3. BREVE HISTÓRICO SOBRE EXECUÇÃO ALIMENTAR
Em vista a recentes decisões judiciais quanto à negativação do nome do devedor em ações de execução alimentar perante aos órgãos de proteção ao crédito, às criticas e discursões vem tomando força a cada dia mais.
Vimos no capítulo anterior à forma de execução forçada como meio de sanar a dívida alimentar. Apesar de esses meios serem bastante eficientes, em alguns casos podem não ser suficientemente aplicáveis. Diante disso, essa nova forma jurídica de obrigar o cumprimento da prestação alimentar vem a cada dia sendo utilizada com mais frequência, é a chamada inclusão do nome do devedor de alimentos nos cadastros de proteção ao crédito.
Essa nova forma de compelir o devedor de pensão alimentícia ao pagamento vem sendo utilizada de forma subsidiária frente à prisão civil.
Os órgãos mais conhecidos, como já ditos a cima, são o SPC e o SERASA, passaremos, pois, a analisar esses dois institutos individualmente.
3.1. SPC
O SPC foi criado em São Paulo em 1955, sua finalidade é dar uma maior segurança aos sistemas de créditos relacionados aos consumidores. Trata-se de um dos mais conhecidos bancos de dados sobre crediário do Brasil. A sigla SPC significa Serviço de Proteção ao Crédito, às informações ali contidas são privadas, apesar de esse serviço ser de caráter público.
O SPS registra informações sobre dívidas de pagamento que estejam em atraso e até mesmo títulos protestados a mais de 30 dias. Esses registros são passados pelos fornecedores que são associados a esse banco de dados.
Segundo Herman Benjamin:
O SPC – Brasil é um órgão da CNDL – Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, entidade que representa mais de 1.600 CDL,s em todo País. Foi instituído em agosto de 2002, a partir da Rede de Informações e Proteção ao Crédito, que se constitui em acordo entre quatro grandes associações de fornecedores: Confederação Nacional de Lojistas do Rio de Janeiro e Associação Comercial do Paraná. Posteriormente, em 2005, com a integração de novas entidades e maior agilidade na consulta aos dados, a Rede de Informações de Proteção ao Crédito passa a ser denominada Rede Nacional de Informações Comerciais. (2011, p. 281).
O SPC é o sistema de informações que representa o comércio, indústria e serviços do Brasil, sendo que o seu banco de dados é o maior de toda a América Latina.
3.2. SERASA – CENTRALIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE BANCOS
SERASA é uma empresa privada brasileira, sua finalidade é analisar informações a respeito da situação econômico-financeira das pessoas para decisões de crédito.
Nos ensinamentos de Celso Marcelo de Oliveira, SERASA:
É uma empresa de informações criada pelos bancos. Mantém à disposição de quaisquer interessados para contratação direta ou por intermédio de convênios com as entidades representativas do comércio local, um abrangente banco de dados sobre cheques roubados, extraviados, sustados ou cancelados, e também com anotações fornecidas diretamente pelos bancos sobre inclusão que estão processando no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos do Banco Central do Brasil.( 2006, p. 141).
Pois bem, vejamos algumas das situações que geram a inclusão do nome do devedor no SERASA:
- Cheques sem Fundos:
Ao emitirmos um cheque e este for devolvido por duas vezes, ensejará a inclusão do nome do devedor no Cadastro de Eminentes de Cheques sem Fundos, do Banco Central, este, no entanto, transferirá tais dados ao SERASA que por sua vez disponibilizará as empresas de concessão de créditos.
- Protesto de Títulos de Cartório:
Se por algum motivo deixar de honrar com o pagamento de uma determinada dívida, a instituição na qual concedeu o crédito poderá protestá-la em Cartório de Protestos e este comunicará ao SERASA.
- Dívida Vencida:
O devedor que estiver com pendências financeiras ou bancárias vencidas poderá ter os seus dados castrados no SERASA, de toda sorte, será comunicado pelo correio através de carta, na qual será identificado o nome da instituição da qual é devedora.
