Sumário: INTRODUÇÃO. 1 CONCEITO DE OBRIGAÇÃO. 2 CONCEITO DE FONTE DAS OBRIGAÇÕES. 3 EVOLUÇÃO DAS FONTES DO DIREITO OBRIGACIONAL. 3.1 As Fontes no Direito Romano. 3.2 As Fontes Obrigacionais nas Principais Legislações. 3.3 As Fontes Obrigacionais no Direito Civil Brasileiro. 4 A CRISE DAS FONTES OBRIGACIONAIS. 5 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PRIVADO. 5.1 Princípio do Abuso de Direito. 5.2 Princípio da Autonomia da Vontade. 5.3 Princípio da Boa-fé Objetiva. 5.4 Princípio do Enriquecimento sem Causa. 5.5 Princípio da Culpa e do Risco. CONSIDERAÇÕES FINAIS
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é analisar a crise das fontes no direito obrigacional moderno. Para tanto, é necessário abordar como seu deu a evolução das fontes das obrigações, assim como, a atuação dos princípios gerais do direito das obrigações, como fontes destas, sob a ótica da moderna doutrina civilista.
Faz-se importante esta abordagem devido às divergências doutrinárias em torno da classificação das fontes obrigacionais, pois com a evolução da sociedade, das culturas, da economia e da política, foram surgindo novas causas geradoras de vínculos obrigacionais que não eram enquadrados dentro das teorias das fontes tradicionais.
Cabe ressaltar, a indispensabilidade da análise das fontes para uma melhor compreensão do conceito de obrigação, obrigação esta, que hoje é tida como totalidade, como um processo, como também a necessidade da abordagem dos princípios a elas relacionados, já que estes são, conforme Clóvis V. do Couto e Silva, os que comandam o nascimento de deveres e direitos (fontes) e o desenvolvimento das obrigações (1) .
Portanto, a pretensão deste trabalho é verificar como se deu a crise das fontes do direito obrigacional, para isso, faz-se indispensável, primeiramente, analisar o que vem a ser obrigação, para após, estudarmos o conceito de fontes, sua gradativa evolução e crise e, por fim, os princípios gerais do direito privado como fontes do direito das obrigações.
1 CONCEITO DE OBRIGAÇÃO
Para analisarmos o conceito de obrigação devemos nos reportar, primeiramente, a definição estabelecida pelas Institutas de Justiniano para, posteriormente, estudar como a obrigação é conceituada pela doutrina e, por fim, tentar definir o que se entende por obrigação atualmente.
A expressão "obrigação" vem do latim obligatio, onde ob dava a idéa de sujeição e ligatio a idéia de vínculo.
Nas Institutas Justinianéias, obrigação era definida como "o vínculo jurídico ao qual nos submetemos coercitivamente, sujeitando-nos a uma prestação, segundo o direito de nossa cidade" (2) .
De acordo com Washigton de Barros Monteiro, este conceito ressalta em demasia o lado passivo da relação obrigacional. Também, conforme, a célebre lição de Clóvis Beviláqua esta definição não estabelece uma diferença entre obrigação, no sentido técnico, de qualquer outro dever juridicamente exigível (3) .
Como podemos observar este conceito das Institutas estava relacionado a um vínculo de sujeição pessoal, isto é, a exigência do cumprimento da prestação se dava sob o corpo do devedor como se coisa o fosse.
Entretanto, com o advento da Lex Poetelia Papiria, no século IV a.C., a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação passou da pessoa do devedor para os seus bens, o vínculo, então, passou a ser de sujeição patrimonial (4) .
Segundo, Caio Mário da Silva Pereira, "obrigação é um vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra uma prestação economicamente apreciável" (5) . Porém, o conceito trazido por Washington de Barros Monteiro se apresenta mais completo na medida em que afirma que a "obrigação é um relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através do seu patrimônio" (6) .
Todavia, conforme Mário Júlio de Almeida Costa, a obrigação pode ser conceituada em sentido lato e em sentido estrito ou técnico. Em sentido lato "obrigação designa todos os deveres e ônus de natureza jurídica ou extrajurídica", neste sentido lato obrigação se apresenta como sinônimo de dever jurídico. Porém, de acordo com o autor, o mais correto é distinguir dever jurídico enquanto gênero e obrigação como espécie, daí resulta o conceito de obrigação em sentido estrito ou técnico, ou seja, "obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação", isto é, o dever jurídico de pretar com caráter patrimonial (7) .
