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A responsabilidade civil pela perda de uma chance nas relações jurídicas civis e do trabalho

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4. A TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DA PERDA DE UMA CHANCE:

Do breve estudo realizado acerca do instituto da responsabilidade civil verificou-se serem pressupostos basilares para que ocorra a obrigação de indenizar uma conduta, um dano, o liame de causalidade entre estes e um nexo de imputação.

A teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance assenta no primado de que, aquele que deixa de obter um ganho ou de evitar uma perda, em razão da conduta de outrem, deverá ser indenizado.

Ocorre que as situações nas quais alguém teve retirada uma chance séria e real de obter uma vantagem não se enquadrariam nestes pressupostos essenciais, porquanto não se pode afirmar com certeza se a conduta do agente foi causadora do dano, ou que sem esta conduta a vantagem seria obtida ou o prejuízo evitado.

Lado outro, constata-se que, o instituto da responsabilidade civil, atualmente funda-se em um paradigma solidarista, buscando sempre que possível dividir o prejuízo de forma que não seja suportado apenas pela vítima, quando esta não foi a única causadora.

Não obstante desprovida de certeza acerca do nexo de causalidade da conduta do agente e do prejuízo final, denota-se um dano injusto, qual seja, o da chance perdida. Diante desta atual concepção do instituto da responsabilidade civil, cria-se a possibilidade de ressarcimento de danos outrora desconsiderados.

Abandona-se a visão tradicional e materialista da análise do dano, a qual permite somente o ressarcimento predominantemente dos casos onde a diminuição patrimonial seja facilmente perceptível, ou seja, os casos de dano emergente e lucro cessante, para ampliar os critérios de identificação da ocorrência do dano, em resposta aos novos anseios sociais.

O Direito, enquanto instrumento de regulação social, sempre deve se adaptar às novas transformações sociais a fim de cumprir seu papel da melhor forma possível. No âmbito do direito privado, as transformações sociais vêm influenciando fortemente as relações entre os particulares, o que força o judiciário a interferir de forma mais incisiva nestas relações.

Por muito tempo o direito ignorou a possibilidade de se responsabilizar o autor do dano que gerou a perda de uma oportunidade ou de evitar um prejuízo a outrem argumentando que aquilo que não aconteceu não pode nunca ser objeto de certeza a ponto de propiciar uma reparação. Igualmente à postura da doutrina, os tribunais costumavam exigir, por parte da vítima que alegasse a perda de uma chance, prova inequívoca de que se não fosse o evento danoso, a vítima teria conseguido o resultado que se diz interrompido.

Regra geral, os pedidos são feitos de forma inadequada, buscando-se indenização por conta da perda da vantagem perdida e não pela perda da oportunidade de obter a vantagem ou de evitar o prejuízo. Todavia, uma coisa é a perda da vantagem esperada; outra é a perda da chance de obter a vantagem ou de evitar um prejuízo. É a última hipótese que pode justificar o pedido de indenização.

No sentido jurídico, a chance ou a oportunidade é a probabilidade de alguém obter um lucro ou evitar um prejuízo.

Impõe-se o requisito de demonstração da seriedade das chances perdidas. Não basta a mera possibilidade da ocorrência da chance, é preciso que esta seja séria e real, de modo que danos hipotéticos ou eventuais não ensejam indenização.

O que se indeniza não é o valor patrimonial total da chance por si só considerada, como equivocadamente se tem visto na maioria dos pedidos. O que se indeniza é a possibilidade de obtenção do resultado esperado; o valor da indenização deve ser fixado tomando-se como parâmetro o valor total do resultado esperado e sobre este incidindo um coeficiente de redução proporcional às probabilidades de obtenção do resultado final esperado.

Assim, como não se pode exigir a prova cabal e inequívoca do dano, mas apenas a demonstração provável da sua ocorrência, a indenização, coerentemente, deve ser proporcional à possibilidade maior ou menor de obtenção do resultado almejado.

Não obstante a ausência de previsão legal específica no Código Civil Brasileiro regulamentando a reparação pela chance perdida pode-se considerar a aceitação da teoria pelo ordenamento jurídico respaldada numa interpretação sistemática e teleológica dos dispositivos que regulamentam a obrigação de indenizar, em consonância com os princípios insculpidos na Constituição Federal.

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Neste panorama, adquire relevância o princípio da reparação integral do dano, que se extrai do disposto nos arts. 403 e 944 do Código Civil, cuja importância “consiste na sua adequação à exigência fundamental da justiça” [21].

