Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A delação premiada frente ao crime organizado

A delação premiada é um instituto que remota desde os tempos antigos, que não é como a confissão, uma vez que a confissão fala de feito próprio e no caso da delação, além de ser próprio, também é um feito criminoso de terceiros.

Sumário: 1. Introdução; 2.O instituto da delação premiada; 2.1Requisitos e Efeitos da Delação; 2.2Momentos da delação; 2.3 Delação Premiada X Colaboração Processual; 3.O Crime Organizado; 3.1 Conceitos, principais características; 3.2 O uso da delação premiada no combate ao crime organizado; 4. Conclusão.

RESUMO

A delação premiada é um instituto que remota desde os tempos antigos, em que não é como a confissão, uma vez que a confissão fala de feito próprio e no caso da delação, além de ser próprio, também é um feito criminoso de terceiros. Também não se equipara a testemunho, pois testemunha é uma pessoa de fora que não realizou o feito e já no caso da delação, é o própio indiciado que delata a situação, se beneficiando com isso com uma redução de pena ou perdão judicial, ao depender do caso. Incialmente, será analisado o instituto da delação premiada e depois se fará uma análise do quando essa faculdade poderá ajudar tanto o indiciado, quando o próprio sistema penal brasileiro.

PALAVRAS CHAVES: Delação Premiada.Crime Organizado. Combate ao Crime.

1 INTRODUÇÃO

 O maior câncer nos dias atuais que impede a segurança na sociedade é a atividade exercida pelas organizações criminosas, que agem desenfreadamente em atividades criminosas que lhes rendem lucros e que trazem uma insegurança enorme.

As organizações criminosas cada vez mais têm a seu favor tecnologia, principalmente no meio de comunicação, mecanismos de movimentação de dinheiro e processamento de dados em sua maioria bem mais modernos e de maior amplitude do que os que agentes de segurança pública têm acesso, o que justifica a sofisticação e complexidade dos crimes por elas praticados, e que torna quase que inacessível a identidade de seus membros.

É visível que os crimes praticados por grupos organizados são os que mais trazem dano ao sistema financeiro do país, e ainda a sociedade de um modo geral, são valores exorbitantes que são ocultados todos os dias, e que torna a prática do delito mais atrativa e compensatória para seus integrantes, fator responsável também pelo envolvimento de agentes públicos com essas facções. Sendo assim para que o Estado tenha possibilidade do acesso a estas organizações, que cada vez mais se estruturam e agem como verdadeira empresa tem que abrir mão de algumas coisas, e é desta necessidade que surge o instituto da delação premiada.

O que será explorado nesse trabalho é como o instituo da delação premiada funciona e como esse poderá ser uma grande promessa para o fim desses crimes que trazem tanto prejuízo à sociedade. Através da delação premiada que se chega a informações privilegiadas prestadas pelo colaborador, sendo que um dos requisitos é a voluntariedade do co-réu colaborador, e cabe ao magistrado recebê-las ou não. Se disposto a colaborar com o processo, o acusado dando a identificação dos integrantes e principalmente dos chefes da organização a que participa, e ainda dando detalhes do seu funcionamento, recebe o benefício, o prêmio que consiste em diminuição da pena a ele imposta ou em determinados casos o perdão judicial.

2 O INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA

O instituto da Delação premiada na legislação brasileira, ao passar do tempo, foi ganhando um maior espaço, e já se encontra em oito legislações especifícas, sendo elas: Crimes Hediondos, Contra o Crime Organizado, Contra o Sistema Financeiro Nacional, Contra a Ordem Tributária e Econômica, Lavagem de Capitais, Drogas e por fim Proteção Especial a Vítimas e Testemunhas.

