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Breves considerações sobre o direito contratual americano e a formação dos contratos à luz do Common Law

Agenda 16/08/2004 às 00:00

I-Introdução

Primeiramente, cumpre esclarecer que o presente artigo tem como objetivo levar ao conhecimento dos leitores os principais aspectos dos contratos no Direito americano e, para tanto, serão traçadas considerações genéricas sobre o que aqui convencionamos de Teoria Geral do Contrato, entretanto, analisada no contexto do ordenamento jurídico americano.

Adiante, será tratado de questões relativas à formação do contrato uma vez que, dada a extensão da matéria, não seria recomendável o estudo, em um único artigo, das demais fases de uma relação contratual, quais sejam, a fase de execução (contract performance), causas de modificações (contract modification) e remédios existentes no caso de quebra dos contratos (remedies for breach of contract).


II- Contratos Internacionais e Contratos no Direito Americano

Nos dias atuais, a numerosidade das relações negociais oriundas do desenvolvimento do comércio internacional de bens e serviços é de tal monta que chega a suplantar divergências no plano sociopolítico e ideológico, trazendo, como conseqüência, a criação de novos instrumentos jurídicos que embasem as negociações supra-nacionais. Neste contexto, cumpre ressaltar que o comércio internacional tem, como principal instrumento de ação, os contratos internacionais, que, dia a dia, em função da dinâmica do mundo negocial contemporâneo, vem sofrendo incremento de modo a possibilitar maior garantia e segurança nos negócios travados.

Sob o ponto de vista dos elementos constitutivos da relação contratual, pode-se dizer que o contrato internacional é aquele em que os contratantes possuem nacionalidades diversas ou estão domiciliados em países distintos, ou quando a mercadoria ou o objeto da obrigação seja entregue ou prestado além fronteiras, ou quando os lugares de celebração e execução das obrigações não coincidam.

O presente estudo limita-se geograficamente aos contratos celebrados dentro dos EUA e que estejam sob a regência do ordenamento jurídico deste país, cuja escolha se deu, basicamente, em função da importância deste dentro do cenário econômico mundial. Serão discutidos adiante os principais pontos na formação da relação contratual dentro do "common law", sistema jurídico adotado nos EUA. Urge atentar que, não necessariamente, tais aspectos legais estarão presentes nos contratos internacionais uma vez que estes, dependendo de fatores específicos, estarão regidos por ordenamentos jurídicos diversos.


III- Principais aspectos do Direito Contratual americano

O Direito Contratual americano é regulado, apesar da existência de leis estaduais que variam de Estado para Estado, basicamente pelo chamado Uniform Comercial Code (UCC), o qual possui aplicação em todo o território americano. Este diploma legal é formado por numerosos artigos que regulam diferentes áreas de Direito Comercial. Cumpre ressaltar que, à semelhança do Direito Brasileiro, um dos princípios que devem reger os contratos, consoante dispõe o UCC é o princípio da boa-fé.

Para o direito americano, contrato é uma promessa perante a qual o ordenamento jurídico prevê um remédio legal pelo seu descumprimento (breach of contract) ou perante a qual a lei, de alguma maneira, reconhece o seu cumprimento como um dever a ser adimplido pela parte. Promessa é o comprometimento de que um evento irá ou não irá ocorrer no futuro. Tanto pode ser oral como escrita, bem assim poderá ser presumida de acordo com a conduta das partes envolvidas (implied-in-fact contract).

Entretanto, existem promessas que criam e outras que não criam um dever legal. O ordenamento jurídico americano considera exigível aquela promessa feita dentro de uma situação negocial, ou seja, feita como parte de um acordo de troca da promessa pela "performance" de um ato da parte contrária. Em outras palavras, uma promessa será considerada uma obrigação quando feita dentro de um acordo segundo o qual a parte contrária se compromete, para receber os benefícios do conteúdo da promessa, em contra partida, a fazer ou deixar de fazer (ou dar) alguma coisa.

No "common law" existe ainda a possibilidade de imposição de obrigação de pagar por benefícios auferidos por uma pessoa às custas de outra apesar da ausência de promessa entre elas. Tal fato se basea na concepção de que o enriquecimento ilícito (unjust enrichment) deve ser combalido.

