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Mediação: um mecanismo adequado à resolução de conflitos familiares

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Agenda 22/02/2017 às 09:23

3. MEDIAÇÃO FAMILIAR

O Direito de Família, entre todos os ramos do direito, pode ser considerado o mais humano, pois lida com valores personalíssimos e busca proteger o ser humano desde o seu nascimento, atribuindo-lhe direitos indisponíveis e intransmissíveis, e assegurando a sua dignidade.

Como foi possível observar com a explanação realizada no capítulo I deste trabalho, o Direito de Família, a partir do século XX, passou por profundas alterações para acompanhar as transformações ocorridas na sociedade.

Essas transformações decorreram, principalmente, do desenvolvimento econômico e do crescimento industrial.

Como exemplo dessas transformações, pode-se citar a modificação do “papel da mulher”, que deixou de ser submissa ao seu pai ou esposo e adquiriu liberdade, sendo garantido a ela os mesmos direitos dos homens.

Segundo Lília Maia de Morais Sales (2003, p. 55)

No século XX, em decorrência das alterações ocorridas na sociedade, o papel da mulher transformou-se profundamente, com sensíveis modificações no seio familiar.

Na maioria dos países a mulher alcançou os mesmos direitos dos homens, pelo menos na perspectiva formal de direitos.

Em decorrência dessas alterações, a mulher passou a trabalhar fora de casa, a contribuir financeiramente para a manutenção do lar, a ter menos filhos.

A convivência entre pais e filhos também foi modificada, pois estes passam mais tempo na escola e fora do lar.

No Brasil, um dos primeiros documentos legislativos a atribuir liberdade às mulheres casadas foi a Lei nº 4.121, de 27.08.1962.

De acordo com o artigo 246 deste diploma legal:

Art. 246. A mulher que exercer profissão lucrativa, distinta da do marido terá direito de praticar todos os atos inerentes ao seu exercício e a sua defesa.

O produto do seu trabalho assim auferido, e os bens com ele adquiridos, constituem, salvo estipulação diversa em pacto antenupcial, bens reservados, dos quais poderá dispor livremente com observância, porém, do preceituado na parte final do art. 240. e nos ns. II e III, do artigo 242.

Parágrafo único. Não responde, o produto do trabalho da mulher, nem os bens a que se refere este artigo pelas dívidas do marido, exceto as contraídas em benefício da família.

No entanto, o marco revolucionário do Direito de Família brasileiro foi a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CRFB/88).

As alterações realizadas pela CRFB/88 referem-se à igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres e entre os cônjuges na sociedade conjugal, ao reconhecimento da união estável como entidade familiar, ao reconhecimento da família monoparental e a proibição de discriminação entre os filhos, havidos ou não da relação de casamento.

Conforme as lições de Gustavo Andrade (2010, p. 492) “[...] As transformações por ela trazida não só refletiram o clamor social por um tratamento mais humano e igualitário nas relações de família, como revelaram uma indiscutível valorização das pessoas que compõem as entidades familiares”.

Diante destas modificações ocorridas no âmbito do Direito de Família e em razão da desatenção dos cônjuges, das novas posições ocupadas por eles, das pressões econômicas, do stress do dia-a-dia, dos relacionamentos imediatistas e, principalmente, da dificuldade de adaptação do homem e da mulher a essas novas relações, houve o crescimento do número de separações e divórcios no Brasil.

De acordo com a pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2012 o Brasil registrou a maior taxa no número de divórcios desde 1984.

O número de divórcios chegou a 351.153, um crescimento de 45,6% em relação a 2010, quando foram registrados 243.2241[8].

Diante deste cenário, novos arranjos familiares foram surgindo e exigiram, desta forma, o respeito e reconhecimento por parte da sociedade.

Hoje em dia é muito comum uniões estáveis, mães ou pais solteiros, uniões homoafetivas, pessoas casadas que moram em lares diferentes, pessoas que passam a viver em união estável e têm filhos de um casamento anterior, produções independentes, ou seja, novas situações existentes que configuram, em razão da afetividade que predomina, uma família (SALES, 2003).

Todas essas transformações ocasionaram complexos conflitos entre os casais.

Ocorre que, os conflitos surgidos no âmbito familiar exigem muito cuidado, pois envolvem relações de sentimentos, laços afetivos e sanguíneos, que, mesmo diante de situações conflituosas, vão perdurar.

As relações familiares são perenes, por que, mesmo que haja a desconstituição da sociedade conjugal por meio do divórcio, alguns vínculos perduram, como por exemplo a obrigação alimentar.

Ademais, caso não haja mais contato entre os excônjuges, é recomendável que haja paz entre eles.

Por outro lado, caso existam filhos, o vínculo entre os cônjuges será eterno, pois, mesmo que haja o rompimento da ligação conjugal, persistirá o vínculo paternofilial.

Conforme as lições de Adolfo Braga Neto (apud TARTUCE; 2015, p. 326)

[...] a família constituída de pai, mãe e filhos não acaba com o nascimento do conflito que levou ao pedido de separação.

Pelo contrário, é a construção de um outro laço parental, baseado no respeito pela individualidade e limitações pessoais.

Na realidade, o que termina é a relação do casal homem e mulher e não pai, mãe e filhos, que isso é indissolúvel.

Por esse motivo os pais precisam se conscientizar de que, embora estejam divorciados, sempre serão genitores dos filhos derivados da união desconstituída.

Os filhos não podem ser vistos como troféus, muito menos devem ser utilizados com o objetivo de desprestigiar a imagem do outro genitor e da sua família.

Conforme dispõe o artigo 227, “caput”, da Constituição Federal de 1988, a criança e o adolescente têm direito à convivência familiar, sendo necessário que eles sejam preservados dos sentimentos negativos e incentivados a conviver com ambos os genitores, para que se sintam amados e protegidos, mesmo diante de uma situação de rompimento matrimonial.

Vejamos:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Tendo em vista essa realidade, surge a mediação familiar que traz consigo uma nova mentalidade para a resolução pacífica dos conflitos.

Segundo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2012, p. 68-69)

Sem qualquer dúvida, a mediação é instrumento indicado para os conflitos do Direito das Famílias, servindo para arrefecer os ânimos das partes e, ao mesmo tempo, auxiliar à deliberação de decisões mais justas e consentâneas com os valores personalíssimos de cada um dos interessados.