Como se pode perceber, ao passar do tempo, o homem vai percebendo a grande vantagem da utilização desse recurso, no qual se utiliza o próprio criminoso contra o outro, e para isso, Jordana Mendes Silva (2010, p.4) cita muito bem Ihering quando ele diz:

Um dia, os juristas vão ocupar-se do direito premial. E farão isso quando, pressionados pelas necessidades práticas, conseguirem introduzir a matéria premial dentro do direito, isto é, fora da mera faculdade ou arbítrio. Delimitando-o com regras precisas, nem tanto no interesse do aspirante ao prêmio, mas sobretudo no interesse superior da coletividade.

2.1 Requisitos e Efeitos da Delação

A delação Premiada, como já dito se encontra em diversas legislações, e pela lei de Proteção Especial a Vítimas e Testemunhas ser a mais abrangente, será demonstrado como que essa ocorre:

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:

I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;

II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;

III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.

Do caput dos dois artigos em destaque se percebe duas consequências da delação premiada, o perdão judicial ou a diminuição de um a dois terços. Inicialmente se destaca três condições para a concessão do perdão judicial, qual sejam: a primariedade do réu; a voluntariedade deste, sua colaboração no processo de livre e espontânea vontade; e que sua colaboração traga resultados efetivos na resolução do crime.

Além dos requisitos objetivos descritos acima, há ainda que se falar nos requisitos subjetivos, que se encontra no parágrafo único do artigo, que somente será concedido o agraciamento do perdão judicial, após levar em conta a personalidade do beneficiado, a natureza do crime e suas circunstâncias, gravidade e repercussão, além de ser necessário o convencimento do magistrado sobre o merecimento da concessão.

Esse instituto por demonstrar uma faculdade do juiz em conceder ou não o perdão judicial ao criminoso poderá provocar uma incerteza ao acusado e receio em cometer algo tão antiético como delatar seus companheiros ao judiciário, e é sabido que os delatores sofrem uma grande consequência quando sua quadrilha ou comparsas no crime descobrem que esse iria delatar ou delatou.

O ato de delatar um crime no sistema brasileiro já é algo bastante perigoso, e delatar pra não ser concedido o perdão judicial por que o juiz não achou que o indiciado merecesse tal graça já afasta mais ainda a possibilidade de tal instituto ser utilizado. Talvez seja por medo que os indiciados possuem em delatar ou então por ignorância desse instituto que é pouco utilizado, pois poucos sabem que a delação premiada vem juntamente com proteção na prisão ou fora dela a esses indiciados e seus familiares.

Sobre a definição do que seria o perdão judicial, ensina Júlio Fabrini Mirabette (2000):

Perdão Judicial é o instituto através do qual o juiz, embora reconhecendo a coexistência dos elementos objetivos e subjetivos que constituem o delito, deixa de aplicar a pena desde que apresente determinadas circunstâncias excepcionais previstas em lei e que tornam desnecessária a imposição de sanção. Trata-se de uma faculdade do magistrado, que pode concedê-lo ou não, segundo seu critério, e não direito do réu. (Bonatti, 2014, p.1)

Quanto aos efeitos do perdão judicial, existe uma divergência doutrinária, a qual se refere sobre existir ou não efeitos condenatórios secundários, dado que uma vez concedido o perdão judicial não necessariamente vai implicar a sua não condenação, juntamente com a liberação das custas, do aparecimento no rol dos culpados e outros. Outro problema seria se caso ele fosse indiciado novamente por outro crime, por conta desse que ele atuou com delação premiada, seria réu primário ou seria reincidente, havendo assim uma consequência na participação do processo, que mesmo havendo o perdão judicial, não o liberou de todas as sequelas.

