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O direito ao crédito-prêmio do IPI

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4.O artigo 41 do ADCT

Antes do estudo das regras-matrizes do direito ao crédito-prêmio de IPI, é necessária a análise do artigo 41 do ADCT, na medida em que há entendimentos [23] de que esse preceito teria extinto os incentivos fiscais de ordem setorial (dentre eles o crédito-prêmio do IPI) que não tivessem sido confirmados por lei:

Art. 41. Os Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios reavaliarão todos os incentivos fiscais de natureza setorial ora em vigor, propondo aos Poderes Legislativos respectivos as medidas cabíveis.

§ 1º. Considerar-se-ão revogados após dois anos, a partir da data da promulgação da Constituição, os incentivos que não forem confirmados por lei.

§ 2º. A revogação não prejudicará os direitos que já tiverem sido adquiridos, àquela data, em relação a incentivos concedidos sob condição e com prazo certo.

§ 3º. Os incentivos concedidos por convênio entre Estados, celebrados nos termos do artigo 23, § 6º, da Constituição de 1967, com a redação da Emenda nº 1, de 17 de outubro de 1969, também deverão ser reavaliados e reconfirmados nos prazos deste artigo.

Impõe-se ressaltar, de início, que regra veiculada por meio do Ato das Disposições Constitucionais Transitórios, a despeito de não serem vocacionadas a permanecer por tempo indeterminado, tem a mesma autoridade e eficácia de norma contida no texto constitucional permanente [24]. Trata-se, portanto, de preceito constitucional.

A questão prejudicial às demais que se põe é a seguinte: o artigo 41 do ADCT referiu-se aos incentivos fiscais estrito senso, quer dizer, àqueles que implicam mudanças ou mutilações na regra-matriz de incidência tributária ou mesmo a redução da prestação tributária, ou se referiu a algo mais abrangente, abarcando também os estímulos financeiros. A rigor, o conceito jurídico de incentivo fiscal encontra-se positivado, ainda que sua edificação exija um esforço de sistematização. E tal obra foi realizada pela inteligência de Souto Maior Borges, Geraldo Ataliba e Celso Antonio Bandeira de Melo. De fato, os estímulos financeiros não se incluem no conceito de incentivo fiscal, na medida em que as categorias com as quais as subvenções laboram não pertencem ao direito tributário. E o crédito-prêmio do IPI não foge a essa regra, visto que constitui uma subvenção, e a subvenção é um instituto de direito financeiro [25].

Outra demonstração de que o artigo 41 do ADCT não se aplica ao crédito-prêmio do IPI – dado que se trata de subvenção – está em que a Constituição de 1988 utilizou a locução "incentivo fiscal" justamente no âmbito do sistema tributário nacional, para limitar a competência da União. Deveras, o artigo 151, inciso I, da Constituição Federal, ao proclamar o princípio da uniformidade geográfica, permite "a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País".

Conclui-se, portanto, é a de que como o crédito-prêmio do IPI constitui uma subvenção, não se lhe aplica o artigo 41 do ADCT. Logo, está em pleno vigor a legislação que instituiu o estímulo em referência. Mas mesmo que admitíssemos o contrário, isto é, de que se está diante de um instrumento de incentivo fiscal, parece-nos que a regra em exame não é aplicável, uma vez que o crédito-prêmio não tem natureza "setorial". Veja-se os motivos.

Sob a perspectiva da competência, pode-se dizer que os incentivos fiscais podem ser concedidos por todas as pessoas políticas, observadas as faixas de atribuições fixadas no texto constitucional. Na espécie, observa-se que o artigo 41 do ADCT reporta-se a todas as pessoas políticas, permitindo-se uma primeira conclusão de que os incentivos de índole setorial não constituem um privilégio da União com vistas a resguardar o interesse nacional.

É evidente que se todas as pessoas políticas podem conceder incentivos fiscais de natureza setorial, não se incluem nesse conceito estímulos voltados a todo o país ou de interesse de toda a nação, como também estímulos direcionados especificamente a determinadas regiões do país. A noção de "incentivo fiscal de natureza setorial" está ligada à possibilidade de todos os entes da federação promoverem programas destinados a obter efeitos extrafiscais por meio da tributação. Não se trata, portanto, de privilégio da União capaz de provocar impacto nacional e mesmo internacional. Ao contrário, a regra transitória está se reportando àqueles incentivos destinados a determinados setores da economia (pesca, agricultura etc.).

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Outrossim, por "incentivo fiscal de natureza setorial" também não se entende aquele estímulo concedido a determinadas regiões do país; neste caso, trata-se de "incentivo fiscal de natureza regional". Diferenciam-se, assim, região e setor no que concerne à disciplina jurídica dos incentivos fiscais. O incentivo fiscal setorial é aquele concedido em prol de determinado ramo de atividade, privilegiando certo campo da economia em caráter particular. Já o incentivo fiscal regional tem por desígnio proteger ou estimular determinada parte do país; neste caso, o propósito é estimular certa região com vistas a estender a todo o território nacional condições de progresso, e com isso cumprir os objetivos da República de garantir o desenvolvimento nacional e reduzir as desigualdades sociais e regionais, conforme estatui o artigo 3º, incisos II e II, da Constituição. Neste momento, é importante lembrar que a Constituição Federal, ao consagrar o princípio da uniformidade geográfica, permite "a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País".

