1- FINALISMO
Segundo Cezar Roberto Bitencourt, a teoria do delito evoluiu de forma exponencial ao se teorizar o conceito de finalismo. Como bem colocado em uma de suas obras, fala o conceituado jurisconsulto:
“A teoria do delito encontra no finalismo um dos mais importantes pontos da sua evolução. Uma das mais caras contribuições da teoria finalista, que fora iniciada pelo normativismo neokantiano, foi a extração do âmbito da culpabilidade de todos aqueles elementos subjetivos que a integravam até então e, assim, dando origem a uma concepção normativa “pura” da culpabilidade, a primeira construção verdadeiramente normativa, no dizer de Maurach.”[1]
É mister que alguns pontos sejam explanados para uma melhor compreensão da obra em tela. As contribuições da teoria finalista para o Direito Penal são, sem sombra de dúvidas, significativas. Como por exemplo a separação do dolo e da culpa, estes deixaram de ser tratados como espécies (teoria psicológica) ou elementos da culpabilidade (teoria psicológico-normativa), mas como integrantes da ação e do injusto pessoal.
Ainda segundo o supramencionado doutrinador, o ponto externado no parágrafo anterior é um dos que mais tem importância na definição do norteamento a ser seguido pelo Direito Penal.
É certo afirmar, diante da teoria finalista, que foi adotado um novo conteúdo para a culpabilidade em particular. Falando num sentido lato.
Alguns defensores da concepção causalista foram obrigados a reconhecer a evolução que o finalismo trazia ao estudo do Direito Penal, como sabiamente definiu Jiménez de Asúa:
“a reprovação do processo volitivo: nas ações dolosas, a reprovabilidade da decisão de cometer o fato; na produção não dolosa de resultados, a reprovação por não tê-los evitado mediante uma atividade regulada de modo finalista”[2]
Quando falamos de dolo na ótica finalista, este elemento somente existe como “dolo natural” – tem caráter unicamente psicológico -. É uma tendência que se mantem atualizada, entre os adeptos da teoria finalista, na definição de ação como a base do sistema jurídico-penal. Welzel, de forma acertada, afirmava que: “a finalidade é vidente e a causalidade é cega”[3]
2 – ANTIJURIDICIDADE
O conceito de antijuricidade definido de forma concisa, segundo Cezar Roberto Bitencourt pode ser descrito como: “ uma relação entre ação e ordenamento jurídico, que expressa a desconformidade da primeira com o segundo, isto é, a realização da vontade não corresponde objetivamente aos mandamentos da ordem jurídica. ” [4]
3 – CULPABILIDADE NORMATIVA
Após uma breve introdução sobre conceitos básicos, de extrema importância para compreender-se o objeto em tela, passemos ao conceito de culpabilidade normativa.
Essencialmente a culpabilidade origina-se quando o agente tendo a obrigação de agir em consonância com o ordenamento jurídico, sendo este dotado de animus – porém, também consciente -, age de forma adversa.
Quando analisamos a definição dada por Cezar Roberto Bitencourt, fica de fácil compreensão o parágrafo anterior:
“A culpabilidade, por sua vez, não se esgota nessa relação de desconformidade entre ação e ordem jurídica, mas, ao contrário, a reprovação pessoal contra o agente do fato fundamenta-se na não omissão da ação contrária ao Direito ainda e quando podia havê-la omitido, pois dele se espera uma motivação concorde com a norma legal. A essência da culpabilidade reside nesse “poder em lugar de...”, isto é, no “poder agir de outro modo” do agente referentemente à representação de sua vontade antijurídica, e é exatamente aí — nessa liberdade de ação, nessa possibilidade de agir diferente — onde se encontra o fundamento da reprovação pessoal, que se levanta contra o autor por sua conduta contrária ao Direito.”[5]
Firmando o entendimento, pode-se definir culpabilidade como sendo: “reprovabilidade da configuração da vontade. Portanto, toda culpabilidade é culpabilidade de vontade, ou seja, somente se pode reprovar ao agente, como culpabilidade, aquilo a respeito do qual pode algo voluntariamente.”[6].
É salutar informar que para que uma conduta seja passível de sanção penal, não basta que esta seja típica e antijurídica, é basilar que seja reprovável do ponto de vista social. Esta é a leitura feita por Jescheck, quando se faz uma análise da teoria social da ação. Tal reprovação só é aplicável se a conduta praticada, poderia ter sido exercida de meio adverso ao reprovável.
O juízo de valor aplicado para se determinar a reprovabilidade de uma determinada conduta, não pode ser meramente subjetivo, é imprescindível que se analise a facticidade em questão para se poder chegar ao âmago do agente e determinar, sem margens para dúvida, o que imperava em seu psicológico ao praticar tal conduta.
Sabiamente, Jiménez de Asúa, analisando a crítica de Rosenfeld e a explicação de Mezger, nos fala:
“o fato concreto psicológico sobre o qual se inicia o juízo de culpabilidade é do autor e está, como disse Rosenfeld, na sua cabeça, mas a valorização para a reprovação quem a faz é um juiz”[7]
Alguns elementos são requisitos a serem mencionados dentro deste tópico, considerando que eles são essenciais para a elaboração de um juízo de reprovação. São eles: a) a imputabilidade (capacidade de culpabilidade); b) o conhecimento potencial da antijuridicidade (ausência de erro de proibição) — elementos que fundamentam o poder atuar de outro modo —; e c) a inexistência de causas de exculpação, como fundamento da exigibilidade de atuação conforme ao Direito.
Chegando as considerações finais, faz-se necessário expor a importância da culpabilidade para o Direito Penal. Von List muito acertadamente exclamou, de maneira quase profética “ [...] o futuro do direito penal é o futuro da culpabilidade”. Dentre os elementos que constituem o crime – Fato típico, antijuricidade e culpabilidade - apenas o último tem como objeto o homem.
Destarte, concluo com o entendimento que a concepção normativa da culpabilidade – ao despir esta do elemento psicológico -, vinculando este com o dolo, trouxe uma nova abordagem ao Direito Penal. Uma visão finalista da conduta humana, é, em minha opinião, a que mais proporciona justiça e equilíbrio para o ordenamento contemporâneo.
Dominar a teoria normativa da culpabilidade é ter conhecimento pleno sobre os principais institutos que estão inseridos na parte geral do código penal brasileiro.
Concluo com uma frase de Francesco Carnelutti, que nos ensina: “ [...] o ramo do direito mais próximo da filosofia é o direito penal, pois, tanto o Direito Penal quanto a filosofia buscam a compreensão dos fatos do espirito”[8]
[1] (BITENCOURT, Cezar. Tratado de Direito Penal – Parte Geral – Vol. 1, p 504)
[2] (JIMÉNEZ, Asúa, Tratado de Derecho Penal, 3ª ed., Buenos Aires, Losada, 1964, v. 6, p. 199)
[3] (WELZEL, Hans, Derecho Penal alemán, trad. Juan Bustos Ramirez e Sergio Yáñez Pérez, Santiago, Ed. Jurídica de Chile, 1970, p. 54)
[4] (BITENCOURT, Cezar. Tratado de Direito Penal – Parte Geral – Vol. 1, p 506)
[5] (BITENCOURT, Cezar. Tratado de Direito Penal – Parte Geral – Vol. 1, p 506)
[6] (WELZEL l, Derecho Penal alemán, cit., p. 197-8)
[7] (Luiz Jiménez de Asúa, Tratado de Derecho Penal, Buenos Aires, Losada, 1976, p. 179 e 228)
[8] (Francesco Carnelutti, Arte Del derecho. Buenos Aires: Europa-America, 1948, p31)