Alguns autores, como por exemplo, o autor Damásio de Jesus (2002), acreditam que apesar da sentença proferida pelo juiz perdoar judicialmente o réu, ainda assim persistem os efeitos secundários da condenação:

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Segundo nosso entendimento, é condenatória a sentença que concede o perdão judicial, que apenas exclui a aplicação de seus efeitos principais (aplicação das penas e medidas de segurança), subsistindo as suas consequências reflexas ou secundárias, entre as quais se incluem as responsabilidades pelas custas, o lançamento do nome do réu no rol dos culpados etc. Para nós, o perdão judicial constitui causa extintiva de punibilidade a ser declarada na própria sentença condenatória. (Bonatti, 2014, p.1)

A outra corrente doutrinária se encontra em posição completamente contrária, pois uma vez que há o perdão judicial, após passar por todos os requisitos, não há mais que se falar em consequências, dado que o indiciado foi liberado e perdoado, havendo extinção de sua punibilidade.(BONATTI,2014)

Como já citado acima, além da hipótese de perdão judicial, ainda há a possibilidade de agraciamento através da diminuição da pena de até dois terços, pela colaboração espontânea do indiciado que resulte na contribuição de identificar os demais coautores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime. Como pode ser observado, o instituto de redução da pena possui menos requisitos que o anteriormente mencionado, como o requisito subjetivo de ser réu primário ou que a vítima ou o objeto sejam encontrados incólume.

Como já dito, no momento em que o réu se propõe em colaborar com o judiciário com o fim de aprisionar os seus companheiros de crime, esses vão querer se vingar e fazer o possível para que não ocorra a delação, e por isso a lei de Proteção Especial é tão importante, tornando dever do Estado de proteger esses delatores, pelo tempo necessário, para garantir à aqueles que podem chegar a delatar que estarão seguros ao fazer isso e certificar que esses criminosos sejam combatidos, o que levará ao fim de uma quadrilha, bando ou qualquer outro crime agraciado pelo instituto, podendo até um dia por fim ao crime organizado por gerar tanta desconfiança entre os criminosos.

É notório que o fato de o réu colaborar com a investigação criminal, delatando ex-comparsas e colaborando na prisão destes, gera grande repercussão, despertando nos criminosos sentimentos de vingança, como as famigeradas promessas de morte no mundo do crime.[...] A proteção ao depoente especial é tão efetiva quanto à proteção as vitimas e testemunhas, podendo até mesmos envolver a proteção das famílias dos depoentes em situação especial. O responsável pela aceitação do individuo no programa de proteção ao depoente especial também é o Conselho Deliberativo, ou o Ministro da Justiça. O tempo da proteção não tem prazo pré-estipulado e suas hipóteses de extinção estão previstas no art. 13 do Decreto 3518/00. (Bonatti, 2014, p.1)

A utilização da delação premiada, muito se parece com o sistema penal inquisitório, dado que na inquisiçaõ, a confissão era a prova máxima, sendo suficiente por si só a condenação (LOPES, 2014). Do mesmo modo, a delação premiada supervaloriza a confissão do acusado, que ao mesmo tempo que confessa, delata os demais companheiros, e assim possuindo o direito ao ‟prêmio”.

Moreira Filho, em seu artigo faz uma análise da delação premiada e as suas semelhanças quanto ao sistema inquisitório, quais são:

A demasiada valoração da confissão do acusado, remonta aos modelos processuais penais autoritários, que conduzem um processo visando tão somente à condenação dos acusados.

Observa-se também uma inclinação do processo penal brasileiro em tratar o acusado como objeto da investigação e não como sujeito de direitos, incentivando para que o acusado abra mão de um dos seus principais direitos, o de permanecer em silêncio.

A condução do processo que incentiva para que a delação ocorra durante o interrogatório do acusado, que ainda é tratado como momento de maior importância na instrução, e não como oportunidade e meio de defesa do réu como deve ser considerado sob uma ótica garantista, corrobora com a tese de que esse instituto é marcado por resquícios de um sistema penal inquisitório. (2007, p.1)

2.2 Momentos da Delação

As legislações que preveem a utilização da delação premiada, nada se referem acerca do momento em que esta pode ocorrer. Levando em consideração o conceito da delação premiada, a sua ocorrência normalmente ocorre no momento do interrogatório do indiciado, porém não é exclusivamente nesse momento em que tal instituto pode ser utilizado. Desse modo, Moreira Filho (2007) relata que até após o trânsito em julgado poderá ser efetuado a delação premiada, havendo revisão criminal.

