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A nulidade da citação de pessoa jurídica feita em nome de pessoa que não mais a representa

Agenda 01/08/2004 às 00:00

            A citação é o ato processual pelo qual se informa ao réu de que contra si foi proposta uma ação, concedendo-lhe oportunidade para manifestar-se e exercer seu direito de defesa, consoante prescreve o artigo 213 do Código de Processo Civil. Note-se que é a partir do ingresso do réu no processo que a relação jurídica processual se completa (autor-juiz-réu).

            Nesse passo, sem a citação tem-se que o processo inexiste, justamente porque o réu ficou impossibilitado de exercer um direito constitucionalmente assegurado – o direito de defesa. Assim, a citação, juntamente com a petição inicial, a jurisdição e a capacidade postulatória, constituem os pressupostos processuais de existência, os quais, acaso ausentes no processo, levam à sua extinção sem julgamento do mérito, conforme dispõe o artigo 267, inciso IV, do Código de Processo Civil. Trata-se de matéria de ordem pública que deve ser conhecida de ofício pelo juiz a qualquer tempo.

            Em relação às pessoas jurídicas, necessário anotar que são representadas em juízo, ativa e passivamente, por quem os respectivos estatutos designarem ou, sendo omissos, por seus diretores, segundo prevê o artigo 12, inciso VI, do Código de Processo Civil. Destarte, a citação dessas pessoas é feita em nome de seus representantes legais, que têm o dever de se manifestarem em juízo para, nessa qualidade, defenderem os interesses daqueles que representam.

            Observe-se que tais representantes legais não atuam em nome próprio, mas sim em nome de uma pessoa jurídica, que não tem existência física e, por essa razão, é impossibilitada de manifestar-se senão por meio de uma pessoa natural designada para isso.

            Nesse sentido, o digníssimo processualista Nelson Nery Junior afirma que "a representação processual é a relação jurídica pela qual o representante age em nome e por conta do representado. Seus atos aproveitam apenas ao representado, beneficiando-o ou prejudicando-o. O representante não é parte no processo.".

            Portanto, sendo citado o representante legal, incumbe-lhe, por meio de um advogado, apresentar a devida contestação e outras defesas eventualmente necessárias a fim de impedir, modificar ou extinguir o direito do autor, ou, até mesmo, de reconhecer o pedido pleiteado, sendo-lhe lícito também transigir sobre ele, tudo no intuito de melhor atender aos interesses da pessoa jurídica.

            Todavia, importante frisar que a citação deve recair sobre o atual representante legal da pessoa jurídica, pois só ele tem poderes para agir, como se fosse ela própria, perante qualquer juízo. Não se pode falar em citação daquele que a representava no momento da realização de um negócio jurídico, objeto de suposta demanda, se tal pessoa não mais a representa no momento da aludida citação.

            O representante legal da pessoa jurídica deve atuar em nome dela, defendendo-a, ou apenas manifestando-se, em relação a todos os atos por ela praticados, tenham sido praticados antes ou depois de sua nomeação, pois ao aceitar o encargo representá-la, dispôs-se a falar por ela desde sua constituição.

            Não há que se confundir manifestação com responsabilidade, já que o representante legal apenas empresta sua voz e suas palavras à pessoa que representa, mas não é responsável pelos atos que esta pratica, salvo se agiu com infração da lei, do contrato social ou dos estatutos. Se o que se discute em juízo é um negócio jurídico realizado, por exemplo, por diretor anterior, que naquele momento representava legalmente a pessoa jurídica, tal diretor poderá ser responsabilizado por eventuais danos advindos desse negócio, mas citado para falar em nome da pessoa jurídica em juízo será seu atual representante.

            Todos os atos processuais serão realizados pelo atual representante legal, sendo certo que, em caso de procedência do pedido, cabe à pessoa jurídica arcar com o pagamento de eventuais perdas e danos. Todavia, poderá, em regresso, cobrar o ressarcimento pelos prejuízos causados de quem efetivamente realizou o negócio, se, como dito anteriormente, agiu com infração da lei, do contrato social ou do estatuto.

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            Não poderá outra pessoa, que não mais representa a pessoa jurídica no momento da propositura da ação, receber citação para defendê-la, porque já não lhe cumpre mais tal tarefa. Acaso citada, por equívoco ou por má-fé da parte contrária, resta ao juiz declarar tal citação nula de ofício, já que a nulidade desse ato processual é matéria de ordem pública.

            Porém, o magistrado, muitas vezes, só tem condições de saber que o citado não mais representa a pessoa jurídica após a manifestação deste, que pode trazer aos autos um instrumento de alteração contratual comunicando sua retirada da sociedade ou uma certidão atualizada da respectiva Junta Comercial, ou ainda, qualquer instrumento legítimo que aponte o atual representante legal da pessoa jurídica.

