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Crime organizado

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1.INTRODUÇÃO

Neste trabalho será abordada a complexa problemática do Crime Organizado, iniciando seu estudo a partir de sua origem, narrando brevemente as semelhanças existentes na formação de algumas organizações criminosas, assim como seus tipos e ramos de atuação.

Em segundo plano, serão analisadas as principais características do crime organizado, que se constituem em acumulação de poder econômico, alto poder de corrupção, necessidade de "legalizar" lucro obtido ilicitamente, alto poder de intimidação, conexões locais e internacionais, criminalidade difusa e, finalmente, estrutura das organizações criminosas e sua relação com a comunidade. A importância dos tópicos supra citados reside na identificação e no enquadramento das infrações penais cometidas como de crime organizado.

Ainda, indubitável é a relevância de seu conceito, baseado em colocações doutrinárias. Atente-se à dificuldade em se conceituar crime organizado, frente ao número e à complexidade de condutas que o compõem. Nesta vereda, é de verificar-se que a Lei n° 9.034/95 foi omissa quanto à conceituação de crime organizado, comparando-o aos crimes de associação criminosa e quadrilha ou bando, já tipificados no ordenamento jurídico brasileiro. Em derradeiro, o artigo 1° do mencionado dispositivo legal foi revogado pela Lei n° 10.217/01, contudo esta não solucionou o problema apontado, apenas declarando a distinção entre os crimes de quadrilha ou bando e de associação criminosa do crime organizado.

Como se há verificar, o modelo processual penal vigente apresenta –se como ineficiente na obtenção de variados tipos de provas, em face da sólida estrutura do crime organizado e de seu poderio econômico, impossibilitando que a atuação dos agentes, assim como as conseqüências de suas ações sejam rastreadas, comprovadas e devidamente punidas. Diante do quadro exposto, a doutrina e a jurisprudência têm considerado a aplicação de medidas restritivas os direitos individuais, garantidos pela Carta Magna, quando o caso concreto exigir sua imposição, atentando-se aos limites de sua aplicação e ao Princípio da Proporcionalidade.

Também será abordado o procedimento probatório, partindo do conceito de prova e de procedimento probatório, analisando seus momentos e importância para a adequada avaliação do caso concreto pelo magistrado, não se olvidando a obtenção de provas a fim de se apurar o crime organizado, sua admissibilidade no processo e sua valoração.

Ademais, será verificada a atuação das organizações criminosas no Brasil, assim como suas conseqüências para a sociedade civil e para o Estado brasileiro.

Ainda, será discutida a importância do Terrorismo como ameaça à comunidade internacional, além de sua correlação com o crime organizado.

Também merece atenção o crime de tráfico de entorpecentes, já que se configura como objeto de ação de inúmeras organizações criminosas.

Cabe salientar a questão da "lavagem de dinheiro", relevante crime econômico de profunda conexão com o crime organizado.

Não há olvidar-se a jurisprudência emanada pelos Egrégios Tribunais Brasileiros, relatando a opinião das instâncias superiores quanto à questão do crime organizado.

Ao ensejo da conclusão deste trabalho, serão apontadas soluções plausíveis, em consonância com o ordenamento jurídico brasileiro, a fim de se combater um dos maiores desafios da atualidade:


2.origem e Desenvolvimento

Cumpre examinar, preliminarmente, a complexidade existente quanto à origem das organizações criminosas, face às diferenças circunstanciais apresentadas por cada país. Note-se que "No Reino Unido e na Espanha, por exemplo, a existência de uma regulamentação sobre o consumo de drogas, o jogo e a prostituição faz com que os grupos organizados sejam de caráter distinto dos existentes no Japão, onde as organizações que se dedicam ao controle do vício e da extorsão têm uma grande proeminência. Em muitos países do Terceiro Mundo, além da exploração da droga, o crime organizado se dedica à corrupção de funcionários públicos e políticos".

