4. A SEGURIDADE SOCIAL E A IMUNIDADE DAS "ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL".
Nos dizeres do artigo 194, caput, da Constituição Federal, "a Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social".
Neste artigo foram fixadas as áreas abrangidas pela Seguridade Social, diferenciando-as expressamente. Não há como negar que a Assistência Social é espécie do gênero Seguridade Social, que tem seus objetivos estabelecidos no Texto Constitucional (art. 203), sendo suas atividades voltadas às necessidades básicas da população carente. Não há como confundi-la com Previdência ou Saúde.
Além disso, cuidou o parágrafo único do referido dispositivo dos objetivos basilares de organização da Seguridade Social, fixando suas diretrizes fundamentais.
Dentre os princípios e diretrizes que informam toda a Seguridade Social cabe destacar a universalidade de cobertura e atendimento e a solidariedade contributiva. A universalidade de cobertura e atendimento significa objetivamente "que todas as situações que representam risco estão compreendidas na cobertura que o sistema brasileiro de proteção social pretende proporcionar às pessoas. [...] Já a dimensão subjetiva é revelada pelo vocábulo atendimento. Todas as pessoas são consideradas sujeito de direitos previdenciários". (23)
A solidariedade contributiva abrigada no art. 195, caput, da Constituição Federal traduz-se na solidariedade existente entre o Estado e toda a Sociedade no custeio da Seguridade Social.
Esses são princípios basilares no qual se insere a imunidade das "entidades beneficentes de assistência social", os quais não se podem perder de vista para exata compreensão da imunidade que se cuida.
4.1 DA ORIGEM DA EXONERAÇÃO TRIBUTÁRIA VOLTADA À ASSISTÊNCIA SOCIAL
Na história da humanidade é relativamente recente o direito à assistência social, embora seu nascedouro preceda a preocupação estatal na sua proteção. Nos primórdios a assistência social dava-se apenas pelas pessoas naturais, puramente por conta de influências religiosas, notadamente da doutrina Cristã, que, posteriormente, espalhou-se pelo mundo.
Mais recentemente, sob influência das experiências humanitárias que grassaram pelo mundo, desenvolveu-se a concepção jurídica da assistência social pública que, segundo Wladimir Novaes Martinez, remonta a 1531 com a Lei dos Pobres espanhola e a Lei dos Pobres londrina de 1601. (24) Observe-se que a preocupação Estatal com a assistência social pública é muito anterior à noção de Previdência Social.
No plano jurídico nacional, a Lei n. 91, de 1935, foi a primeira a referir-se as entidades com o fim exclusivo de servir à coletividade, sem fins lucrativos, que poderiam ser declaradas de utilidade pública, um dos requisitos fundamentais para seu o reconhecimento.
De modo efetivo, a renúncia fiscal somente foi reconhecida com a Lei n. 3.577, de 1959, que isentou "entidades de fins filantrópicas", reconhecidas como de utilidade pública, das contribuições de previdência aos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões.
Percebe-se, portanto, que embora nítida a preocupação Estatal em se reconhecer às entidades desinteressadas o direito a exoneração tributária, esta ficava estipulada apenas na legislação infraconstitucional. Ao nível da estrutura normativa fundamental enfatizava-se apenas a necessária correlação entre a existência da fonte de custeio e as prestações de caráter social, conforme estatuído pela Emenda Constitucional n. 11, de 31 de março de 1965, que acrescentou o parágrafo ao artigo 157 da Constituição Federal de 1946. Preocupação, essa, que também é expressamente ressalvada no atual Texto Constitucional vigente, nos termos do artigo 195, §5º.
Havia, outrossim, previsão expressa na Constituição Federal de 1946 da exoneração tributária das instituições de educação e de assistência social apenas no tocante aos impostos, (25) não existindo, portanto, imunidade em relação às contribuições sociais.
Como a exoneração foi fixada somente na legislação infraconstitucional, inovando totalmente a matéria, o Decreto-lei n. 1.572, de 1972, revogou a Lei n. 3.577, de 1959, fulminando a isenção outrora reconhecida, ressalvando apenas a possibilidade de certas entidades permanecerem gozando do benefício fiscal.
