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Os prazos em dias úteis: avanço ou retrocesso

Agenda 27/02/2017 às 00:59

Uma das mudanças trazidas pelo NCPC que vem fomentando debates jurídicos é a aplicação dos prazos em dias úteis em todas as esferas processuais. Mas e nos Juizados Especiais? Isso não feriria o princípio da celeridade?

No ano de 2015, restou aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pela então Presidente da República o novo Código de Processo Civil, Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015, revogando o antigo código que vigorava desde o ano de 1974.

 

O Código de Processo Civil é a lei que regulamenta o processo judicial civil no Brasil. Nele encontramos os princípios que regem o direito processual. Esta lei contém todas as normas estritamente relacionadas aos processos judiciais de natureza civil, mas pode ser utilizada de forma subsidiária nos demais sistemas processuais, desde que haja previsão legal.

 

Em razão disto, chegamos a pensar que, por mais que cada área do direito tenha sua especificidade, Código de Processo Civil acabando sendo o principal código processual do nosso ordenamento jurídico, pois diversas leis, inclusive trabalhista e penal, acabam buscando apoio no código de processo civil. Podemos fixar que o código de processo civil seria o patriarca ou matriarca de uma família, sendo o porto seguro.

 

Em linhas gerais, o Código de Processo Civil rege como os operadores do direito devem conduzir a solução de um conflito. Conhecer o Código é conhecer como o seu conflito será solucionado.

 

O novo Código de Processo Civil somente entrou em vigor em Março de 2016, mas desde antes a comunidade jurídica vem debatendo as novidades trazidas pelo texto e as suas aplicações para a realidade dos operadores do direito.

 

Uma das novidades trazidas pelo Código de 2015 é a contagem dos prazos processuais em dias úteis, prevista no artigo 219 “Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”.

 

No Código de 1973, quando a parte (pessoa no processo) era intimada a se manifestar dentro de um determinado prazo, este somente teria seu início no primeiro dia útil a seguir a data da intimação, artigo 184 do Código de Processo Civil/73. Logo, se a intimação ocorre em uma sexta-feira, teoricamente o termo inicial do prazo será na segunda-feira.

 

O término do prazo também deveria ser em dia útil, artigo 184, §1º do Código de Processo Civil/73.

 

Frisa-se que dia útil é o dia forense, ou seja, dia em que o Poder Judiciário funciona normalmente. Exemplo: Dia do comércio é dia útil para a Justiça, mas o dia do funcionário público, não.

 

Contudo, uma vez iniciado, o prazo seria de dias corridos, artigo 178 do Código de Processo Civil/73, ou seja, se a intimação ocorre em uma terça-feira, teoricamente o prazo terá seu início na sexta-feira, mas a sua contagem continuaria mesmo no final de semana.

 

Vale lembrar que o Código de 1939, primeiro código de processo civil, também previa que os prazos seriam contínuos, artigo 26 “Os prazos serão contínuos e peremptórios, correndo em dias feriados e nas férias. Suspender-se-ão, entretanto, por obstáculo judicial criado pela parte ou superveniência de férias que absorvam, pelo menos, metade de sua duração, e nas hipóteses do art. 197, casos em que serão restituídos por tempo igual ao da suspensão”.

 

Quanto ao termo inicial e final da contagem dos prazos, o Código de 2015 manteve a tradição firmada em 1939, artigo 224, mas inovou no tocante a continuidade do prazo, determinando que os prazos sejam em dias uteis, artigo 219 “Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”.

 

A inovação foi reivindicada pelos deputados Sérgio Barradas Carneiro e Fábio Trad[1], ambos advogados, defendendo que os advogado também tem direito ao descanso semanal.  

 

Para Fábio Trad, "Os profissionais do Direito merecem descansar no final de semana, uma vez que a rotina é extremamente estressante. Essa alteração não vai comprometer a celeridade processual”.

 

Para Sérgio Barradas Carneiro "Os prazos são de quinze dias e os feriados vão tomar no máximo um dia desse prazo, então essa não é uma questão polêmica nem essencial no debate. Os prazos em dias úteis são uma reivindicação da OAB e o papel da relatoria é justamente fazer o balanceamento das pretensões das categorias", destaca o relator.

 

Se formos analisar de forma prática a justificativa dos então deputados, a fixação em dias úteis realmente concede aos advogados a possibilidade de descansar nos finais de semana. Ora, no modelo antigo, sendo o prazo de 05 (cinco) dias, inevitavelmente o advogado teria que preparar a manifestação no final de semana, visando protocolar dentro do prazo.

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Por essa linha de pensamento, a inovação beneficia o advogado, assim como a fixação do recesso forense. Contudo, a inovação dividiu a comunidade jurídica quanto a sua aplicação em todos os procedimentos cíveis, bem como na área trabalhista.

 

 

Na área cível, a principal indagação seria o cabimento do prazo em dias úteis no procedimento dos juizados especiais, prevista na Lei nº. 9.099 de 26 de setembro de 1995. O Juizado Especial é o substituto da Vara de Pequenas Causas e foi criado visando facilitar o acesso à justiça através de um processo mais célere, ou seja, vai simples e rápido. Por esta razão, o entendimento dominante seria que os prazos em dias úteis não respeitam os princípios dos Juizados, pois iria contra a simplicidade e celeridade.