Com os conflitos sociais, os interesses econômicos e as diferentes valorações dadas ao direito obrigacional e a relação jurídica obrigacional, esta, hoje, não é mais entendida como uma relação estática, bipolar, onde temos de um lado o credor e do outro o devedor, mas sim como uma relação dinâmica (8) . A obrigação, hoje, portanto, é entendida como totalidade, como um processo, assim, atualmente, a moderna doutrina examina a relação tanto sob o seu aspecto externo (débito e crédito, credor e devedor), como no seu aspecto interno (vínculo que liga o credor ao devedor) (9) .
A concepção de obrigação como totalidade e como processo, foi influenciada pela teoria do conceito geral concreto, formulada por Larenz, onde tudo aquilo que se observa numa relação obrigacional deveria compor o seu conceito, que ao contrário da teoria do conceito geral abstrato proposto por Savigny, onde o método utilizado era o dedutivo, o método utlizado por Larenz era o de incorporação.
Sendo assim, obrigação, é o quadro abstrato para se visualizar o fenômeno jurídico, obrigação é a totalidade de um processo, totalidade porque os elementos que constituem este quadro jurídico podem variar que a obrigação continua existindo; como processo, pois ela é um fenômeno jurídico que se desenvolve no tempo (nasce, desenvolve-se e extingue-se) (10) . Nos dizeres da ilutre Prof.ª Dr.ª Judith Martins-Costa, "a relação sob a ótica do processo, é uma relação complexa, é algo que se encadeia e desenvolve-se em direção ao seu fim, ao seu objetivo, sua solução, que é o adimplemento (11) .
2 CONCEITO DE FONTE DAS OBRIGAÇÕES
Em primeiro lugar, deve-se fazer uma ressalva quanto ao emprego da expressão "fonte do direito" pois, como acentua Maria Helena Diniz, esta é utilizada, metaforicamente, pois em sentido próprio fonte é a nascente de onde brota uma corrente de água (12) .
Feita essa ressalva, a doutrina tece semelhantes conceitos no que tange às fontes das obrigações, ou seja, os conceitos propostos seguem sempre a mesma linha, isto é, fonte é o elemento gerador da obrigação, é a causa da relação jurídica de onde emana a obrigação e o dever de cada uma das partes para com a outra (13) .
As fontes das obrigações podem ser divididas em fontes imediatas e mediatas. Fonte mediata seria, nos dizeres de Orlando Gomes, "a condição determinante do nascimento das obrigações", enquanto que as fontes imediatas seriam "a causa eficiente das obrigações" (14) .
Assim, vale destacar a lição de Orlando Gomes, que nos diz:
"Todas as obrigações são legais se, por legal, se entende que, na origem de todas, como sua causa eficiente, se encontra a lei; nenhuma obrigação é legal, se como tal se entende a derivação direta da lei, sem um fato determinante" (15)
Dessa mesma maneira, nos diz Fernando Noronha:
"Pode-se afirmar que a lei ao mesmo tempo é fonte de todas as obrigações, e não é fonte de nenhuma. Com isto quer-se dizer que todas as obrigações estão amparadas pela lei, mas que a fonte imediata, direta, de cada obrigação da vida real é um certo e determinado fato concreto, (...) entre a norma e a obrigação está sempre a verificação de uma situação de fato" (16) .
3 EVOLUÇÃO DAS FONTES DO DIREITO OBRIGACIONAL
A classificação das fontes das obrigações causa divergências entre os doutrinadores. Há uma variedade de concepções doutrinárias que tratam sobre este tema, sendo assim, tentaremos abordar o máximo possível de classificações existentes, a fim de que possamos atingir uma maior completitude da evolução das fontes no direito obrigacional.