Interessante se faz comentar que algumas organizações, como as Máfias italianas, a Yakuza japonesa e as Tríades chinesas apresentam traços comuns, uma vez que surgiram no início do século XVI como uma maneira de defesa contra os abusos cometidos por aqueles que detinham o poder. Ademais, "para o crescimento de suas atividades contaram com a conivência de autoridades corruptas das regiões onde ocorriam movimentos político-sociais".

Outrossim, foi relatado que o primeiro caso de Terrorismo, vertente do crime organizado, ocorreu em 1855, ocasião em que anarquistas franceses atentaram contra Napoleão III, tendo esses refugiado-se na Bélgica, cujos governantes recusaram-se a conceder-lhes a extradição. Tal fato originou a Lei francesa de 28 de julho de 1894.

Registre-se, ainda, que no Brasil a associação criminosa derivou do movimento conhecido como cangaço, cuja atuação deu-se no sertão do Nordeste, durante os séculos XIX e XX, como uma maneira de lutar contra as atitudes de jagunços e capangas dos grandes fazendeiros, além de contestar o coronelismo. "Personificados na figura de Virgulino Ferreira da Silva, O Lampião, (1897-1938), os cangaceiros tinham organização hierárquica e com o tempo passaram a atuar em várias frentes ao mesmo tempo, dedicando-se a saquear vilas, fazendas e pequenas cidades, extorquir dinheiro mediante ameaça de ataque e pilhagem ou seqüestrar pessoas importantes e influentes para depois exigir resgates. Para tanto, relacionavam-se com fazendeiros e chefes políticos influentes e contavam com a colaboração de policiais corruptos, que lhes forneciam armas e munições".

É de verificar-se que a primeira infração penal organizada no Brasil consistiu na prática do "jogo do bicho", iniciada no século XX. Relatou-se que o Barão de Drumond criou o jogo com o intuito de arrecadar dinheiro para salvar os animais do Jardim Zoológico do Estado do Rio de Janeiro. Contudo, a idéia popularizou-se e passou a ser patrocinada por grupos organizados, os quais monopolizaram o jogo, corrompendo policiais e políticos. Consta que, na década de 80, o jogo do bicho movimentou cerca de R$500.000,00 por dia com as apostas realizadas, sendo que de 04% a 10% deste montante foi destinado aos banqueiros.

Cumpre assinalar que, nas décadas de 70 e 80, outras organizações criminosas surgiram nas penitenciárias da cidade do Rio de Janeiro, como a "Falange Vermelha", que nasceu no presídio da Ilha Grande e é formada por quadrilhas especializadas em roubos a bancos, o "Comando Vermelho", originado no presídio Bangu 1 e comandado por líderes do tráfico de entorpecentes e o "Terceiro Comando", dissidente do Comando Vermelho e idealizado no mesmo presídio por detentos que discordavam da prática de seqüestros de crimes comuns praticados por grupos criminosos. Vale lembrar que "no Estado de São Paulo, em meados da década de 90, surgiu no presídio de segurança máxima anexo à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, a organização criminosa denominada PCC – Primeiro Comando da Capital –, com atuação criminosa diversificada em diversos Estados" . O PCC patrocina rebeliões e resgates de presos, rouba bancos e carros de transporte de valores, pratica extorsão de familiares de detentos, extorsão mediante seqüestro e tráfico de entorpecentes, possuindo conexões internacionais. Ademais, assassina membros de facções rivais, tanto dentro como fora dos presídios.

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Por sua vez, segundo Relatório divulgado em 17 de junho de 2.002, pela organização não governamental World Wild Fund (WWF), o crime organizado, incluindo a Máfia russa e os cartéis de entorpecentes, estão adentrando o tráfico ilícito de animais, devido ao seu caráter lucrativo (de até 800%), ao baixo risco de detenção e à falta de punição. Estima-se que, no Brasil, 40% dos carregamentos ilegais de drogas estejam relacionados com o tráfico de animais. Nos Estados Unidos, mais de 1/3 (um terço) da cocaína apreendida em 1993 provém da importação de animais selvagens. Dessarte, em alguns casos, os animais são levados juntamente com as drogas; em outros, são usados como moeda de troca e lavagem de dinheiro.