Na visão de Tepedino:

Negar a indenização pela chance da perdida seria um retrocesso à evolução da responsabilidade civil, que hoje atua com arrimo nos princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da justiça distributiva, em consonância com a Constituição Federal de 1988, baseada em um paradigma solidarista [22].           

Deixar que o lesado suportasse a perda de uma chance que outra pessoa impediu que se realizasse, cria um manifesto sentimento de injustiça na vítima, e iria de encontro a esta concepção solidarista da responsabilidade civil. Nesse sentido, argumenta Sérgio Savi:

A perda de uma chance, por sua vez, na grande maioria dos casos será considerada um dano injusto e, assim, passível de indenização. Ou seja, a modificação do foco da responsabilidade civil, para a vítima do dano injusto, decorrente da evolução da responsabilidade civil, acaba por servir como mais um fundamento para a indenização desta espécie de dano[23].

De fato, o maior obstáculo encontrado para a admissão da teoria da perda de uma chance reside na dificuldade de se demonstrar que a conduta de outrem gerou um dano, esbarrando-se em um problema de certeza dos pressupostos da responsabilidade civil.

Com efeito, a impossibilidade da indenização de danos meramente hipotéticos ou eventuais está assente na doutrina, entretanto, exige-se para a comprovação do prejuízo o liame de causalidade, ainda que parcial.

Portanto, não há que se falar na ausência dos pressupostos da responsabilidade civil, uma vez que subsiste uma conduta, um dano, um nexo de causalidade e um nexo de imputação. Todavia, o nexo de causalidade será perquirido através do liame existente entre a conduta do agente e o dano da perda da chance, e não propriamente do dano final.


5. A ORIGEM DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NO DIREITO COMPARADO:

A perda de uma chance, perte d’une chance, foi uma teoria difundida pelos Tribunais Franceses ao aplicarem as regras da responsabilidade civil.

As primeiras manifestações da reparação das chances perdidas na França ocorreram no fim do século XIX.

Os irmãos Mazeaud[24], ao relacionarem decisões em que seria possível indenizar as chances perdidas mencionaram o julgado de 1896, da Corte de Apelação de Limoges, que tratava do pleito indenizatório formulado por um proprietário de cavalos contra uma companhia de transportes, pelo fato de o animal não ter chegado a tempo de participar da corrida. O pedido, seguindo a linha do que decidido em primeira instância, fora rechaçado por não haver certeza de que o cavalo venceria o páreo.

Henri Lalou[25] também relacionou uma série de julgados nos quais as oportunidades perdidas deixaram de ser indenizadas ao argumento da incerteza, desde o final do século XIX até a década de 1930. Foi essa, por exemplo, a razão que fez com que o Tribunal de Meaux, em 1920, julgasse improcedente o pedido formulado pelo pai de uma criança, morta em acidente, de reparação concernente ao amparo alimentar que o filho poderia lhe prestar quando atingisse a idade de adentrar ao mercado de trabalho.

Um caso emblemático na França adveio da 1ª Câmara da Corte de Cassação, por ocasião da reapreciação de caso julgado pela Corte de Apelação de Paris, em julho de 1964, a decisão que inaugurou na jurisprudência francesa os fundamentos da teoria da perda de uma chance. O caso narrou à acusação e posterior condenação de um médico ao pagamento de uma pensão devido à verificação de falta grave contra as técnicas da medicina, sendo que foi considerado desnecessário o procedimento que adotado pelo médico, consistente em amputar os braços de uma criança para facilitar o parto.

A Corte Francesa considerou haver um erro de diagnóstico, que redundou em tratamento inadequado. Entendeu-se, logo em sede de 1ª instância, que entre o erro do médico e as graves consequências, isto é, entre a conduta médica e a invalidez do menor, não se podia estabelecer de modo preciso um nexo de causalidade. Contudo, a Corte de Cassação assentou que presunções suficientemente graves, precisas e harmônicas podem conduzir à responsabilidade. Tal entendimento foi acatado a partir da avaliação do fato de o médico haver perdido uma chance de agir de modo diverso, condenando-o a uma indenização de 65.000 francos.

Diante de tal precedente, a doutrina estrangeira passou a reconhecer a Teoria da Perda de uma Chance como válida e existente. Na Itália, muitos foram os estudos e avanços da doutrina que passou a reconhecer a possibilidade de se indenizar pela chance perdida, sempre que pudessem ser consideradas atuais, sérias e reais as oportunidades de obtenção de certa vantagem, que já existia no patrimônio da vítima no momento da lesão.

