Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Análise dos impactos econômicos gerados pelo artigo 63 da Resolução nº 614 da Anatel nos serviços de banda larga fixa.

A limitação da internet fixa é benéfica ou prejudicial?

Exibindo página 2 de 3
Agenda 17/03/2017 às 10:20

4 ANÁLISE ECONÔMICA INSTITUCIONAL REFERENTE AOS IMPACTOS ECONÔMICOS DO ARTIGO 63 DA RESOLUÇÃO 614 DA ANATEL 

Antes de adentrar a análise econômica do artigo 63 da Resolução de n. º 614 deve-se recordar a finalidade do ato regulatório das agências reguladoras, qual seja atender o interesse do cidadão (COSCIONE, 2012).

Tomando por base esse objetivo passa-se a apreciar de maneira descritiva o ato administrativo, procurando determinar a partir de dados empíricos o impacto deste na sociedade, de modo a definir se atinge o intento para que foi criado, ou seja, se é eficiente ou não.

Eficiência na definição do economista Gregory Mankiw (2009, p.5) é “a propriedade que a sociedade tem de obter o máximo possível a partir de seus recursos escassos”. Geralmente o próprio mercado aloca recursos de maneira eficiente. No entanto, algumas vezes há falha na realização de alocação hábil, a essa problemática dar-se o nome de “falhas de mercado” (MANKIW, 2009).

Este artigo analisará três destas falhas de mercado: (a) custo de transação; (b) assimetria das informações; e (c) externalidades.

4.1 CUSTOS DE TRANSAÇÃO

Os custos de transação são ônus gerados a uma parte, mas que não é embolsado pela outra. Assim, são meras ineficiências existentes pelo conflito na relação comercial (TIMM; GUARISSE, 2012).

Já Douglas North (1992, p. 8) explica que os custos de transação são:

[...] aqueles a que estão sujeitas todas as operações de um sistema econômico. Mesmo o exame mais superficial de uma economia sugerirá ao observador que muitos de seus atores – na verdade, a maioria – não produzem nada do que os indivíduos consomem. Mas advogados, banqueiros, contadores, funcionários de escritórios, contramestres gerentes e políticos, para citar apenas algumas ocupações amplas ou totalmente envolvidas em transações, são peças essenciais para a operação de qualquer sistema econômico. Na verdade, quanto mais complexo a economia, mais atores desse tipo estarão envolvidos na coordenação e operação do sistema. 

Acerca do tema, vale relembrar o Teorema de Coase, que afirma que em uma situação em que não haja custos de transação, as partes tendem a buscar uma alocação eficiente, maximizando o bem-estar social (TIMM; GUARISSE, 2012).

E como já foi mencionado, o economista Oliver Williansom, partindo-se dos estudos pretéritos do Teorema de Ronald Coase, desenvolveu a chamada Teoria da Economia de Custos de Transação, um dos elementos da Nova Economia Institucional, que considera as transações realizadas entre os agentes econômicos como a unidade básica de análise dos custos de transação (ZYLBERSTAJN; SZTAJN; 2005).

Na visão de Williansom (2005), os custos de transação são influenciados por atributos ambientais que envolvem a especificidade dos ativos, a incerteza, a frequência com que as transações ocorrem e os fatores comportamentais relacionados à racionalidade limitada e o comportamento oportunista dos agentes econômicos envolvidos.

Relacionando com o caso em análise, vê-se que segundo dados da Consultoria Teleco (2016), três empresas dominam 84,28% do mercado de banda larga fixa no Brasil, estando o grupo Claro com 31,98%, OI com 28,17% e a Vivo com 24,13%. Fica, portanto, evidente que há apenas um pequeno grupo de fornecedores de internet fixa, consequentemente, a tendência a um comportamento oportunista é maior e, conforme ensinamentos de Grover e Malhotra (2003 apud COSTA, 2007) a existência de oportunismo aumenta o custo de transação. Assim, quanto menor a concorrência, maior a tendência a um comportamento oportunista, por consequência, aumenta-se o custo de transação.

Vale destacar também a observação do MPDFT (2016, p. 2) de que “O consumidor médio não possui condições de avaliar se seu uso de internet consome muita ou pouca banda de dados disponível no eventual plano a ser contratado”.

Neste ambiente, Thielmann (2013, p.2) explica que com a incerteza “[...] a impossibilidade de identificar todos os aspectos relevantes que podem vir a ocorrer afetam a transação”.

Por consequência, como o consumidor não sabe qual pacote deve contratar mensalmente para atender a sua demanda e as empresas ficam com o monopólio dessa informação, gera uma assimetria de informações favorecendo o fornecedor, aumentando-se o grau de incerteza e possibilitando um comportamento oportunista das empresas de telecomunicação, que potencializa o aumento de custos de transação. 