Sobremais, "(...) as pesquisas biológicas clandestinas, o comércio irregular de madeiras nobres da região amazônica e da mata atlântica, em especial o mogno, extraído dos Estados do Pará e sul da Bahia, com a suposta conivência de funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), também são consideradas relevantes áreas de atuação do crime organizado no território nacional, com conotações transnacionais". Segundo relatório final da CPI da Biopirataria, divulgado em 03/02/2.003, o comércio ilegal de animais movimenta aproximadamente R$2 bilhões por ano e, a comercialização ilegal de madeira, R$4 bilhões.

Não há olvidar-se a existência de organizações criminosas especializadas em desvio de extraordinários montantes dos cofres públicos para contas de particulares, as quais são abertas em paraísos fiscais no exterior. Tal prática envolve escalões dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, resultando no impeachment do Presidente Collor em 1992, a renúncia de alguns deputados da Câmara Federal, os quais manipulavam verbas públicas e ficaram conhecidos como "anões do orçamento", além da cassação do senador Luís Estevão e da prisão do presidente do Tribunal Regional do Trabalho, Nicolau dos Santos, devido ao superfaturamento na construção da sede do referido tribunal.

Registre-se que a "criminalidade organizada não é apenas uma organização bem feita, não é somente uma organização internacional, mas é, em última análise, a corrupção da Legislatura, da Magistratura, do Ministério Público, da Polícia, ou seja, a paralisação estatal no combate à criminalidade...é uma criminalidade difusa que se caracteriza pela ausência de vítimas individuais"


3.PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO CRIME ORGANIZADO

Em primeiro plano, atente-se à questão da acumulação de poder econômico dos integrantes das organizações criminosas, já que estas "atuam no vácuo de alguma proibição estatal, o que lhes possibilita auferir extraordinários lucros". Aliás, estima-se que o mercado do crime organizado movimenta mais de ¼ (um quarto) do dinheiro em circulação no mundo. Neste sentido: "As Máfias italianas são consideradas verdadeiras potências financeiras do mundo: o volume anual de seus negócios alcança US$50 bilhões e estima-se que seu patrimônio seja superior a US$100 milhões". Acrescente-se, ainda, que: "Os 100.000 integrantes da Yakuza operam anualmente no mercado cerca de US$180 milhões".

Além disso, a acumulação do poder econômico deriva da necessidade de "legalizar" o lucro obtido ilicitamente, acarretando na lavagem de dinheiro auxiliada pelos paraísos fiscais (Panamá, Ilhas Cayman, Uruguai, Ilhas Virgens Britânicas, Andorra, dentre outros).

Em derradeiro, o alto poder de corrupção configura-se como fator relevante no incentivo ao crime organizado, uma vez que é direcionado a várias autoridades das três esferas estatais, na medida em que são compostas pelas instâncias formais de controle do Direito (Polícia Judiciária, Ministério Público e Poder Judiciário), pelas altas esferas do Poder Executivo, além de integrantes do Poder Legislativo. Assim, a participação de agentes estatais cria uma sensação de "segurança nos criminosos", na medida em que contribui para a continuidade das ações delituosas e para o agravamento do problema da impunibilidade.

Registre-se que a criminalidade difusa decorre da ausência de vítimas individuais, conhecidas, determinadas, configurando-se como obstáculo à reparação dos danos causados pelas organizações criminosas, uma vez que no momento em que se descobre a infração, os danos são imensos e irreparáveis, restando ao Poder Público o rastreamento do valor apropriado, tarefa esta de difícil concretização, frente à morosidade, dificuldade e aos resultados mínimos.

Vale lembrar que as organizações criminosas possuem característica mutante, pois utilizam-se de empresas de "fachada", terceiros ("laranjas") e contas bancárias específicas como meios impeditivos de visibilidade de sua atuação pelo Poder Público. Ademais, de tempos em tempos, alteram sua estrutura administrativa, mudando as empresas, removendo as pessoas para lugares diversos e criando outras contas bancárias.