3.3. PRESTAÇÃO ALIMENTAR E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A publicização do Direito Privado é um fenômeno que vem sendo utilizado pelo nosso ordenamento. Um novo horizonte vem sendo traçado em relação aos particulares e a interferência Estatal para garantia de proteção das partes. A interferência Estatal tem por escopo garantir a proteção e a justiça à parte mais fraca da relação, visto que materialmente falando, os homens não são iguais e, diante disso essas interferências nas relações privadas vêm para proteger o indivíduo.
Dignidade é um valor tanto moral quanto espiritual inerente à pessoa humana, o nosso sistema jurídico vem mostrando que ela é um dos princípios mais importantes por se tratar de uma garantia constitucional.
Para Ingo Wolfgang Sarlet:
Temos por dignidade da pessoa humana aqualidade intrínseca e distintiva de cadaser humano que o faz merecedor do mesmorespeito e consideração por parte doEstado e da comunidade, implicando,neste sentido, um complexo de direitos edeveres fundamentais que assegurem apessoa tanto contra todo e qualquer atode cunho degradante e desumano, comovenham a lhe garantir as condiçõesexistenciais mínimas para uma vidasaudável, além de propiciar e promover suaparticipação ativa co-responsável nosdestinos da própria existência e da vidaem comunhão dos demais seres humanos.(2007,p.62).
Nestes mesmos termos, o entendimento esposado por Rozane da Rosa Cachapuz:
Lamenta- se que o Estado não possa impor o afeto, o amor, o cuidado, porque o sustento é apenas uma das parcelas da paternidade que não a contempla em sua plenitude. Escapa do arbítrio do Estado impor a alguém amar ou manter relacionamento afetivo, no entanto lhe é possível determinar o amparo à saúde física. É indiscutível que a paternidade vai muito além da provisão alimentar, esta é necessária para a formação do ser para que venha ter um nascimento saudável e assim tenha chance de constituir uma relação afetiva com seus pais. Ficando claro, que afetividade familiar é diferente do liame obrigacional, que muitas vezes une indivíduos apenas por interesses outros. (2010, p.74)
Nas palavras de Rizzatto Nunes:
Não interessa aqui discutir se o ser humano é naturalmente bom ou mau. Nem se deve refletir com conceitos variáveis do decorrer da história, pois, se assim fosse, estar-se-ia permitindo toda sorte de manipulações capazes de colocar o valor superior dignidade num relativismo destrutivo de si mesmo. Foi por isso que a CF firmou a dignidade garantida por um supraprincípio; para ser absoluta, plena, não podendo sofrer arranhões nem ser vítima de argumentos que a enfraqueçam. (Disponível em:<http://terramagazine.terra.com.br/blogdorizzattonunes/blog/2013/12/09/o-principio-constitucional-da-dignidade-da-pessoa-humana/>. Acessado em: 22/05/2014.)
O nosso Código Civil expressa sobre os alimentosdo artigo 1694 ao 1710, porém, se levamos em consideração o artigo 1920 do Código Civil podemos chegar a melhor definição do termo alimentos, vejamos: “o legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor”. Assim, como já demonstrado em capítulo próprio, os alimentos não estão ligados apenas à alimentação em si, mas sim a tudo o que lhe prouver para que se tenha uma vida digna, o que não significa dizer abusos, mas o necessário à sua dignidade.
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana tem por fundamentos consagrados na Lei Maior um valor incalculável no cenário brasileiro, podendo ser aplicados tanto nas relações entre particulares e Estados, quanto nas relações somente de particulares.
3.4. A NECESSIDADE DE NEGATIVAÇÃO DO NOME DO DEVEDOR DE ALIMENTOS, APESAR DOS ARGUMENTOS DE ROMPIMENTO DO SEGREDO DE JUSTIÇA
Há quem diga que as ações que tramitam na Vara de Família devam correr em segredo de justiça e que a inclusão do nome do devedor de alimentos nos órgão de proteção ao crédito estaria ferindo esse princípio. Contudo, há de se fazer um adendo quanto ao caso, ressaltando-se que o direito a intimidade do devedor consagrado na Constituição Federal de 88 não se sobrepõe ao direito à dignidade do alimentando.