A doutrina francesa majoritária sustenta a existência de duas hipóteses da perda de uma chance. A primeira é denominada de “casos clássicos” de perda de uma chance, representando as situações em que se possui um dano autônomo e independente do final. A segunda trata dos casos de perda de uma chance na seara médica[26].


6. A APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NO BRASIL:

Como se viu a teoria da perda de uma chance, fruto de construção doutrinária francesa e italiana, em linhas gerais configura-se na possibilidade de obter indenização em decorrência da perda da oportunidade de alcançar determinado resultado ou evitar determinado prejuízo.

No Brasil, a adoção da responsabilidade civil baseada na perda de uma chance é relativamente nova. Seu estudo e aplicação ficaram a cargo da doutrina e jurisprudência, na medida em que o Código Civil de 2002 não fez menção a ela. Mas, na verdade, ainda há ausência de critérios argumentativos que tragam uniformidade aos casos concretos.

A perda de uma chance surge como uma nova categoria de dano indenizável, mas, torna-se essencial que a oportunidade seja plausível e não aponte uma simples quimera. Trata-se da probabilidade real de que o evento ocorresse e se não fosse à intervenção do agente. A chance deve ser séria, viável e considerável, não há hipótese de admitir a oportunidade meramente eventual.

Em muitos casos, a jurisprudência enquadra o dano da perda de uma chance como lucro cessante em outros casos como danos emergentes.

De acordo com a conceituação de Sergio Cavalieri Filho, lucro cessante consiste “na perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima”[27].

Ora, a teoria da perda da chance visa reparar a perda da oportunidade de conseguir uma vantagem e não a perda do ganho esperável, este sim, capaz de configurar o lucro cessante.

No caso de lucro cessante, se tem certeza que a vítima teria um ganho futuro, só não se sabe de quanto seria exatamente este ganho. Por outro lado, na perda de uma chance, não se tem certeza que o indivíduo auferiria o lucro, mas justamente o que se pretende indenizar não é a perda do lucro esperável e sim a perda da oportunidade de conseguir este lucro.

Quanto à distinção entre os conceitos de lucro cessante e perda de uma chance, Sergio Savi assim se posiciona:

[...] é possível estabelecer algumas diferenças entre os dois conceitos. A primeira delas seria quanto a natureza dos interesses violados. A perda de uma chance decorre de uma violação a um mero interesse de fato, enquanto o lucro cessante deriva de uma lesão a um interesse subjetivo.[28]

Sílvio Sálvio Venosa[29] afirma, ainda, que a perda da chance pode ser considerada uma terceira modalidade de dano, “a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante”. Sérgio Cavalieri Filho[30], por sua vez, sustenta que a teoria “guarda certa relação com o lucro cessante”.

Entretanto, para a maioria da doutrina, a perda da chance configura-se um dano material e autônomo, eis que se baseia na perda da oportunidade de obter um lucro/vantagem ou evitar um dano. Esta perda apenas ocorre porque um ato ilícito interrompe o curso normal dos acontecimentos antes da concretização da oportunidade.

Por fim, vale mencionar que Fernando Noronha[31], Rafael Peteffi da Silva[32] e Sérgio Savi[33], analisaram a recepção da teoria da perda de uma chance na esfera trabalhista e do direito de família.

Sobre os autores
Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas

Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Del Rey – Uniesp - Professora de Direito da PUC MINAS e Faculdades Del Rey – UNIESP. Professora-tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Corregedor. Doutora e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC.

César Leandro de Almeida Rabelo

Professor da Universidade Federal do Estado de Minas Gerais. Bacharel em Administração de Empresas e em Direito pela Universidade FUMEC. Especialista em Docência no Ensino Superior pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pelo Centro de Estudos da Área Jurídica Federal. Mestrando em Direito Público pela Universidade FUMEC. Advogado do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade FUMEC. E-mail: cesarabelo@yahoo.com.br

Carlos Brandão Ildefonso Silva

Professor do Instituto Metodista Izabela Hendrix. Mestre em Direito Privado pela PUCMINAS Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito de Família e Sucessões pelo IEC-PUCMINAS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEGAS, Cláudia Mara Almeida Rabelo; RABELO, César Leandro Almeida et al. A responsabilidade civil pela perda de uma chance nas relações jurídicas civis e do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5319, 23 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55127. Acesso em: 24 nov. 2024.

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