Neste sentido, merece destaque o ensinamento de Jesus (2005,p. 3):

A análise dos dispositivos referentes à "delação premiada" indica, em uma primeira análise, que o benefício somente poderia ser aplicado até a fase da sentença. Não se pode excluir, todavia, a possibilidade de concessão do prêmio após o trânsito em julgado, mediante revisão criminal. Uma das hipóteses de rescisão de coisa julgada no crime é a descoberta de nova prova de "inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial de pena" (art. 621, III, do CPP). Parece-nos sustentável, portanto, que uma colaboração posterior ao trânsito em julgado seja beneficiada com os prêmios relativos à "delação premiada". (MOREIRA FILHO, 2007, p.1 Apud Jesus, 2005, p.3)

Desse modo, pela omissão nas legislações acerca do momento em que o indiciado pode utilizar da delação premiada para ser agraciado após o transito em julgado, acarretando na diminuição da pena daquele que já se encontra cumprindo a sentença, havendo revisão de prova que poderia modificar a decisão do julgado com fatos até então não conhecidos.

Em face da ausência do legislador ao estabelecer os critérios para a sua aceitação, abre-se um novo leque no que diz respeito à sua utilização após o trânsito em julgado da sentença condenatória, por meio da revisão criminal. Por estar diante de um dos incisos da lei que abre espaço para a interposição da revisão naqueles casos em que há descoberta de prova nova nos autos e até mesmo de circunstâncias que acabam determinando ou autorizando a diminuição especial da pena, operadores do direito fazem uso da revisão para que sejam aplicados os benefícios que a delação concede aos réus. (MENDES, 2012, p.1)

Nos demais momentos do processo é mais fácil de ocorrer a delação do que no processo do que após o trânsito em julgado, pois essa necessita desfazer atos já constituídos. Na fase policial, as propostas de acordo entre o Ministério Público e o sujeito poderá ser realizado em local distinto de audiência, uma vez que ainda não há um processo criminal. Na fase processual são estabelecidos certo critérios de não violação de direitos e garantias, tendo em vista as características da fase processual, esse seria o momento ideal de ocorrer a delação premiada, ja sido instaurado um processo criminal e garantindo uma maior segurança quanto aos direitos do indiciado.

Outro aspecto de relevância que merece ser destacado é que antes do advento da lei 9.807/99, a qual foi elucidada anteriormente, a delação premiada so poderia ser beneficiada à aqueles que cometessem os crimes de legisação especifíca que neles estavam previstos, pois somente nessa lei que não delimitou o cometimento de nenhum crime específico, portanto em uma leitura in dubio pro reu, se faz a interpretação de que poderá ser usado em qualquer crime, desde que obedeça os requisitos já mencionados. Apesar desse entendimento, há doutrinas que entendem de modo diverso, Soares Mendes leciona que:

Antes da edição da Lei 9.807/99, que regula o Sistema de Proteção a vítimas e testemunhas, a delação premiada era aplicável somente aos tipos penais descritos nas leis especiais que previam tal instituto. Porém, com o advento da referida norma, esse benefício foi estendido a todos os tipos penais, posto que neste diploma não foi ressalvada a aplicação do instituto a nenhum crime específico.