Depois disso, a vigente Constituição Federal, rompendo definitivamente com todo o arcabouço jurídico anterior, acabou por determinar a responsabilidade pelo custeio da Seguridade Social a "toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,"e das contribuições previstas nos incisos I a III do artigo 195 do Texto Supremo, sem prejuízo de outras fontes residuais, desde que instituídas mediante lei complementar, inserindo no §7º do mesmo artigo a imunidade tributária às "entidades beneficentes de assistência social.".
Merece destaque, ainda, no que se refere às fontes de custeio da Seguridade Social, a alteração introduzida pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998, que determinou a vinculação dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, I, "a", e II, ao pagamento exclusivo de benefícios do regime geral de previdência social.
4.2 DA RELAÇÃO JURÍDICA ASSISTENCIAL
Apesar da ação estatal na área de assistência social ter tido início há mais de quatro séculos, é inegável que somente no início do século passado que se passou a dirigir as políticas públicas para o atendimento dos hipossuficientes. Nesse período de aproximadamente 500 (quinhentos) anos de atuação Estatal no atendimento dos hipossuficientes, em nada se alterou a base da relação jurídica instituída, marcada pela existência unívoca de unilateralidade na prestação das obrigações devidas, impingidas somente ao Estado. E não poderia deixar de ser desse modo, vez que não seria crível exigir qualquer obrigação daqueles que sequer possuem meios de subsistência. A assistência social é dirigida ao atendimento dos mínimos sociais.
Esse é o traço marcante da relação jurídica assistencial pública, seja aquela prestada diretamente pelo Poder Público seja indiretamente, por intermédio de entidades privadas, haja vista não existir nenhuma margem para a concretização de relações sinalagmáticas. Lembre-se que a caridade não exige contraprestação, ainda mais de quem não possui meios para tanto, do contrário passa a ser exploração. Na verdade, os conceitos de assistência pública e assistência privada, independente da ordem em que tenham ingressado na história, convivem, indistintamente, no vigente sistema constitucional, norteados pela diretriz da universalidade de cobertura e do atendimento.
A própria literalidade do artigo 203, caput, do texto constitucional não se esquiva dessa noção secular de assistência social, estipulando que "a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social". (grifos nossos) Com efeito, a prestação oriunda da atividade assistencial não permite, por essência, qualquer contraprestação do beneficiado, até mesmo por questões materiais óbvias, só se concebendo o reconhecimento efetivo do exercício de assistência social àqueles que prestam serviços de forma gratuita aos que dela necessitar.
Essa é a noção mínima de assistência social que se deve ter para bem compreender a imunidade conferida as "entidades beneficentes de assistência social".
4.3 DA IMUNIDADE CONFERIDA PELO TEXTO CONSTITUCIONAL
O dispositivo constitucional que regula a matéria tem a seguinte redação:
"Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
...
§7º. São isentas de contribuições para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. (grifos nossos)
O dispositivo acima transcrito deixa claro que o constituinte não olvidou do papel de destaque realizado pela sociedade na consecução das atividades de assistência social, razão pela qual buscou manter a integração entre as ações públicas e as privadas voltadas para o assistencial, surgindo, então, o modelo de exoneração fiscal das entidades que exercem efetivamente atividades paralelas com o Estado e com os mesmos fins deste.
Da letra do dispositivo constitucional surge a primeira controvérsia quanto à natureza da benesse conferida "as entidades beneficentes de assistência social", vez que o dispositivo refere-se a "isentas" e não a "imunes". A doutrina pátria delimita traços marcantes entre o instituto da imunidade e o da isenção, não passando despercebido tal ponto, até porque de nodal importância para se delimitar o efetivo alcance da norma.
Vejamos o escólio de alguns doutrinadores sobre a questão ventilada, a saber:
Aqui também a palavra ‘isentas’ está empregada, no texto constitucional, no sentido de "imunes".
É que, no caso, está-se diante de uma hipótese constitucional de não-incidência tributária. Ora, isto tem um nome técnico: imunidade.
