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A imunidade das entidades beneficentes de assistência social

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Agenda 10/09/2004 às 00:00

3. A INTERPRETAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DAS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

            Como visto acima, as normas imunizantes encontram-se alojadas no seio Constitucional e, portanto, devem ser interpretadas levando-se em conta tal peculiaridade. A proeminência da norma constitucional, no entanto, não implica em acentuada divergência ou especificidades tamanhas que se distanciam sobremodo dos critérios de interpretação utilizados para percepção do conteúdo das demais normas, especialmente no que se refere às normas constitucionais que têm aplicação direta sob determinada situação jurídica, como é o caso do reconhecimento de uma imunidade tributária.

            Apesar disso, a interpretação constitucional é diferenciada, não a ponto de solicitar métodos interpretativos distintos, já que sua missão consiste também na determinação da verdadeira inteligência dos dispositivos que integram a Constituição, em sua acepção formal e material, o que, em essência, não se afasta do escopo perquirido pela Hermenêutica.

            Vale destacar, porém, a posição ocupada pelas normas constitucionais dentro da pirâmide jurídica instituída, exigindo apreciação peculiar e com especial atenção, na lição de Luís Roberto Barroso, a quatro pontos: "(a) a superioridade hierárquica; b) a natureza da linguagem; c) o conteúdo específico; d) o caráter político". (16)

            A superioridade hierárquica das normas constitucionais é noção essencial do processo de interpretação das demais normas jurídicas. Como as normas constitucionais ocupam o cume da pirâmide jurídica, qualquer lei ou ato normativo inferior somente se mantêm válidos acaso não arrostem seu comando. A necessária existência de compatibilidade vertical entre as normas jurídicas subalternas e as normas constitucionais encontra respaldo na superioridade destas, que, inclusive, fornecem inúmeros instrumentos de controle de sua supremacia.

            Essa supremacia das normas constitucionais desautoriza as normas primárias, editadas pelo legislador ordinário, e as normas secundárias, expedidas pelo Poder Executivo e pela Administração Pública como um todo, para fiel execução da lei de regência, de afrontar a hierarquia normativa imposta, cujo ápice de sua força normativa está na Constituição Federal.

            Nesse diapasão, cada ato normativo encontra seu fundamento de validade em ato normativo de hierarquia superior, ou seja, o decreto na respectiva lei, e assim por diante, e todos, por sua vez, devem encontrar fundamento nas normas constitucionais. Se porventura qualquer deles estiver em confronto com as normas constitucionais não podem subsistir validamente frente ao ordenamento jurídico vigente.

            Dessa supremacia das normas constitucionais resulta que não se deve interpreta-las partindo-se do entendimento colhido do teor das normas infraconstitucionais, porquanto estas encontram seu fundamento de validade justamente na Constituição Federal. Essa assertiva salta aos olhos, embora corriqueiramente defronte-se com interpretações do texto constitucional que são colhidas a vista de atos normativos inferiores, ou seja, parte-se da lei para a Constituição, sendo tal procedimento de todo inaceitável.

            De tal sorte, o intérprete não pode cochilar e deixar-se seduzir pelo entendimento extraído da legislação infraconstitucional, para só então conceber os contornos das normas constitucionais, já que assim procedendo estará invertendo a ordem natural das coisas.

            Outro ponto que se deve notar é a natureza da linguagem constitucional, que preponderantemente apresenta maior grau de abstração, sendo por vezes carregada de expressões imprecisas que dificultam sobremaneira a sua conceituação e, por conseguinte, a sua aplicação.

            Não há como negar que conceitos como os de bem-estar social, justiça social e, a nosso ver, de "entidade beneficente de assistência social" possibilitam ao intérprete considerável margem de discricionariedade, que pode ir de um extremo ao outro, mesmo em se tratando de uma Constituição analítica, embora tal ocorrência seja mais agravada no caso daquelas que adotam um modelo sintético.