Quanto à frequência de transações, vê-se o parágrafo 1º, inciso I, do artigo 63 da Resolução de n.º 614 a possibilidade de venda de pacotes adicionais a quem consumir integralmente a franquia contratada, por efeito, impulsiona o aumento no número de transações entre consumidor e fornecedor.

Segundo Ana Cristina Faria (2014, p.9) “Transações mais frequentes, contratos de longo prazo e investimentos em Ativos específicos, podem reduzir as incertezas e administrar comportamentos oportunistas”. Assim, como está ocorrendo a ampliação da frequência de transações, diminui-se o número de custos de transação.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Desta forma, verifica-se que o artigo 63 da Resolução 614 da Anatel tende a diminuir os custos de transação, uma vez que aumenta a frequência de transações. Porém, a concentração de mercado nas mão de poucos fornecedores e a incerteza gerada pela assimetria de informações aumentam o comportamento oportunista, que por consequência eleva os custos de transação.

4.2 ASSIMETRIA DAS INFORMAÇÕES

Aprofundando a explicação dada anteriormente, acrescenta-se a definição de Neuza Maria Belo e Haroldo Guimarães Brasil (2006, p.50) sobre Assimetria Informacional, que segundo eles trata-se da “descrição de um fenômeno segundo o qual alguns agentes econômicos têm mais informações do que outros”.

Como exemplo, tem-se uma pessoa que toma um empréstimo junto a um banco, ele tem conhecimento de sua capacidade de pagamento bem mais ampla do que aquele que lhe empresta, gerando assimetria (BELO; BRASIL, 2006).

Como verificou-se no tópico que trata dos custos de transação, o artigo 63 da Resolução 614 da Anatel gera uma assimetria de informação, pois o consumidor não sabe qual pacote deve contratar mensalmente para atender sua demanda, por outro lado, as empresas possuem essa informação de quanto ele consome.

Além do aumento do custo de transação e a assimetria de informações vistas no caso em tela pode ainda ocorrer mais dois problemas ao consumidor, quais sejam a seleção adversa e o risco moral (TIMM; GUARISSE, 2012).

A seleção adversa ocorre quando uma das partes possui poucas informações acerca do produto ou serviço. Nesse caso, a parte mal informada não terá muitos critérios para analisar a qualidade, prejudicando o vendedor que tenha produtos de boa qualidade e que não conseguirá vendê-los por um preço justo, tendo como consequência a sua saída no mercado. Assim, cai a qualidade média dos produtos daquele mercado (TIMM; GUARISSE, 2012).

Relacionando com caso em estudo, diante da assimetria de informações geradas pelo artigo 63 da Resolução 614 da Anatel, o consumidor sofre sérios riscos de receber um produto de qualidade inferior e ainda ter uma diminuição na concorrência do setor que já é baixa, logo, não há observância da finalidade para que foi criada, qual seja atender o interesse público.

Já o risco moral ocorre quando uma das partes tem incentivo para mudar o comportamento, prejudicando outro (TIMM; GUARISSE, 2012).

E quanto ao risco moral, se percebe que a Anatel chancelando a limitação através da implementação de franquia de consumo na banda larga fixa, em cenário de pouca concorrência e assimetria de informações, incentiva seus fornecedores a aderirem para maximizarem seus lucros, uma vez que esse é o objetivo das empresas. Por outro lado, prejudica o consumidor que está habituado com o serviço ilimitado e que terá maior ônus para utilizar a internet.

Assim, verifica-se que a implementação da franquia de dados na banda larga fixa pode causar problemas de risco moral e seleção adversa, que estão relacionados diretamente com a assimetria de informações.

4.3 EXTERNALIDADES

Agora passa-se a analisar se o artigo 63 da Resolução 614 da Anatel causa uma outra falha de mercado, chamada de externalidades. Esta é definida por Fábio Nusdeo (2010, p.153) como:

custos ou benefícios circulando externamente ao mercado, vale dizer, que se quedam incompensados, pois, para eles, o mercado, por limitação institucionais, não consegue imputar um preço. E assim, o nome externalidade ou efeito externo não quer significar fatos ocorridos fora das unidades econômicas, mas sim fatos ou efeitos ocorrido fora do mercado, externos ou paralelos a ele, podendo ser vistos como efeitos parasitas.

Ainda quanto a conceituação, o economista Mankiw (2009, p.195 e 196) explica que “uma externalidade surge quando uma pessoa se dedica a uma ação que provoca impacto no bem-estar de um terceiro que não participa desta ação, sem pagar nem receber nenhuma compensação desse impacto”.