Assim, onde o leigo lê "isentas", deve o jurista interpretar "imunes". Melhor explicitando, a Constituição, nesta passagem, usa a expressão "são isentas", quando, em boa técnica, deveria usar a expressão ‘são imunes’ (26)
O que distingue, em essência, a isenção da imunidade é a posição desta última em plano hierárquico superior. Daí decorrem conseqüências da maior importância, tendo-se em vista que a imunidade, exatamente porque estabelecida em norma residente na Constituição, corporifica princípio superior dentro do ordenamento jurídico, a servir de bússola para o intérprete, que ao buscar o sentido e o alcance da norma imunizante não pode ficar preso à sua literalidade. (27)
Percebe-se, portanto, que a despeito da expressão utilizada pela Constituição Federal no §7º, do artigo 195, não há como negar tratar-se de imunidade e não de isenção, haja vista que a exoneração está radicada no seio da Constituição e atua diretamente sob a delimitação da competência impositiva tributária.
Desta forma, trata-se de imunidade e não de isenção, sendo ponto praticamente pacífico na doutrina pátria, não comportando mais discussões, inclusive, no Pretório Excelso.
4.4 DO CONCEITO DE "ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL"
A exata compreensão da imunidade conferida no artigo 195, §7° da Constituição Federal perpassa obrigatoriamente pela definição do que seja "entidade beneficente de assistência social".
De início, vale dizer que o texto constitucional quando tratou das imunidades tributárias genéricas, especificamente no artigo 150, VI, "c", referiu-se "as instituições de educação e de assistência social", enquanto que no artigo 195, §7º, disciplinando a imunidade tributária específica das contribuições sociais para o custeio da Seguridade Social, fez menção as "entidades beneficentes de assistência social".
Diante dessa dicotomia de expressões adotadas pela Carta Magna, não há como negar que "instituições de assistência social" não são a mesma coisa que "entidades beneficentes de assistência social". Aliás, em outros trechos, a Constituição Federal faz referência as "entidades beneficentes" e de "assistência social" (art. 204, inc. I), não havendo, no entanto, delimitação do exato conceito dessas entidades.
Nesse passo, com a utilização de multifárias expressões no trato das referidas imunidades, surge aqueles que admitem a existência de tipos diferenciados de "assistência social" na formulação do alcance da imunidade genérica – instituição de assistência social – e da específica – entidade beneficente de assistência social. Contudo, o Supremo Tribunal Federal em recente julgado acerca da imunidade das entidades privadas de previdência complementar, por maioria de votos, acabou por firmar jurisprudência no sentido de que o conceito de assistência social deve ser extraído do artigo 203 da Carta Magna. (28)
De toda sorte, a nosso sentir, a adjetivação "beneficente" consiste num marco diferencial que não se pode desprezar, pois permite afirmar que a assistência social a ser prestada por estas entidades para o gozo da imunidade à Seguridade Social deve, indubitavelmente, corresponder à relação jurídica de assistência social fornecida pelo Estado, ou seja, deve possuir caráter absolutamente desinteressado, de manifesto altruísmo, voltado para a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais (art. 3° , III, da CF). Desse modo, somente a relação jurídica baseada na unilateralidade da prestação, fornecida exclusivamente pela entidade, pode ser considerada como efetivo exercício de assistência social para fins de gozo da imunidade tributária do artigo 195, §7° , da Constituição Federal.
É por isso que se diz "beneficente". A entidade de assistência social não pode simplesmente dedicar-se à filantropia, deve sim "concorrer" de modo efetivo com a assistência social prestada pelo Poder Público. Deve dedicar-se a "assistência social" e ser "beneficente".
"Quando a Constituição desejou deferir certas vantagens só às pessoas jurídicas absolutamente altruístas, ela as denominou de ‘entidades beneficentes de assistência social’ (art. 195, §7° ). Isto é, no momento em que ela desejou ir mais longe, para conceder um favor fiscal que não se limita a perder receitas, mas prestar serviços – os de assistência dos empregados, sem por isso nada receber – ela restringiu os destinatários […] Por fim, a ‘entidade beneficente’ que presta assistência social de maneira altruística, gozará do favor fiscal do parágrafo anterior e, além disso, ficará exonerada de contribuir mesmo para o custeio do sistema público de seguridade social, em razão de ter empregados". (29) Há um plus a que deve desincumbir-se a entidade de assistência social que pretende ver-se imune ao custeio da Seguridade Social.