3.1 As Fontes no Direito Romano
As fontes, dentro do próprio direito romano, foram evoluindo na medida em que a sociedade foi se transformando e surgindo novas obrigações. Podemos vislumbrar, dentro do direito romano, três fases bastante distintas. Primeiramente, segundo as Institutas de Gaio, as fontes se resumiam a apenas duas: o contrato e o delito, as summa divisio, que devido a sua importância foram chamadas de divisão principal. Posteriormente, no Digesto (44, 7, 1), numa passagem da Res Cotidianae de Gaio, incluiu-se ao contrato e ao delito, outras causas como fontes das obrigações, as denomindadas ex variis causarum figuris. Por fim, com as Institutas de Justiniano (3,13,2) temos que as fontes do direito obrigacional se classificavam em: contrato, delito, quase contrato e quase delito, cabe ressaltar, que esta classificação influenciou muitas das legislações modernas, como, por exemplo o Código Civil Francês (17) .
Os contratos, no direito romano, eram as convenções reconhecidas pelo direito civil, providas de obrigatoriedade e ação judicial, eram designados pela expressão conventio, que também, designava os chamados pactus, que eram as convenções não sancionadas pelo direito civil, despidas de força obrigatória e de ação judicial. Os contratos, de acordo com as Institutas, III, 89, poderiam ser de quatro espécies: Obligationes, quae sunt ex contractu, aut consensu contrahuntur, aut re, aut verbis, aut litterus, ou seja, contratos consensuais (acordo mútuo de vontade, por exemplo, compra e venda), reais (tinham como pressuposto a tradição, como por exemplo, comodato), verbais (caracterizavam-se pela observância de formas orais solenes, por exemplo, promessa de dote) e, por fim, os literais (eram os convencionados por escrito, como o mútuo) (18) .
Os delitos, após a influência dos bisantinos, são considerados como atos ilícitos dolosos, voluntários, intencionais. Em contrapartida, os quase delitos, seriam também atos ilícitos, porém, involuntários, caracterizados não pelo dolo e, sim, pela culpa (negligência, imperícia e imprudência) (19).
Os quase contratos, são análogos aos contratos, entretanto, distinguem-se destes por faltar-lhe o consenso, o acordo de vontades, como por exemplo, na gestão dos negócios (20).
3.2 As Fontes Obrigacionais nas Principais Legislações
O código civil francês de 1804, seguindo as lições de Pothier, introduziu um quinta fonte às quatros remanescentes do direito romano (contrato, delito, quase contrato e quase delito), a lei, e essa mesma orientação seguiu o código civil italiano de 1865.
Entretanto, esta classificação quadripartida das fontes, sofreu forte crítica de Planiol, que a tachou de superficial e artificiosa, ela não abrange todas as obrigações, para resolver esta situação Planiol eliminou as categorias do quase contrato e do quase delito, afirmando que as fontes reduziam-se aos atos jurídicos e a lei. Contudo, conforme nos diz Orlando Gomes esta classificação "é hoje rejeitada, porque confunde as fontes mediatas com as fontes imediatas" (21).
O código civil italiano de 1942, perante a impossibilidade de determinar os fatos geradores das obrigações em categorias gerais, adotou como fonte das obrigações, o contrato, o ato ilícito e qualquer outro ato ou fato idôneo a produzi-las, em conformidade com o ordenamento jurídico (art.1.173) (22).
O código civil alemão considerou como fonte fundamental das relações obrigacionais os atos jurídicos e os atos ilícitos, todavia, admitia também outras fontes, às quais não possuiam características comuns, portanto, não podendo ser agrupadas numa mesma classificação, v.g. o enriquecimento sem causa (23).
3.3 As Fontes Obrigacionais no Direito Civil Brasileiro
A questão das fontes das obrigações no Brasil é muito conflituosa, há inúmeras classificações a respeio do tema, como podemos observar em Washington de Barros Monteiro, que afirma que o código civil brasileiro admitiu três tipos de fontes: "as obrigações decorrentes dos contratos, as obrigações por declaração unilateral de vontade e obrigações provenientes de atos ilícitos", todavia, o mesmo autor afirma ser insuficiente esta classificação porque não esgota os inúmeros "fatos genéticos das obrigações". O autor, por fim, acrescenta a esta classificação uma quarta fonte: o risco profissional, onde teríamos uma responsabilidade objetiva, não mais fundada na culpa, onde o ônus da prova cabe ao patrão e não ao seu empregado. Conforme, Arnoldo Ward, as fontes obrigacionais, no direito civil brasileiro, são os atos jurídicos (unilaterais ou bilaterais), os atos ilícitos e a lei, assim como o enriquecimento sem causa, embora não esteja regulado destacadamente no código civil.