A despeito da escassez da doutrina a respeito do tema, tomamos conhecimento, dentre outros, de importante estudo realizado por Ana Maria Ferraz Augusto [26] por meio do qual é proposta a classificação dos incentivos fiscais quanto à finalidade:

Os incentivos, quer sejam dirigidos a determinados objetos, quer beneficiem certas pessoas, são dotadas de uma finalidade, que pode estar explícita ou implícita no texto legal. Quando o fim do estímulo é desenvolver a economia nacional, integralmente – o que constitui a meta dos países em desenvolvimento – teremos os incentivos globais.

Devem produzir, logicamente, se não há falha no planejamento, um desenvolvimento harmônico da economia nacional.

Em contraposição, alguns incentivos têm objetivos voltados para atividades específicas. Considerando as atividades econômicas, encontramos estímulos fiscais que evidenciam o propósito de desenvolver um setor da economia. Daí a classe dos incentivos à produção, à circulação ou ao consumo.

Dessa forma, em um esforço classificatório, pode-se dizer que há três espécies de incentivos fiscais tendo-se em vista a finalidade:

a)incentivo fiscal global ou geral, que se caracteriza pelo objetivo de abarcar os interesses de toda a nação, uma variada gama de setores e regiões do país;

b)incentivo fiscal regional, por meio do qual o escopo é estimular a economia em determinada região do país, como ocorre com a Zona Franca de Manaus; e

c)incentivo fiscal setorial, cuja área de atuação circunscreve-se a determinado seguimento da economia, como é o caso do turismo, que foi estimulado por meio do Decreto-lei 55, de 18 de novembro de 1966, artigo 24.

Os incentivos fiscais setoriais contrapõe-se àqueles com escopos gerais justamente pelo fato de abrangerem atividades específicas, selecionadas à vista do objetivo almejado pelo Estado, como é o caso do turismo, da agricultura, do cinema etc [27]. Nos incentivos gerais, o importante não é a seara da economia agraciada com o estímulo, mas sim a tutela de interesses, que se revela de caráter global e irrestrito. Com a implementação de estímulos fiscais de caráter geral, busca-se o desenvolvimento de forma generalizada, ampla e completa.

Reconhece-se que não é fácil distinguir as esferas setorial, regional e geral no que concerne aos incentivos fiscais, máxime porque estamos diante de conceitos indeterminados. A rigor, não se tratam de conceitos indeterminados, visto que a indeterminação reside nos termos que os exprimem. Eros Roberto Grau [28] sustenta que um conceito pressupõe sempre determinação no que tange à sua significação. Os termos que expressam os conceitos é que podem, sim, denotar indeterminação, ambigüidade, vagueza etc.

A fixação dos conceitos e dos respectivos termos exige a delimitação do sistema adotado como referência. Se for adotado o sistema constitucional como referência para a compreensão dos conceitos de incentivo fiscal de natureza "geral", "setorial" e "regional", parece-nos possível precisar o sentido e o alcance de cada um desses termos. O termo que mais suscita dúvidas é justamente "setorial".

Pode-se verificar que o crédito prêmio do IPI não se insere na classe "setorial", seja porque é aberto a todos os exportadores e todas operações de exportação, seja porque tem caráter nacional, com efeitos inclusive no mercado internacional. Procurar-se-ão justificar os motivos que conduzem a essa conclusão.

Voltando-se os olhos e a atenção para a legislação que disciplina o incentivo em tela, verifica-se que o propósito foi incentivar as exportações. Na tarefa de identificar o alcance da norma que concede um estímulo fiscal ou financeiro, é fundamental a pesquisa do seu escopo.

Geraldo Ataliba e Cléber Giardino [29], em estudo sobre os incentivos fiscais concedidos para empresas que se estabelecessem na Zona Franca de Manaus, expõem com clareza o norte exegético que deve guiar o intérprete quando se tem em vista normas dessa natureza:

"(...)a clara e exata compreensão da occasio e da mens legis deixa evidente que o espírito informador dessa legislação pode ser traduzido no propósito que impregnou toda nação de tudo fazer pelo desenvolvimento da Amazônia. Daí, a conseqüência inexorável, no plano da interpretação da legislação instrumentadora desses desígnios: a exegese de cada regra, cada norma, cada preceito há de ser feita de modo a bem servir tal objetivo geral, que se preenche pela satisfação de mil e um objetivos setoriais e parciais, desses instrumentais. É com esse espírito que deve ser e vem sendo aplicada tal legislação, assim administrativa como judicialmente. E é com a mais viva preocupação em prestigiar essas diretrizes que se devem enfrentar os problemas hermenêuticos..."