Como veremos no decorrer deste capítulo, a mediação apresenta-se como um mecanismo adequado para conduzir a solução dos conflitos familiares conjugais, pois este instituto tem por objetivo reconstruir o vínculo familiar que fora abalado por um conflito complexo e, muitas vezes, mal administrado.

3.1 Conceito e Objetivos da Mediação Familiar

O instituto da mediação quando aplicado aos conflitos familiares recebe a denominação de mediação familiar.

Como já abordado no capítulo II deste trabalho, a mediação promove uma abordagem mais profunda dos conflitos, pois com a facilitação do diálogo trabalhada pelo mediador, os sentimentos dos mediandos passam a ser enfrentados e compreendidos.

De acordo com Águida Arruda Barbosa (2010, p. 388)

Mediação é comunicação, é um método fundamentado, teórica e tecnicamente, por meio do qual uma terceira pessoa, imparcial e especialmente formada para este mister, ensina os mediandos, por meio de um comportamento adequado no qual verbalizam, tomam a palavra, tornando-se capazes de volver os olhos para o futuro – em lugar de aprisionar o olhar no passado – e, assim, passam a narrar os projetos para uma nova fase da vida daquele núcleo familiar, despertando os recursos pessoais adormecidos.

Esta mudança de comportamento leva os mediandos à ampliação de ótica, podendo, então, chegar à transformação do conflito, responsabilizando-se por ele.

Neste sentido também é o entendimento de Rozane Cachapuz (2004, p. 133)

A mediação reconhece que as emoções são parte integral do processo de resolução e, como tal, devem ser atendidas, para que mais tarde não resultem em constantes ações revisionais, até porque os conflitos de casais, antes de serem de direito, na grande maioria, são essencialmente emocionais.

Mediação de família é, em especial, um processo que enfatiza a responsabilidade dos cônjuges de tomarem decisões que vão definir suas próprias vidas, isolando pontos de acordo e desacordo e desenvolvendo opções que levam a uma nova tomada de decisões.

A mediação familiar busca resolver questões relacionadas à família, seja sobre o aspecto legal, a exemplo da guarda, pensão alimentícia e a divisão de bens, seja a respeito das questões emocionais.

Os conflitos familiares são diferentes dos demais conflitos sociais, pois apresentam um alto grau de subjetividade e emoção.

Segundo Tartuce (2015, p. 324)

“Nas relações familiares, o afeto revela-se como ponto nuclear, o que gera especificidades consideráveis no trato do tema”.

Por serem muito delicadas as situações familiares, o correto é que o meio utilizado para solucionar os conflitos existentes na seara familiar possibilite que as partes atinjam um elevado grau de satisfação, ou seja, não basta impor uma decisão de cunho econômico, o mais importante é reestabelecer a comunicação e o vínculos atingidos pela controvérsia.

O procedimento de mediação incentiva os conflitantes a discutirem os seus problemas, a dialogarem de maneira pacífica, possibilitando uma comunicação inteligível.

Este procedimento busca afastar o sentimento adversarial, rancoroso e irracional.

Afirma Heloísa Cavalieiri (2007, s/n) que o principal objetivo da mediação “é oferecer um caminho para que os cônjuges elaborem por si mesmos as bases de um acordo duradouro e mutuamente aceito tendo em conta as necessidades de cada um dos membros da família e de uma forma muito especial, os filhos”.

Conforme as lições de Lília Maia de Morais Sales (2003, p. 57), a mediação Incentiva a compreensão mútua e a compreensão do sentido ganha-ganha e não mais perdedor-vencedor tão comum nas disputas adversarias.

A mediação auxilia os indivíduos a encontrar nas diferenças os interesses em comum, entendendo o conflito como algo necessário para o reconhecimento dessas diferenças e para o encontro de novos caminhos que viabilizem uma boa administração das controvérsias.

[...] Com a aplicação da mediação aos conflitos familiares, os conflitantes passam a entender que o conflito não deve ser encarado como um fato negativo, mas como algo necessário ao amadurecimento das relações familiares.

O entendimento do conflito de forma positiva possibilita a sua transformação de modo responsável.

É importante destacar que a mediação familiar trabalha com o conflito desde o seu nascedouro, buscando conscientizar as partes dos verdadeiros motivos que levaram àquela situação controvertida.

O mediador, que é o verdadeiro responsável pela condução das sessões de mediação, estimulará os mediandos a administrarem o conflito de maneira adequada, evitando as situações de desavença e a violência verbal.

Conforme as lições de Maria Berenice Dias (2015, p. 66)

O mediador favorece o diálogo na construção de alternativas satisfatórias para ambas as partes.

A decisão não é tomada pelo mediador, mas pelas partes, pois a finalidade da mediação é permitir que os interessados resgatem a responsabilidade por suas próprias escolhas A mediação familiar também possibilita que as partes envolvidas na controvérsia deixem de atribuir a culpa umas às outras, como se ambas não tivessem colaborado para o surgimento do conflito, e encontrem a responsabilidade de cada uma por aquele momento.

Faz-se necessário salientar que a responsabilidade que a mediação busca conscientizar às partes não é só pelo surgimento do conflito, mas também a responsabilidade na sua adequada administração e solução.

Outro importante objetivo da mediação familiar é o resgate da participação dos mediandos na efetiva solução dos seus problemas, sempre através do diálogo.

A solidariedade humana e a comunicação são importantes fundamentos no procedimento de mediação familiar, pois é por meio da comunicação solidária que as partes chegam a uma solução pacífica e honesta para o impasse.

Segundo Gustavo Andrade (2010, p. 500)

[...] essa co-responsabilidade, sob a ótica da comunicação, traz à tona o princípio da solidariedade nas relações de família.

A solidariedade familiar foi, inclusive, a força motriz das discussões levadas a efeito no VI Congresso Brasileiro de Direito de Família, realizado em novembro de 2007 em Belo Horizonte-MG, sob a coordenação do IBDFAM, com o tema ‘Família e Solidariedade’.

O mediador possui um papel muito importante na mediação familiar, pois é ele o facilitador do diálogo.

