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A definição jurídica do lazer

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Agenda 07/01/2017 às 09:23

O lazer é um conceito indeterminado de natureza programática e deve ser compatibilizado com os ditames constitucionais fundamentais para ser considerado um direito fundamental.

Resumo: Este trabalho científico irá tratar da definição jurídica do lazer. Para tanto, será necessário analisar estudos de renomados sociólogos e filósofos para encontrar o papel e a definição do lazer. Em seguida, tal conceito será confrontado com o ordenamento jurídico que exige que o lazer (um conceito jurídico indeterminado de natureza programática), para ser considerado direito fundamental social, seja compatível com os ditames constitucionais.

Palavras-chave: Definição. Direito ao Lazer.

Sumário: 1.  INTRODUÇÃO. 2.  O ESTUDO DO LAZER: NATUREZA, DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO. 1.1.    A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO NEGATIVO DO LAZER. 1.2. O CONTROLE SOCIAL ATRAVÉS DO LAZER E POLÍTICAS PÚBLICAS. 1.3. CONCEPÇÕES SOBRE O LAZER: A BURGUESA E A MARXISTA..1.4.    O CONCEITO DE LAZER. 1.5. O CONCEITO DE SEMILAZER. 3. A DEFINIÇÃO JURÍDICA DO LAZER.. 4.  CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.. 


1.    INTRODUÇÃO

À medida que o Direito do Trabalho vem se adequando à ordem constitucional implantada em 05 de outubro de 1988, mais o Direito ao Lazer vem ganhando espaço nas discussões acadêmicas e decisões judiciais.

Objetivo desta pesquisa é buscar um conceito transdisciplinar do lazer compatível com o sistema constitucional. Para isto, foi preciso aprofundar em diversas obras de renomados filósofos, historiadores, economistas e sociólogos, mas sem perder a natureza jurídica desta obra.

Foi realizada uma abordagem histórica do papel do lazer desde a Antiguidade até seu potencial revolucionário em futuro próximo.

Também foi preciso diferenciar os conceitos de lazer, tempo livre, descanso, etc. E adotar a concepção de lazer mais adequada aos ditames constitucionais.

Após a definição adequada do lazer, fez-se uma abordagem situando-o como direito fundamental social.


2.    O ESTUDO DO LAZER: NATUREZA, DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO

É possível identificar duas condições prévias que se realizaram na vida social para que o lazer fosse permitido à maioria dos trabalhadores, conforme Dumazedier:

a) As atividades da sociedade não mais são regradas em sua totalidade por obrigações rituais impostas pela comunidade. Pelo menos uma parte destas atividades escapa aos ritos coletivos, especialmente o trabalho e o lazer. Este último depende da livre escolha dos indivíduos, ainda que os determinismos sociais se exerçam evidentemente sobre esta livre escolha. b) O trabalho profissional destacou-se das outras atividades. Possui um limite arbitrário, não regulado pela natureza. Sua organização é específica, de modo que o tempo livre é bem nitidamente separado ou separável dele.[1] (grifos do autor)

Dumazedier aborda a inexistência de liberdades individuais na religião antiga e a possível separação entre trabalho e tempo livre.

Na Grécia Antiga, “valorizava-se, acima de tudo, a contemplação e o cultivo de valores elevados, como a verdade, a bondade, a beleza”[2]: assim era utilizado o tempo livre. Alves Junior e Melo delimitam o caso da Grécia Antiga nos seguintes termos:

Esse princípio de vida, em que o tempo livre ganhava importância, não como momento de pura desocupação, mas como ocasião de crescimento espiritual [...]Enquanto a elite podia se dedicar a seu desenvolvimento espiritual, uma grande massa de escravos fazia o “trabalho sujo”.[...]Assim, somente o tempo livre enquanto princípio de vida, contrário à sujeição ao trabalho, poderia permitir o completo alcance do desenvolvimento individual e social[3].

Em outras palavras, o tempo livre não era um tempo vazio: era um momento para desenvolvimento individual e social. Mas para isso ter sido possível, os escravos (maioria da população) precisava se ocupar com o trabalho.