Ainda nesse sentido, a inclusão do nome de um devedor de uma prestação alimentar no SPC, não significa dizer que haverá divulgação dos dados tanto do alimentando quanto do alimentado. O procedimento é apenas público ao comércio. Essa é uma forma de coagir o devedor através desse meio constrangedor para que ele cumpra com a sua obrigação que em tese deveria ser espontânea.
Em estudo relacionado, constatou-se que tanto o SPC quanto a Serasa se utilizam apenas das informações existentes em distribuidores judiciais. Nesse aspecto, ressalta-se que essa negativação não viola o artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe: “o consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes”, apesar de fazer referência ao termo consumidor, não faz diferenciação quanto à natureza do débito. Apesar de o débito alimentar não ter natureza pública, em favor do segredo de justiça a medida se torna necessária em decorrência de ordem judicial. Essa ordem põe a termo que as informações que ali estão sendo registradas sejam simples, de modo que apenas mostre a existência do débito, não havendo, porém, informações desnecessárias que violem a intimidade do devedor.
3.5. A (IM)POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO DO NOME DO DEVEDOR DE ALIMENTOS NOS CADASTROS DE ORGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO COMO FORMA DE COAGI-LOS A CUMPRIR COM SUA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
Dentre as formas de cobrança de dívida de prestação alimentícia presentes no nosso sistema jurídico, alguns doutrinadores vem defendendo uma nova forma de coação, a negativação do nome do devedor contumaz. Desse modo, Louzada se manifesta:
Além da execução pelo rito da penhora, da possibilidade da penhora online, da execução pelo rito da prisão do devedor, entendemos como salutar a medida tomada na Província de Buenos Aires (através da Lei nº 13.074), onde funciona um Registro de Devedores Morosos, cuja finalidade é inscrever, por ordem judicial, o nome dos devedores de alimentos (cinco pensões alternadas ou três sucessivas). As consequências derivadas da referida inscrição são: impossibilidade de abrir contas correntes e obter cartões de crédito; impossibilidade de obter licença, permissão, concessão e habilitações que dependam do Governo (por exemplo, não poderá obter ou renovar a licença para conduzir veículos ou alvará para abrir um comércio); impossibilidade de ser provedor de algum organismo de Buenos Aires; impossibilidade de exercer cargos eletivos, judiciais ou hierárquicos no Governo daquela cidade. (2008, p.82).
Em 29 de outubro de 2008 o Senador Eduardo Suplicy apresentou o PLS – Projeto de Lei do Senado de número 405, tramitando hoje pelo Senado Federal. O intuito desse Projeto de Lei é a criação de um Cadastro de Proteção ao Credor de Obrigações Alimentares, o denominado CPCOA, baseado nos implementados pelos países latino-americanos.
Esse Projeto de Lei foi elaborado pelo então Desembargador e Presidente da Coordenadoria de Projetos Especiais e Acompanhamento Legislativos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Caetano Lagrasta, em parceria com o Superintendente Jurídico do SERASA, Silvânio Covas.
Para Lograsta (2010, p. 105) “através do cadastro proposto em lei, o devedor da dívida alimentar seria equiparado a qualquer outro devedor na esfera civil”. Ainda assim, em suas palavras (2010, p. 107) “aquele que não cumprir com o necessário para a retirada do seu nome nos cadastros, fica proibido de ser nomeado em cargo público, participar de licitações promovidas pela Administração Direta e Indireta, contratar com o Poder Público ou dele receber qualquer tipo de beneficio”.
Também tramita na Câmara dos Deputados Federal o Projeto de Lei número 799/2011, apresentado em 22 de março de 2011 pelo então Deputado Federal Paulo Abi-Ackel. Vejamos que, diferentemente do Projeto de Lei 405, este, visa apenas acrescentar à Lei de Alimentos (Lei nº 5.478/68) o artigo 24-A, que decidirá sobre a inclusão do devedor de alimentos nos cadastros de proteção ao crédito, tais como o SPC e SERASA. Desse modo, podemos concluir que o Projeto de Lei nº 799/2011 não tem o intuito de criar um novo banco de dados, e sim, acrescentar a Lei já existente um artigo que trate sobre o assunto.
