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Administração Pública. Relação direta entre carga tributária elevada e mau administrador

Agenda 05/08/2004 às 00:00

Não há lei capaz de transformar o incompetente e ímprobo em competente e probo.O exercício da cidadania é a última instância para reverter a cultura do favorecimento que tende a ser aceita com normalidade na vida administrativa da nação.


Em um país emergente ou em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, as necessidades da coletividade a serem satisfeitas pelas despesas públicas são infinitamente maiores do que as reais possibilidades de obtenção de recursos financeiros.

Por isso, requer do administrador público, não só, probidade no trato da coisa pública, como também, inteligência, criatividade e sobretudo capacidade de diagnosticar a realidade e suas causas, para elaborar um elenco de prioridades, quer para execução de obras e serviços, quer para eliminar as fontes geradoras de problemas e distorções sociais. É preciso saber otimizar os recursos financeiros disponíveis e a infraestrutura de pessoal e material, para obter o máximo de resultado e eficiência com o mínimo de recursos financeiros.

Só que isso é tarefa para estadista, ´´espécie´´ em extinção no mundo e inexistente no nosso País. Desde o regime militar de 1964 não mais surgiu um político capaz de liderar o processo de crescimento da economia juntamente com o progresso da nação. Progresso significa bem-estar da sociedade, melhoria da qualidade de vida das pessoas. Não se confunde com o mero desenvolvimento econômico, que pode ocorrer, inclusive, com sacrifício imenso da população em geral, beneficiando apenas determinados segmentos sociais, contemplados pelos detentores do poder.

A incompetência do administrador público e a exacerbação tributária são como irmãos siameses. São inseparáveis. Quanto maior a incompetência do governante, maior é a elevação da carga tributária, isto é, maior o sacrifício imposto à sociedade em geral, excetuados, obviamente, aqueles que integram a casta de beneficiários do poder que, como se sabe, não se limita a seus integrantes. Abarca uma infinidade de parentes, amigos, apadrinhados e milhares e milhares de exercentes de cargos em comissão, sempre às voltas com escândalos, mas que sobrevivem ao longo de sucessivos governos, pulando de galho em galho até que um dia todas as árvores secarão.

É mais fácil para o governante incompetente, que padece de um mal congênito, a preguiça mental, utilizar o mecanismo de transferência compulsória de riquezas do setor privado por via de tributos confiscatórios e de elevadas multas de trânsito por meios eletrônicos, de um lado, e utilizar o mecanismo da receita originária com o desfazimento de valiosos patrimônios imobiliários do poder público, de outro lado, do que estudar e planejar uma ação estatal a partir das reais prioridades da sociedade. O governante míope não consegue enxergar o futuro; não consegue ver que a tributação exacerbada faz decrescer a economia, enquanto a população aumenta, inviabilizando as gerações futuras. O nosso PIB que era de US$ 973.846 bilhões em 1999, com uma carga tributária de 20,41% está, hoje, reduzida a menos de US$ 450 bilhões e com uma tributação da ordem de 36%. Enquanto a economia decresce, a tributação aumenta, exatamente ao contrário do que acontece nos países desenvolvidos. Parece a política do ´´tribute antes que acabe´´.

O que falta nesse país é um estadista. A diferença entre um estadista e um curioso é que o estadista sabe fazer muita coisa com poucos recursos financeiros, e o curioso, quando faz, faz muito pouco empregando uma montanha de dinheiro, extraído do sangue, suor e lágrimas de trabalhadores.

O estadista quer o bem da sociedade e por isso trabalha, produz e se desdobra nas ações de seleção, planejamento e execução de tarefas; o curioso quer o bem para si próprio e seus apadrinhados e por isso nada faz além de reformas e mais reformas, sempre de maneira a aumentar os gastos e ao mesmo tempo prejudicar a eficiência do serviço público, que passa a ser terceirizado, alijando os servidores concursados e preparados das funções e dos cargos mais relevantes. Como resultado, compromete-se irremediavelmente a eficiência da Administração Pública, que perde a unidade e a harmonia de atuação de seus diversos órgãos, gerando um verdadeiro caos em prejuízo da população em geral. Em conseqüência, a dívida pública cresce e explode assustadoramente. Já temos uma dívida pública equivalente a 58% do PIB, dentro do quadro de uma economia sem grandes perspectivas.

