4. HIPÓTESES DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO POR INADMISSIBILIDADE
O CPC atual traz em seu art. 267. as hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito, sendo pertinente ao presente estudo a abordagem de duas delas, a saber: quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; e quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual. Fredie Didier (2015, p.707) denomina essas situações como hipóteses de extinção por inadmissibilidade.
As hipóteses acima mencionadas encontram-se previstas, respectivamente, nos incs. IV e VI do art. 267, e são elas que dizem respeito aos vícios processuais que, de acordo com o princípio da precedência do julgamento do mérito, devem ser sanados, sempre que possível, a fim de viabilizar o máximo aproveitamento do instrumento.
O novo CPC trata das hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito, no art. 485, sem trazer nenhuma mudança substancial, com exceção do que dispõe o seu § 7º, que inova ao permitir a retratação do magistrado, no prazo de 5 (cinco) dias, em caso de interposição de apelação, sempre que extinguir o feito sem apreciar o pedido.
Tal novidade coaduna-se perfeitamente com o escopo do princípio em questão, ao generalizar a incidência do efeito regressivo da apelação, que no CPC atual só é admitido para as hipóteses de apelo da sentença de indeferimento da petição inicial e improcedência liminar do pedido (BUENO, 2015, p. 322). Dessa forma, o novo CPC estimula o juiz a reexaminar sua decisão de não apreciar o mérito, especialmente nas situações em que o magistrado não houver oportunizado a uma das partes a supressão de eventual vício processual, conforme assegura, em diversas passagens, o novo CPC.
O inc. IV do art. 485. do novo CPC dispõe sobre a hipótese de extinção do feito sem resolução do mérito, quando ausente um dos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo. Trata-se de pressupostos processuais que, de modo geral, representam tanto os pressupostos de existência quanto os requisitos de validade. Não há consenso na doutrina quanto a essa classificação, mas não pertence ao presente trabalho a análise pormenorizada de tais elementos (DIDIER, 2015, p. 310-311).
No entanto, cumpre ressaltar que a falta de um pressuposto processual não deve desembocar automaticamente na extinção do processo sem resolução do mérito. Muito pelo contrário, consoante o princípio em comento, que orienta o sistema de nulidades do código, deve ser oportunizada, sempre que possível, a correção de eventual defeito formal. Essa oportunidade não constitui uma faculdade do juiz, mas sim um dever de prevenção e de colaboração que deve nortear a condução do processo.
Nesse diapasão, a expurgação de vícios processuais figura como um dever de todos os sujeitos processuais, em decorrência do princípio da cooperação, agora positivado no novo CPC, mas que já vinha sendo ilustrado pela doutrina de Carlos Oliveira:
Por outro lado, o formalismo-valorativo, informado nesse passo pela lealdade e boa-fé, que deve ser apanágio de todos os sujeitos do processo, não só das partes, impõe, como visto anteriormente, a cooperação do órgão judicial com as partes e destas com aquele. Esse aspecto é por demais relevante no Estado democrático de direito, que é tributário do bom uso pelo juiz de seus poderes, cada vez mais incrementados pelo fenômeno da incerteza e complexidade da sociedade atual e da inflação legislativa, com aumento das regras de equidade e aplicação dos princípios. Exatamente a lealdade no emprego dessa liberdade nova atribuída ao órgão judicial é que pode justificar a confiança atribuída ao juiz na aplicação do direito justo . Ora, tanto a boa-fé quanto a lealdade do órgão judicial seriam flagrantemente desrespeitadas sem um esforço efetivo para salvar o instrumento dos vícios formais.