Com a glorificação do trabalho, o tempo livre tem se convertido em tempo de recuperação das energias laborais, anestesia social e alienação. Mas o trabalho e o lazer não podem mais ser concebidos como antes, e profissionais de todas as áreas precisam entender a irradiação do lazer, conforme exposição de Dumazedier:

O lazer não é um produto secundário, mas prioritário da civilização contemporânea. Com a elevação da renda individual talvez o tempo livre venha a ser a perspectiva essencial para a maior parte da humanidade. O trabalho não mais será vivido como um fim, mas como um meio. [...] A maioria dos sistemas de pensamento, surgidos no século passado, que pretendem explicar nosso tempo, desarticula-se diante do conjunto de fenômenos em expansão compreendidos na área do lazer. Inúmeros filósofos do trabalho ainda estudam o lazer como se ele fosse um apêndice complementar ou compensatório do trabalho. A maioria dos especialistas em questões de consumo consideram-no como um elemento do item “diversos”, complementar dos itens “alimentação”, “vestuário”, “moradia” e “saúde”. Entre os especialistas de estudos sobre a família, dificilmente encontramos quem ao menos recorra à palavra “lazer”; a organização dos lazeres não figura em nenhuma das atuais análises das funções da família[4].

No Brasil “as primeiras praças de esporte e centros de recreio surgiram na transição das décadas de 1920 e 1930”[5]. Nesta época, a principal intenção era tão somente a manutenção da saúde e recuperação das forças laborais. Foi por este motivo a vinculação equivocadamente exclusiva destes tipos de atividades com o profissional de educação física[6]. E por isso que o estudo do lazer pode mudar este cenário.

Alexandre Lunardi classifica o tempo de acordo com sua vinculação (direta ou indireta) com a produção de capital:

a) o tempo vinculado à produção de capital, no qual se encontra a jornada de trabalho, ou mesmo o tempo destinado à procura de emprego; b) o tempo vinculado a uma atividade obrigatória, que corresponde a atividades legais, sociais, ou mesmo fisiológicas, como o tempo da consulta médica, da internação; c)  e o tempo livre, isto é, aquele que está totalmente desvinculado das atividades obrigatórias e da produção de capital, determinados pela escolha do próprio indivíduo, como conversa com amigos, o tempo dedicado à família, os esportes, as atividades artísticas, entre outros[7]. (grifos do autor)

O tempo vinculado a uma atividade obrigatória é, na verdade, relacionada com a “produção indireta do capital”, devendo incluir, também, o tempo em busca de emprego.

Dumazedier também aborda esta delimitação e identifica explicitamente o lazer como uma das manifestações do tempo livre:

Limite do tempo livre: de acordo com os pesquisadores soviéticos, o tempo livre é evidentemente limitado pela duração do tempo de trabalho profissional, mas também pela duração do tempo consagrado a outras atividades improdutivas, ainda que ligadas à produção (higiene após o trabalho profissional, recolhimento ou devolução, das ferramentas, etc.), do tempo utilizado para os deslocamentos entre o local de trabalho o local de moradia e do tempo destinado às obrigações domésticas ou familiais: tarefas ligadas à casa, educação das crianças (afora a participação dos jogos) e arranjo das atividades de manutenção vital: sono, refeições, higiene pessoal. [...]Tempo livre: ele inclui, por um lado, atividades espirituais, atividades sócio-política e, por outro, lazeres[8].

Adriana Wyzykowski é enfática na diferenciação entre tempo livre, descanso e lazer. O tempo livre é o tempo disponível tanto para o descanso, quanto para o lazer. Um tempo sem obrigações relacionadas ao labor. Ou seja, o descanso e o lazer estão incluídos no tempo livre.

O descanso está relacionado à recuperação do corpo e mente, ou seja, uma necessidade que o trabalho não pode negligenciar. E o lazer está relacionado a algo mais afirmativo, para além de uma necessidade biológica, e ainda que interfira no trabalho, está mais relacionado ao homem voltado para si mesmo[9].

Além disso, há diversas atividades de lazer que são muito diferentes do repouso, como a prática de esportes, alguns passeios turísticos etc.

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Heloisa Bruhns, baseando-se em ideias de De Grazia, afirma que:

[...] lazer e o tempo situam-se em dois mundos diferentes, uma vez que todos podem ter tempo livre e nem todos podem ter lazer. O tempo livre é uma idéia de democracia realizável; o lazer não é totalmente realizável, sendo, portanto, um ideal e não somente uma idéia. O tempo livre refere-se a uma forma determinada de calcular uma determinada classe de tempo; o lazer é uma forma de ser, uma condição do homem, que poucos desejam e dentre estes menos alcançam[10].