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            Esse, aliás, é o ponto de maior dificuldade da interpretação constitucional, pois, sem dúvida, abstrair as paixões, ideologias e convicções pessoais não é tarefa nada fácil, mas que, por mais penosa que seja, deve ser sufocada para a busca da melhor interpretação das normas constitucionais. (17)

            Outro agravante consiste na utilização pelo legislador constituinte de expressões em seu sentido vulgar e não no sentido técnico, redundando em maior dificuldade na apuração do sentido das normas constitucionais, pois sendo fruto do confronto de diferentes linhas de pensamento dos mais diversos setores da sociedade, a obra do legislador constituinte originário é marcada, vez ou outra, pela utilização de expressões que não refletem o seu exato sentido técnico. Aliás, não é por outra razão que se entende, ainda que seja apenas a minoria da doutrina, que não se pode extrair parâmetros rígidos da Constituição Federal para a definição material de cada imposto, em que pese a precisa repartição das competências tributárias. (18)

            Seja como for, o certo, único e determinável é que mais dificultoso torna-se o caminho para a escorreita interpretação constitucional e, por conseguinte, o entendimento das imunidades.

            Além disso, o conteúdo das normas constitucionais, em sua maior parte, é de organização, voltadas para a produção de outras normas jurídicas. Fundamentalmente não são voltadas para juízos hipotéticos, constituindo-se verdadeiras normas de estrutura e não de conduta. Isso também acontece com as normas imunizantes, já que têm como objetivo funcionar como delimitadoras da competência impositiva dos entes políticos tributários, fixando as balizas para a construção do normativo infraconstitucional.

            A Constituição Federal, em regra, não institui tributos, embora não exista qualquer impeditivo para fazê-lo, mas apenas outorga a competência de cada um dos legitimados para criá-los, o que demonstra, o caráter estrutural de suas normas, dentre as quais se incluem as normas que estipulam as imunidades, cujo principal norte é disciplinar a própria criação e aplicação das normas que regulam os juízos hipotéticos – normas de conduta. Não há dúvida quanto ao caráter estrutural das normas imunizantes.

            Interessante notar que essa divisão – regras de estrutura e de conduta – não é meramente acadêmica, haja vista que as regras de estrutura "possuem um efeito constitutivo imediato das situações que enunciam. Não sendo, em princípio, geradoras de direitos subjetivos, essas normas não são interpretadas e aplicadas em igualdade de condições com as normas de conduta". (19)

            Por derradeiro, há que se observar o caráter político imanente às normas constitucionais. Fato de extrema relevância na interpretação constitucional reside na circunstância de que as normas inseridas no seio constitucional estão impregnadas de concepções políticas que justificam sua ascendência normativa. Destarte, sempre se deve ter presente o sentido finalístico que serve de esteio para o preceito constitucional, buscando dar o máximo de efetividade a norma dentro de sua significação político-jurídica.

            A toda evidência, esses quatro pontos peculiares da interpretação constitucional devem ser, de igual modo, observados com rigor pelo intérprete na exata compreensão e aplicação das normas jurídicas que estabelecem as imunidades tributárias, sob pena de desvirtuamento da finalidade constitucional que sustenta cada uma das exonerações tributárias.

            3.1 INTERPRETAÇÃO DA IMUNIDADE ESPECÍFICA

            É por vezes corrente a assertiva de que a imunidade é ampla e indivisível, impondo apenas a interpretação extensiva; de outro extremo, outrossim, assevera-se que por se tratar de norma de "exceção" à competência tributária, cabe somente a interpretação literal, de cunho restritivo.

            Trata-se de posições extremadas que, a nosso sentir, não podem prevalecer. A interpretação da norma imunizante deve ter em mira o objetivo constitucional que consagrou a exoneração tributária, não se podendo partir de um critério interpretativo predeterminado. Não há como enclausurar o intérprete por intermédio de métodos estáticos. Insistir numa formulação interpretativa rígida das normas imunizantes, sob o manto de determinadas regras pré-estabelecidas, seja por aspectos preponderantemente extensivos ou restritivos, certamente, culminará em abusos, em concepções que não se aproximarão da finalidade constitucional em foco.

            A interpretação da norma imunizante deve ter seus contornos definidos na mesma medida da exoneração constitucional, ou seja, a cada preceito constitucional a interpretação pode variar, tendo em mira sempre o alcance da finalidade constitucional. A finalidade constitucional de cada norma imunizante deverá ser o vetor que conduz o intérprete no seu árduo caminho.