Entrementes, o alto poder de intimidação também é um fator considerável, já que a "lei do silêncio" imposta aos membros do crime organizado, assim como às pessoas estranhas à organização é mantida devido ao emprego de meios cruéis de violência. Assim sendo, os membros de tais facções podem atuar na clandestinidade, a fim de evitar a responsabilização penal.

Outro fator consiste nas conexões locais e internacionais e na divisão de territórios para a atuação. No âmbito internacional, os criminosos "(...) não encontram grandes obstáculos para se integrarem, notadamente após o desenvolvimento do processo de globalização da economia, que contribuiu para a aproximação das nações, possibilitando aos grupos que ainda operavam paralelamente um novo impulso em suas relações com maiores perspectivas de expandirem mercados ilícitos". Como exemplos, os cartéis colombianos expandiram seu negócio de comércio de cocaína para o cultivo do ópio e a comercialização da heroína. A Máfia japonesa, além de comercializar entorpecentes, passou a atuar no mercado de ações e na exploração de atividades ligadas à pornografia. A Máfia russa explora o tráfico de componentes nucleares, além de armas, entorpecentes e mulheres. Os grupos brasileiros também diversificaram suas atividades, as quais constituem em roubo a bancos, extorsão mediante seqüestro, resgate de presos, tráfico de armas e entorpecentes, com conotações internacionais.

É preciso analisar a estrutura das organizações criminosas e sua relação com a comunidade. Estes grupos possuem uma estrutura empresarial, possuindo na base soldados que realizam diversas atividades gerenciadas por integrantes de média importância. Ademais, para "(...) ganhar simpatia da comunidade em que atuam e facilitar o recrutamento de seus integrantes, realizam ampla oferta de prestações sociais, aproveitando-se da omissão do aparelho do Estado e criando uma prática de um verdadeiro Estado paralelo".


4.Tipificação do Crime Organizado no Direito Penal

Mister se faz ressaltar que a tipificação correspondente às condutas delitivas individuais é incompatível com o problema do crime organizado, devido ao número variado e complexo de condutas que o compõem.

Convém ponderar que a conceituação normativa faz-se possível mediante a aproximação de três critérios: "estrutural (número mínimo de integrantes), finalístico (rol de crimes a ser considerado como de criminalidade organizada) e temporal (permanência e reiteração do vínculo associativo)". Assim sendo, é possível conceituar crime organizado como aquele praticado por, no mínimo, três pessoas, permanentemente associadas, que praticam de forma reiterada determinados crimes a serem estipulados pelo legislador, em consonância com a realidade de cada País.

Tenha-se presente que a Lei n° 9.034/95 procurou tutelar o crime organizado, não se atentando ao Projeto n° 3.519/89, cujo artigo 2° estipulava que: "Para efeitos desta lei, considera-se organização criminosa aquela que, por suas características, demonstre a existência de estrutura criminal, operando de forma sistematizada, com atuação regional, nacional e/ou internacional". Além disso, "não partiu de uma noção de organização criminosa, não definiu crime organizado por seus elementos essenciais, não arrolou as condutas que constituiriam criminalidade organizada nem procurou aglutinar essas orientações para delimitar a matéria. Optou somente, num primeiro momento, por equiparar a organização criminosa às ações resultantes de quadrilhas ou bandos (art. 1°)".

Posteriormente, a lei n°10.217/2001 alterou a redação do art. 1° da lei n° 9.034/95, contudo não solucionou o problema da conceituação de crime organizado.

Registre-se que "Pelo texto atual a lei incide nos ilícitos decorrentes de: (a) quadrilha ou bando; (b) organização criminosa; (c) associação criminosa. Como se percebe, com o advento da Lei 10.217/01, estão perfeitamente delineados três conteúdos diversos: organização criminosa (que está enunciada na lei, mas não tipificada no nosso ordenamento jurídico), associação criminosa (ex.: Lei de Tóxicos, art. 14; art. 18, III; Lei 2.889/56, art. 2º: associação para prática de genocídio) e quadrilha ou bando (CP, art. 288). Quadrilha ou bando sabemos o que é (CP, art. 288); associações criminosas (ex.: Lei de Tóxicos, art. 14; art. 18, III; Lei 2.889/56, art. 2º) sabemos o que é ".