Porém, é possível perceber o quanto o pouco tempo livre influencia significativamente na qualidade do lazer, conforme Russell:

Os prazeres das populações urbanas se tornaram fundamentalmente passivos: ver filmes, assistir a partidas de futebol, ouvir rádio e assim por diante. Isto ocorre porque as energias ativas da população estão totalmente absorvidas pelo trabalho. Se as pessoas tivessem mais lazer, voltariam a desfrutar prazeres em que participassem ativamente[11].

A diferença entre tempo livre e lazer leva Heloisa Bruhns aos seguintes questionamentos:

[...] Como se pode estar livre para optar se precisamos trabalhar todo dia? Como pode ser livre o tempo se necessitamos estar preparados para voltar ao trabalho à hora em ponto, e se também o tempo livre está marcado pelo relógio? O tempo livre é: o permitindo pelo trabalho e o que a reação ao trabalho permite. Para o primeiro tem uma licença; o segundo pode ser licencioso; o terceiro é o lazer: brilha pela ausência[12].

O que não pode ser negligenciado é a noção que o tempo livre, ainda que independente do trabalho, exerce influência sobre ele e vice versa. É através do tempo livre que o empregado renova suas forças físicas e mentais através do repouso, adquire mais matéria-prima criativa através do lazer. É através do trabalho que se adquire condições para usufruir certas atividades de lazer, como viagens turísticas, a compra de ingressos para espetáculos etc.

Alain Corbin ilustra muito bem a relação entre às férias com o lazer:

[...]Este tempo inventado que sanciona o desejo de disponibilidade, permite a atenção ao eu, a experiência do eu, até a revelação do eu. É o tempo em que o corpo regressa a uma existência esquecida. O tempo das férias foi-se tornando a pouco e pouco um elemento determinante da construção das identidades. E por isso situa-se no centro da história social[13].

De todas as possibilidades de tempo livre, as férias são o direito que mais gera possibilidade de uma consciência da importância do lazer.

Corbin acrescenta que “foi pelas férias que a classe operária teve a possibilidade de entrar na era do lazer”[14]. Porém está limitado, geralmente, a 30 dias por ano. Nem pode ser considerado a única possibilidade de lazer dos trabalhadores.

Corbin acrescenta que, em relação à civilização rural tradicional, não se percebe nitidamente uma separação entre trabalho e tempo livre[15]. Joffre Dumazedier também identifica dificuldades em separar tempo livre e lazer, mesmo na população urbana atual:

Sem a possibilidade de delinear com clareza o quadro de referências das obrigações familiares, torna-se difícil saber como o lazer se insere realmente na trama das atividades domésticas e familiares. Há diferenças  incomparáveis entre o tempo de trabalho profissional e o tempo de trabalho doméstico profissional e de forma alguma um não poderia ser comparado ao outro [...] Caso se pretenda oferecer bases psicossociais a esses novos modelos culturais, será essencial considerar o conjunto das atividades familiares como um sistema dinâmico de obrigações e lazeres, de semi-obrigações e de semilazeres, em situação em situação de equilíbrio e desequilíbrio, no qual seja levado em consideração tanto o ponto de vista individual quanto o institucional[16]. (grifos do original)

O aprofundamento destas questões, envolvendo a separação entre “trabalho e tempo livre”, entre “tempo livre e lazer” exige um delineamento maior de todos os conceitos.

1.1. A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO NEGATIVO DO LAZER

O protestantismo foi fundamental na construção negativa em torno do lazer, por considerar o trabalho a única atividade que enobrece o homem, e considerar todas as outras como inimigas do trabalho[17]. Já o catolicismo entendia a vida se destinava à dura labuta, como expiação do pecado original, considerando o ócio como pai de todos os vícios[18].

