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Da teoria da Justiça Universalista.

A experiência da consciência jurídica universal em âmbito universalista

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Agenda 01/08/2004 às 00:00

9. A consciência jurídica como experiência: a égide do Estado Democrático de Direito e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) –

O Estado Democrático de Direito [19], sucessor do Estado Social de Direito, é exatamente o momento da máxima racionalização do Estado, onde a dignidade humana se encontra no cerne da teologia estatal, amparada nos pilares da ordem, da justiça e da liberdade. Diante deste paradigma do Estado, torna-se possível, finalmente, a inclusão dos Direitos difusos (que viabilizam a actio à uma coletividade despersonalizada) aos Direitos anteriormente garantidos (Direitos individuais, políticos, econômicos, sociais, coletivos e individuais homogêneos) e, na tentativa de buscar a almejada inseparabilidade [20] dos mesmos, surge a expressão culminante da sustentação de todo o momento internacional do Direito: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). É a nova politia universal do Direito para todos os homens em todos os quadrantes e momentos, ou seja, universal tanto sob o aspecto da generalidade quanto da abstratabilidade, suportada pelas demais categorias, que ultrapassam tudo o que se pode chamar de normativo até então.

A pessoa humana definitivamente toma o lugar central de todo o ordenamento jurídico, seja o nacional, seja o internacional. Este é o ponto característico de toda a consciência jurídica em seu desenvolvimento histórico-racional, resultando na formação de um homem livre, dotado do saber de sua liberdade. Liberdade dada a priori, fundada no princípio de ordem da razão, dialeticamente construída, que situa-se em plano oposto (antitético) ao da experiência. Com efeito, o que temos é o ser fundando-se no racional do dever ser:

SER RAZÃO DEVER SER
(VIDA RACIONAL) (ORDEM JURÍDICA) (LIBERDADE-RACIONAL)

10. Do Direito Contemporâneo

O Direito Contemporâneo, diante dessa dialética, só pode ser entendido como desenvolvimento da idéia de ordem-justa fundada em garantias para a própria liberdade da pessoa. Para tanto, as regras universais capazes de controlar atos de vontade e, sobre estes, fazerem incidir conseqüências, só existem devido as categorias da exigibilidade, irresistibilidade e bilateralidade que, universais, ensejam a força aparelhada capaz de garantir a decisão objetiva universal.


11. Da Consciência Jurídica universalista como construção jurídica do Direito Internacional Contemporâneo sustentada na Experiência Jurídica Romana -

A consciência jurídica, apriorística a essa dialética da lei moral e da liberdade, é exatamente aquilo que tange os limites do jurídico e, pela sua universalidade, é capaz de interiorizar para o Direito a consciência moral (ou qualquer outra forma de consciência) para tornar sua matéria imanente ao jurídico, ou seja, lei jurídica. Note-se que a consciência jurídica é pura e simplesmente o substrato do Direito, em que a universalidade objetiva do ethos e a universalidade transubjetiva do nós são a exata medida do universal do Direito (universalidade material de valores universalmente tribuíveis e universalidade formal de toda a sociedade, como caracteriza Salgado [21] diante da obrigatoriedade do Direito).

Do universalismo do Direito, enquanto manifestação exterior, ligado a esfera da eticidade que lhe serve de contraponto relacional, mormente o justo-intersubjetivo, surge o sujeito de Direito universal. Note-se: o justo é intersubjetivo pela relação entre as partes que dele participam em sua esfera jurídica, visto que não é possível conflito de interesses sem essas duas esferas, ou seja, dois sujeitos de Direitos subjetivos universalmente tribuíveis, erguidos diante de uma sociabilidade, que é a esfera de relacionamentos de sujeitos.

De outra forma, ele é subjetivo quando posto unilateralmente pelo terceiro neutro: o juiz é a medida da justiça e, para tanto, põe a justiça como produto de uma consciência, que pressupõe englobar todo o caráter da equidade (aplicável ao caso concreto) em um só ser, em uma só consciência. Para tanto, o bem jurídico precisa apresentar estrutura ôntica passível de valoração, estrutura a priori, tornando o sujeito cognoscente capaz de lidar com o processo normativo a partir do cerne do bem jurídico.

A confluência da liberdade com a igualdade, como querem Aristóteles e Kant, só pode ser encontrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948), onde a pessoa é o cerne de todo o ordenamento internacional na sua completude: a garantia da liberdade passa a um nível superior, ou seja, aquilo que podemos chamar de dignidade humana, porquanto liberdade no agir amparada por um pano de fundo de igualdade de oportunidades (igualdade eqüitativa de oportunidades [22]).