O mediador não decide e nem interfere na solução do conflito, limita-se a conduzir o procedimento de mediação questionando as partes de maneira hábil e pertinente, alcançando uma comunicação efetiva entre elas.

Esse tipo de condução da controvérsia realizada pelo mediador permite que as partes participem mais abertamente das discussões, reconhecendo os seus erros e os seus acertos, por meio de um olhar reflexivo.

Como bem expõe Tartuce (2015, p. 327-328)

Com a facilitação do diálogo pelo mediador, os sentimentos das partes podem ser enfrentados e compreendidos.

Sendo-lhes permitido um espaço apropriado para a reflexão e o resgate de suas próprias responsabilidades, os mediandos poderão separar os sentimentos dos reais interesses, deixando para trás o passado e podendo se organizar para os tempos futuros.

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As sessões de mediação familiar são caracterizadas pela informalidade, oralidade e confidencialidade.

Nestas sessões as pessoas em conflito se sentem mais à vontade para relatar os seus medos, as suas mágoas, tristezas e insatisfações.

Nas palavras de Gustavo Andrade (2010, p. 503)

Três são os elementos que devem obrigatoriamente estar presentes na mediação, enquanto método de resolução de conflito, comumente chamado de equivalente jurisdicional: as partes, o conflito e o mediador.

O conflito antecede a mediação, sendo a ela pré-existente.

As partes, na mediação familiar, serão sempre pessoas naturais.

O mediador é o terceiro, neutro e imparcial, escolhido pelos próprios mediandos ou indicado por órgão estatal ou privado, que irá atuar como um facilitador, proporcionando às partes as condições ideais para que alcancem a solução mais favorável para o conflito.

Importante destacar que a mediação familiar não visa propriamente substituir a atividade jurisdicional, mas é um instrumento complementar, que qualifica as decisões jurisdicionais e as tornam mais eficazes (DIAS, 2015).

Ademais, como será tratado em momento oportuno, o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), nos artigos 693 a 699, estimula o uso da mediação nas ações de família.

Este estímulo ocorre pelo fato dos conflitos de família serem mais delicados, necessitando, assim, de um meio que preserve a comunicação e a paz entre as partes.

3.2 A Interdisciplinaridade da Mediação Familiar

Tendo em vista a presença de tantos elementos sentimentais nos conflitos familiares conjugais, é necessário que os mediadores envolvidos no tratamento desses impasses tenham uma formação diferenciada.

Segundo Sales (2007, p. 157)

“o mediador familiar deve possuir vasto conhecimento sobre a área de família, tendo conhecimento relativo às transformações que este instituto sofreu, respeitando todas as formas de constituição familiar”.

Também é necessário que o mediador familiar tenha o apoio de profissionais capacitados para lidar com as perdas e frustrações vivenciadas pelos mediandos, a exemplo dos psicólogos, psicanalistas e assistentes sociais.

Segundo Rozane Cachapuz (2004, p. 63-64)

Os terapeutas são de grande valia para detectar os problemas desencadeadores dos conflitos, pois eles irão ajudar os conflitantes a superarem os malefícios e a enfrentarem a realidade do desfazimento da relação e sua aceitação ou até mesmo um retorno a ela, com novas propostas.

Entretanto, ressentem-se da falta de conhecimento jurídico, que os leva a interromperem o seu trabalho para consultar advogados.

A grande maioria das Câmaras de Mediação é formada por profissionais de ambas as áreas, pela necessidade intrínseca de alguns conhecimentos comuns.

Estes profissionais, junto com o mediador, ajudarão os mediandos a compreenderem o verdadeiro interesse por trás dos sentimentos negativos, que são muito comuns nos conflitos familiares.

Conforme dispõe Lídia Reis de Almeida Prado (2003, p. 6)

A interdisciplinaridade amplia a potencialidade do conhecimento humano, pela articulação entre as disciplinas e o estabelecimento de um diálogo entre os mesmos, visando à condução de uma conduta epistemológica.

A interdisciplinariedade é considerada como a mais recente tendência da teoria do conhecimento, decorrência obrigatória da modernidade, por se tratar de um saber oriundo da predisposição para um ‘encontro’ entre diferentes pontos de vista (diferentes consciências), o que pode levar, criativamente, à transformação da realidade.

Os mediadores familiares também precisam do auxílio dos advogados, pois neste procedimento há a necessidade de conhecimentos sobre partilha de bens, guarda de filhos e outros institutos jurídicos que estão envolvidos nestas relações.

Além dos conhecimentos legais, o advogado poderá informar aos mediandos quais as vantagens sobre a formação de um acordo, trazendo os entendimentos jurisprudenciais e possibilidades de resolução.

Como analisado na subseção 3.1, um dos objetivos da mediação familiar é possibilitar que os mediandos entendam o conflito como um acontecimento natural e necessário às relações intersubjetivas.

No entanto, em algumas controvérsias familiares, tendo em vista a predominância dos sentimentos negativos, as partes não conseguem estabelecer uma comunicação pacífica que viabilize a transformação do impasse em uma convivência harmoniosa.

Essas situações acontecem, principalmente, nos conflitos familiares mais complexos, a exemplo das relações conjugais abaladas por traições, desafetos e violência.

O quadro se agrava ainda mais quando o casal em conflito tem filhos, pois estes, na maioria das vezes, são usados como uma maneira de se vingar do outro cônjuge, acontecendo, como já foi explicado no capítulo I, a alienação parental.

É diante destas tão delicadas situações que se vislumbra a imprescindibilidade do mediador contar com uma equipe interdisciplinar.

Esta equipe vai auxiliar na condução daqueles conflitos mais complexos, sempre que o mediador entender necessário, desde que haja a anuência das partes.

Dispõe o artigo 15 da Lei de Mediação (13.140/2015) que

Art. 15. A requerimento das partes ou do mediador, e com anuência daquelas, poderão ser admitidos outros mediadores para funcionarem no mesmo procedimento, quando isso for recomendável em razão da natureza e da complexidade do conflito.

Apesar deste artigo não mencionar expressamente a possibilidade de participação de profissionais de outras áreas na condução do procedimento de mediação, foi esse o objetivo do legislador ao criar esta norma.

