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Sucessão preclusiva das instâncias eleitorais.

Uma aplicação dos princípios da celeridade e da preclusão

Agenda 25/06/2004 às 00:00

O Direito Processual Eleitoral possui princípios dotados de contornos absolutamente próprios.

A Justiça Eleitoral lida com um processo administrativo pautado pela contagem retroativa dos prazos, tendo o dever de garantir a escolha democrática daqueles que exercerão mandatos com duração temporal definida. Assim sendo, toda sua lógica interpretativa e coerência sistêmica devem ser voltadas para a superação rápida, encadeada e permanente das etapas procedimentais, sob pena de restar caracterizado o total descumprimento de suas funções.

Se em todos os demais ramos do Direito a tutela já sofre grave abalo pela sua concessão tardia, no Eleitoral o pronunciamento judicial intempestivo é, quase sempre, totalmente ineficaz.

É o que ocorre na mais injustificável das deficiências da Justiça Eleitoral: a perda do objeto da demanda pelo decurso do mandato ou do período da inelegibilidade.

Esse fato jurídico, infelizmente freqüente no foro [1], é incompatível com tudo o que a Democracia exige do Judiciário Eleitoral, a quem se conferiu a tarefa de dirigir o processo eletivo, não apenas na sua formalidade, mas fundamentalmente no seu conteúdo, que não prescinde da lisura e do respeito ao maior do todos os princípios constitucionais que informam o Direito Eleitoral: o princípio da isonomia.

Por isso mesmo, os princípios da celeridade e da preclusão devem orientar, sempre, a interpretação de qualquer norma de Direito Eleitoral.

Wilson Pedro dos Anjos, analisando o tema dos prazos em matéria eleitoral, afirma:

"O processo eleitoral, por suas características e campo de atuação, tem de chegar rapidamente ao final da demanda, utilizando o mínimo de tempo possível para a proclamação dos candidatos eleitos e solução das controvérsias surgidas com o desenrolar da campanha eleitoral. Daí a indispensabilidade da celeridade e da brevidade no âmbito eleitoral, exigidas por todos que do pleito participam. Daí, o instituto da preclusão ser de aplicabilidade essencial à pratica de atos processuais eleitorais, não se permitindo que o interesse e o clamor advindos de infrações às normas eleitorais sejam perdidos pelo decurso do tempo" [2].

Por isso mesmo, avulta em importância, nessa seara, o instituto da preclusão, o qual merece elevação à condição de princípio do processo eleitoral.

Walter Costa Porto define a preclusão como "A perda de uma faculdade processual, por se haver ultimado o prazo fixado na lei para seu exercício. Como explicou Chiovenda, ‘todo processo para assegurar precisão e rapidez do desenvolvimento dos atos judiciais, estabelece limites ao exercício de determinadas faculdades processuais, com a conseqüência de que além desses limites, estas faculdades não podem ser exercidas. Dei a estas faculdades o nome de preclusão’" [3].

Voltando ao escólio de Wilson, temos que "A preclusão é perda, extinção ou consumação de uma faculdade das partes, ou do poder do juiz, pelo fato de se haverem alcançado os limites assinalados pela lei para seu exercício(13), ocorrendo este instituto na forma circunscrita ao processo".

Interessa aqui, a figura da preclusão pela perda, extinção ou consumação do poder do órgão judicial eleitoral, na específica hipótese do que preceitua o § 10, do art. 96, da Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições). Transcrevo o mencionado dispositivo:

§ 10. Não sendo o feito julgado nos prazos fixados, o pedido pode ser dirigido ao órgão superior, devendo a decisão ocorrer de acordo com o rito definido neste artigo.

Como se vê, a Lei das Eleições introduziu no processo das reclamações e representações ajuizadas com base nos seus demais dispositivos, norma voltada à plena garantia do cumprimento dos prazos processuais.

O dispositivo sob enfoque se funda no instituto da preclusão. Não é demais lembrar, com José Maria Rosa Tesheiner, que "Conforme Moniz de Aragão, a preclusão diz respeito não só aos direitos e faculdades das partes, mas também aos poderes do juiz" [4].