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A consciência jurídica universal, nesses termos, encontra-se com todos os valores da ação, no que poderíamos chamar de prudência jurídica, diante da capacidade de separação do que é jurídico e do antijurídico pela dialética do justo e do injusto e, além disso, da (re)valoração proporcionada pelo próprio Direito, na construção de um ordenamento normativo (na sua completude, unidade, coerência e relacionamento com os demais ordenamentos) que possibilita, na individualidade e particularidade do sujeito, a realização da universalidade da sociedade. Portanto, a pessoa humana, enquanto unidade na pluralidade, torna-se capaz, simultaneamente, de garantir, na sua particularidade, a universalidade, pelo uso da actio.


12. Teoria da Justiça Universal –

O Ius Gentium apresenta-se como concepção jurídica particular do Direito e da justiça, entendida esta não necessariamente com a qualidade da universalidade, mas sempre universalista. Como Kant preconizava, a liberdade é a alicerce que sustenta a estrutura do Direito e, por essa via, o Ius Gentium: a sua universalidade vem ao mundo no ato de vontade que, com reconhecimento formalmente universal, funda a criação do Direito material. É a permeação da liberdade pelo "poder da autoridade": a liberdade só é Direito quando mergulhada neste por força da reflexão, da racionalidade; é no recato da liberdade que urge o Direito. A justiça é, nesse diapasão, a racionalidade imanente ao Direito Positivo, capaz de abarcar a transdisciplinariedade como conteúdo, mas sempre juridicamente pensada e refletida. Urge, portanto, a idéia de justiça como um liame da racionalidade no horizonte jusfilosófico e que, sem um princípio distributivo no plano internacional, dificilmente se pode falar em uma sociedade internacional justa. Por isso mesmo a idéia de justiça é a raiz de tais princípios, diante de um processo de formação de um cenário "eminentemente justo" (no sentido da suma busca pela idealidade ontológica do social na reflexão da gnose puramente justa), porquanto da generalidade e abstratabilidade com que lida.

Assim, as raízes da justiça no cenário internacional encontram-se em Kant. Conjecturando a reconstrução kantiana por Salgado [23], a idéia de justiça em Kant pode ser recomposta em três limites, sendo a liberdade de participação na sociedade e a inclusão no que se poderia chamar de "igualdade de oportunidades" o fundamento da consciência jurídica universal. Assim, o mundo contemporâneo percebe a Declaração Universal dos Direitos Humanos como realização dos três valores mais respeitáveis: a igualdade, a liberdade e o trabalho-valor. São, portanto, as finalidades do próprio Direito, ungindo a solução de conflitos a partir de um processo argumentativo-dialético (daí, mais uma vez, a necessidade da dialeticidade em nosso método), qual seja, o contraditório. Assim é que o bem comum (com bases no trabalho-valor) é a exata medida de uma ordem social internacionalmente justa, ou seja, a onto-teleologia dos Direitos Humanos. A legitimidade do Direito vem da justiça, alcançada, esta última, pela racionalidade. Deste modo,

"Eis como a justiça no mundo contemporâneo se manifesta: como efetivação da liberdade na forma de Direitos subjetivos e fundamentais, universalmente reconhecidos numa ordem normativa livremente posta". [24]


13. A consciência jurídica universal em âmbito universalista

O Direito Internacional, nesse quadro, busca a contenção da referida "irracionalidade", derivada, no plano internacional, do "poder" (mediante o uso da força aparelhada). O que se percebe é uma actio de caráter não apenas universal, mas universalista, pois abarca um conjunto superior a simples união de interesses em busca da solução de conflitos, mas que se sujeita a própria representatividade-subjetivada, de onde emerge uma "vontade nacional", ou seja, comum, superior a actio de cada um. Esta "vontade nacional", por sua vez, está contida dentro de uma "vontade global", ou seja, a formação resultante da confluência de "vontades nacionais" mais a variável "Direito", culminando numa necessidade preeminente de busca pela autopreservação: a paz, como expresso na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948) é produto da racionalização da consciência jurídica universal em âmbito universalista, que só encontra um fim no próprio existir, qual seja, a razão de ser por si exatamente porque é para si.