Precisamos, neste caso, nos valer dos ensinamentos da hermenêutica para realizar uma interpretação extensiva deste artigo.

A interdisciplinariedade da mediação também está presente no Novo Código de Processo Civil, que reza no seu artigo 694, “caput”, que “[...] o juiz deve dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação [...]”.

É importante reforçar que o Novo Código de Processo Civil e a Lei de Mediação não determinam em qual área do conhecimento humano o mediador deve ser graduado.

A única exigência feita por esses dois diplomas legais é que o mediador seja uma pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.

No caso específico do mediador judicial, a Lei nº 13.140/2015, exige que ele seja graduado, há pelo menos dois anos, em curso de ensino superior (sem especificar o curso) e que tenha obtido capacitação em instituição de formação de mediadores.

Neste ponto, se vislumbra mais uma vez a interligação entre os temas interdisciplinariedade e mediação familiar, pois, o mediador pode ser um advogado, um assistente social, um psicólogo etc.

E isso significa que em determinados momentos, ele pode se deparar com situações que exigem um conhecimento que está além da sua competência técnica, necessitando, portanto, da ajuda de profissionais de outras áreas.

3.3 Vantagens, Desvantagens e Desafios da Mediação Familiar

Assim como todos os meios de resolução de conflitos, a mediação familiar apresenta vantagens e desvantagens.

O objetivo deste subitem não é fomentar um posicionamento a favor ou contrário à utilização da mediação, mas possibilitar que as partes apreciem os pontos positivos e negativos deste instituto, ajudando-as na escolha do método mais indicado para a solução dos conflitos familiares conjugais.

Segundo Cândido Rangel Dinamarco (2013, p. 124)

As vantagens das soluções alternativas, consistem principalmente em evitar as dificuldades que empecem e dificultam a tutela jurisdicional: o custo financeiro do processo, a excessiva duração dos trâmites processuais e o necessário cumprimentos das formas processuais [...].

Inicialmente, uma das primeiras vantagens da mediação familiar é redução de tempo e de gastos, se comparada ao processo judicial.

Como no procedimento de mediação não existe tantas formalidades, há uma maior rapidez na solução dos conflitos postos à análise do mediador, e consequentemente, uma diminuição de custos para as partes.

Outra vantagem na utilização da mediação familiar é que as partes, por meio da comunicação pacífica, encontram soluções mais eficazes para a controvérsia, privilegiando a autonomia da vontade e a corresponsalidade.

Além disso, pode-se citar como principais vantagens na utilização da mediação familiar:

O seu principal objetivo é transformar o conflito em uma relação harmoniosa, na qual a comunicação e a solidariedade se fazem presentes.

Por isso, a mediação busca enfatizar os reais interesses por trás do conflito e estimula os mediandos a buscarem soluções que gerem benefícios mútuos, afastando a cultura do perdedorvencedor, tão presente nas demandas judiciais;

Segundo Angela Hara Buonomo Mendonça (2003, p. 29)

Dentre os principais benefícios deste recurso, destacam-se a rapidez e efetividade de seus resultados, a redução do desgaste emocional e do custo financeiro, a garantia de privacidade e de sigilo, a facilitação da comunicação e promoção de ambientes cooperativos, a transformação das relações e a melhoria dos relacionamentos.

[...] Em contrapartida pode-se mencionar como desvantagens da mediação:

e) o pequeno número de câmaras de mediação, que apenas são encontradas nas grandes capitais;

f) a falta de divulgação deste meio consensual de resolução conflito, no que concerne ao seu procedimento, custos, acesso, confidencialidade e eficiência, fato que distancia a mediação de possíveis interessados;

g) falta de divulgação dos resultados positivos e satisfatórios obtidos nas sessões de mediação, para que os sujeitos em conflito tenham consciência dos benefícios deste mecanismo.

Apesar de alguns autores, a exemplo de Mauro Cappelletti (1994), apontarem certas desvantagens no processo de mediação, estas não são expressivas e não superam os benefícios decorrentes das inúmeras vantagens de solucionar um conflito por meio deste instituto, principalmente os conflitos familiares conjugais.

De outro lado, é necessário mencionar que existem certos obstáculos que precisam ser superados para que seja possível expandir a utilização da mediação familiar por todo território brasileiro.

O primeiro deles tem a ver com uma questão cultural, pois, no Brasil, é comum que as partes recorram ao Poder Judiciário para solucionar as suas controvérsias, acreditando que apenas o juiz tem capacidade de resolver adequadamente o seu conflito.

De acordo com Kazuo Watanabe (apud MOTA; 2010, p. 48)

A cultura do povo brasileiro é muito dependente de autoridade, e os sociólogos procuram apontar tal característica.

(...) Os meios alternativos de solução de conflitos necessitam de um terreno fértil para prosperar, que consiste, exatamente, na existência de uma mentalidade receptiva a esses modos de solução e de tratamento de conflitos.

O Novo Código de Processo Civil e a Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015), tem por objetivo, justamente, estimular o uso da mediação para a solução de conflitos nos quais as pessoas estão unidas por relações continuadas, como é o caso do conflito familiar.

No entanto, não se pode ignorar que ainda existem muitas restrições e resistências ao uso deste método consensual de resolução de conflitos, principalmente em uma sociedade culturalmente enraizada ao Poder Judiciário (MOTA, 2010).

Outro obstáculo enfrentado pela mediação familiar é a formação jurídica dos operadores do direito nas universidades brasileiras, pois a grande maioria destas instituições tem o ensino voltado para o aspecto adversarial, sendo que os estudantes não são orientados a utilizar os meios alternativos de resolução de conflitos.

Segundo as lições de Sales e Andrade (2011, p. 45)

[...] nos bancos universitários, nascedouro dos profissionais da ciência jurídica, muitas vezes, ensina-se que o mister do advogado consiste na máxima de postular causas em juízo, olvidando noções mínimas de busca por meios consensuais de solução, como se a demanda judicial fosse condição elementar de existência para a prática jurídica.

(Itálico pelas autoras)

Ocorre que, essa cultura da litigiosidade acaba aumentando o número de processos parados nos juízos e tribunais brasileiros, sem resolução próxima, aumentando o descrédito do Poder Judiciário e o desgaste nas relações continuadas.