4. A CRISE DAS FONTES OBRIGACIONAIS
Tendo em vista o que foi salientado, podemos afirmar que as fontes das obrigações resumem-se à vontade humana e a lei, assim verifica-se que o valor fundamental que sustentava a teoria das fontes das obrigações é a Vontade, o princípio basilar era o da autonomia da vontade.
A vontade a partir do surgimento do Voluntarismo, na Idade Média, era a grande produtora de norma jurídica, entretanto esta idéia de que a vontade era a geradora de norma jurídica vai demorar um pouco a germinar no direito, até produzir uma verdadeira revolução, mais especificamente dos séculos XIII ao XIX, quando se deu a Revolução Francesa, decorrente das transformações econômicas e políticas e pelo surgimento da burguesia.
Todavia, com o capitalismo já instalado, com o surgimento da Revolução Industrial e com burguesia já acomodada, não sendo mais uma classe revolucionária, o interesse desta passou a ser a tranqüilidade, logo o mais importante era a segurança. Sendo assim, com o B.G.B em 1900, a vontade não é mais o centro e sim a declaração de vontade. O valor fundamental não é mais a Vontade e, sim, a Segurança, a confiança no tráfego jurídico.
Em conseqüência disso, a vontade (intenção) não é mais suficiente para produzir o vínculo obrigacional, mas, sim sua declaração, logo há uma objetivação da vontade, a vontade não é mais verificada sob o crivo subjetivo e, sim pelo objetivo, a interpretação dos negócios jurídicos não se dá sobre a intenção das partes, mas sim, sobre os elementos objetivos determinados no negócio jurídico.
Atrelado a passagem do valor Vontade para o valor Segurança, com as transformações políticas e econômicas, verifica-se o surgimento de certos serviços que se caracterizam por um feito sociológico novo, que é a massificação social, ou seja, há uma prestação de serviços em massa, que caracteriza os contratos por adesão, como por exemplo, contratos bancários, de transporte, etc., logo há uma limitação da autonomia privada, pois esta se restringe a aderir ou não ao serviço.
Em virtude dos aspectos supra citados, a autonomia da vontade plena, então, começou a sofrer limitação por conseqüência destas transformações sociais e econômicas.
Assim, em decorrência destas transformações vão surgindo novas fontes do direito obrigacional, o que ocasionou a crise da teoria das fontes, pois estes fatos não se enquadravam nas fontes tradicionais.
Destarte, cabe aqui destacar, a posição do ilustre Clóvis V. do Couto e Silva, que afirma:
"A crise decorre da concepção de que um código por mais amplo que seja não esgota o corpus juris vigente, o qual se manifesta através de princípios, máximas, usos, diretivas, não apenas na interpretação judicial, como também na doutrinária" (24).
Portanto, a crise da teoria das fontes das obrigações é ocasionada pela incorporação de novas fontes geradoras de obrigações e pela admissão de princípios metajurídicos que vão delinear o nascimento e desenvolvimento de novos vínculos obrigacionais.
Desse mesmo modo, Clóvis V. do Couto e Silva estabelece que:
"A crise da teoria das fontes resulta da admissão de princípios tradicionalmente considerados meta-jurídicos no campo da ciência do direito, aluindo-se, assim o rigor lógico do sistema com fundamento no puro raciocínio dedutivo".
5 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PRIVADO
Princípio, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello é:
"mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico" (25).
Cabe, também, referir a noção de princípio ditada por Robert Alexy, segundo o qual, princípios são:
"mandatos de otimização que se caracterizam porque podem ser cumpridos em diversos graus e porque a medida ordenada de seu cumprimento não apenas depende das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O campo das possibilidades jurídicas encontra-se determinado através de princípios e regras que jogam em sentido contrário" (26).
Sendo os princípios a base do ordenamento jurídico, o alicerce de qualquer ramo do direito, e pela admissão destes como fontes do direito das obrigações, e, também, por tratar-se de um dos fatores que ocasionaram a crise da teoria das fontes, torna-se necessário, para que possamos atingir o escopo de nosso trabalho, analisá-los.