Urge atentar que um conceito bastante utilizado no direito americano é o chamado "promissory estoppel" que pode ser considerado como instituo de defesa contra a "quebra" de uma promessa com a mudança de posição da parte que fez a oferta em detrimento da outra. Por exemplo quando A contrata B para montar um cenário para um filme garantindo, como recompensa, um percentual de participação nos lucros da venda do filme. O cenário é feito mas o filme não é rodado. Neste caso, B poderá alegar a ocorrência de "promissory estoppel" já que a parte ofertante mudou de posição em detrimento deste, ainda que não tenha ocorrido a formação de um celebração formal do contrato, mas tão somente a promessa.

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Um contrato pode envolver mercadorias como serviços. No caso de mercadorias, o UCC (section 2-105) dispõe como sendo mercadoria qualquer bem móvel, incluindo-se aqueles que não estejam na posse do vendedor à época da celebração do contrato ou ainda, aqueles ainda não existentes neste ato mas que poderão ser identificados no momento da realização do contrato.

Traçadas estas linhas gerais, mister adentrarmos nos pontos primordiais envolvidos na formação da relação contratual. Vejamos:


IV- Formação do contrato

O primeiro elemento que faz surgir um contrato é a oferta por parte do contratante (offeror). Segundo o direito americano, oferta é a comunicação que cria no contratado (offeree) o poder de formalizar uma relação contratual através de sua aceitação válida, sendo esta a manifestação de vontade consciente de celebrar um acordo.

Se a oferta é dirigida para várias pessoas e de forma genérica, não pode a parte contrária alegar a existência de contrato. Por exemplo, se "A" escreve para três pessoas sobre a sua intenção de vender seu cavalo "Charley", nenhuma destas três pessoas pode alegar a ocorrência de relação contratual se elas tinham consciência da existência de outros destinatários e de que o contrato não poderia ser viabilizado para todos ao mesmo tempo. Neste caso, a comunicação feita por "A" não pode ser considerada uma oferta pois não tem o condão de gerar uma aceitação válida por parte dos destinatários uma vez que não é dirigida para um deles especificamente. Em outras palavras, o que faz de uma comunicação uma oferta capaz de gerar um contrato é a capacidade dela de fornecer os elementos claros para uma aceitação válida da parte contrária.

Os principais elementos de um contrato para o direito americano, de modo geral, são as partes, o preço, o objeto e o prazo. Entretanto, ainda que as partes não tenham especificado o preço ou o prazo expressamente, para preencher estas lacunas os Tribunais avaliam, por exemplo, o preço de mercado do objeto do contrato à época da entrega deste ou, em relação à omissão do prazo, estipula-se um período de tempo razoável para a realização daquele ato em específico. Ademais, o UCC (section 2-204 (3)) estabelece que, ainda que alguns termos do contrato tenham ficado sem definição, este não perde a eficácia se ficar claro que as partes tinham a real intenção de celebrar um acordo e se existe uma definição mínima de elementos que conduzam à aplicação de um remédio para sanar as omissões.

Cabe aqui esclarecer que o direito contratual possui como uma de suas premissas básicas a proteção da expectativa razoável criada em uma das partes pela promessa de outra. Neste contexto, uma "oferta" só cria expectativa a partir do momento em que é comunicada ao destinatário e este toma conhecimento daquela. Citemos por exemplo uma pessoa X que anuncia uma recompensa no jornal para quem achar o seu cão de estimação. Uma pessoa Y acha o animal por acaso e o devolve a X, entretanto sem possuir conhecimento da oferta de recompensa. Neste caso não existe relação contratual entre as partes, pois a oferta (de recompensa) não era de conhecimento de Y, não podendo este pleitear o pagamento daquela.

Em relação à extinção da eficácia da "oferta", a lei estabelece que, salvo algumas exceções, o ofertante pode revogar sua oferta antes da ocorrência da aceitação pela parte contrária. Ocorre que, se a aceitação fora operada antes do recebimento da intenção de revogar a oferta por parte do ofertante, a relação contratual resta configurada.

Acrescente-se que a morte ou a insanidade do ofertante extingue a eficácia da oferta, mesmo que esta já tenha sido remetida, isto porque é premissa básica das relações contratuais a capacidade de ambas as partes, razão pela qual também a morte ou insanidade do destinatário aniquila a relação, já que a aceitação válida se torna impossível e esta é requisito para a formação da obrigação.