3.4 Situações de Impossibilidade Absoluta do uso da Mediação

A mediação, na acepção geral do termo, é um método consensual de resolução de conflitos que tem sido adotada não apenas para tratar das controvérsias de caráter estritamente privado, mas, também, para tratar das controvérsias relativas a todos os setores pelos quais a autocomposição possa se efetivar.

Conforme ensinamentos de Sales (2003, p. 55)

[...] sem dúvida a mediação poderá fazer parte de quaisquer conflitos, considerando, no entanto, que em determinadas controvérsias, estabelecidas pelo Direito vigente, não poderá com exclusividade solucionar o impasse, visto que foge à sua competência.

A Lei de Mediação, no seu artigo 3º, estabelece que pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre: i) direitos disponíveis; ou ii) direitos indisponíveis que admitam transação.

Assim, como explicado detalhadamente no capítulo II, mesmo que o conflito diga respeito a direitos indisponíveis, a exemplo da investigação de paternidade, podem haver aspectos transigíveis que possibilitem a aplicação do procedimento de mediação.

Por outro lado, existem certas relações que, pelo alto grau de complexidade ou em razão das situações críticas peculiares, não podem ser submetidas ao procedimento de mediação.

Neste sentido, estão excluídos do procedimento de mediação os conflitos relativos a direitos absolutamente indisponíveis, que nem mesmo a lei admite transação; os conflitos nos quais existem acusações entre as partes de natureza penal ou pendência criminal que impossibilite a igualdade entre elas e a postura neutra do mediador; nos conflitos em que há disparidade irremovível entre as partes, no que diz respeito ao conhecimento sobre seus direitos; e, finalmente, nos conflitos em que a mediação foi utilizada anteriormente, mas uma das partes não cumpriu o acordo e agiu de má-fé, pois nestes casos, há perda de confiança.

Ademais, no caso específico dos conflitos familiares conjugais, estão excluídas do rol de abrangência da mediação familiar as controvérsias que envolvam violência física, sexual e psicológica, pois, nestas situações, dificilmente existe respeito entre os cônjuges, o que impede que eles se comuniquem sem que haja prejuízo de sua própria saúde e da segurança do mediador.

Neste sentido dispõe Barbosa (apud TARTUCE; 2015, p. 311) que diante da ocorrência de violência física ou abuso sexual, com risco iminente de graves danos a algum dos integrantes da família.

Essa situação exige medidas incisivas e coercitivas, cuja eficácia venha inibir a repetição de comportamento.

A mediação familiar, apesar de ser um importante mecanismo para solucionar os conflitos entre os casais, porque ajuda os mediandos a reestabelecer o diálogo e a administrar de forma correta o conflito, chegando a uma solução satisfatória para ambos, não deve ser utilizada em situações nas quais há exacerbada violência e agressões repetitivas.

No entanto, é viável, em algumas situações, que antes de discutir sobre a controvérsia propriamente dita, o mediador busque que a violência seja cessada e que os mediandos estabeleçam um contato com condições mínimas de segurança.

Por fim, superada a situação de violência, é possível realizar o procedimento de mediação, sendo possível às partes se conscientizar sobre os comportamentos violentos, evitando que sejam repetidos.

3.5 Aplicação da Mediação às Ações de Família, conforme o Novo CPC

O artigo 693 ao 699 do Novo Código de Processo Civil, dedica-se às “Ações de Família”.

O objetivo destes artigos é fomentar o consenso nas controvérsias familiares e inserir algumas regras peculiares a este tipo de conflito.

Conforme as lições de Daniel Amorim Assumpção Neves (2015, p. 341)

O Novo Código de Processo Civil cria um capítulo para regulamentar o procedimento das chamadas ‘ações de família’, mais precisamente os processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação (art. 693, caput).

O capítulo ainda terá aplicação subsidiária na ação de alimentos e na que versar sobre interesse de criança ou adolescente, que continuarão a observar o procedimento previsto em legislação específica, aplicando-se, no que couber, as disposições do capítulo ora analisado.

Como já foi comentado neste trabalho, o Novo Código de Processo Civil prestigia significativamente os mecanismos consensuais de solução de conflitos.

E isso não seria diferente nas ações de família, que requerem um tratamento mais adequado das controvérsias em razão do alto grau de emoção que permeia estas relações.

Neste sentido, o artigo 694, “caput”, do NCPC dispõe que “nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia”.

Humberto Theodoro Júnior (2016, p. 479), em comentário ao capítulo X do Novo CPC, dedicado às ações de família, preconiza que O rito especial das ações de família, estabelecido pelo NCPC, está alicerçado em dois institutos de solução de conflitos, a mediação e a conciliação, como forma de possibilitar aos familiares litigantes expor, verbalmente, perante a autoridade a sua versão do litígio.

Com isso, entendeu o legislador que ‘a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criadas e não imposta pelo juiz’ (Grifo nosso).

A interdisciplinariedade, tema tratado na subseção 3.2, está reconhecida na segunda parte do artigo 694, determinando que deve “o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação”.

O parágrafo único do artigo 694 do Novo CPC disciplina que “a requerimento das partes, o juiz pode determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar”.

Apesar do legislador não ter estipulado o prazo máximo para a suspensão, esta deverá obedecer aos critérios da razoabilidade – podendo o prazo ser um pouco mais dilatado, a depender da complexidade do conflito posto à análise do mediador.

O artigo 695 do NCPC determina a primeira especialidade procedimental das ações de família ao dispor que o primeiro ato após o recebimento da petição inicial, e a análise de eventuais medidas de urgência, será a citação do réu para comparecer à audiência de mediação.

No entanto, conforme dispõe o § 4º, inciso I, do artigo 334 do NCPC, a audiência de conciliação pode não ocorrer quando ambas as partes manifestarem, expressamente, o desinteresse.

Vejamos:

Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.

§ 4º A audiência não será realizada:

I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual; [...]

Com o escopo de evitar que o sentimento adversarial seja despertado na parte ré, o § 1º, do artigo 695 determina que “o mandado de citação conterá apenas os dados necessários à audiência e deverá estar desacompanhado de cópia da petição inicial, assegurado ao réu o direito de examinar seu conteúdo a qualquer tempo”.