Não obstante, quando a consciência jurídica em sentido formal tange o perímetro do universalismo, sofre influência direta dessa mesma variável, mas de forma diferente do que ocorre no plano interno, qual seja, o "poder individual" (pois o sujeito é capaz de atuar pela jurisdictio) e que, no plano internacional, mostra-se com todo seu vigor e intensidade: as relações que englobam os Estados, e não os indivíduos, se realizam numa constante tensão entre as esferas de Direitos que, a todo momento, encontram-se em um conflito de interesses imanente à própria "estrutura de disparates" presentes no social (ou seja, a falta de "igualdade eqüitativa de oportunidades"): o Direito fica obrigado a reger um sistema de desconformidades tão alarmantes que a sua sustentação depende da consciência jurídica enquanto pautada no consensus, eminentemente discordante, mas que surge de forma impositiva e garante a vigência de uma ordem (mesmo que sobre uma base de tensão entre as diversas esferas estatais).

O Direito, nesse âmbito universalista, não pode ser observado como dialética, mas deve ser entendido diante de uma metodologia "trialética": o justo, o injusto e o Direito são caracteres fundamentais desse processo (superestrutura) em desenvolvimento, erguido sobre uma base (estrutura) dialética do fato e do posto, onde ocorre uma constante (re)valoração do próprio Direito. Note-se: poder aqui não se refere a autoridade capaz de utilizar-se da força justa para por normas, mas a algo político-jurídico, entendido como um limite a esfera jurídico-política de organização internacional na seara da liberdade, que existe, somente, para fins de automanutenção.

Portanto, o sujeito sofre uma involução de sua própria consciência jurídica, que atinge a dialética da razão como esfera subjetiva, onde encontram-se imersos o Direito subjetivo e o dever jurídico. É como se operasse no indivíduo toda a universalidade da humanidade. Entende-se melhor se colocarmos da seguinte forma: os Direitos Fundamentais como junção da lex ( voluntas ), ius ( prudens ) e actio, numa inseparabilidade própria na consciência jurídica, percebem que a solução de conflitos depende de garantias que suportem as condições do indivíduo. E essa é a medida do "justo universalmente", situado na seara da igualdade de oportunidades para fins de paz perpétua, urgindo a proteção da pessoa humana como fim do Direito Internacional.


14. Da Idéia de Justiça na Consciência Jurídica Universal em âmbito universalista

O Direito Internacional é a busca por um sistema organizacional de solução de conflitos, no âmbito construtivista de uma ordem justa, fundada na racionalidade e assentada numa comunidade dialógica-comunicacional universalizada de relacionamentos supra-nacionais. A reconstrução da idéia de justiça, ou seja, o processo de racionalização crescente do Direito ao redor de uma espiral evolutiva, composta de gaps dialéticos que se fundamentam numa gênese-imputacional de caráter jurídico, gira em torno daquilo que se pode chamar de "construir-se a si mesmo". É um processo in fieri, da justiça como projeto de dever ser da sociedade na consciência jurídica, atingido âmbito universalista exatamente ao tangenciar o Direito Internacional.

Perante a metafísica do objeto, o Direito Internacional ainda presenciava-se como névoa, num processo de formação ainda incipiente, diante da tentativa de balancear os conflitos internacionais e realizar a igualdade do Um perante o Outro. O equilíbrio não se encontrava nas medidas preventivas, mas na consolidação do ius ad bellum, ou seja, no Direito que garante a justiça supra-nacional. Nesse primeiro ser, peremptoriamente inconsciente de si, ele não se abaliza na pessoa humana, ou seja: o Direito Internacional ainda não percebe a totalidade do Direito, nem seu cerne na pessoa, mas apenas o Estado aparece como sujeito e detentor de Direitos fundados numa esfera de valores e garantias simples ao indivíduo. Não se encontram os Direitos Fundamentais como base do ordenamento e, por esse motivo, encontra-se distorcida a ótica de sua própria finalidade. O Direito para o Estado é um Direito sem legitimidade. Destarte, a consciência jurídica universal não incorporou a realidade objetiva da justiça para a pessoa humana: ele alcança apenas os limites operacionais do sujeito de Direitos (o Estado). O Tratado de Westphália é o próprio embasamento histórico-fático do aqui exposto, servindo como ponto de partida para essa edificação: o Direito Internacional, como consciência jurídica parcial e sem meios de exigibilidade universalista, esbarra nas fronteiras do poder de imperium que ostenta uma força ainda "descontrolada", ou seja, constituída sob o domínio do mais forte.