Urge ressaltar, que a relação entre os princípios, hoje em dia, está vinculada a idéia do contato social, será através do contato social que iremos determinar qual princípio incidirá com maior veemência.
5.1 Princípio do Abuso de Direito
De acordo com Mário Júlio de Almeida Costa ocorrerá a figura do abuso do direito quando um certo direito seja exercido em termos que ofendam o sentimento de justiça dominante na comunidade social (27).
O princípio do abuso de direito no ordenamento jurídico vigente, não está reconhecido de forma expressa sendo, portanto, um princípio implícito que decorre da exegese do artigo 160 do Código Civil da seguinte maneira: se o exercício regular de um direito reconhecido não é um ato ilícito, o contrário é, ou seja, o exercício irregular do direito reconhecido é um ato ilícito, e é um abuso de direito.
No projeto do Código Civil, o princípio do abuso de direito está consagrado em seu art. 187 que dispõe: "também comete ato ilícito o titular do direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes." É patente, que o legislador brasileiro influenciou-se no Código Civil Português, mais especificamente, no seu art. 334 (28).
De acordo com o mesmo autor, há duas teorias que tentam precisar o conteúdo do abuso de direito: a Teoria Subjetiva e a Teoria Objetiva
"A Teoria Subjetiva considera decisiva a atitude psicológica do titular do direito, enquanto para a Teoria Objetiva não importa a intensão do agente, mas sim, os dados do fato, o alcance objetivo da sua conduta de acordo com o critério da consciência pública" (29).
O nosso legislador está ligado a Teoria Objetiva, já que basta que o ato abusivo se mostre contrário ao direito, não necessitando que o agente tenha agido consciente da contrariedade de seu ato (30).
Por fim, a partir do princípio do abuso de direito, dever jurídico e direito não são mais duas figuras contrapostas, mas sim, duas figuras relacionadas, porque em virtude deste princípio surgem obrigações, onde temos um dever de exercer nossos direitos dentro de certos limites, ou seja, para se reconhecer o abuso de direito tem que se reconhecer um limite que está incluído no próprio exercício do direito.
5.2 Princípio da Autonomia da Vontade
Segundo a lição do caro Profº Ubirajara Mach de Oliveira:
"a etmologia da palavra autonomia já demonstra seu alcance. Autônomo vem do grego autós, próprio, e nomos, lei. Autonomia, portanto, exprime o poder que tem a pessoa de estabelecer, por si mesma, normas jurídicas" (31).
Nesse mesmo sentido, Fábio Medina Osório afirma que:
"A autonomia de vontade é, como se sabe, o princípio de direito privado pelo qual o agente tem a possibilidade de praticar um ato jurídico, determinando-lhe o conteúdo, a forma e os efeitos. Já a autonomia privada, se trata do poder que o particular tem de estabelecer as regras jurídicas de seu próprio comportamento" (32).
O princípio da autonomia da vontade já se encontrava definido no direito romano, entretanto, seu apogeu se deu nos séculos XVIII e XIX, com a doutrina do liberalismo, onde a vontade era o valor fundamental, era o fundamento da obrigação. Assim, entendia-se que a lei e o contrato eram as fontes das obrigações porque a fonte de toda e qualquer norma que existia na sociedade era a vontade. Todavia, este argumento, hoje, não é procedente, visto que, a lei e o contrato não são normas jurídicas, eles trazem expressas normas jurídicas, além do mais, hoje não se tem como valor fundamental a vontade, mas sim, a liberdade e a segurança jurídica (responsabilidade) no direito das obrigações.
Sendo assim, o princípio da autonomia da vontade é a concretização do valor liberdade tendo em vista a circulação de mercadorias (objetivo do direito das obrigações) sendo a declaração negocial, na maioria das vezes, o fato que gera o princípio.
Atualmente, o princípio da autonomia da vontade estabelece duas faculdades: oportunidade de estabelecer ou não um vínculo obrigacional (liberdade de contratar) e a oportunidade de estabelecer ou não o conteúdo do vínculo obrigacional.
Segundo Vera Regina Loureiro Winter:
"A autonomia da vontade se constitui numa atividade supra-estatal e não faculdade delegada, podendo ser reduzida, quando restrita também for a liberdade política, denotando assim, a mútua relação entre tipo de Estado e autonomia da vontade" (33).