Fernanda Tartuce (2015, p. 330), faz um importante crítica a este parágrafo.

Segundo a autora

A regra, porém, desafia a Constituição Federal: ao permitir que apenas uma das partes tenha ciência do que foi apresentado ao juiz, ela promove um desequilíbrio anti-isonômico no processo; se uma das partes apresentou sua versão em juízo, é decorrência do contraditório que haja sua cientificação.

Espera-se que os magistrados deixem de dar atenção à regra e promovam a citação atendendo o padrão tradicional de fazer acompanhar o mandado e a contrafé.

Ademais, durante a audiência de mediação judicial é indispensável a presença de advogado ou defensor público para acompanhar as partes, conforme dispõe o § 4º, do artigo 695, do NCPC.

As audiências de mediação, conforme preconiza o artigo 696 do NCPC, poderão se dividir em tantas sessões quantas sejam necessárias para possibilitar a solução consensual da controvérsia.

Segundo Neves (2015, p. 343)

Ao permitir que a audiência de mediação e conciliação seja dividida em tantas sessões quantas necessárias para viabilizar a solução consensual, sem prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito, o art. 696. do Novo CPC reforça mais uma vez a valoração às formas consensuais de conflito, permitindo que ela seja buscada em mais de uma sessão de audiência.

Caso, nestas sessões, não seja realizado um acordo, reza o artigo 697 que “passarão a incidir, a partir de então, as normas do procedimento comum, observado o art. 335”.

Como bem pondera Humberto Theodoro Júnior (2016, p. 484)

Se a tentativa de conciliação for frustrada, o processo seguirá tramitando segundo as normas do procedimento comum, com a intimação do réu, em audiência, para apresentar contestação em quinze dias (NCPC, art. 697).

‘A contestação, como se sabe, é peça de defesa, vale dizer, quase sempre um ato de beligerância, que pode ter como efeito fomentar ainda mais o dissenso familiar’.

Por isso, somente nessa ocasião é que será encaminhada cópia da petição inicial.

Após a defesa do réu, ocorrerá a instrução e o julgamento da ação pelo juiz.

A intervenção ministerial só será necessária nos casos em que houver interesse de incapaz, atuando o representante do Ministério Público como fiscal do ordenamento jurídico, devendo ter vista do acordo antes que seja homologado pelo juiz.

Quando o processo envolver discussão sobre abuso (sexual ou de outra natureza), ou alienação parental, o juiz, no momento do depoimento do incapaz, deve estar acompanhado por um especialista.

Assim reza o artigo 699, do Novo Código de Processo Civil: “quando o processo envolver discussão sobre fato relacionado a abuso ou a alienação parental, o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz, deverá estar acompanhado por especialista”.

Por fim, o termo final de celebração do acordo será considerado título executivo extrajudicial, e se for homologado pelo juiz, será um título executivo judicial, conforme dispõe o parágrafo único do artigo 20 da Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015).

3.6 Direito Comparado

As duas principais vertentes mundiais que dispõem sobre a Mediação são os modelos norte-americano e europeu.

Vale destacar que antes de ser implementada pelos Estados Unidos, a mediação era usada na China e no Japão como primeira opção para resolver os conflitos de interesses.

Foi com a imigração dos chineses para o Estados Unidos que esta cultura foi incorporada por este país.

Nos Estados Unidos predomina o modelo criado pela Universidade de Havard, no qual a mediação desenvolveu-se com o escopo de diminuir a quantidade de processos que tramitavam no Poder Judiciário.

Conforme os ensinamentos de Gustavo de Andrade (2010, p. 493)

Para os norte-americanos predomina o modelo criado pela Universidade de Havard na segunda metade do século XX, na busca da diminuição da grande quantidade de processos que abarrotavam o Poder Judiciário daquele país, em virtude da ampliação das demandas nascidas no pós-guerra, desde aquelas que abrangiam questões econômicas – aí sem dúvida com enorme influência do consumo em massa – até aquelas que advieram das transformações ocorridas no Direito de Família.

Do modelo de Havard nasceu a sigla hoje internacionalmente conhecida para identificar os meios alternativos de solução de conflitos, a ADR (Alternative Dispute Resolution).

No modelo norte-americano a história da mediação está ligada à história do movimento de acesso à justiça, que teve o seu ápice em meados da década de 70.

Segundo Barbosa (1999, p. 4) “este movimento encorajou de tal forma, a demanda judicial, que exigiu a implementação de mecanismos ágeis, capazes de desafogar o judiciário”.

Nas palavras de Fernanda Tartuce (2015, p. 183-184)

Em 1976, Frank Sander, professor de Havard, iniciou uma grande revolução no campo de resolução de disputas com o seu famoso discurso ‘Variedades de Processos de Resolução de Disputas’ na Conferência Roscoe Pound sobre as Causas da Insatisfação Popular com a Administração da Justiça.

Ele trouxe a visionária ideia, recentemente recepcionada no Brasil pela Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, de que os tribunais estatais não poderiam ter apenas uma ‘porta’ de recepção de demandas relacionada ao litígio, mas sim poderiam direcionar casos para vários outros meios de resolução de disputas, entre os quais a mediação, a conciliação e a arbitragem; esse evento é visto por muitos como o ‘Big Bang’ da teoria e prática moderna da resolução de disputas.

Assim como nos Estados Unidos, a mediação se desenvolveu também na Grã- Bretanha, motivada pelo movimento Parents Forever que destacava a solução de conflitos entre pais e mães separados, atingindo rapidamente o amadurecimento, tendo o primeiro serviço de mediação familiar inaugurado em 1978, na cidade de Bristol, pela assistente social Lisa Parkinson (BARBOSA, 1999).

Em razão da facilidade do idioma (inglês), a mediação desenvolveu-se rapidamente, também, na Austrália e no Canadá, e a partir de Quebec (Província do Canadá), o instituto da mediação começou a ser adaptado à língua francesa.

A mediação familiar chegou à França em 1980, onde foi conceituada sob a perspectiva interdisciplinar, afastando-se, desta forma, do conceito de mediação desenvolvido pelos Estados Unidos, para estabelecer um conceito particular, embasado na transformação do conflito.