Do mesmo modo, dentro dessa visão cooperativa, impõe-se ao juiz mandar suprir qualquer falha na formação do instrumento que acompanha o recurso de agravo, quando se trate de peça não obrigatória, embora necessária para o julgamento. O ideal, por sinal, seria que essa atividade saneadora do juiz se estendesse também às peças obrigatórias, o que, contudo, depende de reforma legislativa. (OLIVEIRA, 2006)
O inc. VI do art. 485. do novo CPC prevê a extinção do processo, sem exame do mérito, quando se verifica a carência de legitimidade ou de interesse. Veja-se que em relação ao correspondente inc. VI do art. 267. do CPC atual, não há menção à impossibilidade jurídica do pedido, consagrando-se o entendimento de que o reconhecimento dessa hipótese é causa de improcedência do pedido, o que implica na extinção do processo com resolução do mérito. (DIDIER, 2015, p. 718)
Na sequência, o art. 486. do novo CPC dispõe que “O pronunciamento judicial que não resolve o mérito não obsta a que a parte proponha de novo a ação.” O seu §1º, por razões obvias, ressalta que a propositura de nova ação idêntica fica condicionada à correção do vício que obstou a tramitação do feito, conforme observa Didier:
O legislador, corretamente, exige que, para a repropositura da demanda, o defeito que deu causa à extinção do processo tenha sido sanado. O dispositivo deve ser interpretado como que se impusesse à decisão judicial uma cláusula rebus sic stantibus. Se a petição inicial foi reconhecida como inepta por falta de pedido (art. 485, I, c/c art. 330, §1º, I, CPC), a repropositura da demanda somente será aceita se agora o pedido vier formulado; se à parte autora faltava legitimidade extraordinária (art. 485, VI, CPC), a repropositura somente será admitida se sobrevier a legitimidade que faltava; se a extinção se der por falta de autorização conjugal ou de comprovação de representação judicial (procuração), a renovação da demanda somente será viável com a prova do consentimento do cônjuge ou com a juntada do instrumento de representação judicial.(DIDIER, 2015, P. 710)
O propósito de se reduzir as ocorrências de extinção do feito sem resolução de mérito em razão de defeitos processuais, tem o intuito não só de evitar o ajuizamento de demanda idêntica, em atenção à economicidade processual, como também de afastar a ideia de que o processo representa um fim em si mesmo. Na realidade, a razão de ser do formalismo, na visão contemporânea, consiste na garantia de um devido processo legal que assegure a materialização da justiça, e não simplesmente na garantia de que a forma foi rigorosamente observada, conforme se depreende das lições de Oliveira:
Ademais, as formas processuais cogentes não devem ser consideradas “formas eficaciais” (Wirkform), mas “formas finalísticas” (Zweckform), subordinadas de modo instrumental às finalidades processuais, a impedir assim o entorpecimento do rigor formal processual, materialmente determinado, por um formalismo de forma sem conteúdo. A esse ângulo visual, as prescrições formais devem ser sempre apreciadas conforme sua finalidade e sentido razoável, evitando-se todo exagero das exigências de forma. Se a finalidade da prescrição foi atingida na sua essência, sem prejuízo a interesses dignos de proteção da contraparte, o defeito de forma não deve prejudicar a parte. A forma não pode, assim, ser colocada “além da matéria”, por não possuir valor próprio, devendo por razões de eqüidade a essência sobrepujar a forma. A não-observância de formas vazias não implica prejuízo, pois a lei não reclama uma finalidade oca e vazia. (OLIVEIRA, 2006)
O novo CPC mantém regra salutar à prevalência do julgamento do mérito ao dispor, em seu art. 488: “Desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485.” Isso significa que se a decisão de mérito for favorável à parte que se beneficiaria com a decisão sem resolução de mérito, o juiz está autorizado a ignorar o defeito processual para, dessa forma, impulsionar o feito e decidir sobre o mérito da causa, conforme acentua ilustre processualista:
Nem toda falta de um pressuposto processual impede a decisão de mérito. O art. 488. do CPC é claro ao determinar que, mesmo havendo um defeito no processo, o juiz não deve levá-lo em consideração, se a causa puder ser julgada no mérito em favor daquele que se beneficiaria com a decisão de inadmissibilidade. Assim, se a petição for inepta em razão da existência de um pedido indeterminado (art. 330, §1º, II, CPC), mas a demanda puder ser julgada improcedente, o juiz deve ignorar o defeito e julgar o mérito. (DIDIER, 2015, p. 313)
Feitas essas ponderações sobre determinadas hipóteses em que o juiz está autorizado a extinguir o feito sem análise do mérito, passa-se a abordar os procedimentos que o legislador estabeleceu para que tal desfecho ocorra apenas em último caso, quando esgotadas as oportunidades para sua superação.