Assim, hodiernamente o princípio da autonomia da vontade vem sofrendo limitações, sendo que a sua segunda faculdade é a mais limitada (34), por exemplo, no contrato por adesão, posso escolher estabelecer o vínculo, mas não posso escolher as cláusulas deste contrato; esta limitação é decorrente das técnicas de contratação em massa. Contudo, há casos em que eu sou obrigado a estabelecer o vínculo obrigacional ou obrigado a não estabelecer o vínculo, esta limitação é decorrente da intervenção do Estado na economia como, por exemplo, tabelamento de preços (obrigado) e proibição de monopólio (não obrigado).
5.3 Princípio da Boa-fé Objetiva
A origem do conceito de boa-fé encontra-se no direito romano. Bona fides continha um sentido de dever de adimplemento e servia de argumnto técnico aos pretores romanos para embasar soluções de negócios que não tinham fundamento na lei romana. No direito canônico, a boa-fé passa a ser vista com ênfase ao seu ângulo subjetivo. Já na codificação napoleônica a boa-fé objetiva foi definida no art. 550, contudo, não sendo extraído dela nenhum dever de conduta. A boa-fé germânica assumiu um conteúdo de juramento de honra, sendo o dever de garantir a manutenção e o cumprimento da palavra dada. Porém, foi na jurisprudência alemã que a boa-fé objetiva se firmou como princípio, com a unificação do Direito Comercial alemão propagou-se a aplicação da boa-fé objetiva como norma de conduta, como delimitação do exercício de posições jurídicas, como elemento de reforço da ligação obrigacional e como guia para a interpretação dos negócios jurídicos (35).
O princípio da boa-fé objetiva, ao contrário do princípio da autonomia da vontade, é a concretização do valor segurança jurídica (confiança no tráfego jurídico), sendo importante não só para o direito das obrigações, mas, também, para outros institutos como, por exemplo, na teoria do abuso do direito, nas teorias da imprevisão e da base negocial, na responsabilidade pré contratual.
O princípio da boa-fé não encontra-se expressamente disciplinado no Código Civil brasileiro, ao contrário do Código Civil alemão (BGB § 242 "o devedor está obrigado a efetuar a prestação como exigem a fidelidade e a boa-fé em atenção aos usos de tráfego" (36)) e o Código Civil suíço, que estabelece em seu art. 2º que "cada um deve exercer seus direitos e cumprir suas obrigações segundo as regras da boa-fé" (37). Entretanto, a omissão do Código Civil brasileiro não afasta o princípio da boa-fé objetiva no direito das obrigações, pois conforme Clóvis V. do Couto e Silva trata-se de proposição jurídica com significado de regra de conduta (38). Além do mais, o princípio da boa-fé caracteriza-se como um princípio implícito e como é de conhecimento geral estes possuem a mesma importância que os princípios explícitos.
A boa-fé se apresenta sob dois enfoques: subjetivo e objetivo. A boa-fé subjetiva, nos dizeres da ilustre Profª Drª Judith Martins Costa:
"É uma expressão que denota um estado de consciência individual de não estar lesando o direito de outrem (39), ou de não estar provocando dano injusto. Diz-se subjetiva justamente porque, para sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção" (40).
Enquanto que a boa-fé objetiva, nos dizeres da douta:
"É um modelo de conduta social (41), arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual cada pessoa deve ajustar sua própria conduta de acordo com aquilo que um modelo de ser humano ideal, certo, honesto e probo faria no caos concreto" (42).
Portanto, na boa-fé objetiva não se questiona a intensão do agente, seu estado psicológico, o que se questiona, são as circunstâncias concretas do caso, ou seja, o status da pessoa, ou melhor, como o ser humano normal agiria nessas circunstâncias.