A destruição do objeto da oferta, quando não for passível de reposição, também causa a extinção daquela. Também a rejeição do destinatário extingue a oferta, a qual não pode ser revalidada com a posterior tentativa daquele de emitir sua aceitação. Sob o ponto de vista da maioria dos juristas, a rejeição só se torna eficaz quando dela toma conhecimento o ofertante. A revogação da oferta inda se opera se o ofertante toma atitudes incondizentes com o objeto da oferta, como por exemplo, se após fazer a oferta de venda uma propriedade começa a construir uma casa nesta.


V- Estatuto das Fraudes (Statute of Frauds)

Existem alguns tipos de contrato que estão sob a regência do Estatuto das Fraudes (Statute of Frauds), criado para prevenir fraudes e garantir a consecução dos termos acordados entre as partes. Tendo em vista que a regra geral é de que resta perfeitamente válido um contrato oral, o Estatuto das Fraudes revela-se uma exceção porque importa, basicamente, na estipulação das hipóteses em que os acordos devem ser feitos de forma escrita, caso contrário não poderão ser reclamados judicialmente no caso de uma das partes não cumprir sua obrigação. Considera-se esta uma garantia, principalmente para o consumidor, já que o contrato escrito tende a ter maior riqueza de detalhes e tende a definir, de forma mais visível, a vontade das partes.

As hipóteses de aplicação do Estatuto das Fraudes varia de Estado para Estado dentro do território americano. Este instituto faz parte do "common law" e encontra-se regulado também no UCC (Uniforn Commercial Code). Podemos citar algumas hipóteses em que a forma contratual escrita é imperiosa para reclamar sua aplicação judicialmente pela parte prejudicada, como por exemplo, contratos para venda de produtos cujo preço seja igual ou superior a US$ 500,00; contratos de aluguel de mercadoria no valor igual ou superior a US$1.000,00; promessa de casamento; promessa de pagamento de débito de terceiro; contratos de aluguel com prazo superior a 1 (um) ano; contratos de venda de propriedade imobiliária, contratos que não podem ser concluídos dentro de menos de um ano a contar da data da celebração do mesmo, ainda que diga respeito a uma obrigação que se satisfaça em um mês, por exemplo.


VI- Defesas que atingem a formação contratual (Defenses)

No commom law, a parte do direito contratual que estuda a matéria que pode ser alegada como "defesa"para afastar uma obrigação contratual é chamada de "Defense". Geralmente diz respeito aos vícios que atacam o consentimento e a capacidade válida para contratar. Entretanto, existem outras defesas que não estão ligadas às partes, mas sim ao bem estar público, como defesa baseada na ilegalidade e ainda na violação de uma política pública (ex: contratos que restrinjam o comércio, que violem o direito criminal, que implique em atitude imoral, que impeça relações familiares, que interfiram na administração da justiça, etc)

Vícios que atacam o consentimento: Assim como no Direito brasileiro, os vícios de consentimento tais como erro (mistake), coação (duress), influência indevida (undue influence) e representação enganosa ou falsificação (misrepresentation) são capazes de anular o negócio jurídico. Tais fatores atingem diretamente o processo de formação do acordo no que toca à capacidade de emitir um consentimento válido. Este assunto requer a análise da intenção subjetiva das partes envolvidas no negócio jurídico.

O contrato poderá ser anulado se o consentimento de contratar fora obtido através de coação (duress), a qual implica na ameaça imprópria, de tal gravidade, que acabe por induzir a parte contrária a contratar. A ameaça pode ser expressa ou implícita e exteriorizada através de palavras ou conduta e deve demonstrar à parte a qual é dirigida, a intenção de causar um prejuízo/perda caso não seja cumprido o que fora requerido.

Influência indevida (undue influence) pode ser usada como uma defesa para desobrigar a parte prejudicada quando esta consentiu em fazer parte de uma transação injusta induzida por uma persuasão imprópria. A vítima geralmente tem sua livre manifestação de vontade tolhida em decorrência da vantagem consciente auferida pela parte contrária, a qual vale-se de uma fraqueza psicológica ou de um estado emocional fragilizado daquela.

Já a defesa baseada no erro (mistake) resta caracterizada quando a parte contrata baseando-se numa percepção irreal dos fatos. A palavra erro refere-se a uma crença que não está de acordo com os fatos existentes à época da contratação. Urge atentar que, no " ommon law", assim como no direito pátrio, ninguém pode se furtar de uma obrigação sob a alegação de desconhecimento da lei.

