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A definição jurídica do lazer

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07/01/2017 às 09:23
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3.    A DEFINIÇÃO JURÍDICA DO LAZER

Definido adequadamente o lazer no capítulo anterior, é preciso, nesta etapa da pesquisa, encontrar a posição do direito ao lazer no ordenamento jurídico brasileiro para utilizar as consequências práticas e teóricas para a interpretação e aplicação deste direito. A declaração do lazer se encontra na Constituição da seguinte forma:

TÍTULO II

Dos Direitos e Garantias Fundamentais

[...]

CAPÍTULO II

DOS DIREITOS SOCIAIS

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição[47]. (grifos do autor)

O direito ao lazer é, de acordo com a própria Constituição, um direito fundamental social. Neste momento, já é possível conhecer a natureza do direito ao lazer e daí, extrair as consequências jurídicas.

Como todo direito fundamental, tem um papel emancipatório e está localizado no uso ativo do tempo livre.

O grande desafio do direito ao lazer é encontrar uma definição jurídica, pois ela não se encontra expressamente. Por isso é importante, uma vez já encontrada sua natureza, buscar seus limites e diretrizes para sua definição jurídica.

A chave para encontrar o conceito do direito ao lazer está na expressão contida no caput do art. 6º que diz que o direito ao lazer é direito social “na forma desta Constituição”. Ou seja, não é porque o direito ao lazer não tem definição expressa que qualquer definição poderá ser aplicada, pois, só é direito social ao lazer o que for definido dentro dos parâmetros constitucionais.

Com base no conceito adotado do lazer[48] e da natureza do direito ao lazer[49], será imprescindível um critério fundamental para sua definição jurídica. É preciso verificar se o conceito adotado no capítulo anterior sobre o lazer é compatível com o direito ao lazer previsto na Constituição.

Segundo o art. 6º da CRFB/88, o lazer é um direito fundamental social. Mas o lazer só assim será “na forma desta Constituição”. Ou seja, o conceito do lazer deve observar todo o sistema constitucional para ser possível qualificá-lo como direito fundamental.

Pode-se observar que o direito ao lazer é mencionado diretamente em outras passagens constitucionais:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:[...]

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com [...] lazer [...][50]; (grifos do autor)

No trecho constitucional acima, o lazer, além de um direito fundamental social, conforme o artigo anterior, deve ser considerado, inclusive, na composição do salário mínimo dos trabalhadores. Não apenas do próprio trabalhador, mas de sua família também. Na terceira menção direta ao termo “lazer”, verifica-se que o Poder Público tem o dever de incentivar o lazer. Além disso, deve considerar o lazer como “forma de promoção social”:

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:

[...]

§ 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social[51]. (grifos do autor)

Ora, se o lazer é uma forma de promoção social, o lazer não pode ser considerado como sinônimo de “recreação”, “descanso”, ou qualquer atitude passiva ou conformadora.

Em relação à criança, adolescente e ao jovem, não apenas o Poder Público, mas a família e a sociedade deverá assegurar com prioridade o direito ao lazer a este público:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão[52]. (grifos do autor)

Até este ponto, podemos verificar os deveres da sociedade, família, Estado e empregador em relação ao direito ao lazer. E há também a coerente menção do lazer como forma de promoção social.

Diante de todo o exposto, foi possível demonstrar que a definição desenvolvida de forma transdisciplinar sobre o lazer é a mais adequada para enquadrar o lazer como direito fundamental social, pois ela está adequada à forma constitucional exigida no mesmo artigo que a prescreve.

O direito ao lazer é, portanto, um direito fundamental social que assegura a prática de atividades culturais ativas vivenciadas no tempo livre das obrigações institucionais, visando, via de regra, ao prazer, transformação social e desenvolvimento pessoal.

Apesar da exposição breve, já se mostra possível aplicar o direito ao lazer como paradigma interpretativo das normas trabalhistas, por exemplo, reinterpretando normas ligadas aos direitos fundamentais concorrentes, como intervalos, férias, jornada etc.


4.    CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na aplicação do direito fundamental social ao lazer, é preciso, antes de tudo, que o interprete ou profissional do direito deixe claro a definição do lazer que está utilizando. Só assim será possível expor a adequação à exigência de se adequar às formas constitucionais que permite que o lazer seja, de fato, considerado como direito fundamental social.

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Neste trabalho utilizou-se como premissa principal que o lazer é uma atividade cultural ativa. A expressão “ativa” é a palavra chave para diferenciar outras práticas vivenciadas dentro do tempo livre, como recreação, descanso etc.

Sendo prática ativa, dentro do tempo desvinculado direta e indiretamente da produção de capital, foi possível identificar sua natureza emancipatória.

Apesar de sua breve exposição, ficou demonstrado que o conceito do direito ao lazer não está aberto a qualquer definição, não sendo possível que o mero senso comum defina. Caberá ao magistrado, por exemplo, ter em mente que definição de lazer está usando no momento que estiver interpretando alguma norma que o lazer tem influência, especialmente as normas trabalhistas.


REFERÊNCIAS

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DE MASI, Domenico. O ócio criativo: entrevista a Maria Selena Palieri. Tradução de Léa Manzi. 1ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.

DUMAZEDIER. Joffre. Lazer e Cultura Popular. Tradução de Maria de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Perspectiva, 1973.

_________________. Sociologia Empírica do Lazer. Tradução de Silvia Mazza e J. Guinsburg. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2008.

LUNARDI, Alexandre. Função Social do Direito ao Lazer nas Relações de Trabalho. 1ª Ed. São Paulo: LTR, 2010.

MAFFESOLI. Michel. O Instante Eterno: o retorno do trágico nas sociedades pós-modernas. Tradução de Rogério de Almeida e Alexandre Dias. 1ª ed. São Paulo: Zouk, 2003.

MARCELLINO. Nelson Carvalho (Org.). Lazer e sociedade: Múltiplas Relações. Campinas, SP: Ed. Alínea, 2008.

NIETZSCHE, Humano, Demasiado Humano. Tradução de Antonio Carlos Braga. 2ª ed. São Paulo, Ed. Escala.

RUSSELL, Bertrand. O elogio ao ócio. Tradução de Pedro Jorgensen Júnior. 3ª ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2002.

WYZYKOWSKI, Adriana Brasil Vieira. A Concretização do Direito Fundamental ao Lazer nas Relações de Emprego. 2012. 238 f. Dissertação (Mestrado em Relações Sociais e Novos Direitos) – Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador. 2012.

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Sobre o autor
Rodrigo Maia Santos

Advogado mestrando em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Pós-graduado (especialização) em Direito Público pela Universidade Anhanguera-UNIDERP; Pós-graduado (especialização) em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-UNIDERP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Rodrigo Maia. A definição jurídica do lazer. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4938, 7 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54942. Acesso em: 26 abr. 2024.

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