Por fim, cabe destacar a função que exerce o princípio da boa-fé objetiva no direito, como por exemplo, a função hermenêutica integradora (43), por meio desta função busca-se conferir justa medida à vontade que se interpreta, assim, por meio da interpretação da vontade é possível integrar o conteúdo do negócio jurídico com outros deveres que não emergem diretamente da declaração (44); limitando a autonomia da vontade, visto que, através do princípio da boa-fé surgem deveres outros que não decorrem da vontade, surge, portanto, uma forma autônoma e independente de direitos e obrigações; como limitadora de direitos subjetivos, e nessa função temos a idéia do direito função, ois o titular de um direitosubjetivo está condicionado com a sua respectiva função. E, por fim, como fonte de criação de direitos e deveres jurídicos, como por exemplo, os deveres anexos - laterais ou instrumentais (dever de lealdade, de cooperação, esclarecimento, etc.) (45).
5.4 Princípio do Enriquecimento sem Causa
Não há no direito brasileiro uma definição legal para o que vem a ser enriquecimento sem causa. O que se faz necessário, então é buscar esta definição através da análise da jurisprudência e do direito comparado. Assim, cabe referir o art 473 do Código Civil Português que dispõe: "aquele que, sem causa ou justificativa, enriquecer a custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou".
Nesse sentido, sustenta Orlando Gomes:
"Não há, em nosso direito, preceito geral a respeito do enriquecimento sem causa, como em outros.
A lacuna não deve, entretanto, ser interpretada como rejeição ao princípio segundo o qual deve restituir a vantagem patrimonial que obteve injustamente" (46).
Para que haja enriquecimento, são necessários três requisitos:
a) a existência de um enriquecimento, que de acordo com Tereza Paiva de Abreu Trigo de Negreiros é:
"Qualquer incremento ou melhora da situação patrimonial de uma pessoa. Esse proveito pode representar-se de diversas formas, seja com aumento ativo, seja com a diminuição do passivo patrimonial, seja, ainda, com a poupança de um gasto que de outra forma, teria sido despendido pelo enriquecido" (47).
Esse enriquecimento deve repercutir na esfera patrimonial, ou seja, deve ser plausível de avaliação econômica.
b) que este enriquecimento se obtenha à custa de outrem, ou seja, o autor da pretensão deve ser aquele à custa de quem foi obtida vantagem injustificada em favor do réu. De acordo com Diogo Paredes Leite de Campos todo enriquecimemto é de se restituir, não sendo necessário qualquer dano, eal ou patrimonial, ou seja, não é necessário um efetivo empobrecimento, mas sim, somente que este enriquecimento tenha se dado à custa de outrem (48).
c) a falta de causa justificativa, como nos diz Mário Júlio de Almeida Costa:
"Para que se constitua uma obrigação de restituir fundada num enriquecimento, não basta que uma pessoa tenha obtido vantagens econômicas à custa de outra. É ainda necessário que não exista uma causa jurídica justificativa dessa deslocação patrimonial" (49).
Portanto, o princípio do enriquecimento sem causa se configura também como uma fonte de obrigações por ter como conseqüência uma obrigação de restituição.
5.5 Princípio da Culpa e do Risco
Os princípios da culpa e do risco são princípios contrários, entretanto, a incidência de um não afasta a incidência do outro, visto que, os princípios possuem natureza complementar.
A culpa no direito civil não é entendida como responsabilidade subjetiva, mas sim, como responsabilidade objetiva, já que, o comportamento negligente de um indivíduo não é mais visto em função da qualidade deste indivíduo, mas sim do padrão social objetivo, ou seja, pelo comportamento do homem médio no caso concreto.
Portanto, culpa, hoje, no direito civil é um padrão social, há uma objetivação do conceito de culpa.
Se diz que há risco quando a conduta se mostra perigosa, a responsabilidade no risco também é uma responsabilidade objetiva, pois não se analisa a conduta, e sim, somente o estado.
Há duas teorias que abordam a responsabilidade civil pelos riscos: a teoria do risco criado e a teoria do risco proveito.
A teoria do risco criado diz que quem arca com a responsabilidade é quem criou o risco, enquanto que a teoria do riso proveito diz que quem arca com a responsabilidade é quem se beneficiou do risco.
Logo, há responsabilidade mesmo que alguém só tenha criado o risco, que não tenha se beneficiado pelo risco, e em contra partida, também, se responsabiliza quem somente teve proveito com o risco, mesmo que não o tenha criado.
Destarte, os princípios da culpa e do risco, também se configuram como fontes das obrigações na medida em que através deles surge a responsabilidade de indenizar.