Se o erro recai sobre algum dos elementos essenciais da formação do contrato, aquele impede a própria formação válida deste quando tal fato é de conhecimento da parte beneficiada com o erro. Isto ocorre quando, por exemplo, verifica-se um engano em relação a algum dos termos essenciais do contrato de forma que a Corte não possa suprir ou corrigir tal fato.

Já a representação enganosa ou falsificação (misrepresentation) corresponde a uma alegação inverídica para obter vantagem ou algum tipo de benefício no lugar da pessoa que teria realmente o direito. Entretanto, a parte prejudicada numa relação contratual não poderá alegar misrepresentation para esquivar-se de sua obrigação se esta representação enganosa não tiver contribuído de maneira substancial para sua decisão de contratar. De outro lado, se a parte foi negligente o suficiente ou se restava claro que as alegações eram inverídicas, não pode a parte prejudicada tentar se socorrer posteriormente.

Capacidade válida para contratar: Em se tratando de capacidade válida para contratar, o "common law" analisa o desenvolvimento mental/ psicológico adequado para assumir uma obrigação ou realizar um negócio jurídico e, neste sentido, as duas questões básicas que se opõem a esta capacidade válida dizem respeito à menoridade (minor) e à emissão de vontade sob a influência de drogas em geral. Em relação ao primeiro, a regra básica reside na afirmativa de que adultos geralmente possuem capacidade, a qual representa o poder legal de formar relações contratuais. A idade da maioridade varia de Estado para Estado no território americano uma vez que é estabelecida por lei estadual, variando, basicamente de 21 anos a 18 anos. Cabe ressaltar que, diferentemente de muitos sistema jurídicos, o menor pode validar o contrato emitido por ele se assim se manifestar de acordo.

Em relação à emissão de vontade sob a influência de drogas em geral, o que deve ser levado em consideração é se, em decorrência do efeito de drogas a parte perdeu a habilidade de compreensão ou o controle emocional da situação. Considerando que, via de regra, a tendência dos tribunais é zelar pela manutenção dos negócios jurídicos e de que os mesmos possuem pouca simpatia por aqueles que alegam intoxicação para verem-se livres de uma obrigação contratual, os contratos somente poderão ser anulados se a parte contrária tinha conhecimento ou razões para conhecer o fato da outra estar emitindo vontade sob a influência de drogas e se beneficiou desta situação.


VII- Conclusão

Tendo em vista a extensão da matéria, o presente estudo pretendeu traçar uma linha geral básica para aqueles que pretendem se aprofundar em uma matéria de suma importância no contexto nas relações atuais, mormente pelo crescente intercâmbio de produtos e serviços feitos entre o Brasil e os EUA, bem assim a proximidade da ALCA.

Conclui-se que, por ser o "common law" baseado primeiramente em decisões judiciais ("cases") e não em lei, como ocorre nos países que adotam o "civil law", dentre eles o Brasil, a matéria relativa a relação contratual deve ser analisada de acordo com o prisma enfocado pelas cortes americanas, as quais mostram uma tendência forte em analisar os elementos subjetivos da relação contratual, ou seja, a intenção das partes quando feita a oferta e quando fora esta aceita, resguardando, sempre que possível, a obrigação das partes, as quais possuem o dever de agir com boa-fé e velar pela segurança da relação contratual.


VIII- Bibliografia

BARRY, J. Reiter and John Swan. Studies in Contract Law, Butterworths, 1980.

BOYLE, Christine and David R. Percy. Contracts: Cases and Commentaries, 6th ed., Toronto: Carswell, 1999.

CASTRO, Amílcar de. Direito Internacional Privado. Forense: Rio de Janeiro: 1995.

FERRAZ, Daniel Amin. Joint Venture e Contratos Internacionais. Mandamentos: Belo Horizonte, 2001.

Kevin M. Teeven. A History of the Anglo-American Common Law of Contract, Greenwood Press, 1990.

ROHWER, CLAUDE D. Contracts. West Publishing Co. St Paul, MINN., 2000.

STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado. Editora LTr: São Paulo, 2003.

Sobre a autora
Juliana Salles Almeida

Advogada formada pela UFMG e sócia da Salles Lopes e Figueirôa Advogados Associados, Mestranda em Direito Comercial Internacional pela University of California / EUA (LLM), Mestranda em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Pós-Graduada em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas- FGV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Juliana Salles. Breves considerações sobre o direito contratual americano e a formação dos contratos à luz do Common Law. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 405, 16 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5574. Acesso em: 19 dez. 2024.

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