5. O PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA DECISÃO DE MÉRITO E OS MEIOS PARA SUA CONCRETIZAÇÃO
O princípio da primazia da decisão de mérito se reverbera em diversos dispositivos do novo CPC, para que, assim, tenha aplicabilidade em praticamente todas as distintas fases processuais, seja no curso do processo em primeiro grau de jurisdição, seja na fase recursal. Tais disposições deverão ser aplicadas pelo juiz, com o intuito de viabilizar, tanto quanto possível, o exame do mérito.
Nessa seara, processualistas como Fredie Didier (2015, p. 136-137) e Leonardo Carneiro da Cunha (2015, s/p) ressaltam a relevância do princípio em tela e apontam dispositivos do novo CPC que possibilitam a sua concretização, como será exposto doravante.
No capítulo que trata sobre dos poderes, dos deveres e da responsabilidade do juiz, como colorário do princípio em apreço, o art. 139. dispõe em seu inc. IX que incumbe ao juiz “determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais”. Veja-se que a atividade saneadora do juiz, representada pela obrigação de salvar o processo de vícios processuais, não se trata de uma faculdade, mas sim de um dos seus deveres (DIDIER, 2015, p. 136).
Outrossim, no título que disciplina a extinção do processo, o art. 317. prescreve, também, que o juiz, antes de proferir decisão sem resolução de mérito, deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício.
O art. 317. é tão pertinente quanto relevante, bem aplicado o entendimento mais adequado quanto à possibilidade de saneamento das nulidades dos atos processuais e, em geral, do próprio processo com vistas ao proferimento de sentença de mérito, assim entendida a que presta tutela jurisdicional, seja para o autor, acolhendo o seu pedido, seja para o réu, rejeitando o pedido do autor ou, se for o caso, acolhendo o formulado pelo réu.
Assim, de acordo com a regra, cabe ao magistrado, antes de proferir sentença sem resolução de mérito, conceder à parte oportunidade para sanar o vício e, com a medida, viabilizar o enfrentamento do mérito. (BUENO, 2015, p. 237)
Já aqui pode ser pontuada uma inovação quanto à previsão expressa do dever do magistrado de, antes de reconhecer a impossibilidade de tramitação do feito em razão de defeitos processuais, oportunizar a supressão de tais vícios pelas partes, o que pode ser tido como um dever típico de auxílio (DIDIER, 2015, p. 131-132).
É possível perceber a nítida superação tanto do modelo inquisitorial, no qual o protagonismo do processo é reservado ao juiz, quanto do modelo adversarial, em que a autonomia da vontade das partes, independente da paridade de armas, desenha o curso do processo. O novo CPC prestigia o modelo cooperativo, no qual todos são protagonistas e se permite que o juiz e as partes dialoguem no sentido de chegar a uma efetiva resolução do mérito (DIDIER, 2015, p. 125).
Ainda nessa linha, pode ser mencionado mais um dispositivo legal dirigido ao juiz no sentido de oportunizar a superação de um defeito formal. O art. 352, combinado com o art. 351, estabelece que, se o réu alegar em sua resposta qualquer irregularidade ou vício sanável, e o juiz constatar a existência dele, deverá determinar sua correção em prazo nunca superior a trinta dias.
A regra do art. 352, que repete a da segunda parte do art. 327. do CPC atual, foi pertinentemente destacada no novo CPC, ganhando artigo próprio, deixando de estar inserida (escondida) em dispositivo que trata de objetivo diverso, como se dá no CPC atual.
A regra é um prius lógico em relação ao saneamento e organização do processo e pressupõe que o autor tenha se manifestado sobre questões levantadas pelo réu. Trata-se de decisão que dirige o processo em direção à eliminação de irregularidade e que tem o condão de selar a sua sorte, como deixa antever o art. 353. (BUENO, 2015, p. 262)
Quanto à contagem de prazos, chegou a predominar, em determinadas situações, o entendimento segundo o qual deveria ser considerado intempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo, a exemplo do enunciado da Súmula nº 418 do STJ que tem como inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação. O art. 218, §4º, do novo CPC indica possível superação da mencionada súmula ao dispor que será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo (NUNES, CRUZ e DRUMMOND, 2014, s/p).