Destaca-se ainda que as externalidades se subdividem em dois grupos, quais sejam em negativa e positiva. As negativas são caracterizadas quando este impacto é danoso a uma pessoa alheia àquela relação, são observadas, por exemplo, nos serviços de streaming. Já as positivas quando esta externalidade é benéfica a um terceiro, o que não é encontrada no caso em estudo (MANKIW, 2009).

Relacionando com o tema abordado, percebe-se que os serviços de streaming, como YouTube, Netflix e cursos online, seriam indiretamente prejudicados juntamente com quem utiliza essas plataformas, uma vez que consomem mais tráfego de dados. Na Netflix, por exemplo, consome 3 GB por hora em um video HD e serviços de música como Spotify gastam em média 3,75 GB mensais. No entanto, a empresa Vivo já anunciou que adotando o sistema de franquias, comercializará planos de 10 GB a 130 GB, ou seja, haverá desestímulo de utilização destes pelo consumidor que para poder usufruir terá que arcar com um maior ônus financeiro para atender a sua demanda (IDEC, 2016).

Como solução ao problema, deve-se tomar por base o Teorema de Coase, ou seja, diminuir os custos de transação ao patamar mínimo, pois em um mundo hipotético em que eles inexistam, as empresas de telecomunicação e de serviços de streaming poderiam negociar e chegar a uma solução ótima que agrade a ambas as partes (ZYLBERSTAJN; SZTAJN; 2005).

Por fim, passa-se a tecer considerações finais acerca da análise econômica institucional realizada nesta seção.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme foi exposto, a finalidade deste artigo é avaliar os impactos econômicos gerados pela possibilidade de implementação de franquias de dados nos serviços de banda larga fixa no país, admitidos pelo artigo 63 da Resolução 614 da Anatel e seus possíveis desdobramentos ao consumidor. Para tanto, utilizando-se dos pressupostos da Análise Econômica do Direito em uma perspectiva positiva, da Nova Economia Institucional e da Economia de Custos de Transação.

Na análise, em observância a Teoria da Economia de Custos de Transação elaborada por Williansom, se verificou que os custos de transação tendem a diminuir com o aumento da frequência do número de acordos. Porém, diante da concentração de mercado nas mãos de poucos fornecedores e da assimetria de informações nos novos contratos, aumenta-se a possibilidade de um comportamento oportunista e, consequentemente, a majoração dos custos de transação.

Adverte-se que a assimetria de informações pode gerar problemas, como a seleção adversa e o risco moral. Na primeira, empresas com produtos de boa qualidade não conseguirão vendê-los e sairão do mercado, logo, a internet sofrerá uma perda qualitativa, além é claro da diminuição da concorrência. Na segunda, a Anatel chancelando a limitação da internet fixa, incentiva seus fornecedores a comercializar um plano que maximize seus lucros, porém, prejudicando o consumidor que terá um ônus maior financeiramente.

Já as consequências das externalidades negativas foram notadas nas empresas de streaming, uma vez que estas utilizam grande quantidade de GB, logo com a cobrança de franquia de dados há um desestímulo do consumidor em utilizar tais serviços. Como solução, utiliza-se o Teorema de Coase, que propõe diminuir os custos de transação ao patamar mínimo, a fim de deixar que prestadoras de serviços de banda larga fixa e de streaming cheguem a uma solução ótima negociando entre si.

Conclui-se que o artigo 63 da Resolução 614 da Anatel não atende à finalidade para a qual foi criada, isto é, o interesse público, pois é prejudicial ao consumidor. Assim, para que as franquias de dados na banda larga fixa pudessem ser implementada sem prejudicar o usuário e terceiros deve-se minorar a assimetria de informações e estimular a entrada de novas empresas no mercado de internet fixa, desta forma, os custos de transação diminuirão e não haverá problemas relacionados a assimetria de informações e externalidade negativas, que poderiam ser revolvidas com o Teorema de Coase, isto é, empresas telefonia e streaming negociariam entre si soluções para a resolução do conflito.

Para trabalhos futuros, aconselha-se apresentar um estudo comparado dos serviços de internet fixa de outros países e descrever possíveis maneiras de minorar a assimetria de informações nos contratos de serviço de banda larga fixa.

Sobre o autor
Léo Júnio dos Santos Gouveia

O Dr. Léo Gouveia (OAB/DF nº54.280) é um advogado graduado pela Universidade Católica de Brasília, com especialização pela ESMP e mais de uma década de experiência. Ele dedica sua prática tanto ao assessoramento jurídico público quanto à resolução de questões civis, trabalhistas e previdenciárias para clientes privados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Léo Júnio Santos. Análise dos impactos econômicos gerados pelo artigo 63 da Resolução nº 614 da Anatel nos serviços de banda larga fixa.: A limitação da internet fixa é benéfica ou prejudicial?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5007, 17 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56420. Acesso em: 22 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!