E nessa matéria – incentivo à exportação – a Constituição traz uma série de regras vocacionadas a estimular negócios internacionais. Recentemente, a Emenda Constitucional 33, de 11 de dezembro de 2001, instituiu uma nova imunidade tributária no que respeita às receitas decorrentes de exportação. Assim, não poderão ser instituídas contribuições sobre tais receitas. Mesmo na exportação de serviços o texto constitucional outorgou à lei complementar competência para "excluir de sua incidência exportações de serviços para o exterior", a teor do artigo 156, inciso II, § 3º, inciso II.

Também no que tange ao IPI e ao ICMS, a Constituição de 1988 concedeu imunidade a essas operações, desde que destinadas ao exterior. O próprio princípio da não-cumulatividade dá suporte para que a União institua incentivos relativos ao IPI, mormente quando os produtos sejam destinados ao exterior em face da imunidade das respectivas operações. Sacha Calmon Navarro Coelho e Misabel Abreu Machado Derzi [30] afirmam, com inteira propriedade, que por decorrência do princípio da não-cumulatividade do IPI e da imunidade das operações de exportação, devem ser instituídos instrumentos (como é o caso do crédito-prêmio do IPI) destinados a minimizar ou mesmo eliminar a cumulatividade existente em outros tributos, como é o caso da COFINS e da Contribuição ao PIS, ambas incidentes sobre o faturamento (receita bruta): Não constitui favor algum o crédito-prêmio do IPI, que procura eliminar a cumulatividade da Cofins e do PIS – e do próprio IPI, que neles persiste – dos preços de exportação. É mesmo imperativo Constitucional. Afinal, a Constituição Federal, a par de consagrar a não-cumulatividade do imposto, determina a imunidade dos produtos industrializados, destinados ao exterior.

De fato, o crédito-prêmio prestigia todo um acervo de regras constitucionais, que visam incentivar negócios internacionais e mitigar ou eliminar os tributos cumulativos por meio de incentivos fiscais ou financeiros. Nesse sentido, a Lei 9.363/96 veio a instituir novo incentivo financeiro às exportações, assegurando o direito de crédito, como ressarcimento das prestações devidas a título da COFINS e da contribuição ao PIS, sobre as aquisições no mercado interno, de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, utilizados no processo produtivo.

Assim posta a questão, sobressai o caráter geral do incentivo consubstanciado no direito ao crédito-prêmio do IPI. Não se trata de estímulo voltado a determinada atividade (visto que abrange as exportações de todos e quaisquer bens, por todas e quaisquer empresas, inclusive as comerciais exportadoras), nem tampouco tem caráter regional, visto que é justamente o fato de um bem ser destinado ao exterior que justifica a obtenção do crédito. Dessa forma, é notória a abrangência nacional do estímulo. Não é à toa que a competência para tributar operações de importação e exportação tenha sido atribuída à União, como também que o Presidente da República possa alterar as alíquotas desses tributos por meio de decreto e sem submissão ao princípio da anterioridade.

Outra mostra de que incentivo setorial não se confunde com incentivo de caráter geral radica na regra veiculada pelo artigo 3º do
Decreto-lei 1.894, de 16 de dezembro de 1981, que dispõe: Art. 3º O Ministro da Fazenda fica autorizado, com referência aos incentivos fiscais à exportação, a: I – estabelecer prazo, forma e condições, para sua fruição, bem como reduzi-los, majorá-los, suspendê-los ou extingui-los, em caráter geral ou setorial. Assim, distinguiu-se claramente incentivo fiscal geral de incentivo fiscal setorial. Aquele voltado a toda a nação, a todos os interesses, a todos os produtos e assim por diante; esse particularizado, setorizado, especificamente destinado a esse ou àquele seguimento econômico. Com isso, o Decreto-lei admitiu que o direito ao crédito-prêmio do IPI, nos moldes do Decreto-lei 491/69, consiste num incentivo geral, precisamente porque foi permitida sua modificação em caráter geral ou setorial, ou seja, poderiam ser promovidas mudanças na subvenção com abrangência nacional ou limitada a determinado setor da economia, como por exemplo o açúcar, a agricultura etc.

Conclui-se que o artigo 41 do ADCT não é aplicável aos estímulos fiscais de caráter geral. Logo, como o crédito-prêmio foi introduzido com o propósito de estimular exportações de modo geral e amplo – visto que não limita os produtos e mercadorias, como também tem por sujeito ativo tanto o industrial, como empresas comerciais exportadoras – o referido preceito não afeta a existência e a eficácia da legislação que o instituiu.

Sobre os autores
Maria de Fátima Ribeiro

professora de graduação e mestrado da Universidade Estadual de Londrina (PR), doutora em Direito Tributário pela PUC/SP

Marcelo de Lima Castro Diniz

Professor da Faculdade Paranaense-FACCAR de Rolândia-PR e do IBET, Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Maria Fátima; DINIZ, Marcelo Lima Castro. O direito ao crédito-prêmio do IPI. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 379, 21 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5471. Acesso em: 16 nov. 2024.

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