Apesar de parte da doutrina defender que a Lei 9.807/99 teria sido editada tendo como foco o tipo penal previsto no art. 159 do CP, qual seja, extorsão mediante seqüestro, a posição majoritária entende que a aplicação da delação premiada passou a ser geral e irrestrita, uma vez que tal instrumento normativo não especificou expressamente para quais tipos penais estaria destinado. (2012, p.1)

2.3 Delação Premiada x Colaboração Processual

Existe uma grande diferença entre a delação premiada e a colaboração processual, uma diferença de extrema importância para entendimento. A delação premiada é instituto de direito material, e de iniciativa exclusiva do juiz, e quem tem como reflexos a diminuição de pena, ou até mesmo o perdão judicial, e tem como principal objetivo o combate as organizações criminosas, tendo a figura do delator que assume a sua culpa, porém delata as outras pessoas envolvidas. Já a colaboração processual tem uma abrangência maior, e é verificada ainda na fase investigatória, quando o acusado além de confessar a prática de um crime à autoridade competente, e através de suas revelações evita que outras infrações consumem-se. Neste caso o colaborador não precisa necessariamente incriminar outras pessoas, porque tal instituto está vinculado ao desencadeamento das investigações e o resultado do processo, sendo que em casos que apenas assumem a culpa já são considerados colaboradores.

Não existe hoje na doutrina questionamentos éticos, muito diferente no que concerne a delação premiada, que é considerada por muitos como sinônimo de traição ou deslealdade. Entretanto mesmo havendo esta repulsa com relação ao estimulo da delação, o modelo de justiça que se apresenta nos dias atuais, há uma preocupação maior em relação a eficácia do que a ética entre os criminosos.

 Podemos destacar também uma análise importante que é a delação aberta, comparada com a delação fechada, tal distinção é feita pela doutrina, determinado que delação aberta é aquela em que o delator se identifica, e se favorece com o seu ato, através da redução de pena, perdão judicial ou ainda recompensa em valores; em contra partida na delação fechada o delator se vale do anonimato, prestando auxilio sem nenhum interesse e longe de qualquer perigo.

Podemos conceituar também, a distinção da delação, para delação premiada. A delação se traduz pelo ato de um indivíduo delatar, denunciar, outrem. Difere-se, portanto delação e delação premiada pelo fato de que nesta o delator, delata alguém que agiu conjuntamente com ele, visando a obtenção de um “prêmio”, um privilégio.

Abrindo um espaço para falar da delação premiada comparada com ‘‘delatio criminis, e notitia criminis’’. A delação premiada é instituto de direito material, iniciada exclusivamente pelo juiz, e que tem reflexos penais, como é o caso de seu uso no combate ao crime organizado. Na delação premiada o delator, pratica a conduta criminosa, e além de assumir tal prática, colabora com a justiça no intuito de se beneficiar legalmente, através de suas declarações.

Já na delatio criminis e na notitia criminis não há qualquer participação dos envolvidos na prática delitiva, enquanto na delação premiada não só há uma participação efetiva do criminoso, como ele tem interesse particular na colaboração que presta. A delatio criminis é prestada pelo próprio ofendido ou por seu representante legal, que consiste em um relato da prática de um crime, requerendo devidas providências da autoridade policial. A notitia criminis é prestada por um terceiro, e é através de seu conhecimento pela autoridade policial, que se dá início às investigações.

3 O CRIME ORGANIZADO

3.1 conceito, principais características

A primeira legislação que introduziu no ordenamento brasileiro sobre o crime organizado foi a lei 9.034/95. Essa lei recebeu críticas por muitos juristas por apresentar falhas com a falta de definição do que é um crime organizado. Portanto, para se elucidar o conceito de crime organizado utilizada pela lei 9.034/95, já revogada pela lei 12.850, há de se procurar o conceito de crime organizado apresentado pela Convenção de Palermo:

“Grupo criminoso organizado – grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material (...) Infração grave – ato que constituía infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior. (...) Grupo estruturado – grupo formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não disponha de uma estrutura elaborada.” (MADEIRA, 2009 Apud CONVENÇÃO DE PALERMO, 2000)

Apesar desse conceito da Convenção de Palermo, percebe-se ainda discussão a respeito sobre o que de fato seria o crime organizado, e com o advento da lei 12.850 se tem que:

Art. 1o  Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.

§ 1o  Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

§ 2o  Esta Lei se aplica também:

I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

II - às organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer em território nacional.