Ainda, na opinião de Luís Flávio Gomes, o conceito de crime organizado abrange:

" (a) a quadrilha ou bando (288), que claramente (com a Lei 10.217/01) recebeu o rótulo de crime organizado, embora seja fenômeno completamente distinto do verdadeiro crime organizado;

(b) as associações criminosas já tipificadas no nosso ordenamento jurídico (art. 14 da Lei de Tóxicos, art. 2º da Lei 2.889/56 v.g.) assim como todas as que porventura vierem a sê-lo e

(c) todos os ilícitos delas decorrentes ("delas" significa: da quadrilha ou bando assim como das associações criminosas definidas em lei).

Referido conceito, em conseqüência, de outro lado e juridicamente falando, não abrange:

(a) a "organização criminosa", por falta de definição legal;

(b) o concurso de pessoas (os requisitos da estabilidade e permanência levam à conclusão de que associação criminosa ou quadrilha ou bando jamais podem ser confundidos com o mero concurso de pessoas (que é sempre eventual e momentâneo)."


5.Conseqüências do crime organizado no plano processual penal

Impende observar que, no plano processual, o crime organizado, devido ao seu caráter multiforme, também requer o desenvolvimento de estratégias diferenciadas dos crimes comuns, na medida em que se busca uma maior eficiência penal. Nesta vereda: "a evolução da criminalidade individual para a criminalidade especialmente organizada, que serve de meios logísticos modernos e está fechada ao ambiente exterior, em certa medida imune os meios tradicionais de investigação (observações, interrogatórios, estudos dos vestígios deixados), determinou a busca de novos métodos de investigação da polícia" . No mesmo sentido: "a criminalidade organizada, especialmente a narcocriminalidade, tem evoluído extraordinariamente nos últimos tempos, adquirindo estruturas complexas que dispõem de ingentes meios financeiros de origem ilícita e cuja capacidade operativa supera as das clássicas organizações de delinqüentes, razão pela qual os meios tradicionais de investigação se mostram insuficientes, ao menos para chegar ao coração das organizações e aproximar-se dos seus chefes e promotores".

Verdade seja, esta é, as organizações criminosas utilizam meios eficazes para a destruição de provas de autoria delitiva, possuindo mecanismos modernos, muitas vezes mais sofisticados que os da Polícia, dirimindo-se, assim, de sua culpabilidade. Exemplificando: no de homicídio, a arma de fogo utilizada é destruída para evitar vestígios; o automóvel utilizado para fins ilícitos é incendiado; os locais de atuação são desconhecidos; as testemunhas são assassinadas ou ameaçadas; no interior dos grupos criminosos as informações são restritas. Ademais, "(...) os integrantes de algumas organizações criminosas passaram a adquirir equipamentos eletrônicos, geralmente com tecnologia superior àqueles utilizados pela polícia, que facilmente identificam a presença de microfones ocultos ou microcâmeras instalados nos ambientes por eles freqüentados (moradias, escritórios, hotéis etc), comprometendo, assim, a obtenção da prova (...)".

Bom é dizer que devido à dificuldade em se adquirir provas contundentes no caso do crime organizado, medidas como interceptações telefônicas e ambientais, quebra de sigilo bancário e fiscal dos denunciados, têm sido permitidas pelo ordenamento jurídico de vários países. Note-se que a recomendação nº 10 do VIII Congresso das Nações Unidas, realizado em Havana, no ano de 1991, dispõe que "a interceptação das telecomunicações e o uso de métodos de vigilância eletrônicos são também importantes e eficazes" para a apuração do crime organizado.