Uma segunda diferença entre esses dois Projetos de Lei é, o que tramita no Senado visa além da restrição creditícia, a restrição de direitos, enquanto o Projeto de Lei 799/2011 tem o intuito de limitar apenas os direitos referentes a créditos.
Para o advogado Dr. Juliano Trindade:
Atento à realidade social, em permanente mudança e evolução, as quais devem ser acompanhadas pelo Direito, ainda que o Legislativo caminhe a passos lentos, o Poder Judiciário tem buscado alternativas para a solução da problemática das dívidas de pensão alimentícia, em atenção aos milhares de processos judiciais em que não se consegue obter a satisfação do crédito alimentar aos filhos, ex-cônjuges, pais e demais parentes necessitados do auxìlio existencial dos alimentos. A mais nova ferramenta disponibilizada pela tecnologia jurídica é a inscrição da dívida alimentar nos órgãos de proteção ao crédito – por exemplo, SPC e SERASA – tornando o devedor de alimentos pessoa com o crédito sujo na praça, conhecendo o mercado a situação de dívida alimentar que não foi saldada pelo alimentante. (Disponível em:<http://www.julianotrindade.com.br/direito-de-familia/pensao-alimenticia-devedor-de-alimentos-spc-serasa>. Acessado em: 23/05/2014.)
O primeiro Tribunal a decidir acerca do assunto foi Tribunal de Justiça de São Paulo, em julho de 2010 decidiu sobre a negativação do nome do devedor de alimentos. Vejamos que, antes mesmo de haver uma Lei que tratasse do assunto o Tribunal decidiu sobre essa questão.
A inclusão do nome do devedor de alimentos na lista do SPC ou do SERASA é uma possibilidade que pode pressionar o inadimplente a arcar com sua obrigação, pois a pessoa poderá ter restrições bancárias, poderá ser impedida de abrir empresas e até mesmo não ter o seu cartão de crédito renovado. Para algumas pessoas isto gera um constrangimento muito grande acarretando em prejuízos em sua vida, desse modo, essa forma de coerção compele ao inadimplente a pagar a dívida alimentar.
Agora vejamos, se o devedor não tem um trabalho fixo não há como fazer o desconto em folha, ou se ele está foragido e houver sido expirado o prazo da prisão civil não tem como ser recolhido a prisão, desse modo, a única alternativa a ser feita é a negativação do nome do devedor contumaz.
A inclusão do nome do devedor de alimentos nos órgãos de proteção ao crédito é um meio para tentar aliviar o sofrimento dos credores. Essa medida está a cada vez mais se tornando eficaz, é o que explica o advogado Dr. Juliano Trindade:
A medida é realmente muito perpicaz: além de forçar o devedor de alimentos a pagar a pensão devida para não ter o seu crédito prejudicado no mercado de consumo – sabendo-se que o crédito é sagrado em nossos dias, imperando a sociedade de consumo de massa -, a medida acarreta a comunicação ao mercado no sentido de que aquele consumidor certamente terá a sua capacidade de pagamento de suas prestações e débitos reduzida ou inviabilizada, pois deverá comprometer os seus rendimentos, antes e mais do que tudo, ao pagamento da pensão alimentícia determinada pelo Poder Judiciário. (Disponível em:<http://www.julianotrindade.com.br/direito-de-familia/pensao-alimenticia-devedor-de-alimentos-spc-serasa>. Acessado em: 23/05/2014.)
De todo modo, podemos concluir que quem tem interesse efetivo em um crédito está de toda a sorte obrigada a arcar com sua obrigação de pagar o débito alimentar que deu causa a negativação. Se a falta de um crédito na sociedade consumerista te torna um ser inútil isso pode sim gerar uma solução cada vez mais eficaz no sentido de fazer com que o devedor passe a ser adimplente com suas obrigações.
3.5.1. Corrente favorável
Em pesquisas a jurisprudências é possível encontrarmos alguns entendimentos que são favoráveis a negativação do nome do devedor contumaz. No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo podemos encontrar vários julgados nesse sentido, o Estado é pioneiro nessas decisões. É salutar trazermos à tona um acórdão proferido no Agravo Regimental de nº 990.10.088682-7/50000, abaixo transcrito.