A contribuição da França à mediação, segundo Jean François-Six (apud ANDRADE; 2010, p. 499) consiste no abandono do “pensamento binário – típico da linguagem jurídica – (autor-réu; ganhador-perdedor; culpado-inocente) para se adotar o pensamento ternário”.

O pensamento ternário possibilita a discussão pacífica do problema, pois cria uma terceira opção além do certo ou errado, do bom ou mal.

O pensamento ternário está estruturado em diversas alternativas e, ao incluir o terceiro, abandonando a conduta egoísta, as partes em conflito passam a reconhecer o valor um do outro, o que era impossível em razão da ausência de diálogo.

3.7 Direito Sistêmico e Técnicas Alternativas de Resolução de Conflitos Familiares: constelações familiares

O Direito Sistêmico é um método para o tratamento adequado de conflitos familiares, desenvolvido pelo Juiz de Direito do Estado da Bahia, Sami Storch19.

Este novo meio de resolução de conflitos teve como inspiração a ciência das constelações familiares sistêmicas, que é um método psicoterapêutico criado no início dos anos 80 por Bert Hellinger, filósofo e terapeuta alemão.

De acordo com o Procurador de Justiça Amilton Plácido da Rocha (2014, p. 51)

A constelação familiar, na melhor tentativa de explica-la cientificamente, é uma das formas de acessar o campo energético-informacional familiar de uma pessoa, campo esse que Rupert Sheldrake chamou de campo morfogenético, onde estão, no caso, todas as informações daquela família.

De uma maneira mais simples, pode-se dizer que para o método das constelações familiares o conflito tem a sua origem em fatos ocorridos no passado familiar, e que por esse motivo deve ser solucionado de uma maneira adequada, levando em conta o sistema familiar, evitando, assim, que as gerações futuras também sejam atingidas por esses males.

O procedimento utilizado nas constelações sistêmicas familiares consiste em uma terapia na qual são utilizadas pessoas externas ao sistema do cliente para representar os membros de sua família.

As pessoas externas que participam da terapia começam a manifestar as sensações e os pensamentos da pessoa que está representando.

Confome Sami Storch (2010, p. s/n)

É uma experiência impressionante, pois o representante, sem perder a própria consciência, se sente e se comporta exatamente como a pessoa que ele está representando, mesmo que não a conheça, chegando a experimentar, inclusive, seus sintomas físicos, emocionais e psíquicos.

Podem-se utilizar representantes para familiares vivos e para antepassados já falecidos, que durante a constelação podem indicar claramente a origem da questão, trazendo à luz as dinâmicas ocultas que atuam naquela família e indicando o movimento necessário para a cura.

Neste sentido, continua o autor

A partir disso, vêm à tona dinâmicas que estavam ocultas naquela família, conflitos e traumas que envolveram antepassados e que projetam seus efeitos ao longo das gerações seguintes, causando os efeitos atualmente sentidos pelo cliente – problemas em relacionamentos afetivos, depressão, vícios, dificuldades financeiras, conflitos familiares, bloqueios comportamentais, etc.

Hellinger descobriu três leis que regem os relacionamentos humanos. Essas três leis também são chamadas de leis do amor, e são: hierarquia (estabelecida pela ordem de chegada), pertencimento (estabelecido pelo vínculo) e equilíbrio (estabelecido pelo dar e receber) (ROCHA, 2014).

Quando uma dessas leis são violadas por algum membro da família surgem os emaranhamentos (depressão, doenças, crises etc.) e, para que haja paz, é necessário que a ordem seja restabelecida.

Foi neste sentido que o Juiz de Direito que atua na Comarca de Valença-BA, desenvolveu a teoria do Direito Sistêmico.

O Direito Sistêmico não consiste em um novo ramo do direito, mas em uma nova forma de interpretar e aplicar a ciência jurídica.

Ele busca resolver verdadeiramente o conflito, fazendo com que ambas as partes estejam satisfeitas com a solução encontrada.

A abordagem sistêmica do direito propõe a aplicação da ciência jurídica com um viés terapêutico.

No artigo “O que é o direito sistêmico?”, Sami Storch explica que (2010, s/n)

Uma pessoa atormentada por motivos de origem familiar pode desenvolver uma psicose, tornar-se violenta e agredir outras pessoas.

Quem tem a ver com isso? Todos. Toda a sociedade.

Adianta simplesmente encarcerar esse indivíduo problemático, ou mesmo matá-lo (como defendem alguns)? Não.

Se ele tiver filhos que, com as mesmas raízes familiares, apresentem os mesmos transtornos, o problema social persistirá.

Assim, a abordagem terapêutica do conflito voltada para todo o sistema, como propõe Storch, é essencial para descobrir as verdadeiras origens dos distúrbios, doenças e conflitos que atingem as pessoas.

Não adianta resolver um conflito pontual se o problema é sistêmico, ou seja, não adianta se divorciar de uma pessoa porque ocorre muitas brigas no relacionamento se o problema está na criação do cônjuge e nas suas vivências familiares, pois no novo relacionamento os problemas vão se repetir.

Esse método de solução de conflitos, apesar de recente, já viabilizou, no período de outubro de 2012 a junho de 2013, a realização de acordos em 91% dos processos na Vara de Família da cidade de Castro Alves-BA20.

Em razão deste histórico positivo, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia tem incentivado o uso da técnica de constelações familiares, realizando, inclusive, seminários e cursos para os servidores e magistrados do Tribunal.

A prática das constelações familiares está amparada pelo § 3º, do artigo 3º, do Novo Código de Processo Civil, que permite outras práticas de solução consensual dos conflitos, além da conciliação e mediação.

Vejamos:

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.

§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

(Grifo nosso).

Ademais, é importante salientar que o escopo desta pesquisa não é o Direito Sistêmico e as Constelações Familiares.

A menção a este meio de resolução de conflito se deu em razão da sua crescente utilização pelos tribunais brasileiros, especialmente, pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

Além do mais, ao lado da mediação, o direito sistêmico apresenta-se como um mecanismo adequado à resolução de conflitos familiares conjugais, merecendo ser estimulado e utilizado pelos operadores do direito.

3.8 Mediação Familiar e a Resolução dos Conflitos Familiares Conjugais

Os conflitos familiares conjugais estão envolvidos por relações afetivas, existindo medos, mágoas, queixas e sentimentos confusos de amor e ódio.