No caso presente, essas estratégias de busca de prova têm se mostrado eficientes para o rastreamento das operações financeiras, muitas com conexões internacionais, resultantes na lavagem de dinheiro. Saliente-se que tais métodos devem ser utilizados com cautela, a fim de evitar lesão aos direitos personalíssimos garantidos aos cidadãos. Atente-se à lição de J. C. Viera de Andrade, segundo o qual "o fundamento teórico dessa tendência restritiva está no fato de que, assim como os direitos fundamentais do cidadão, o bem-estar da comunidade e a preservação e repressão criminal também possuem assento constitucional e não podem ser sacrificados por uma concepção puramente individualista. Os direitos fundamentais, enquanto valores constitucionais, não são absolutos nem ilimitados, visto que a comunidade não se limita a reconhecer o valor da liberdade: liga os direitos à idéia de responsabilidade e integra-os no conjunto de valores comunitários, afigurando-se constitucionalmente lícito ao legislador ordinário restringir certos direitos de indivíduos pertencentes a organizações criminosas que claramente colocam em risco os direitos fundamentais da sociedade".

Come se há verificar, existem controvérsias na doutrina a respeito da questão acima suscitada. Autores como Sergio Moccia e Mario Chiavario, afirmam que o Estado não deve sacrificar os direitos individuais consagrados, pois eminente é o perigo de um retrocesso na história de consagração desses direitos, podendo, inclusive, acarretar em retornos autoritários ou ditatoriais.

No sentido de se preservar os direitos personalíssimos, "(...) o legislador previu regras para colher a prova, disciplinando um procedimento secreto para o juiz colher a prova que comportar em violação de sigo preservado pela Constituição ou por lei, cujo ato de diligência será conservado fora do processo, em lugar seguro, sem intervenção de cartório e servidor, somente podendo a ele ter acesso, na presença do juiz, as partes legítimas da causa, que não poderão ele servir-se para fins estranhos à mesma" (art. 3º, §3º, da Lei 9.034/95).

Por iguais razões, têm-se concedido dilação dos prazos de prisão cautelares e previsão da incomunicabilidade dos investigados por algumas horas.

Finalmente, "o legislador brasileiro, em se tratando de crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores provenientes direta ou indiretamente de diversos crimes, entre eles os praticados por organização criminosa, dispôs que o juiz determinará a liberação dos bens, direitos e valores apreendidos ou seqüestrados apenas quando comprovada a ilicitude de sua origem pelo investigado ou acusado".

Registre-se que o Supremo Tribunal Federal, por meio de ação direta de inconstitucionalidade nº 1570, ajuizada pela Procuradoria Geral da República, decidiu a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 9.034/95, alegando que a Lei Complementar nº 101/01, norma esta superveniente e de hierarquia superior, regulou a questão do sigilo bancário e financeiro nas ações praticadas por organizações criminosas, revogando, por incompatibilidade, a lei 9.034/95. Ainda, sustentou que ao magistrado incumbe analisar as provas, atendo-se ao Princípio da Imparcialidade, sendo incompatível com a sua função diligenciar pessoalmente a obtenção de provas, sem o auxílio da Polícia e do Ministério Público.

Segundo a Procuradoria Geral da República, o referido dispositivo legal transformou o juiz em investigador, violando o Princípio do Devido Processo Legal, comprometendo, assim sua imparcialidade.

Contudo, a lei mencionada continua em vigor, ao tratar da obtenção de informações fiscais e eleitorais, implicando na violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei.

Sobre os autores
Leandro Lopes de Almeida

bacharel em Direito em São Paulo (SP), pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal

Alline Gonçalves Gonçalez

acadêmica de Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

Anna Paola Bonagura

acadêmica de Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

Beatriz Antonietti Garcia

acadêmica de Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

Paulo Marcelo de Aquino Lopes

Bacharelando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Luciana Lie Kuguimiya

Bacharel de Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós graduada em Direito Constitucional pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Leandro Lopes; GONÇALEZ, Alline Gonçalves et al. Crime organizado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 392, 3 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5529. Acesso em: 22 nov. 2024.

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