Apesar dos rígidos limites de endividamento impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, segundo o Jornal o Estado de São Paulo, do dia 12-7-2004, p. A4, metade das capitais de Estados aumentou suas dívidas, sendo que doze delas ultrapassaram os limites de despesas de pessoal. O pior município é o de São Paulo, que conseguiu acumular em apenas dois anos uma dívida fantástica, equivalente a 245% de sua receita, isto é, o dobro do limite legal, o que representa uma dívida per capita de R$ 2.000,00.

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Apesar disso, as despesas discutíveis continuam a toque de caixa, sempre contando com a alteração do limite de endividamento por vias políticas. A criação de cargos em comissão, que teve início com a transformação das antigas Administrações Regionais em SubPrefeituras, não pararam mais. Daqui a pouco não mais restará servidor concursado em cargos relevantes; a expansão dos CEUs, o ´´Portal dos CEUs´´; a mudança da sede do governo para um prédio de alto luxo; construção de auditório no Parque do Ibirapuera; o Museu da Cidade; a reurbanização do Parque D. Pedro II; os inúmeros canteiros de obras inacabadas, implantados desorganizadamente e que infernizam a vida do paulistano; a ´´Ação Centro´´ com milionários recursos do BID; o Planetário etc. são alguns dos exemplos de incapacidade de eleger as prioridades da sociedade, que deveria começar pelo respeito e cumprimento das decisões do Judiciário, dentro do princípio federativo de harmonia e independência dos Poderes. Ainda que úteis algumas dessas obras, o administrador público jamais poderia promover a inversão de prioridades, de valores.

E mais, serviços públicos que poderiam ser prestados por servidores públicos, pois a Prefeitura de São Paulo reúne os melhores educadores, os melhores técnicos em todas as áreas, estão sendo terceirizados. Segundo noticia do jornal O Estado de São Paulo, do dia 8-7-2004, p. C3, a prefeita contratou por R$ 372.119,19 o Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual (GTPOS), uma ONG por ela fundada na década de oitenta, para desenvolver um projeto de ´´sexualidade e direitos reprodutivos´´ nas escolas. Segundo a mesma reportagem, essa ONG já havia sido contemplada, em 2003, com um contrato no valor de R$1,623 milhão para projeto de orientação sexual nas escolas. Ao que se depreende da reportagem retro mencionada, esse contrato sofreu um aditamento para elevar o seu valor para R$2.029 milhões a fim de incluir um estudo para esclarecer ´´dúvidas relacionadas à ereção de bebês e à masturbação´´. As consultorias teriam custado aos cofres públicos R$ 176 milhões, só entre maio de 2003 a maio de 2004.

Outrossim, são bastante estranhos outros contratos de prestação de serviços firmados pela Prefeitura e noticiados pelo Jornal o Estado de São Paulo, do dia 7-7-2004, p. C1. Realmente, extremamente curioso o contrato firmado com a FGV, no valor de R$8,5 milhões, com a finalidade de ´´reestruturar serviços prestados pela Secretaria de Finanças´´, para ser executado, em sua maior parte, pelos funcionários do Instituto Florestan Fernandes. Mais curioso, ainda, aquele firmado com a Fundação Escola de Sociologia Política de São Paulo com o objetivo de ´´criar um sistema de gestão do subsolo da cidade´´ para a Secretaria de Infra- Estrutura.

Todos esses contratos, segundo a reportagem do Jornal O Estado de São Paulo retro mencionada, já estariam sendo investigados pelo Ministério Público Estadual, por meio de sua Promotoria de Cidadania.

O triste e irônico nisso tudo é que enquanto as verbas são desperdiçadas ou, no mínimo, mal direcionadas, inúmeros credores por verbas alimentares estão morrendo na fila dos precatórios judiciais, que está paralisada desde o nº 41/98, restando para serem pagos 436 precatórios de 1998, mais todos os dos exercícios de 1999 a 2003.

Assim, a dívida por precatório alimentar que, em 1998 era de R$30.979.613,21, hoje, ultrapassa R$ 1,5 bilhão. Não só, não vem pagando, como também, sequer vem incluindo na dotação orçamentária o montante requisitado pelo Poder Judiciário, como determina a Constituição Federal, sob pena de crime de responsabilidade.