Menciona-se, aqui, nova disposição que, sem sombra de dúvidas, prestigia o aproveitamento do ato, e consequente do processo, que foi realizado antes mesmo do início da fluência do prazo, o que dá azo à celeridade e a efetividade.
Quanto ao sistema de nulidades, o novo código não trouxe grande inovação, haja vista que o código de Buzaid já prestigiava a essência do princípio da primazia do mérito em diversas passagens que foram reproduzidas no novo texto. O art. 277, por exemplo, mantém o disposto no art. 244. do CPC atual, que contempla o princípio da instrumentalidade das formas, ao prever que “Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.”
Igualmente, o art. 282. repete regra do art. 249. do CPC atual, impondo ao magistrado que se pronuncie sobre a extensão da nulidade e crie condições, na medida do possível, para a repetição ou correção do ato viciado (BUENO, 2015, P. 206). Os §§ 1º e 2º do art. 282. dispõem sobre hipóteses que autorizam o magistrado a ignorar determinado defeito processual, desde que a inobservância da formalidade não resulte em prejuízo a nenhuma das partes ou quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem beneficiaria a declaração de nulidade. Essa ultima previsão pode ser considerada uma das que mais evidenciam o princípio da primazia da decisão de mérito (DIDIER, 2015, p. 136).
No tocante aos requisitos da petição inicial, o art. 319, inova quanto à qualificação das partes ao exigir, em seu inc. II, a indicação da existência de união estável, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica e o endereço eletrônico.
Porém, levando-se em conta eventual impossibilidade do autor de ter acesso às mencionadas informações, o §2º do art. 319. dispõe que “A petição inicial não será indeferida se, a despeito da falta de informações a que se refere o inciso II, for possível a citação do réu”. Prestigia-se assim a instrumentalidade das formas e a preservação da tramitação do feito rumo ao exame do mérito (CUNHA, 2015, s/p).
A seu turno, o direito de emendar e complementar à inicial, já contemplado no código atual, também é apontando por Leonardo Carneiro Cunha (2015, s/p) como uma faceta da precedência do julgamento do mérito. A novidade trazida pelo novo código diz respeito à previsão expressa do dever do magistrado de indicar com precisão o que deve ser corrigido ou completado, previsto na parte final do novo art. 321. Essa garantia já vinha sendo reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência como um direito público subjetivo assegurado à parte autora, no intuito de evitar o indeferimento da petição inicial por vício sanável e a consequente extinção do processo sem resolução do mérito.
No contexto das modalidades de intervenção de terceiro, o novo CPC suprimiu o procedimento previsto para a modalidade da nomeação à autoria, que, até então, demanda a elaboração de peça autônoma e sua apresentação suspende o prazo para apresentação da peça contestatória.
Com a vigência do novo código, quando o réu objetivar retirar-se sob a alegação de que é parte ilegítima ou não é responsável pelo prejuízo invocado, deverá indicar, na contestação, o sujeito passivo da relação jurídica discutida sempre que tiver conhecimento, sob pena de arcar com as despesas processuais e de indenizar o autor pelos prejuízos decorrentes da falta de indicação, consoante art. 339. O juiz, então, facultará ao autor, em 15 (quinze) dias, a alteração da petição inicial para substituição do réu, viabilizando, assim, o aproveitamento do processo existente (WAMBIER, 2014).
Quanto à permissão de retratação do juiz, o CPC atual admite sua ocorrência em apenas duas hipóteses. Na primeira, em se tratando de indeferimento da petição inicial, havendo interposição de recurso, o magistrado está autorizado a reformar sua decisão no prazo de 48h. Já a segunda hipótese diz respeito aos casos de rejeição liminar do pedido, em que o magistrado pode se retratar no prazo de 5 (cinco) dias.
Com o novo código, a hipótese de retração do juiz encontra nova previsão. Nos termos do art. §7º do art. 485, havendo extinção do processo sem resolução do mérito, a apelação interposta pelo autor confere ao juiz o poder de retratar-se em cinco dias, a fim de viabilizar o exame do mérito. O legislador inova ao admitir retração em toda e qualquer hipótese de extinção do feito sem exame do mérito (CUNHA, 2015, s/p).