Por isso mesmo, a norma possui uma importância mais do que singular, significando que os prazos para os órgãos da Justiça Eleitoral, nas matérias cuidadas pela Lei nº 9.504/99, não são dilatórios: deles resultam conseqüências práticas e imediatas, dentre as quais a mais drástica, aquela concernente à perda do poder-dever de dizer o direito no caso concreto, por descuido em relação ao tempo legalmente definido para o alcance do pronunciamento jurisdicional (preclusão temporal pro iudicato).

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A medida, aparentemente drástica, é totalmente compatível com a principiologia do Direito Eleitoral, prestando-se a deixar certo que o "tempo do processo" é um ônus que não deve pairar apenas sobre partes, como também sobre o próprio órgão julgador.

Ao proclamar que a República constitui-se em Estado Democrático de Direito, estabelecer como fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º), fixar o tempo de duração dos mandatos (arts. 27, § 1º, 28, 29, I, e 82, da CF), dar reconhecimento à ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, §§ 10 e 11) manter a instituição da Justiça Eleitoral (arts. 118 e seguintes), informada, dentre outras, e estabelecer a regra da irrecorribilidade das decisões do Tribunal Superior Eleitoral (art. 121, § 3º), a Constituição albergou, ainda que de modo implícito, os princípios da celeridade e da preclusão.

Afinal, como compatibilizar a existência de uma Justiça Eleitoral e de mandatos de duração certa sem a exigência do rápido curso dos feitos voltados a depurar o processo eleitoral?

O mencionado § 10 do art. 96 da Lei das Eleições não corresponde, como apressadamente se poderia pensar, a nenhuma forma de supressão de instância. Supressão ocorreria se se negasse ao órgão jurisdicional competente o direito-dever de aplicação do direito ao caso concreto.

Ocorre, todavia, que ao negar vigência às normas fixadoras dos prazos eleitorais, na hipótese de que se cuida, é o próprio órgão da Justiça Eleitoral quem, por sua inércia, provoca a perda da oportunidade de ministrar a jurisdição, o que ocorre em conformidade com o instituto da sucessão preclusiva das instâncias eleitorais.

Não há, em casos que tais, a tal supressão de instância, justamente pelo fato de que ao órgão jurisdicional constitucionalmente definido foi de fato inicialmente entregue o conhecimento da causa ou do recurso. Se ali não se deu o julgamento – da causa ou do recurso – isso se deveu exclusivamente à sua incapacidade de observar o fluxo procedimental.

A operacionalização do dispositivo é tecnicamente simples: após constatada a perda do prazo, seja na primeira instância, seja em grau de recurso, apresenta-se o pedido, no ponto em que se encontra, à instância imediatamente superior.

Entendo que a melhor forma de fazer isso é por meio da remessa ao órgão ad quem de uma certidão de inteiro teor dos autos, acompanhada de certidão ou outra prova idônea da perda dos prazos. Não é correta a formulação de pedido dirigido à instância superior no sentido de que avoque os autos. A medida seria incompatível com o fim da lei, que é justamente o de conferir maior agilidade à marcha do feito. É igualmente inadequado postular perante o próprio órgão omisso a remessa dos autos à instância ad quem.

Verificada a perda dos prazos, não é processualmente relevante qualquer justificativa, pois a lei a isso não se refere. O dispositivo autoriza, sempre, a imediata remessa dos autos ao órgão superior depois de caracterizada a inércia na adoção das medidas a cargo da Justiça Eleitoral. Eventuais vícios de conduta por parte do órgão do Judiciário deverão merecer apuração noutro campo – disciplinar ou penal –, mas não devem ser sequer perquiridos quando se trata de proceder a sucessão preclusiva.

A jurisprudência do TSE tem reafirmado a validade da norma inserta no naquele § 10 do art. 96 da Lei das Eleições.

Apreciando a Representação nº 284 - AP, o Tribunal Superior Eleitoral baixou a Resolução nº 20.707, de 29.8.00, na qual resta acentuado que "Deixando a Corte Regional de apreciar recurso eleitoral no prazo fixado, cabe a apreciação por esta Corte".