Um governante insensível, que ignora o cumprimento de um dever legal e constitucional, desrespeitando o Poder Judiciário, permitindo que as sentenças judiciais transitadas em julgado se transformem em ´´moeda podre´´, certamente, não estará agindo de acordo com os princípios norteadores da administração pública, inseridos no art. 37 da CF. Os credores por verbas alimentares, desesperados e aos poucos morrendo, estão negociando no mercado negro os seus precatórios até com 70% de deságio. Enquanto isso, verbas e mais verbas são gastas com propagandas e celebração de contratos com entidades imunes aos certames licitatórios. Isso é uma vergonha, uma ignomia, uma afronta sem igual às instituições públicas deste País.

O pior é que a ordem jurídica positiva prevê uma parafernália de instrumentos jurídicos-processuais para coibir a conduta do administrador negligente ou ímprobo, responsabilizando-o política, administrativa, cível e penalmente. Só que não são implementados esses instrumentos. Às vezes, por culpa do próprio Poder, vítima de desrespeito sistemático, como é o caso de intervenção federal no Estado e intervenção estadual no Município caloteiro, descartada pela Corte Suprema, que exige o dolo, não bastasse o descumprimento de normas legais e constitucionais.

Restam, ainda, outros instrumentos de responsabilização do mau governante: a) o impeachment por denúncia de qualquer cidadão (Lei nº 1.079/50; Constituição Estadual, art. 48; LOMSP. Art; 72); b) a ação civil por ato de improbidade administrativa a cargo do Ministério Público (Lei nº 8.429/92); c) a ação penal por crime de responsabilidade e por crime contra finanças públicas ( Decreto-lei nº 201/67 e Lei nº 10.028/2000); d) rejeição de contas pelo Legislativo; e) representação à Secretaria do Tesouro Nacional para impedir as transferências voluntárias e novas operações de crédito; f) representação à OEA por afronta aos direitos humanos.

Mas, ao invés da implementação dessas medidas o que se vê, na realidade, são proposituras legislativas para acomodar os problemas decorrentes de atos de improbidade, de afronta às leis e às ordens emanadas do Poder Judiciário. Nessa linha, duas moratórias constitucionais já foram decretadas; estão tramitando no Congresso projetos de Emenda flexibilizando o cumprimento de precatórios. E mais, há até um projeto legislativo absurdo sobre todos os ângulos, patrocionado por um deputado, proibindo o Ministério Público de investigar atos de corrupção sempre que praticados pelos Chefes de Executivo e membros do Legislativo Federal e Estadual. Não se sabe baseado em que princípio foi elaborada essa proposta legislativa que, se aprovada, irá legalizar a corrupção no Brasil, derrogando todas as normas em sentido contrário. Uma coisa é certa: seus patrocinadores não querem um Ministério Público forte e atuante na defesa dos interesses indisponíveis da sociedade.

Em São Paulo, apesar de ´´n´´ infrações à LRF, o Tribunal de Contas do Município exarou parecer pela aprovação das contas de 2003, com as ´´recomendações´´ de praxe, incluindo, desta vez, a inútil decisão de verificar a cada trimestre a planilha de desembolsos relativos aos créditos alimentares e de natureza indenizatória.

Ora, desnecessária essa verificação, pois, a intenção de não pagar já está, de antemão, revelada pela não inclusão no orçamento de 2004 dos R$ 169.331.059,04 requisitados pelo Judiciário, a título de condenação de natureza alimentar.

Dessa forma, autoridades e instituições públicas do País vêm se desmoralizando aos olhos da sociedade, perdendo a legitimidade.

Diante desse quadro aterrador de solapamento dos direitos e garantias individuais e das instituições políticas e jurídicas, torna-se indispensável a mobilização da opinião pública para o exercício efetivo e contínuo da cidadania, como único meio de despertar a consciência de bons homens públicos que ainda existem, para salvar a nação, salvar o nosso País e garantir o mínimo de conforto para as gerações futuras.

Não basta ficar reclamando de tributos elevados, pois a exacerbação tributária é conseqüência e não causa dos males que assolam a sociedade brasileira. É preciso exigir o cumprimento das leis e da Constituição; é preciso exigir a responsabilização dos maus agentes públicos nos termos da lei em vigor. É preciso pressionar a classe política para que faça com que o rigor da lei recaia sobre todos os infratores, indistintamente, a fim de que seja restabelecido o princípio de que as leis governam o País.

Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Administração Pública. Relação direta entre carga tributária elevada e mau administrador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 394, 5 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5536. Acesso em: 23 dez. 2024.

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