Nietzsche rebate este conceito negativo do protestantismo e catolicismo, dizendo que ócio não se concretiza pela preguiça e que seria o caminho para todas as virtudes[19]:

Como sinal de que o prestígio da vida contemplativa baixou, os eruditos competem hoje com os homens de ação numa espécie de prazer apressado, de modo que parecem também eles apreciar mais essa maneira de prazer do que aquela que lhes convém verdadeiramente e que, de fato, dá muito mais gosto. Os eruditos se envergonham do otium (ócio). Entretanto, é uma nobre coisa o lazer e a ociosidade. Se a ociosidade é realmente o começo de todos os vícios, então se encontra também pelo menos na vizinhança imediata de todas as virtudes; o homem ocioso é sempre um homem melhor que o de ação. Mas não imaginam, contudo, que ao falar em ócio e ociosidade me refiro a vocês, ó preguiçosos?[20]

Vale ressaltar que “homens de ação”, para Nietzsche, são aquelas pessoas escravizadas pela atividade irracional.

De Masi, analisando a palavra “ócio”, percebe a existência de 15 sinônimos dos quais apenas de 3 é possível construir um significado positivo: “lazer”, “trabalho mental suave” e “repouso”. Do resto são ligadas à omissões ou ações reprováveis como “apatia”, “indolência”, “vagabundagem”, “preguiça”, etc[21].

Alves Junior e Melo sistematizaram os equívocos que tem se perpetuado historicamente, até os dias atuais em torno do lazer:

[...] O lazer seria menos importante que o trabalho [...]menos importante que a educação, a saúde e outras urgências sociais [...] é um momento de não fazer nada, de ficar parado, um momento de fuga da realidade [...] exclusivamente relacionado com o tempo que sobra do trabalho?[22]

Tanto o trabalho quanto o lazer deveriam ser considerados importantes e na mesma medida. A mesma relação deveria ter com a educação e saúde: inclusive, o lazer está intimamente relacionado com ambas. Não fazer nada é uma das possibilidades do tempo livre, jamais a única.

Atualmente, para a maioria, o lazer é um tempo de descanso e festa, encaradas negativamente por influência da Igreja. Para os ricos, “o ócio passa a ser um tempo de exibição social e de exposição de gostos (e gastos) luxuosos”[23]. Há grande difusão de um sentido de lazer associado à fuga: não pensar em nada, desligar a mente, algo que este trabalho irá se afastar consideravelmente.

1.2. O CONTROLE SOCIAL ATRAVÉS DO LAZER E POLÍTICAS PÚBLICAS

O lazer não pode ser ingenuamente considerado apenas como momento de desenvolvimento do indivíduo. O indivíduo de jure também se aprisiona no lazer, mas o lazer é o caminho para torná-lo indivíduo de facto.

A famosa política do “pão e circo”, tem o intuito de controlar as massas: do Coliseu aos estádios de futebol e a televisão. Alves Junior e Melo alertam para algo muito importante:

Atenção, não sejamos lineares: esse processo de controle, embora muito forte, não é perfeito, ele deixa possibilidades de resistência e reelaboração. Da mesma forma, devemos tomar cuidado com prejuízos que estabelecem equivocadas hierarquias entre as atividades mais “intelectuais” (supostamente superiores) e as mais “físicas” (supostamente inferiores)[24].

Angela Brêtas, por exemplo, pesquisou com profundidade o Serviço de Recreação Operária na época de sua maior atuação (1943-1945), quando presidido por Arnaldo Süssekind (um dos integrantes da comissão responsável pela elaboração da CLT). Além dos objetivos explícitos pelo Ministério do trabalho, ela identificou mais cinco objetivos:

[...] a) estimular a sindicalização; b) integrar o conjunto de realizações que possibilitam a concretização do discurso político da época acerca da preocupação do Estado com aspectos da vida do trabalhador, situados para além da proteção das leis trabalhistas e do amparo da previdên­cia social; c) controlar e disciplinar o tempo livre do operário de modo a promover uma mudança em seus costumes lúdicos; d) recuperar a energia física e mental do operário de modo a prevenir os efeitos da fadiga; e) sistematizar uma experiência de educação não-formal do trabalhador e elevar seu nível cultural[25].

Tal empreendimento estatal tinha apenas o nítido objetivo de controle, sem qualquer motivação emancipadora.