AGRAVO REGIMENTAL – ALIMENTOS – EXECUÇÃO – Pretensão do exequente de inscrever o nome do devedor de contumaz de alimentos nos cadastros do SERASA e SCPC – Negativa de seguimento por manifesta improcedência- impossibilidade – Medida que se apresenta como mais uma forma de coerção sobre o executado, para que este cumpra sua obrigação alimentar – Inexistência de óbices legais – Possibilidade de determinação judicial da medida – Inexistência de violação ao segredo de justiça, uma vez que as informações que constarão daqueles bancos de dados devem ser sucintas, dando conta apenas da existência de uma execução em curso – Privacidade do alimentante que, ademais, não é direito fundamental absoluto, podendo ser mitigada em face do direito do alimentado à sobrevivência com dignidade – Ausência de violação ao artigo 43 do CDC, uma vez que tal artigo não faz restrição à natureza dos débitos a serem inscritos naqueles cadastros – Cadastros que, ademais, já se utilizam de informações oriundas de distribuidores judiciais para inscrição de devedores com execução em andamento, execuções estas não limitadas às relações de consumo – Argumento de que o executado terá dificuldades de inserção no mercado de trabalho que se mostra fragilizado, ante a possibilidade de inscrição de outros débitos de natureza diversa – Manifesta improcedência não verificada – Agravo de Instrumento que deverá ser regularmente processado e apreciado pelo Órgão Colegiado, para que se avalie se estão presentes as condições para concessão da medida – Recurso Provido. (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo Regimental nº. 990.10.088682-7/5000. Relator: Egídio Giacoia, 2010).
Diante da ementa acima citada, podemos retirar um relatório acerca do devedor de alimentos. No caso, o mesmo havia sido intimado para o processo de execução e que foram expedidos ofícios para localização de bens para penhora, apesar do acontecido, o resultado não foi gratificante. Diante da situação, o credor do débito alimentar requereu ao poder judiciário a negativação do nome do devedor como forma de coerção ao pagamento da dívida, visto que as medidas tomadas anteriormente não logram êxito. O Relator Desembargador em seu voto se pronunciou dizendo: “Trata-se de mais uma medida de apoio posta à disposição do credor de alimentos, como forma de coagir o devedor contumaz a cumprir com a obrigação alimentar a ele imposta”. (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo Regimental nº. 990.10.088682-7/5000. Relator: Egídio Giacoia, 2010).
O julgador ainda justificou a sua decisão quanto a não violação ao segredo de justiça, assim alegando:
Nem se argumente que o nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito violaria o segredo de justiça: a uma, porque as informações constantes de tais bancos de dados são sucintas, dando conta apenas da existência de uma execução em curso contra o devedor; a duas porque o segredo de justiça visa proteger a intimidade das partes, direito fundamental que – a exemplo dos demais direitos fundamentais – não tem caráter absoluto. Desta forma, ante o conflito deste direito fundamental (intimidade do devedor de alimentos), com o direito fundamental do alimentando à sobrevivência e à vida com dignidade, aplicada a regra da proporcionalidade, sobrelevam-se os interesses do menor, devendo prevalecer os últimos. (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo Regimental nº. 990.10.088682-7/5000. Relator: Egídio Giacoia, 2010).
Diante do exposto, podemos concluir que o direito a privacidade e o segredo de justiça não tem caráter absoluto, haja vista que em alguns casos, como este, por exemplo, o direito à vida digna se sobrepõe à esses dois direitos, é o que ensina Louzada, vejamos:
Ao ser determinada judicialmente a inscrição dos devedores recalcitrantes nesses órgãos, é bem provável que o contumaz devedor, ao ter seus direitos subtraídos, pense muito antes de deixar de pagar pensão alimentícia aos seus dependentes econômicos. Essas medidas que possuem força coercitiva em relação ao pagamento da verba alimentar (notadamente aquelas expressas nas Leis argentina e peruana) são passíveis de serem determinas (ainda que não exista lei nacional regulando a matéria), eis que o direito à sobrevivência, à vida com dignidade sobrelevam-se a eventuais direito do devedor. (2008, 183).