            Nesse ponto é que se vislumbra o problema. Como irá manifestar-se nos autos a pessoa citada como representante legal de uma pessoa jurídica que não mais representa?

            Não poderá contestar a ação, já que a contestação é uma peça de defesa que deve ser oferecida pelo réu, nesse caso, pela ré, pessoa jurídica. Porque não tem mais poderes para tanto, não poderá falar no processo em nome dela. Trata-se de uma defesa que diz respeito à sua pessoa e não à da pessoa jurídica. O mesmo diga-se em relação às outras formas de defesa, tais como exceções de suspeição e de incompetência, além da reconvenção.

            Em um primeiro momento pode parecer razoável o oferecimento de contestação apenas para alegar a ilegitimidade passiva, o que levaria à extinção do processo sem julgamento do mérito, conforme dispõe o artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil. O ilustre processualista Vicente Greco Filho ensina que "alguém, desde que citado, passa a ser réu, e ainda, que não seja a parte legítima poderá contestar, nem que seja só para alegar a sua condição de parte ilegítima, a impropriedade da demanda contra ele e a sua exclusão do feito, pedindo ao juiz a decretação da carência de ação, porque proposta indevidamente contra ele."

            Todavia, o caso em debate é peculiar pois a ré - pessoa jurídica - é parte legítima para figurar no pólo passivo da ação, sendo ilegítimo apenas o representante legal citado. De fato, nenhuma complicação haveria se ilegítima fosse a ré, tendo em vista que poderia alegar tal condição em preliminares de contestação. O problema reside no fato de ser ilegítimo seu representante e não ela própria. Nessa situação, não poderá tal representante ofertar contestação em nome da ré para alegar que não mais a representa, sob pena de gerar visível contra-senso. Não há que se falar, portanto, em ilegitimidade de parte, justamente porque o representante não é parte no processo.

            Por outro lado, o citado poderá, simplesmente, deixar de se manifestar nos autos, visto que tal inércia não lhe trará qualquer conseqüência negativa, tampouco para a ré, pessoa jurídica. Não se trata de revelia porque não houve citação válida. A pessoa jurídica figurará no processo tal qual não houvesse sido citada, como de fato não foi. Já o ex-representante legal também não poderá sofrer qualquer prejuízo processual nem patrimonial, tendo em conta que, apesar de citado formalmente, não é parte naquele processo. Todavia, ter contra si o peso de uma ação, mesmo que inviável, não é agradável para qualquer pessoa, obrigando, por muitas vezes, o citado a falar nos autos a fim de desfazer-se o equívoco, evitando, também, o desenvolvimento de um processo nulo desde o início.

            Assim, crê-se perfeitamente possível que o citado possa se manifestar nos autos por meio de simples petição, apenas para informar ao juízo de que não mais representa a ré, não podendo, por isso, receber citação em seu nome, razão pela qual pode requerer a nulidade da citação feita em seu nome como representante legal da pessoa jurídica que se encontra no pólo passivo da ação. Trata-se, como dito anteriormente, de matéria de ordem pública, o que confere ao juiz amplos poderes para agir de ofício, sem necessidade de ouvir a parte contrária, acaso a alegação esteja documental e suficientemente comprovada.

            Apenas para exemplificar, poder-se-ia pensar na exceção ou objeção de pré-executividade atualmente tão utilizada no processo de execução. Por meio desse instrumento processual garante-se ao devedor a possibilidade de alegar, por exemplo, o pagamento da dívida ou matérias de ordem pública sem ter de garantir o juízo e nem de opor embargos à execução. Essa espécie de defesa também é veiculada por meio de simples petição, já que o juiz poderia conhecer dessas matérias de ofício.

            No caso em questão há, em verdade, uma alegação peculiar de ausência de pressuposto processual (citação válida), tendo em vista que quem a formula não é qualquer das partes, mas sim terceira pessoa citada equivocadamente em nome de uma delas. Nesse quadro, o único meio viável para a alegação é uma simples petição, que tem a finalidade de informar ao juízo o equívoco de modo singelo e econômico para todos, alcançando, inclusive, maior celeridade dos processos e da própria Justiça.


BIBLIOGRAFIA

            GRECO F°, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro – 1° Volume. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2.000. p. 78 e ss.

            NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil. 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 2.002. p. 111 e ss.

            NERY JR., Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.003. p. 359.

            WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato de; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1.999. p. 327 e ss.

Sobre a autora
Juliana Silva Amato

Assistente jurídico no Tribunal de Justiça de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMATO, Juliana Silva. A nulidade da citação de pessoa jurídica feita em nome de pessoa que não mais a representa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 390, 1 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5519. Acesso em: 22 nov. 2024.

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