Dumazedier aponta para três hipóteses sobre o condicionamento social do lazer, indicando a terceira como a mais grave:

[...] A função de desenvolvimento do lazer é frequentemente entravada em proveito da função de divertimento, recreação e entretenimento. [...] Nesse sistema tudo acontece como se as atividades de lazer fossem tão só um meio de fazer com que o homem voltasse à idade infantil [...]Talvez o mal seja ainda mais grave: a fim de que a mercadoria se venda com certeza, o conteúdo dos “mass-media” deve não só convencer como impressionar, não só informar como subjugar. Tudo acontece como se a maioria pensasse que o homem deveria ser reduzido a seus instintos e ao dinheiro que possui no bolso. Resulta um sistema verdadeiramente simples: basta estimular os primeiros para esvaziar o segundo. Daí muitos programas comerciais de rádio e televisão serem dirigidos preferencialmente para estimular o desejo de dinheiro, o desejo de agressão e o desejo erótico[26].

A hipótese mais relevante é aquele que envolve os instintos humanos e sua renda. Ou seja, o indivíduo de jure também se aprisiona no lazer.

Apesar de ser um processo de controle, determinado, mesmo que não exclusivamente, pelas condições econômicas, há possibilidade de resistência e reelaboração. O segundo ponto do equívoco é adotar falsas hierarquias entre as atividades intelectuais e físicas[27].

O Estado tem ampla responsabilidade na concretização do lazer ou na geração de tempo livre. Alan Corbin trata, por exemplo, da influência da iluminação pública:

A iluminação pública desempenha aqui um papel determinante: ilumina a vida social do Império e permite prolongamento do tempo de consumo, fornecendo o ambiente de segurança indispensável ao aparecimento de uma iluminação comercial que se reveste, na vivacidade do néon, e a acreditar nos relatos de viagens que referem, todos eles, as noites parisienses, o tom festivo de um fogo de artifício permanente[28].

As férias, que já foram abordadas, também influenciam setores importantes para a economia ligada ao lazer: o turismo. Joffre Dumazedier aborda que a falta de organização na distribuição das saídas de férias gera diversos problemas:

Uma outra série de problemas especiais exerce grande influência sobre o futuro do turismo: os problemas ligados à distribuição das saídas das férias, durante o ano. Sabe-se da atração exercida pelo início das grandes férias escolares e preferem essa época mais da metade dos franceses que gozam férias. São inúmeros os inconvenientes dessa preferência: não aproveitamento do equipamento turístico durante o ano de trabalho que se torna insuficiente no decorrer do período de férias; elevação anormal de preços, especulações que proporcionam lucro aos ricos e aumentam a desigualdade dos que gozam férias favorecendo novos fenômenos de segregação nos locais onde as pessoas passam férias, comparáveis ao que acontece nas zonas periféricas operárias das aglomerações. Os chamados “férias pagas” são colocados à parte e considerados turistas menores. O trânsito torna-se difícil e quase impossível, multiplicam-se os acidentes[29].

O papel do Estado é desvincular o lazer do consumo, a fim de democratizá-lo e isso se dá também através dos espaços públicos.

1.3. CONCEPÇÕES SOBRE O LAZER: A BURGUESA E A MARXISTA

É importante refletir sobre a dicotômica compreensão sobre o lazer para o aprofundamento adequado sobre o tema. A adesão por uma ou outra compreensão terá efeitos substanciais neste trabalho, pois focam, basicamente, na função do lazer.

Alves Junior e Melo compreendem a concepção burguesa através de uma ambivalência história, pois a mesma burguesia que lutava contra as reivindicações operárias referentes ao aumento do tempo livre e diversão popular, atualmente, ao ceder às reivindicações, passa a controlar o lazer, através do estímulo ao consumo e propagação de valores para a manutenção da ordem. Assim, é construída uma concepção funcionalista do lazer: conservação do status quo[30].

Já a concepção marxista, altamente crítica à anterior, denuncia o caráter alienado e patológico do tempo livre/lazer, pois ele se destina exclusivamente para mascarar as contradições e contribuir para a perpetuação do sistema. A concepção marxista, que este trabalho se filia, entende que o lazer deve ser um fenômeno transformador do homem e da sociedade como um todo[31]. Mais uma vez, vale lembrar, que o indivíduo de jure não pode se tornar indivíduo de facto sem antes tornar-se cidadão. O lazer como fenômeno transformador da sociedade não pode ser negligenciado.