Portanto, Crime organizado são aqueles grupos de associação criminosa que possuem quatro ou mais pessoa com o mesmo liame subjetivo, havendo divisão de tarefas com o intuito de cometer infrações penais para obter vantagens de qualquer natureza.

No artigo 4° da Lei 12.850, se refere sobre a delação premiada como, diferentemente da lei de proteção especial a vítimas e testemunhas, que será demonstrado mais a frente, prevê somente a diminuição de até 2/3 da pena quando conseguir alcançar os resultados descritos abaixo:

Art. 4o  O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

Há de se levar em considerar que em crimes organizados, por muitas vezes não há testemunhas e quando há provas documentais ou periciais, poderão não ser o suficiente para ocorrer uma condenação, portanto, a ocorrência da delação premiada no crime organizado é de fundamental importância, pois os próprios envolvidos irão discorrer sobre a hierarquia do envolvidos, das ações cometidas e que ainda irão ocorrer e localização de pessoa em caso de sequestro ou de coisas.

Deve-se relembrar, ainda, que em determinados tipos de criminalidade não há testemunhas presenciais e as únicas pessoas que podem fornecer informações são os próprios envolvidos. Justamente por isto, a colaboração premiada surge como instrumento que permite o enfrentamento eficaz destas novas formas de criminalidade, visando permitir uma persecução penal eficiente e, sobretudo, melhorar a qualidade do material probatório produzido. (MENDONÇA, 2013, p.2)

3.2 O Uso da Delação Premiada no Combate ao Crime Organizado

É de enorme importância para o Estado, a aplicação da delação premiada no combate ao crime organizado, pois é através da colaboração processual do réu que o poder judiciário terá a possibilidade de vetar as barreiras criadas pela criminalidade organizada. Nota-se que a premiação dada ao colaborador é algumas vezes até irrisória se comparada às informações que podem ser obtidas através dele, informações estas quase que impossíveis de se conseguir com simples investigação criminal.

 Quando se fala em uma delação, não é a entrega de qualquer informação pelo réu-colaborador, tem que ser informações eficazes, que tenham o poder de fazer com que o poder público chegue ao centro destas empresas de ilícitos. Nos dias de hoje, a maior dificuldade em se chegar aos “chefões” e cabeças, repousa no fato de ter muitos funcionários do próprio poder público, que em tese tem a obrigação de servir ao Estado, transgredindo, delinquindo, dando acesso, apoio a estes criminosos. E é por isso que muitas vezes sem a colaboração de algum membro destas organizações criminosas, não há como se punir os seus integrantes, pois há um acesso muito restrito aos nomes.

Mesmo com todas as vantagens que o uso do instituto da delação premiada pode trazer a investigação criminal, a sua aplicação não é aceita pacificamente, recebendo duras críticas, as mesmas destinadas também ao direito penal do inimigo, principalmente relacionadas a ética tão prezada pelo Estado e ainda tratando a colaboração do réu como uma traição, traição esta não aceita pelo direito penal liberal. Desta maneira é necessário e fundamental que possa se usar todos os meios possíveis, e que por outro lado sejam também eficazes, para que se possa chegar à obstrução das quase que intransponíveis organizações criminosas. Nesta esteira encontra-se a figura da delação premiada que é um meio eficaz, entretanto necessita de regulamentação no ordenamento brasileiro para uma aplicação homogênea, indicando inclusive parâmetros para sua valoração.

Portanto, as razões para o uso efetivo da delação premiada frente à criminalidade organizada, são principalmente de ordem prática, sendo que entre elas merecem serem destacadas: a impossibilidade de se valer de outras provas previstas nas investigações em geral, por não terem a eficácia desejada, uma vez que os integrantes das facções criminosas estão sujeitos ao Código de Honra e a grande necessidade de desmantelar a criminalidade organizada que hoje tem descomunal parcela na violência em que se vive, e que deixa a sociedade amedrontada e acuada, como se fossem os cidadãos de bem os verdadeiros criminosos.

