a ser trilhado é este e que o TPI deve continuar com seus trabalhos na busca pela efetivação de uma Justiça Penal Internacional. Impondo-se como uma Corte de todos e para todos. Os primeiros casos poderão ser bem complicados, pois não se tem jurisprudência e tudo isto demanda tempo,mas a primeira barreira já foi superada.

Espera-se que os ordenamentos estatais que ainda não façam parte desta Corte de jurisdição penal internacional comecem a ter um olhar diferente com relação à mesma e no futuro se juntem a este grupo em prol de um bem estar social mundial.

Apesar da demora em seu processamento, há um sentimento de vitória para a sociedade internacional, nasce efetivamente com este julgamento, uma abertura para uma discussão acerca da necessidade de se apoiar a atuação do TPI, conforme está preceituado pelo Estatuto de Roma do Tribunal penal Internacional (ERTPI). Serve para demonstrar àqueles que ainda praticam tais atrocidades, o TPI está disposto a reprimir a prática de delitos que atinja a sociedade mundial.

Este seria o momento ideal para uma ampla discussão e revisão de antigos dogmas, de maneira a permitir a convivência pacífica entre os povos, assim como é feito no âmbito interno, existe a necessidade, também de uma normatização no plano internacional, evitando-se sobremaneira que ocorra choque de interesses e em consequência surgimento de disputas armadas, por falta de uma normatização que regulamente o limite de cada um naquele cenário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O TPI certamente é hoje uma grande vitória, visto que surge com a missão de suprir a maior das lacunas existentes no âmbito internacional, que é justamente a falta de um sistema jurisdicional internacional capaz de penalizar os indivíduos. Para que isso ocorra é necessária a cooperação, princípio balizador e norteador da atuação desta Corte Penal Internacional em defesa da tutela da dignidade da pessoa humana, dos demais Estados e só assim poderá se estabelecer uma verdadeira Justiça Penal Internacional há tanto desejada pela sociedade internacional.

No que se refere à existência de conflito entre as normas do Estatuto de Roma e a CF/88, ficou demonstrado neste estudo não haver qualquer óbice a sua aplicação no território brasileiro. Portanto, após as considerações levantadas ao longo do presente trabalho não há por que se cogitar de inconstitucionalidade entre as normas estatuídas pelo Estatuto de Roma e a Constituição brasileira, o que restou patente, em especial, com os posicionamentos doutrinários colacionados ao bojo deste trabalho, que de forma majoritária afastam qualquer empecilho à aplicação das normas do TPI no ordenamento pátrio brasileiro.

No tocante à entrega de nacionais ao TPI para realizar o julgamento não há qualquer afronta à CF/88, o que deve haver é uma ponderação de valor, observando-se que as normas diretivas do Estatuto de Roma vêm impregnadas pelo sentimento de proteção ao principio da dignidade humana, principio este que deve preponderar a qualquer outro, e para corroborar a ratificação da adesão do Brasil ao Estatuto de Roma, e as normas do Estatuto foram assimiladas ao ordenamento pátrio por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004 que incluiu o §4º ao art. 5º da CF/88.

Do mesmo modo não merecem prosperar os argumentos quanto à aplicação da pena perpétua, da imunidade de função, da imprescritibilidade dos crimes, visto que nenhuma delas viola dispositivos constitucionais pelos motivos já esboçados no corpo deste trabalho. Para corroborar com o que foi dito acima, está em tramitação o Projeto de Lei nº 4.038/2008 com o fito tipificar e inserir em nosso ordenamento jurídico os crimes de jurisdição do TPI, ou seja, são medidas adotadas com o único objetivo de adequar-se e integrar-se o ordenamento brasileiro às normas estipuladas pelo Estatuto de Roma.

Quanto ao primeiro julgado do TPI é bom salientar que o mesmo vem só fortalecer ainda mais a concepção da existência de um órgão de natureza penal em nível internacional, imparcial e independente e que transmite uma segurança à coletividade mundial, que ele traz nas suas entrelinhas uma mensagem muito importante a ser considerada, que é um alerta àqueles que praticam ainda tais infrações delituosas, que a impunidade está com seus dias contados, e que não será mais tolerada esta prática hordiena de desrespeito à dignidade das pessoas.

Percebe-se pelo estudo a necessidade de uma maior mobilização com o escopo de conscientizar os demais Estados da importância e beneficio proveniente da atuação eficaz do TPI para a comunidade global, que esta segurança jurídica que se almeja não se dará de forma localizada, mas reflete sobre todos, pois o objetivo perquirido é a tutela do bem jurídico mais valioso de que dispõe o ser humano, que é a vida.

Por derradeiro, sugere-se que deva haver uma maior conscientização e divulgação no meio acadêmico, em especial, para a importância desta disciplina por se tratar de um assunto de interesse global e de responsabilidade de todos com vistas à tutela do bem jurídico mais importante do ser humano, que é á vida. Necessita-se de uma reestruturação nas grades curriculares das faculdades e universidades brasileiras a fim de inserirem temas relevantes ao conhecimento acadêmico, que transcendem a fronteira nacional, permitindo o trato e análises de questões relacionadas diretamente aos direitos humanos, ao terrorismo, dentre outros. A controvérsias que têm passado ao largo das discussões no meio acadêmico e formadores de opiniões.

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Na citação desta obra, como se referenciar:

COSTA, Francisco dos Santos. O Tribunal Penal Internacional (TPI) sob a ótica da constituição brasileira de 1988 e seu primeiro julgado: caso Thomas Lubanga Dyilo. Teresina, 2012 – 152p. - Trabalho Final de Curso (Graduação Bacharelado em Direito) – FAP TERESINA – Faculdade Piauiense.

Sobre o autor
Francisco dos Santos Costa

Sou servidor publico federal - Técnico Judiciário da JFPI, tem formação acadêmica nas Áreas de Bacharelado em Administração e Direito, pós-graduado em Gestão Pública.

Informações sobre o texto

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Mais informações

Monografia apresentada à Faculdade Piauiense - FAP como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito Orientador: Professor Mestre Marcelo Leandro Pereira Lopes Teresina/PI - 2012.

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