Neste mesmo sentido, Joffre Dumazedier defende um lazer humano capaz de humanizar o trabalho:

O lazer constitui um fato social de alta importância, condicionado evidentemente pelo tipo de trabalho que por sua vez exerce sua influência sobre ele. Ambos formam um todo. O trabalho só será humano se permitir ou suscitar um lazer humano. Porém o lazer que não passar de uma simples evasão do trabalho, de uma fundamental falta de interesse pelos problemas técnicos e sociais do trabalho só será uma falsa solução dos problemas da Civilização Industrial. Não é possível também tratar separadamente e, cada um de seu lado, os problemas próprios do lazer e os que pertencem ao trabalho. Na verdade, a humanização do trabalho pelos valores do lazer é inseparável da humanização do lazer determinada pelos valores do trabalho[32].

Enquanto o trabalho é capaz de enobrecer o homem, apenas o lazer pode aperfeiçoá-lo[33].

1.4. O CONCEITO DE LAZER

Várias considerações foram feitas para criar uma base sólida na construção do conceito do lazer. Mas outras ainda são necessárias.

É preciso considerar que o lazer se realiza no tempo livre de todas as obrigações, incluindo não apenas as profissionais, mas também, as religiosas, domésticas e necessidades fisiológicas. O lazer possui compromisso, como a hora do cinema, a hora do encontro com familiares. Mas o grau de obrigação é nitidamente diferente. Em relação ao parâmetro do prazer, vale outra citação fundamental de Alves Junir e Melo:

Outro parâmetro por vezes adotado equivocadamente de forma isolada para definir o conceito de lazer é o prazer, um aspecto essencial para o ser humano. É lógico que esperamos que as práticas de lazer sejam sempre prazerosas, mas isso não deve ser compreendido como exclusividade desses instantes. O trabalho, por exemplo, deveria também dar prazer aos indivíduos[34].

Significa que o trabalho deve promover também o desenvolvimento humano, não apenas um meio de sobrevivência. Aristóteles também diferencia o prazer, afirmando que até um escravo é capaz de fruir os prazeres do corpo, não podendo atribuir-lhe a felicidade, por exemplo[35].

Um atributo que merece maior atenção na caracterização do lazer é a atitude ativa. Joffre Dumazedier para poder conceituar o que seria atitude ativa, esboça três traços fundamentais:

A atitude ativa implica, aos menos periodicamente, uma participação consciente e voluntária na vida social. [...] Não será uma adaptação conformista às normas culturais do meio social, mas a participação acompanhada do desejo de assumir, em todos os níveis, um grau variável de responsabilidade na vida de um grupo, de uma classe e de uma sociedade, sempre determinada por todos eles. Essa participação diz respeito à família, à empresa, ao sindicato, à vida civil, atodos os grupos e modos de vida. [...] Ao menos periodicamente, a atitude ativa implica uma participação consciente e voluntária na vida cultural. [...] A atitude ativa implica um esforço para levar em consideração, compreender, explicar e utilizar os produtos da técnica, das ciências, das artes e, em certos casos, recorre à criação e invenção para enriquecê-los [...] Finalmente, a atitude ativa exige sempre um progresso pessoal livre pela busca, na utilização do tempo livre, de um equilíbrio, na medida do possível pessoal, entre o repouso, a distração e o desenvolvimento contínuo e harmonioso da personalidade. Assim para nós, a atitude ativa é um conjunto de disposições físicas e mentais suscetíveis de assegurar o desabrochar “optimum” da personalidade, dentro de uma participação “optima” na vida cultural e social[36]. (grifos do autor)

Atitude ativa, portanto, é, para o lazer, um conjunto de disposições físicas e mentais. Sem esta atitude, o lazer não se concretiza.

Joffre Dumazedier define o lazer da seguinte forma:

Acreditamos seraum só tempo mais válido e mais operatório destinar o vocábulo lazer ao único conteúdo do tempo orientado para a realização da pessoa com fim último. Este tempo é outorgado ao indivíduo pela sociedade quando este se desempenhou, segundo as normas sociais do momento, de suas obrigações profissionais, familiais, sócio espirituais e sócio-políticas. E um tempo que a redução da duração do trabalho e a das obrigações familiais, a regressão das obrigações sócio-espirituais e a liberação das obrigações sócio-políticas tornam disponível; o indivíduo se libera a seu gosto da fadiga descansando, do tédio divertindo-se, da especialização funcional desenvolvendo de maneira interessada as capacidades de seu corpo ou de seu espirito. Este tempo disponível não é o resultado de uma decisão de um indivíduo; é, primeiramente, o resultado de umaevolução da economia e da sociedade[37].