São conflitos objetivos e também emocionais.

Na maioria das vezes os sujeitos em conflito não buscam propriamente obter compensações econômicas, mas resgatar os danos emocionais oriundos das decepções e frustações amorosas.

Em razão destas situações especialíssimas que permeiam os conflitos familiares conjugais, é mais vantajoso para as partes recorrerem à solução consensual do conflito do que recorrerem às decisões impostas por um terceiro imparcial.

As decisões proferidas pelo juiz no exercício da atividade jurisdicional podem até colocar fim às disputas levadas ao seu conhecimento, sendo proferida uma sentença que acatará o pedido de uma das partes em detrimento do requerimento realizado pela outra.

No entanto, a sentença dificilmente conseguirá pacificar as partes envolvidas nos conflitos familiares conjugais, pois a insatisfação de uma ou de ambas, com a decisão imposta, acaba gerando, futuramente, novas demandas judiciais.

Conforme dispõe Fernanda Tartuce (2015, p. 327)

[...] O efeito verdadeiramente pacificador almejado pela prestação jurisdicional dificilmente é obtido com a imposição da decisão do juiz.

Se as próprias partes puderem protagonizar a administração do conflito compreendendo suas múltiplas facetas e abordando-as de forma ampla e produtiva, certamente haverá mais chances de superação da situação conflituosa e de adesão aos termos definidos no acordo.

De outro lado, quando não houver processo judicial instaurado ou, já existindo, as partes decidirem submeter a controvérsia ao tratamento por um dos meios de solução consensual, é mais vantajoso a adoção da mediação em relação à conciliação.

Isso ocorre porque na conciliação o objetivo é chegar a um acordo, que é intensamente estimulado pelo conciliador.

Este meio alternativo de resolução dos conflitos não trabalha profundamente com as causas que levaram ao impasse, também não tem por objetivo estimular a reflexão pelas partes.

Na conciliação as partes realizam um acordo, através do incentivo e das sugestões apontadas pelo conciliador, mesmo que não seja reestabelecido de forma eficaz o diálogo entre elas.

Neste meio consensual de resolução de conflitos o objetivo principal é extinguir o processo e “desafogar” o Poder Judiciário, mesmo que a solução encontrada não seja tão benéfica às partes.

No âmbito dos conflitos familiares conjugais, a conciliação não é tida como o meio mais adequado para solucionar os impasses, pois por haver elevada carga emocional, essas controvérsias acabam sendo apenas “adormecidas” com o acordo atingido pela conciliação, ressurgindo depois em um outro formato, mas tendo como causa o conflito anterior mal administrado.

Nas palavras de Gustavo Andrade (2010, p. 505)

O que deve ser colocado é que a questão primordial na conciliação é a celebração de um acordo.

Há que se observar, no entanto, que a celebração de um acordo pode significar o encerramento de um processo judicial, mas não necessariamente do conflito que subjaz.

Muitas vezes, por permanecer intacto o conflito e toda a gama de emoções que o acompanham, uma nova demanda surge mais adiante e outro processo se inicia.

Inúmeros exemplos podem ser lembrados.

É comum um casal se separar sobre forte pressão emocional e se utilizar cada qual de todo poder de fogo que possui para atingir o outro, fazendo isso também através dos filhos, que figuram na maioria das vezes como moeda de troca.

Se numa ação em que se discute a prestação de alimentos é promovida uma conciliação com vistas à celebração de um acordo sem que se trabalhe o conflito ali existente, não é improvável que, algum tempo depois, um ou outro litigante ingresse com uma ação revisional, ou mesmo com uma demanda judicial para discutir a guarda dos filhos ou o direito de visita, ou até mesmo com o objetivo de discutir o uso do sobrenome de um pelo outro.

Por outro lado, é importante destacar que mesmo antes da regulamentação da Mediação pela Lei nº 13.140/2015, o Poder Judiciário brasileiro já utilizava este método consensual de resolução de conflitos mediante a instauração de projetos piloto.

Merece ênfase a experiência vivida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).

Segundo relato feito pela Primeira Vice-Presidência do TJDFT (2013), a Resolução n. 02/2002 institucionalizou a mediação neste Tribunal, sendo que, inicialmente, o atendimento era restrito as duas Varas de Família e duas Varas Cíveis, da Circunscrição Judiciária de Taguatinga-DF.

Consta no relato que o índice de acordos foi crescente e bastante satisfatório, pois no ano de 2003, foram realizados 13 acordos; em 2004, 19; em 2005, 21; em 2006, 49, totalizando nos primeiros quatro anos de institucionalização da mediação naquele Tribunal, 103 acordos.

O sentimento de satisfação e adequação do instituto da mediação à resolução dos conflitos era sentida não apenas pelas pessoas que participavam das sessões de mediação familiar, mas também pelos advogados que atuavam naquela Circunscrição Judiciária.

Vejamos o relato (2013, s/n)

O sucesso da iniciativa se expressa não somente em razão dos acordos. Por meio de pesquisa de opinião com partes e advogados que participaram das mediações, em 2006, 77% dos entrevistados avaliaram o serviço como excelente e, entre os advogados questionados, 96% consideraram válida a tentativa de mediação mesmo sem ter chegado ao acordo; 94% afirmaram que aconselhariam seus clientes a participarem de uma sessão de mediação para resolverem seus litígios; e 86% consideraram excelente a iniciativa do TJDFT em implementar o Programa de Estímulo à Mediação.

Assim, por tudo que já fora pontuado acima e tendo em vista que os conflitos familiares conjugais são mais delicados que os conflitos em geral, em razão da carga emocional envolvida, o instituto da mediação mostra-se como um meio mais adequado e eficaz para resolver estas espécies de conflito, pois como bem pontuou Sales (2007, p. 141) “percebe-se a necessidade de mecanismos de solução de conflitos que essencialmente estejam embasados no diálogo, na valorização do outro, na escuta e no sentimento de cooperação – do individual ao coletivo”, características que estão presentes no procedimento de mediação.

Sobre a autora
Eduarda Torres Nascimento de Almeida

Formada em Direito pela Faculdade Regional de Alagoinhas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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