Outro caso encontrado no Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso foi relatado entendimento semelhante a este, vejamos, pois, a ementa do Agravo de Instrumento de nº 106768/2011:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE ALIMENTOS – INSCRIÇÃO DO NOME DO DEVEDOR NOS CADASTROS DA SERASA E DO SPC – COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – PROTEÇÃO INTEGRAL E MELHOR INTERESSE DO MENOR – PONDERAÇÃO – PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS – RECURSO PROVIDO.
Ao discutir os direitos de criança e adolescentes, devem ser observados os vetores hermenêuticos da proteção integral e do princípio do melhor interesse do menor (CF, art. 227 e ECA, art. 4.º), bem como considerar a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento (ECA, art. 6º). A inscrição do nome do devedor de alimentos nos órgãos de proteção ao crédito configura um meio indireto de cobrança de indiscutível força coercitiva. A obrigação alimentar é, ao mesmo tempo, um direito e um dever fundamental. O princípio da máxima eficácia dos direitos fundamentais, aliado aos princípios encartados no ECA, impõe ao Judiciário a tarefa de buscar todos os meios possíveis para a efetivação do comando constitucional. A inclusão do nome do agravado nos registros do SERASA e do SPC é medida adequada necessária e proporcional ao atendimento do direito do direito aos alimentos. Na aplicação de normas constitucionais deve-se perseguir, entre outros, os princípios da supremacia e da unidade da Constituição, bem como o da máxima efetividade das normas constitucionais. A falta de previsão infraconstitucional não pode ser suficiente para impedir a efetivação de um direito fundamental. (MATO GROSSO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n° 106768/2011, Relator: Marcos Machado).
Na ementa citada, o Relator declarou que a negativação do nome do devedor de alimentos perante aos órgãos de proteção ao crédito tais como SPC e SERASA, daria menor instabilidade ao direito à privacidade consagrado na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso X. O Juiz Relator do caso comentado utilizou-se das palavras de Mendes, Coelho e Branco, que assim dispõe:
O juízo de ponderação a ser exercido lega-se ao princípio da proporcionalidade, que exige que o sacrifício de um direito seja útil para a solução do problema, que não haja outro meio menos danoso para atingir o resultado desejado e que seja proporcional m sentido estrito, isto é, que o ônus imposto ao sacrificado não sobreleve o beneficio que se pretende obter com a solução. Devem-se cumprir no menor grau possível aos direitos em causa, preservando-se a sua essência, o seu núcleo essencial. (2010, p. 364).
Como já dito neste capítulo, a inscrição do nome do devedor de alimentos nos cadastros de proteção ao crédito teve origem na Província de Buenos Aires, através da Lei 13.074. Diante disso, alguns Tribunais brasileiros vêm adotando esta medida de coerção.
A Assessoria de Imprensa do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro publicou uma notícia que dizia o Tribunal ser a favor das tentativas de negativação do nome do devedor de alimentos no SPC e SERASA. O Desembargador Mario Guimarães Neto esclareceu:
É possível que o nome do devedor de pensão alimentícia seja incluído nos cadastros de inadimplentes, caso o credor de alimentos efetue o protesto da dívida alimentar, o que estaria de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual é admissível o protesto de sentença transitada em julgado.Não viola a cláusula de segredo de justiça admitir o protesto da dívida alimentar. Se o sigilo do processo pode ser afastado em prol do ‘interesse público à informação’ (CF, art. 93, IX), certamente pode ser relativizado quando, em respeito ao princípio da razoabilidade, estiver em risco a garantia do pagamento de uma dívida alimentar, pois, em nome desse interesse, a Constituição restringe até mesmo a mais cara das liberdades, que é o direito de ir e vir (CF, art. 5º, LXVII).(Disponível em:<http://www.tjrj.jus.br/web/guest/home/-/noticias/visualizar/156205>. Acessado em: 24/05/2014.)
Embora não prevista em Lei, não existem impedimentos a essa negativação, uma vez que essa nova medida de coerção pode ser determinada através do fundamento do direito à sobrevivência e uma vida digna.