Sua definição parte de quatro propriedade identificadas no lazer: caráter liberatório, desinteressado, hedonístico e pessoal[38].

O lazer é cultura vivenciada (praticada, fruída ou conhecida) no tempo livre, gerado historicamente, influenciando a estrutura social vigente[39].

Diante do que já foi exposto, o lazer pode ser definido como uma atividade cultural ativa vivenciada no tempo livre das obrigações institucionais, visando, via de regra, ao prazer, transformação social e desenvolvimento pessoal.

Há quem diferencie lazer de recreação, pois, com o tempo, esta passou a ser utilizado para definir um conjunto de atividades, jogos e brincadeiras[40]. Este trabalho irá adotar também estas diferenciações.

Aristóteles dizia que apesar do entretenimento ser também uma atividade desejável em si mesma, é preciso destaca-las das ações nobres e virtuosas. Que a busca séria e esforço por pura recreação seria uma atitute tola e extremamente pueril. Ele avança dizendo que a recreação pode se enquadrar no repouso, uma forma de repouso, e repousamos porque não podemos trabalhar initerruptamente, o que evidencia que não é um fim em si mesmo[41].

1.5. O CONCEITO DE SEMILAZER

Para prosseguir com o trabalho, a definição do lazer deve perpassar por aquilo que não é ou pelo o que se relaciona com ele. Um conceito que não pode ser negligenciado é o semilazer, principalmente por este trabalho adotar a chamada concepção marxista do lazer. Alves Junior e Melo, baseando-se nos estudos do sociólogo Joffre Dumazedier, denomina de semilazer as atividades que estão entre o lazer e o trabalho[42]. Eles chamam atenção que, às vezes, o lazer incorpora especificidades do trabalho e vice-versa.

Joffre Dumazedier afirma que são atividades parcialmente obrigatórias, parcialmente desinteressadas, está na intersecção dos dois conjuntos: trabalho e lazer[43]. E complementa exemplificando:

O semilazer é uma atividade mista em que o lazer é misturado a uma obrigação institucional. É o que sucede quando o esportista é pago por uma parte de suas atividades; quando o pescador de vara vende alguns peixes[44];

É o que alguns chamam de “produtivização do lazer” e “pseudoludicidade do trabalho”. Uma excursão turística com um programa extremamente rígido, horários apertados, cheio de correria, está usando a lógica da rotina diária laboral para o lazer, ou seja, há a “produtivização do lazer”. Isso é comum com quem sofre da “síndrome do lazer”, ao ponto de entrar em depressão ou até problemas físicos, quando deixam de trabalhar. E, por outro lado, quando o trabalho permite vivência lúdicas no ambiente laboral, com sala de repouso, máquina de games, etc., há a “pseudoludicidade do trabalho”, pois se transforma, na verdade, como uma forma de prolongar a jornada[45].

Valquíria Padilha, tratando do semilazer, indica os principais motivos da implantação desta modalidade e deixa claro que se trata, para os fins que interessa a este trabalho, de medida paliativa:

Quando as empresas criam espaços de lazer, de convivialidade e de atenção à saúde de seus funcionários, podem estar desenvolvendo uma política de gestão de pessoas que ganhe pontos em classificações dos melhores locais para se trabalhar, a exemplo do Guia Exame analisado anteriormente. Certamente, nos limites de uma humanização do capitalismo, academias de ginástica, massagens, tai chi chuan, salas de televisão e de relaxamento no meio do expediente de trabalho podem trazer alívios imediatos a alguma dor no corpo, cansaço físico ou mental. Seus benefícios a curto prazo não estão sendo questionados. Mas o que não podemos perder de vista é que essas medidas são paliativas e estão muito longe de tocar no âmago do problema[46].

A diferenciação entre lazer e semilazer revelará a dificuldade de sua aplicação positiva no caso concreto, porém não será objeto deste trabalho.

Sobre o autor
Rodrigo Maia Santos

Advogado mestrando em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Pós-graduado (especialização) em Direito Público pela Universidade Anhanguera-UNIDERP; Pós-graduado (especialização) em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-UNIDERP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Rodrigo Maia. A definição jurídica do lazer. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4938, 7 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54942. Acesso em: 22 nov. 2024.

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