O trabalho desinteressado da "entidade beneficente", por seu turno, não veda a utilização de mecanismos ínsitos à iniciativa privada para auferir recursos para a consecução de seus fins, exigindo, porém, a comprovação de efetiva prestação de serviços assistenciais à parcela razoável de sua clientela. Significa dizer que a "entidade beneficente" pode, e até deve, amealhar recursos de outros clientes que não sejam os próprios carentes, para aplicá-los nos seus fins específicos, de forma razoável e proporcional aos resultados operacionais lucrativos.
Com efeito, como a assistência social pública tem por finalidade prover à pessoa carente dos mínimos sociais, dentro dos objetivos traçados pela Constituição da República (art. 203 e 3º), fora desses objetivos não se tem a atividade de assistência social para gozo da imunidade do art. 195, §7° , da Constituição Federal. Na realidade, não há como fixar um conceito elástico para as atividades de assistência social para fins de gozo da imunidade das contribuições que custeiam a Seguridade Social, sob pena de burlar a finalidade que escora o preceito, que consiste justamente em auxiliar pessoas incapazes de prover suas necessidades básicas por conta própria ou de suas famílias.
No mesmo sentido é a lição do professor Celso Barroso Leite, a saber:
Repetindo, não tem sentido discutir a autenticidade ou não da alegada natureza filantrópica da entidade; só tem direito à isenção a entidade beneficente de assistência social. Em outros termos, não basta a entidade dizer-se filantrópica e praticar alguma assistência social, quase sempre apenas como truque para obter a isenção; é preciso ser, realmente de assistência social.
O simples fato das entidades, sem fins lucrativos, prestarem algum tipo de auxílio a certas pessoas, por si só, não as credencia na qualificação de "beneficentes". A prestação de serviços gratuitos a pessoas carentes em percentuais ínfimos, se comparados ao vulto dos recursos auferidos pela entidade dita assistencial, não atende a finalidade constitucional e, com muito menos razão, à prestação de serviços gratuitos àqueles beneficiários que dispõem de recursos, ou seja, aos não carentes.
Assim, o conceito de "entidade beneficente de assistência social" envolve, necessariamente, por força constitucional, a existência da comprovação mínima dos seguintes requisitos: a) não tenha fins lucrativos; b) preste gratuidade de forma razoável e proporcional à totalidade dos recursos auferidos; e c) atenda o princípio da universalidade de cobertura e atendimento (generalidade), especificamente aos que dela necessitar, ou seja, aos carentes, com o escopo de atender os objetivos fundamentos da República, especialmente erradicar a pobreza (art. 3° , III, da CF). Desses requisitos mínimos extraídos da Constituição e que a lei regulamentar deve buscar fundamento para estabelecer o exigido das "entidades beneficentes de assistência social".
4.5 DA PRESCINDIBILIDADE DA EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR PARA REGULAÇÃO DO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL
No que tange a norma referida pelo artigo 195, §7º, tem-se como fundamental que seus dispositivos não devem impor limites ao direito das entidades imunes, a ponto de esvaziar o comando constitucional. Isso, porém, não leva ao esvaziamento da norma regulamentar referida pela Carta Magna, já que seu conteúdo deve-se ligar ao preenchimento de requisitos inerentes a finalidade constitucional protegida pelo preceptivo imunizante. À lei em questão, complementar ou ordinária de caráter nacional, cabe cuidar dos requisitos formais "pertinentes e adequados à fruição da imunidade, sem, no entanto, frustá-lo" (30), pinçando do texto constitucional quais devem ser as características e o comportamento da entidade favorecida, sob a estrita subserviência da finalidade constitucional.
Disso decorre a importância da norma infraconstitucional. A par dessa importante regulamentação exigida pelo texto constitucional, parte expressiva da doutrina pátria, entende exigível a edição de lei complementar, com espeque no artigo 146, inc. II, da Constituição Federal, por se tratar de matéria atinente às limitações constitucionais ao poder de tributar.
De toda sorte, como delineado linhas atrás, não há como imputar às imunidades tributárias natureza jurídica de verdadeiras limitações constitucionais ao poder de tributar, já que se tratam de normas de jurídicas de incompetência e não limitativas ou supressivas. Além disso, ainda que se entenda que os termos utilizados pela Constituição Federal não foram utilizados com exato rigor técnico e que, portanto, quando se referiu "as limitações constitucionais ao poder de tributar" incluiu toda e qualquer norma que molda a competência impositiva dos entes tributantes, há que prevalecer a disposição específica do dispositivo constitucional, que exige simplesmente lei, e não lei complementar.