Consta do voto do relator, o Min. Costa Porto, a seguinte consideração:

"Sr. Presidente, a Lei nº 9.504/97 determinou, em seu art. 96, § 9º, que se julguem no prazo de 48 horas as representações relativas ao seu descumprimento. E, por seu § 10, que ‘não sendo o feito julgado nos prazos fixados, o pedido pode ser dirigido ao órgão superior’.

A documentação juntada aos autos dá conta de que, assegurada à recorrida o oferecimento de contra-razões, os autos foram recebidos na secretaria do tribunal em 21 do corrente e, no dia 25, não fora, ainda, apreciado.

O que possibilita seu conhecimento por esta egrégia Corte".

Já na representação nº 296-SP, em que baixada a Resolução nº 20.731, de 26 de setembro de 2000, também relator o Min. Costa Porto, apreciou-se caso similar, onde, além de reconhecer o descumprimento do prazo pelo Tribunal Regional Eleitoral, o TSE determinou a execução imediata do julgado.

A norma, por sua correção técnica e adequação específica ao Direito Processual Eleitoral, merece ser mais observada no foro. Se considerarmos o grande número de lides informadas pelo rito definido no art. 96 da Lei das Eleições – tais como as representações em matéria de propaganda eleitoral – podemos concluir que o § 10 vem sendo utilizado ainda de forma precária.

Frise-se que também nas representações por uso eleitoral da máquina administrativa (condutas vedadas aos agentes públicos), as quais são capazes de implicar até em cassação do registro ou do diploma nas hipóteses a que alude o § 5º do art. 73 [5] da Lei nº 9.504/97, pode ser utilizado o instituto da sucessão preclusiva.

Os operadores do Direito Eleitoral devem fazer uso mais constante desse dispositivo. Isso será o bastante para que sigam o seu devido curso todas as reclamações e representações fundadas no art. 96 da Lei nº 9.504.

Diante de todo o afirmado, posso afirmar que andou bem o legislador quando previu, no § 10 do art. 96 da Lei das Eleições, o ágil mecanismo da sucessão preclusiva das instâncias eleitorais, como instrumento de garantia do princípio da celeridade processual e, por conseguinte, da própria credibilidade da Justiça Eleitoral em sua tarefa de coordenar, de forma isenta e eficiente, o processo democrático de alternância periódica dos nossos mandatários.


Notas

1 Registro alguns casos, cuja tramitação foi encerrada no Tribunal Superior Eleitoral após a constatação da perda do objeto em virtude da inaplicabilidade, por decurso de prazo, de medidas punitivas previstas na legislação eleitoral: AAG 3494, de 14.10.2003; RESPE 12.716, de 17.02.1998; RESPE 16.080, de 28.03.2000; RESPE 12.738, de 06.08.1996; AG 118, de 15.12.1998; RESPE 15.229, de 18.06.1998; MS 2480, de 21.08.1998; RESPE 11.907, de 02.04.1991; RESPE 11.651, de 04.10.1990; RESPE 10.468, de 22.09.1992. São apenas alguns exemplos dentre um número infindável de processos em que a Justiça Eleitoral, por sua inatividade, recusou-se a cumprir a sua missão constitucional de velar pela lisura dos pleitos.

2 In: votoonline.vilabol.uol.com.br/paper4.html

3 Dicionário do Voto. Brasília, Editora UNB, p. 318.

4Elementos para uma teoria geral do processo. In: www.tex.pro.br.

5 Com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 9.840/99.

Sobre o autor
Márlon Jacinto Reis

Juiz de Direito. Membro da Associação Juízes para a Democracia. Membro do Comitê Nacional do Movimento de Combate à Eleitoral.Palestrante, autor de artigos e publicações na área do Direito Eleitoral

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Márlon Jacinto. Sucessão preclusiva das instâncias eleitorais.: Uma aplicação dos princípios da celeridade e da preclusão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 353, 25 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5334. Acesso em: 23 nov. 2024.

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