Na parte do novo código que disciplina a fase recursal, a precedência do julgamento do mérito do recurso também se faz presente. O art. 932, parágrafo único, dispõe que, antes de inadmitir o recurso, “o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.”.
Merece destaque o parágrafo único do art. 932, segundo o qual é generalizado (corretamente) o dever de o relator criar oportunidade de o recorrente sanar vício, aprimorando, com a iniciativa, a regra que, no CPC atual, está no art. 515, §4º. Entendimentos radicais (e errados, mesmo à luz do CPC atual) como os da Súmula 115 do STJ, que não permite a emenda ou a correção de atos processuais no âmbito dos Tribunais não subsistirão ao novo CPC, destarte. (BUENO, 2015, p. 581)
Ainda no tribunal, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 938, constatada a ocorrência de vício sanável, inclusive o que possa ser conhecido do ofício, o relator determinará a realização ou a renovação do ato processual, no próprio tribunal ou em primeiro grau; cumprida a diligência, prossegue-se, sempre que possível, no julgamento do recurso (CUNHA, 2015).
Na subseção relativa às disposições gerais acerca dos Recursos Extraordinário e Especial, consoante dispõe o art. 1.029, em seu § 3º, o “Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave”. Tem-se, aqui, mais uma hipótese em que o magistrado está autorizado a ignorar defeitos processuais.
Nesse sentido, Leonardo Carneiro Cunha (2015, s/p) finaliza apontando as disposições do novo código que prestigiam a primazia do exame do mérito no âmbito do STJ e STF. Nos termos do art. 1.032, se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional, ou seja, deverá intimar o recorrente para que promova a adaptação para o Recurso Extraordinário, para ser remetido ao STF.
Igualmente, o art. 1.033. dispõe que se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.
Da análise das disposições supracitadas, verifica-se que o legislador objetivou assegurar hipóteses específicas em que deve ser buscado o máximo aproveitamento do processo, possibilitando a superação de eventuais falhas formais, ou até mesmo ignorando-as, no intuito de garantir que os processos sejam finalizados, predominantemente, com o devido exame do mérito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É possível inferir que o formalismo, no processo civil, é o reflexo da influência da concepção do Estado sobre o pensamento jurídico. No Estado Liberal, o formalismo ditado pelos rigores da lei fez com que a atividade jurisdicional fosse uma mera reprodução da vontade do legislador. No Estado Constitucional, por sua vez, tendo em mira a verdadeira realização da justiça, o jurista se encontra autorizado a aplicar diretamente os preceitos constitucionais.
O pensamente jurídico contemporâneo prega o alcance da harmonização dos imperativos da segurança jurídica com os reclames da efetividade da atividade jurisdicional. Para tanto, não propõe um pleno desapego ao formalismo, uma vez que, como visto, ele tem sua devida importância diante da necessidade de garantir previsibilidade e proteção contra arbitrariedades estatais. O que se propõe é um formalismo que assegure fluidez e flexibilização necessárias à efetivação da justiça.
Nesse contexto, o processo, como instrumento de concretização do direito material, busca se alinhar às peculiaridades de cada demanda, e vem caminhando para a simplificação das formas, prestigiando, cada vez mais, o postulado da instrumentalidade, segundo o qual o processo deve ser aproveitado ao máximo, no sentido de ser considerado válido, sempre que atinja sua finalidade e não traga prejuízo a nenhuma das partes, mesmo quando não tenha observado estritamente a forma prescrita em lei.
O princípio da primazia do mérito emerge dessas premissas e vem positivado, pela primeira vez, no novo CPC, no capítulo das normas fundamentais do processo civil, e se encontra disseminado em diversos dispositivos do código, como demonstrado no presente estudo. No entanto, o princípio em comento não pode ser tido como estreado pelo novo código, uma vez que, como explanado acima, o código atual já traz diversas disposições que trazem embutida a essência do princípio em comento, especialmente através do sistema de nulidades. Na verdade, o novo texto vem reforçar a primazia do julgamento do mérito, no sentido de instigar o jurista a adotar uma nova postura condizente com os anseios da celeridade e da efetividade do processo.
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