4 CONCLUSÃO

Em razão do surgimento de várias organizações criminosas e o aumento considerável da criminalidade organizada e de sua tecnologia avançadíssima, as informações privilegiadas a qual elas têm acesso e ao modo de agir complexo e sofisticado, tornou-se necessário a elaboração de novos instrumentos processuais, que sejam eficazes ao Estado no combate a esses grupos tão comuns na sociedade atual.

O desafio de maior amplitude da Justiça é encontrar soluções dentro da legalidade para combater essa modalidade criminosa sem deixar de observar os direitos e garantias do indivíduo. E como solução para transpor estas barreiras quase que intransponíveis das facções criminosas, que surge a delação premiada, sendo método eficaz na acirrada luta entre criminosos e a Justiça. As informações prestadas pelo co- réu arrependido, que em troca de benefícios a ela inerentes, colabora com a justiça, rompendo desta maneira com a Lei do Silêncio imposta aos integrantes das organizações criminosas.

O instituto da delação premiada pode ser considerado como grande evolução do Direito Penal e Processual Penal Brasileiro, porque é um instrumento que tem eficácia no atendimento às necessidades do Estado Democrático de Direito, uma vez que observa os princípios constitucionais de segurança e justiça e tem a finalidade de combater o fenômeno que assola a sociedade. O instituto atende ainda o princípio de individualização da pena presente no Direito Penal.

Não há justificativa para se falar em imoralidade, pois a colaboração para a elucidação do crime, é traduzida no interesse social de uma coletividade. Enquanto o Brasil, não empregar meios efetivos para controlar preventivamente a atuação das organizações criminosas, inicia uma busca a mecanismos com efetividade para combatê-las. E um instituto que sem sombra de dúvidas pode auxiliar na eliminação destas organizações, é a delação premiada.

REFERÊNCIAS

BONATTI, Rodrigo Becker. LEI DE PROTEÇÃO A VÍTIMAS, TESTEMUNHAS E RÉUS COLABORADORES LEI Nº. 9807/1999 (“VICTIMS, WITNESSES AND COLLABORATORS DEFENDANTS PROTECTION ACT”). 2014. Dispnível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=13984. Acessado em:05/05/2015.

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 11 ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.

MADEIRA, Felipe. O crime organizado perante a lei penal brasileira e a Constituição Federal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 71, dez 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6794>. Acesso em maio 2015.

MENDES DA SILVA, JORDANA. DELAÇÃO PREMIADA:
UMA ANÁLISE ACERCA DA NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO .
Disponível em: http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2012_1/jordana_silva.pdf. Acessado em: 05/05/2015

MENDES, Marcella Sanguinetti Soares. A delação premiada com o advento na Lei 9.807/99. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 98, mar 2012. Disponível em: <

http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11229&revista_caderno=3>. Acesso em maio 2015

MENDONÇA, Andrey Borges de. A Colaboração Premiada e a nova Lei do Crime Organizado. Vol.4 - 2013. PDF Disponível em: http://www.prrj.mpf.mp.br/sala-de-imprensa/publicacoes/custos-legis/a-colaboracao-premiada-e-a-nova-lei-do-crime-organizado-lei-12.850-2013/view. Acessado em: 22/03/2015

MOREIRA FILHO, Agnaldo Simões. Estudo crítico acerca da delação premiada e sua aplicação no direito brasileiro. 2007. Disponível em>http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3902/Delacao-premiada-Breves-consideracoes. Acessado em: 05/05/2015.


.

Sobre os autores
Iman El Kems

Aluna do 10 período do Curso de Direito, da UNDB.

Saulo Seregatte

Alunos do 6º período do curso de Direito, da UNDB

Cleopas Isaías Santos

Professor Esp., orientador.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Paper apresentado à disciplina de Processo Penal I, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!