            Sob esse aspecto, cabe recordar a lição de Regina Helena Costa ao comentar a especificidade da interpretação das imunidades tributárias quando, citando Geraldo Ataliba, faz referência ao tênue diferencial existente na interpretação das imunidades genéricas e das específicas. Afirma que as normas que contemplam as imunidades específicas "são aquelas restritas a um único imposto ou tipo de imposto, servindo a valores limitados ou conveniências especiais, pelo quê devem ter sua interpretação condicionada à teleologia própria de cada preceito". (20) Nota-se, portanto, que a interpretação das normas constitucionais que consagram imunidades específicas, por abrigarem normas de abrangência limitada, naturalmente devem atender certas peculiaridades por força do próprio texto constitucional.

            Ora, quando a desoneração é pontual, como é o caso das "entidades beneficentes de assistência social," avulta de importância a análise da espécie tributária abrangida. Isso acontece porque os tributos vinculados estão sempre a exigir "fatos do Estado, sob a forma de atuações em prol dos contribuintes." (21) Se a Constituição Federal desonerou certas pessoas do pagamento de tributos vinculados, como é o caso das contribuições sociais voltadas para o custeio da Seguridade Social (art. 195 da CF), em razão da sua atuação específica em área de obrigatória contrapartida Estatal, razoável exigir que os beneficiários abarquem, com sua atuação, no mínimo, ao que competia ao Poder Público, sob pena de não atendimento ao fim constitucional.

            Não se trata de mera troca, mas de efetivo cumprimento da finalidade constitucional, exige-se mais do que uma atuação mínima da pessoa beneficiada, mas, ao contrário, uma atuação concreta, eficaz e, principalmente, proporcional a de que se exigiria do Estado.

            3.2 CLASSIFICAÇÕES DAS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS.

            Diversas classificações podem ser atribuídas as imunidades tributárias, dentre as quais procurar-se-á fazer referência àquelas que contenham maior densidade jurídica e que, de alguma forma, possam contribuir para o deslinde do objeto em estudo, analisando suas principais facetas.

            Quanto ao modo de incidência, as imunidades classificam-se em subjetivas, objetivas e mistas.

            As imunidades subjetivas ou pessoais são aquelas estabelecidas em razão da condição de determinadas pessoas. São outorgadas ratione personae, em decorrência ou da natureza jurídica da pessoa, ou em face do papel socialmente relevante que desempenha. Conquanto se possa detectar a presença de elementos objetivos, tais como, patrimônio, renda ou serviços, que tenham relação com as entidades beneficiadas, verifica-se que a nota determinante desse tipo de imunidade é o caráter pessoal.

            A título de exemplo, pode-se mencionar a imunidade consagrada no artigo 150, inciso VI, alíneas ‘a’ e ‘c’, §§2º e 4º da Constituição Federal de 1988, referente, respectivamente, à imunidade recíproca das pessoas políticas, autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, e dos partidos políticos e sua fundações, das entidades sindicais de trabalhadores e das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.

            As imunidades objetivas ou reais são aquelas outorgadas em função de determinados fatos, bens ou situações. Muito embora, dita imunidade, também possa beneficiar pessoas, não é concedida em função delas, e sim ratione materiae, como exemplo, cite-se a imunidade referente aos livros, jornais e periódicos e o papel destinado à impressão dos mesmos, nos termos do art. 150, inciso VI, alínea ‘d’ da Carta Magna.

            Por fim, vislumbra-se a existência de uma terceira categoria de imunidade em face do critério de distinção ora considerado, qual seja, a imunidade mista, na qual o legislador constitucional combinou critérios de natureza pessoal e material, para criar a exoneração constitucional. Depreende-se que tal imunidade pode ser perceptível na hipótese do Imposto Territorial Rural, consoante previsto no art. 153, §3º da Constituição Federal, em que se exige para a configuração da mesma, que se constate a existência de uma única gleba rural (critério material) e a exploração pessoal ou familiar (critério pessoal).

            Pode-se identificar as seguintes notas diferenciadoras entre imunidades subjetivas e objetivas: a) as pessoas que detêm imunidade subjetiva prescindem da objetiva, vez que a primeira automaticamente envolve a segunda, não se podendo afirmar a recíproca como verdadeira; b) as imunidades subjetivas são sempre gerais, enquanto as objetivas, conquanto possam ser genéricas, quase sempre são específicas; c) as imunidades subjetivas referem-se aos impostos diretos, enquanto as objetivas, relacionam-se aos indiretos.