 

 

 

Inclusive, o Fonaje - Fórum Nacional de Juizados Especiais divulgou a Nota Técnica 01/16[2] afirmando que a contagem prevista no novo Código não se aplica ao Juizado Especial Cível, sobretudo pela "incompatibilidade com o critério informador da celeridade".

 

A então corregedora nacional do CNJ, ministra Nancy Andrighi, também se manifestou neste sentido. Na opinião da ministra, a adoção da nova regra atentaria contra os princípios fundamentais dos processos analisados pelos Juizados, como a economia processual e a celeridade.

 

Apesar do entendimento da FONAJE e do CNJ, os Tribunais de Justiça continuam debatendo sobre a aplicação do prazo previsto no artigo 219 do CPC/2015. Em recente decisão, a 1ª Turma do Colégio Recursal dos Juizados de Campinas/SP[3] entendeu que a aplicação do artigo 219 não afeta a celeridade do processo e prestigia o contraditório e a ampla defesa.

 

 

Contraditório e ampla defesa são dois princípios fundamentais previsto na CRFB/88, que, em linhas gerais, estabelece um tratamento justo para todas as partes envolvidas em um processo, onde todos terão ciência e voz no processo.

 

Para o juiz Ricardo Hoffmann, relator do recurso julgado pela Turma Recursal, alguns dias a mais no prazo não irão causar morosidade no processo. Contrariando o magistrado Ricardo Hoffmann, o Desembargador Lineu Peinado chegou a manifestar o entendimento de que a alteração vai atrasar mais o andamento dos processos cíveis, ampliando em meses os prazos atuais.

 

 

No Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, a Turma de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais, em sessão extraordinária, decidiu que o enunciado do art. 219 do CPC/2015 é aplicável nos Juizados Especiais, gerando o Enunciado nº 4 – “Nos Juizados Especiais Cíveis e de Fazenda Pública, na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis, nos termos do art. 219, do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15)”.

 

No âmbito da área trabalhista, o entendimento majoritário é pela não aplicação do artigo 219 do Código de 2015, visto que a própria Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), estabelece que os prazos são contínuos e irreleváveis, artigo art. 775 “Os prazos estabelecidos neste Título contam-se com exclusão do dia do começo e inclusão do dia do vencimento, e são contínuos e irreleváveis, podendo, entretanto, ser prorrogados pelo tempo estritamente necessário pelo juiz ou tribunal, ou em virtude de força maior, devidamente comprovada”.

 

Para Pedro Guilherme Kreling Vanzella[4], a contagem dos prazos em dias úteis poderia ser aplicada na área trabalhista, visto que ‘dias úteis’ é unidade de tempo e a contagem baseada exclusivamente nesta unidade será contínua.

 

Assim, o artigo 219 do CPC/2015 não estaria contrariando o princípio da continuidade, haja vista que o prazo continua sequencial independentemente da forma da contagem.

 

Inclusive, esse raciocínio aqui foi utilizado pela Ordem dos Advogados do Brasil no Ofício 706/2016, de 10/05/2016, endereçado ao Conselho Nacional de Justiça e que pleiteia a adoção de providências necessárias para implementar, também no Direito Processual do Trabalho, o novo regramento atinente a contagem dos prazos processuais em dias úteis.

 

CONCLUSÃO

 

O principal entendimento para a rejeição dos prazos em dias úteis nos juizados especiais seria a incompatibilidade com os princípios da economia processual e celeridade. Todavia, não é a quantidade de dias no prazo, ou mesmo a quantidade de recursos, que causa morosidade nos processos, mas a lentidão do Poder Judiciário em todas as esferas.

 

 

O Processo Civil deve ser um para todos os procedimentos. Logo, se o código estabelece prazo em dias úteis, então todos devem ser em dias úteis. Inclusive, a Lei nº 9.099/95 não prevê como serão contados os prazos processuais, o que ficaria a cargo do Código de Processo Civil.

 

 

No tocante à área trabalhista, ao contrário do entendimento da Ordem dos Advogados do Brasil, o artigo 775 da Consolidação das Leis Trabalhistas prevê sim que os prazos seriam contínuos, ou seja, em dias corridos. O que a Ordem pode pleitear é a alteração desse entendimento, seja através de processo legislativo ou de Súmula do Tribunal Superior do Trabalho.

 

 

 


[1] http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITO-E-JUSTICA/204833-COMISSAO-DEVE-MANTER-PRAZO-EM-DIAS-UTEIS-NO-NOVO-CPC,-MESMO-SOB-CRITICAS.html

[2] http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI236272,51045-Nancy+Andrighi+prazos+do+novo+CPC+nao+devem+valer+para+Juizados

 

[3] http://s.conjur.com.br/dl/acordao-colegio-recursal-campinas-sp.pdf

[4] http://www.conjur.com.br/2016-jul-09/pedro-vanzella-prazo-dia-util-nao-afeta-principio-continuidade

Sobre o autor
Wellington Silva

Advogado. Bacharel em Direito e Pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá. Com mais de 11 anos de experiência na área jurídica. Atuando nas áreas do Direito Civil, Consumidor, Responsabilidade Civil e Direito Securitário. Com conhecimentos teóricos e práticos nas áreas do Direito das Famílias, Imobiliário, Tributário e do Trabalho. Autor do livro “A banalização do dano moral”, publicado pela Editora Multifoco (ISBN 978-85-5996-541-4), além de artigos jurídicos em sites especializados. Autor participante da Bienal Internacional do Livro 2017.

Informações sobre o texto

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