Ora, ainda que a interpretação literal não seja a mais completa, é do léxico que se tem o ponto de partida, não se podendo simplesmente o desprezar para interpretar a norma como melhor aprouver a este ou àquele interesse. Se a Constituição não exigiu expressamente a necessidade de lei complementar, não cabe ao interprete exigir. Há, no caso, uma especificidade que não pode ser relevada, sob pena de lançar ao léu a mens legis da norma constitucional.
Ademais, quando o texto constitucional exige lei complementar para regulamentação de seus dispositivos, o mesmo se manifesta expressamente. (31)
Ressalte, de toda sorte, mais uma vez, que a lei regulamentar não pode limitar a fruição da imunidade, muito pelo contrário, somente se presta a dispor requisitos que contemplem a finalidade do instituto. Finalidade esta que se circunda na perspectiva legítima de que a limitação equivalerá ao espaço abarcado pela atuação das entidades beneficentes de assistência social.
Assim, a norma exigida para a regulamentação do artigo 195, §7º, da Constituição Federal, é específica e não pode ser confundida com a norma geral que se refere o disposto no artigo 146, inc. II, do texto constitucional. Logo, não há como se valer das normas complementares editadas com fulcro no artigo 146, incisos I a III, da Constituição Federal para regulamentar a imunidade das entidades beneficentes de assistência social. Quando muito, somente em caso de omissão legislativa é que se poderia utilizar as regras do Código Tributário Nacional – CTN, atual norma geral, valendo-se da analogia, posição essa, entretanto, já rechaçada pelo Pretório Excelso no julgamento do MI nº 232/RJ em 06.02.1991, (32) não admitindo a aplicação do CTN mesmo que por empréstimo.
Some-se a isso, ainda, o fato de que o artigo 149, caput, da Constituição Federal, que trata das contribuições sociais, inclusive, as da Seguridade Social, estabelece que a estas cabe a aplicação apenas parcial do regime jurídico tributário, referindo-se apenas e tão-somente ao inciso III do artigo 146 da Carta Magna. Não se pretende aqui, com esse argumento, embrenhar-se na discussão acerca da natureza jurídica das contribuições sociais, até porque convencido da sua vestimenta tributária, mas, no entanto, demonstrar que a própria Constituição traça-lhes um perfil diferenciado que, por seu turno, apresenta certas características peculiaridades inegáveis, impondo que se interprete o dispositivo em apreço apenas com a exigência de edição de lei ordinária para sua regulamentação. (33)
Seja como for, o certo é que a questão não se encontra definitivamente resolvida, pois se deve lembrar que o Pretório Excelso quando recentemente instado a manifestar-se sobre qual o instrumento normativo exigido para regulamentar o artigo 195, §7º, da Constituição, em sede liminar, preferiu afastar a exigência de lei complementar, embora tenha deixado para apreciar tal tese por ocasião do julgamento de mérito. (34)
Deveras oportuno lembrar que a norma que regulamenta o referido dispositivo já foi editada há mais de uma década, qual seja, a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, tendo sido atacada sua regularidade formal somente nos idos dos últimos anos passados, mesmo ao lado de quase uma década de sua vigência garantindo efetivo gozo da imunidade constitucional, já que o Supremo Tribunal Federal - STF (35), bem ou mal, acabou por entender que o art. 195, §7º, da Constituição Federal exige regulamentação para seu gozo – norma de eficácia limitada –, sendo certo que sua declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex nunc acabará por manietar o gozo da imunidade, salvo mudança de entendimento na jurisprudência do STF.
Destarte, caso o Supremo Tribunal Federal mantenha-se fiel a sua jurisprudência não acolherá a tese de que o dispositivo em apreço necessita da edição de lei complementar para sua regulação, salvo se reconhecer aplicável às disposições do Código Tributário Nacional que outrora já afastou e alterar substancialmente sua jurisprudência, em manifesto prejuízo ao princípio da segurança das relações jurídicas.