Trata-se de um meio severo de coerção para forçar o executado a pagar a dívida alimentar, haja vista que hoje ter o crédito no mercado é fundamental na vida do cidadão.
3.5.2. Corrente contrária
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul é unânime em decisões que denegam esse meio de coerção. No Tribunal de Justiça de Santa Catarina é possível encontrarmos um caso em que trate do assunto, assim dispondo a ementa:
Civil. agravo de instrumento. execução de alimentos. pedido de inclusão do nome do executado, ora agravado, nos bancos de dados dos órgãos de proteção ao crédito. não cabimento. cadastro que visa proteger as relações de consumo. medida coercitiva incabível ante a ausência de previsão legal. possibilidade de utilização de outros meios coercitivos, legalmente previstos. Interlocutório mantido. recurso desprovido. (SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 2011.047300-1, Relator: Marcus Túlio Sartorato).
Podemos retirar do voto Relator o seguinte entendimento:
Em primeiro lugar, a própria criação desses bancos de dados, pelo código de Defesa do Consumidor, implica, necessariamente, que a dívida motivadora da inscrição nas listas restritivas, seja de natureza exclusivamente comercial, ou seja, envolve uma relação de consumo. Em segundo lugar, não existe no ordenamento jurídico brasileiro, norma que respalde o pedido da parte recorrente. E a ausência de norma dispositiva que expressamente autorize a restrição pretendida pelo Agravante é circunstância que, por si só, desautoriza o provimento deste recurso. (SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 2011.047300-1, Relator: Marcus Túlio Sartorato).
O voto Relator não se preocupou em analisar o caso baseando-se no direito a privacidade ou do segredo de justiça, e sim quanto à natureza da dívida alimentar e dos órgãos de proteção ao crédito.
Podemos tomar como base outros entendimentos que não reconheceram a inclusão do nome do devedor de alimentos nos órgãos de proteção ao crédito no Tribunal de Justiça do Estado Minas Gerais, conforme ementa do Agravo Interno Cv 1.0024.08.937738-6/002, transcrita abaixo:
AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS - AGRAVO DE INSTRUMENTO - DECISÃO QUE NEGOU PROVIMENTO DE PLANO - AGRAVO - INCLUSÃO DO NOME NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO - SPC E SERASA - IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE AMPARO LEGAL - VIOLAÇÃO AO SEGREDO DE JUSTIÇA.- É impossível a inscrição do nome do devedor de alimentos nos órgãos de proteção ao crédito (SPC e SERASA), uma vez que não há amparo legal para tanto e que referidas instituições atuam exclusivamente no âmbito consumerista.- Ademais, o deferimento da medida consistiria em clara violação ao segredo de justiça que alberga a presente ação de execução de alimentos (art.155, II, do CPC).- Recurso desprovido.(MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado. Agravo Interno Cv 1.0024.08.937738-6/002Relator: Desembargador Eduardo Andrade).
Cumpre salientar que o Relator de tal acórdão deixa claro que só existem outras formas de coerção, havendo, pois, a falta de previsão legal à aplicação de tal medida. Assim esclarece:
Sem maiores delongas e, como ressaltado quando da prolação de decisão monocrática de minha lavra, entendo que os referidos órgãos de proteção ao crédito prestam-se à defesa de créditos exclusivamente consumeristas, inexistindo amparo legal para as hipóteses que envolvam devedores de alimentos.
Ademais, certo é que o deferimento da medida violaria o segredo de justiça presente na hipótese e, por conseguinte, a intimidade das partes (art.155,II, do CPC e art.5º, X, da CF/88).
Ora, se existem outros meios disponíveis para coagir o devedor de alimentos, ora agravado, a quitar seu débito, deveria o recorrente valer-se dos mesmos para satisfação do crédito decorrente da obrigação alimentícia. (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado. Agravo Interno Cv 1.0024.08.937738-6/002Relator: Desembargador Eduardo Andrade).
Tal corrente defende que a inclusão do nome do devedor de alimentos nos cadastros de proteção ao crédito fere o seu direito à privacidade que é efetivado através do segredo de justiça, motivo pelo qual não deverá ser aplicada.