As pessoas que se utilizam do aplicativo de troca de mensagens instantâneas chamado “Whatsapp” amarguraram algumas vezes a suspensão do serviço, em virtude de determinação judicial.
Muitas pessoas elevaram o tom contra o judiciário, demonstrando todo descontentamento com a decisão, segundo alguns, arbitrária e desproporcional. De outro lado, houve aplausos à postura e à determinação para que mesmo empresas de renome internacional respeitassem a legislação brasileira.
Agora o Whatsapp volta à discussão, quando o Ministro do STF Edson Fachin convoca audiência pública para discutir com a sociedade os meandros da questão.
No âmbito do direito constitucional, a grande incógnita que se levanta neste cenário é: a suspensão do Whatsapp viola direito fundamental?
Entendamos a questão:
O Whatsapp é um aplicativo de mensagens instantâneas de propriedade da gigante Facebook. O referido aplicativo tem grande popularidade no Brasil pela sua simplicidade e agilidade na troca de mensagens entre os usuários.
O problema surgiu quando, em sede de algumas investigações criminais sob sigilo absoluto, um magistrado determinou ao grupo que controla o aplicativo que realizasse a interceptação de mensagens entre determinados usuários para fins de instrução em processo criminal.
Os representantes da Whatsapp não cumpriram a determinação e, com o objetivo de fazer cumprir o comando judicial, o aplicativo foi suspenso em todo o Brasil.
Essa suspensão ocorreu mais de uma vez, por decisão de juízes de comarcas diferentes, mas praticamente pelos mesmos fundamentos.
À época o PPS (Partido Popular Socialista) ingressou com uma ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) junto ao STF (ADPF 403), sob a alegação de que a suspensão do Whatsapp viola preceito fundamental da liberdade de expressão e comunicação (art. 5º, IX da CF/88).
Os Direitos Fundamentais:
Direitos fundamentais são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social. Sem os direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não sobrevive. (BULOS, 2014)
O conceito acima exposto explora de maneira profunda o que vêm a ser os chamados direitos fundamentais. Em uma lógica jusnaturalista, é possível afirmar que esses direitos fazem parte da essência da pessoa. É o direito à vida, à liberdade, à igualdade, proibição à tortura, liberdade de consciência, direito ao sigilo, inviolabilidade de domicílio e de correspondência, entre tantos outros consagrados pela Constituição Federal.
Os direitos fundamentais estão previstos na Constituição Federal de 88 e possuem aplicação imediata, não sendo necessária a edição de lei específica para lhes dar efetividade. Segundo a doutrina são direitos históricos (porque são frutos de uma longa evolução), universais (porque extrapolam limites territoriais, alcançando a todos), cumuláveis (porque podem ser exercidos ao mesmo tempo), irrenunciáveis (o indivíduo pode até não exercê-lo e ainda assim o direito continuará a existir), inalienáveis (porque não são passíveis de negociação) e imprescritíveis (porque não se esgotam no tempo).
Todas essas características demonstram o espectro de abrangência dos direitos fundamentais, e o quão são importantes para que a pessoa viva de forma digna em sociedade.
Os Poderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário) têm a obrigação constitucional de proteção aos direitos fundamentais e propiciar, dentro das suas competências, a máxima efetividade de suas disposições.
Os direitos fundamentais são ABSOLUTOS?
Os direitos fundamentais, regra geral, não são absolutos, isto porque, a própria Constituição pode estabelecer hipóteses de restrição, em vista à proteção de um bem maior (precedentes do STF).
Existe um ditado popular que ilustra bem essa relatividade dos direitos fundamentais: “O meu direito vai até onde começa o do outro”.
Isso faz todo sentido, um direito fundamental não pode ser exercido em desrespeito à ordem pública ou ao direito do semelhante.
Vejamos o exemplo do direito à liberdade de expressão, prevista no art. 5º, IX da CF/88:
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Esse direito fundamental está assegurado, contudo, não pode a pessoa, valendo-se dele inventar estórias que acabam violando a dignidade, a intimidade, a honra ou a imagem de terceira pessoa (direitos fundamentais igualmente protegidos pela CF/88).
Observem, então, que o direito à liberdade de expressão não é absoluto, encontra limites no próprio texto constitucional.
Outro exemplo muito citado pela doutrina diz respeito ao art. 5º, XII da CF/88
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
Esse é o direito fundamental à liberdade das comunicações. Interessante destacar que a mesma disposição que estabelece o direito também estabelece a sua limitação. É possível, por ordem judicial, a interceptação telefônica. Tal restrição não consiste em violação de direito fundamental, pois está fundamentada na Constituição.
Mais uma vez, um direito fundamental relativizado com vistas à proteção de um bem maior, neste caso, a própria sociedade, vítima de algum crime que necessita ser solucionado.
A violação a direito fundamental ocorre quando a intervenção (restrição) no direito fundamental não possui base constitucional.
O bloqueio do Whatsapp e a ADPF 403 (argumentos favoráveis)
O PPS (Partido Popular Socialista) ao ingressar com a ADPF alegou que houve violação a direito fundamental na decisão do juiz que mandou suspender o aplicativo Whatsapp.
O partido defende na sua petição que a suspensão do Whatsapp viola o direito à comunicação. Destaca que o aplicativo é um meio “deveras democrático para o cidadão brasileiro se comunicar, quiçá o mais democrático, graças à sua plataforma gratuita, simples e interativa”.
E pede ao final, que o STF reconheça a existência de violação ao preceito fundamental à comunicação, nos termos do art. 5º, inciso IX, com a finalidade de não mais haver suspensão do aplicativo de mensagens WhatsApp por qualquer decisão judicial.
Argumentos Contrários
No outro lado da mesa, existem argumentos contrários a este possível reconhecimento de violação a preceito fundamental, assentado nos seguintes pontos:
- O direito à comunicação não é absoluto
- O Whatsapp não está imune à legislação brasileira (tudo começou quando o Whatsapp se recusou a cumprir ordem judicial para proceder à interceptação de mensagens para fins de investigação criminal)
- Caso seja reconhecida a referida violação, os criminosos encontrariam via segura para se organizarem sem a possibilidade de serem monitorados pelos órgãos de segurança.
Considerações Finais
Os representantes do aplicativo no Brasil alegam que devido ao sistema de criptografia de mensagens (codificação), apenas remetente e destinatário conseguem visualizar as mensagens trocadas.
Essa discussão está longe de ter um fim. Alguns sites divulgam que em outros países este mesmo tema já é alvo de discussão.
Que o direito à comunicação constitui-se em fundamental e reclama a todo custo a proteção estatal, não há dúvidas. Entretanto, afirmar que o bloqueio de um aplicativo de celular viola tal preceito depende de uma análise cuidadosa e profunda. O que deve estar em pauta é o próprio direito à comunicação e seus limites e não interesses comerciais.
Apenas com o intuito de provocar a discussão acadêmica e sadia em torno deste assunto, lanço a seguinte questão: - Partindo da premissa de que o STF reconheça que o Whatsapp não pode ser suspenso, porque neste caso há violação do direito à comunicação. Caso o Whatsapp passe a cobrar dos usuários um valor pelo serviço de troca de mensagens, tal atitude seria passível de controle estatal?