Não obstante, enquanto escalão de um novo pensar, a filosofia do objeto sustenta-se na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) enquanto fenômeno histórico-evolutivo de racionalização humana, acrescida pelas influências do racionalismo (Descartes) e do empiricismo (Bacon), através da gnose do sujeito de Direitos a partir do objeto, qual seja, do dever jurídico, dialeticamente. A nova concepção do Direito desenvolve-se no afã do criticismo kantiano: a sua fundamentação não é somente a igualdade universal, mormente dos Estados, mas tange a humanização do Direito enquanto percebe (note-se: apenas encontra, e não literalmente protege e satisfaz de garantias) a pessoa humana como núcleo do ordenamento. Nesse progresso dialético e diante da universalização da Declaração (1789) enquanto produto de um jusnaturalismo exacerbado que vislumbra o Direito dos Povos como supremacia e soberania, ergue-se a necessidade da liberdade do indivíduo; liberdade, esta, que deve ser distribuída igualitariamente.

A Declaração dos Direitos Humanos da ONU (1948), nada obstante, faz parte de um terceiro momento (a síntese dialética), donde urge o trabalho-valor como fusão das desigualdades e garantias não materializadas pelo Direito. E note-se, aqui, a amplitude da expressão; seu universal está no Direito Internacional, abarcando o Direito Interno: a consciência jurídica assume o papel de desvencilhar a hierarquia de poderes na assunção de uma ordem mundial integradora e unificadora da liberdade na igualdade ("equalização das desigualdades"), numa síntese dialética do ordenamento normativo que se expande na direção da pessoa humana. A barreira, nessa figuração, é o próprio poder. Não o poder jurídico, mas o político.

O Direito almeja, nesse âmbito político-jurisdicional, regular o político para garantir a sua própria legitimação enquanto esfera racional justa e, portanto, arremata seu imperativo categórico na contundente conclusão hegeliana de que "todo real é racional e todo racional é real". É a dialética do sujeito-e-objeto (entenda-se: o sujeito é sempre a pessoa humana, que domina e nunca é, pelo objeto, dominada), enquanto entrevisto o Direito como teoria kantiana e hegeliana, simultaneamente. O escravo, enquanto expressão da pessoa numa manifestação da dialética-total hegeliana, é exatamente o sujeito da luta pelo reconhecimento da liberdade de cada um; encontra-se livre exatamente pela condição de saber-se dotado dessa liberdade; enquanto produtor e alienante do senhor que desconhece a própria produção. O trabalho é o fundamento dessa liberdade; não de forma pura e simples, mas como liberdade consciente: o homem se realiza enquanto senhor da natureza, numa tentativa de "antologizar" o natural, ou seja, na adaptação da natureza para a liberdade humana, porquanto o primeiro é sujeito "dominador". O ser é livre na própria realização do Direito.

O resultado dessa dialética é o Estado Democrático de Direito, fundado sobre o aparato internacional e universalista da Declaração Universal dos Direitos Humanos: a culminância da dialética é o exato momento da consecução e cumprimento de todos os Direitos Fundamentais numa ordem internacional que imponha deveres a uma ordem interna, viabilizando a dignidade da pessoa humana.

O Direito manifesta-se não somente como universalidade da lei, com expressividade social, aceita pelo indivíduo, mas exatamente como expressividade da Ética Justa. Como posto anteriormente, Direito não é Ética, mas manifestação peremptória da expressividade Ética. Direito, para tanto, é o momento de interiorização da lei, padronizando concepções e comportamentos, diante da realização interna do indivíduo de um juízo valorativo próprio de conveniências quanto ao seu agir, pois que o sujeito busca sempre a realização do Bem (entenda-se por Bem o Bem Subjetivo, mesmo quando este é dotado de fins sociais. O Bem é sempre um "Bem egoísta"). Note-se: o Direito não é apenas "internalização" que passa pelo juízo do indivíduo, mas é juízo comparativo, mormente com uma ponderação de valores que viabilizam a consecução dos fins queridos pelo indivíduo.

Direito é Ética Justa, entendido no sentido da sua universalidade que se contrapõe diretamente à singularidade da moral. Note-se que Direito não é, propriamente, Ética, mas uma nova estrutura (daí a raiz do nosso método) sustentada sob a égide do imperativo categórico kantiano com expressão hegeliana ("todo real é racional e todo racional é real"). Mas, a todo momento, Direito é Ética Justa subjetiva, para cada um, baseado em um rol argumentativo e dialógico. Logo, Direito é a garantia da eficácia da Ética Justa para consecução da vontade particular do indivíduo, na medida em que a Ética é resplandecer social. [25]

Sobre o autor
Rafael de Oliveira Costa

acadêmico do curso de Direito na UFMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Rafael Oliveira. Da teoria da Justiça Universalista.: A experiência da consciência jurídica universal em âmbito universalista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 390, 1 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5515. Acesso em: 15 nov. 2024.

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