            Por fim, cumpre salientar que para Roque Antônio Carrazza, a imunidade sempre é subjetiva, posto que em essência, beneficia pessoas.

            As normas imunizantes podem ser igualmente classificadas em face de serem ou não conseqüências necessárias de um princípio constitucional. Neste diapasão, pode-se dividir as imunidades ontológicas e políticas.

            As imunidades ontológicas caracterizam-se por serem conseqüências necessárias de um princípio constitucional, por conseguinte, ainda que suprimidas do texto constitucional, subsistem, vez que são decorrência dos princípios nele contidos.

            Como exemplos de imunidades ontológicas previstas em nossa Carta Magna, pode-se fazer menção à imunidade recíproca das pessoas políticas, como já assinalado acima.

            Já as imunidades políticas, por sua vez, não constituem conseqüências necessárias de um princípio constitucional. Para que sejam reconhecidas, devem estar expressamente consagradas na Constituição Federal, ainda que conferidas como forma de prestigiar outros princípios constitucionais, deles não são decorrência lógica, podendo, até mesmo, ser outorgadas a pessoas que apresentem capacidade contributiva, como é o caso da imunidade das "entidades beneficentes de assistência social". Enquadram-se aqui, também, as imunidades dos templos, das entidades sindicais de trabalhadores e dos partidos políticos e suas fundações, bem como a conferida aos livros, jornais, periódicos e ao papel destinado à sua impressão.

            Imunidades incondicionadas são aquelas que prescindem da criação de norma infraconstitucional para que venham a produzir seus efeitos. As imunidades desta natureza independem da criação de norma infraconstitucional regulamentar ou complementar que venha a estabelecer condições ou restrições para sua viabilização.

            Desta feita, a norma constitucional que versa sobre esta espécie de imunidade é de eficácia plena e aplicabilidade imediata, podendo-se fazer referência à imunidade mútua das pessoas políticas (art. 150, VI, ‘a’ da Constituição Federal), para ilustrar tal hipótese.

            As imunidades condicionáveis, por sua vez, estão consagradas em normas constitucionais de eficácia contida e aplicabilidade imediata, com possibilidade de restrição. Contudo, há que se frisar que caso haja omissão legislativa, a fruição do benéfico não estará inviabilizada.

            No entanto, neste particular, cumpre registrar a divergência doutrinária existente, vez que há quem considere que as imunidades condicionáveis (chamadas por estes de condicionadas) estão outorgadas por meio de normas constitucionais que necessitam de regulamentação infraconstitucional para sua completitude normativa, e via de conseqüência, para que reste viabilizada. Desta feita, a norma constitucional teria eficácia limitada, de natureza não auto-aplicável, a depender de integração normativa. (22)

            Ressalte-se, que qualquer que seja o entendimento acolhido, essa regulamentação infraconstitucional não diz respeito à norma imunizante, já delineada no texto constitucional, mas sim aos pressupostos formais a serem preenchidos pelos contemplados pela imunidade.

            Se considerado o critério pertinente ao grau de intensidade e amplitude, vislumbra-se a existência de imunidades genéricas ou gerais e específicas ou especiais.

            As imunidades gerais ou genéricas recebem esta denominação, vez que implicam em vedações dirigidas a todas as pessoas políticas, alcançando todo e qualquer imposto que recaia sobre o patrimônio, renda ou serviços a que se referem, encontram-se consagradas no art. 150, VI da Constituição Federal. Tais imunidades têm por fundamento de validade a proteção de valores constitucionais básicos.

            As imunidades específicas ou especiais, por sua vez, estão restritas a um único tributo e atendem a valores de caráter mais limitado. Além disso, são destinadas a uma pessoa política específica, tal como previsto no art. 153, §3º, III, da Constituição Federal e, também, da imunidade das "entidades beneficentes de assistência social".

Sobre o autor
Aécio Pereira Júnior

Procurador Federal em Brasília, Mestrando em Direito pela PUC-SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA JÚNIOR, Aécio. A imunidade das entidades beneficentes de assistência social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 430, 10 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5649. Acesso em: 23 dez. 2024.

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