À luz de autores como Marco Aurélio Nogueira, na visão de Carlos Nelson Coutinho, o liberalismo foi bandeira dos mais importantes e significativos movimentos de transformação política no país, como a Proclamação da Independência, o golpe da República e até mesmo a Revolução de 1930, sem, contudo, deixar de experimentar infortúnios de grande ordem que culminaram em uma expressão diminuta das teorias mais clássicas na (re)estruturação das instituições políticas, bem como nas relações sociais, em detrimento de teorias adaptadas à realidade nacional.[1]
Acontece que, para fugir da inocuidade, o pensamento liberal se viu obrigado a ser menos contundente e mais autoritário, de maneira mais “prussiana”, ante ao processo de modernização embasado no enaltecimento do Estado e consequente supressão do povo que constituía de maneira desorganizada a sociedade civil brasileira.
Nesse contexto, viu-se monarquista o ferrenho abolicionista Joaquim Nabuco, porém sem abrir mão das ideias liberais.
A propósito:
Abolicionista intransigente sob a Monarquia, monarquista errante sob a República, republicano em nome do pan-americanismo. Paradoxal? Nem tanto: o abolicionista também era monarquista e o monarquista, depois republicano, jamais abandonará o liberalismo. (NOGUEIRA, 2010, p. 287)
O que se verifica, portanto, é o liberalismo no Brasil pós-abolição temendo o “caos” da ação da sociedade civil enfraquecida e, por essa razão, se aliando às “reformas pelo alto” conduzidas por um Estado autoritário, ainda que “(...)por mais que o “novo” liberal surgido em 1889 já estivesse em germe no antigo, o descompasso foi marcante.” (NOGUEIRA, 2010).
É certo que os objetivos do presente estudo estão delimitados pela análise dos dilemas do pensamento político liberal no país de maneira, sobretudo, ampla. No entanto, há de se reconhecer a maestria com que o tema é abordado por Marco Aurélio Nogueira ao revisitar, quase que exclusivamente, a trajetória política de Nabuco em “O encontro de Joaquim Nabuco com a política: as desventuras do liberalismo”, uma vez que, como bem apontado, são essas “desventuras” essencialmente comuns no contexto em que se insere o ideal libertário no país.
Ademais, pode-se acenar também, com respaldo conferido pela indigitada obra, para dilemas contemporâneos do liberalismo nacional, o que se fará oportunamente, em sede de conclusão.
Nota-se de início que Nogueira direciona para uma contraditoriedade da retórica do Nabuco abolicionista, ao passo que vê necessária a ação da Coroa para atingir a almejada integração social do povo superveniente da abolição, ou seja, prover uma autêntica revolução burguesa por meio da própria ação do Estado modernizador.
Neste sentido:
Percebe-se, assim, que por trás da mera re-constituição de uma trajetória intelectual há uma hipótese central: Nabuco teria estado na vanguarda da revolução burguesa no Brasil. essa revolução burguesa teria assumido, porém, a forma de uma modernização conservadora. (RICUPERO, 2010).
Destarte, viu-se no Brasil o pensamento liberal transmutar-se em um verdadeiro conservadorismo levado às últimas consequências, haja vista a descrença no povo e nas reformas advindas das classes subalternas, “de baixo”, o que conduziu a campanha monarquista a um trabalho exíguo que colacionou dissidentes. Dentre eles, o próprio Joaquim Nabuco.
Levado ao conservadorismo, o “novo” liberal romperá ainda uma vez consigo mesmo e com o passado. Encontrará ânimo e energia, temperados no fogo do patriotismo, para aderir à República e ser seu funcionário por quase dez anos. Tal como antes se identificara com o destino da dinastia – teve anos de “cortesão da desgraça” -, também acabará colado à lógica republicana. (NOGUEIRA, 2010, p. 287).
Em uma primeira análise, poderá o liberal que se viu coagido ao jogo com o poder do Estado soar antípoda e contraditório, mas ao olhar acautelado se percebe a preocupação da doutrina em não segregar-se à reclusão teórica.
Ocorre que, nesse diapasão, surgem ainda vertentes democráticas, fadando o liberalismo sui generis à inexpressividade dos representantes dos novos produtores agrícolas, resultando em um Estado novo e, nada obstante ser anunciado como democrático, controlado por oligarquias locais. Não mais havia liberalismo, propriamente dito, ainda que se fizesse presente sendo impossível sua eliminação.[2]
Nesta seara, dobrada foi a frustração dos liberais abolicionistas e monarquistas, uma vez que houve a queda da coroa e subsequente ascensão da República militar e radical.
Diante de tal fato, os liberais se depararam com a obrigação de convergir seus esforços para um liberalismo conservador.
Em conclusão, conforme já mencionado, as “desventuras” observadas no pensamento liberal de Joaquim Nabuco foram reflexos de toda a problemática enfrentada pelo ideal libertário no Brasil em sentido mais amplo, em decorrência da própria história nacional e ainda mais por uma incapacidade da teoria de sobrepujar as características do Estado e de sua política adjacente.
Era como se a sociedade escapasse da racionalidade formal da doutrina, maltratando-a com exigências que a embaraçavam mas tinham de ser acatadas, sob pena de a doutrina ela mesma reduzir-se a mero adereço. (NOGUEIRA, 2010, p. 287).
Ademais, conclui-se que o pensamento político liberal somente terá dirimidos os seus dilemas e poderá então produzir seus efeitos esperados quando houver um real enaltecimento da sociedade civil e efetiva ruptura com a essência autoritária do Estado e da vida política e social, restaurando, assim, a fidelidade à doutrina clássica.
Nesse sentido, nota-se, ainda, a relevância da preocupação proposta no tocante aos dilemas do pensamento político liberal no Brasil, a fim de que, a partir dos seus diagnósticos, seja alcançada a harmonia ideológica no país e se possa satisfazer os anseios contemporâneos.
(...) é também uma contribuição no sentido de que, tomando consciência das causas de suas “desventuras”passadas, o liberalismo possa se empenhar mais profundamente na grande aventura presente da construção da democracia entre nós. (COUTINHO, 1984)
Bibliografia
NOGUEIRA, Marco Aurélio. O encontro de Joaquim Nabuco com a política: as desventuras do liberalismo. 2. Ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2010.
NOGUEIRA, Marco Aurélio. As desventuras do liberalismo. 1. Ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1984.
RICUPERO, Bernardo. Nabuco e o liberalismo: as aventuras de um livro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol 25, 2010.
[1] Carlos Nelson Coutinho In. NOGUEIRA, Marco Aurélio. As desventuras do liberalismo. 1. Ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1984.
[2] . NOGUEIRA, Marco Aurélio. As desventuras do liberalismo. 1. Ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, p. 291, 1984.