Antes do advento da Carta Política de 1988, as prefeituras municipais possuíam nos seus quadros funcionais, unicamente, servidores celetistas, ressalvados aqui, os cargos de natureza política.
A maioria dos servidores municipais adentravam ao serviço público, munidos de uma portaria, que continha: a função do servidor, o local de trabalho e, quando muito, o valor da remuneração e a menção a CLT.
Poucos eram os servidores que conheciam os seus direitos básicos; na sua grande maioria eram quase semi-analfabetos. Aqueles que possuíam maior grau de instrução, estavam colocados no topo da hierarquia dos servidores municipais.
Quando o FGTS foi instituído em 1967, poucos servidores municipais sabiam o que significava o termo FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO, e o que significava ser optante ou não-optante pelo por esse regime jurídico. Acontece que as prefeituras municipais não detinham "assiduidade administrativa", nem muito menos "consultoria jurídica" que formalizasse o termo de opção para cada um dos servidores municipais.
Na prática acontecia da seguinte forma: os servidores municipais recebiam suas remunerações através de "empenho" e da mesma forma eram recolhidas às contribuições sociais ao IAPAS e o FGTS, que na vigência da Carta de 1967, era tributo.
Esse quadro topográfico perdurou por muitos anos. Quando a prefeitura municipal vinha assinar a CTPS do empregado, já tinham se passados longos anos da sua admissão, sendo que esse fatos não contavam no "REGISTRO GERAL" dos empregados, nem muito menos constava nas Carteiras de Trabalho dos mesmos.
Pois bem, quando se iniciou o processo de fiscalização das dívidas junto ao FGTS, os lançamentos feitos pelas autoridades fiscais buscavam em muitos casos, apenas o Registro de Empregados, e com base nas anotações ali mantidas, efetuavam o levantamento da dívida.
A partir desse panorama fático, tracemos alguns pontos importantes:
- As prefeituras municipais não possuíam regime jurídico estatutário, razão pela qual deve-se entender que as relações de trabalho tinham por base a CLT.
- Não há, aqui, espaço para aceitar-se qualquer tipo de trabalho a título de prazo determinado, pois, os servidores municipais, em sua grande maioria são detentores da estabilidade decenal e constitucional.
Esses servidores, somente buscavam "os direitos" junto a Justiça do Trabalho, quando eram demitidos ou aposentados.
Acontece que a forma não deve prevalecer sobre o conteúdo
, ou seja, não pode ser o direito processual mais importante que o direito material, sobretudo no campo do direito do trabalho, onde a verdade real deve prevalecer. Diante de várias normas jurídicas deve prevalecer aquela mais favorável ao trabalhador. O processo é instrumento do direito material e não o contrário, pois isso seria um imenso contra-seno jurídico. A título de exemplo, o artigo 8º da CLT mostra a maneira pela qual deve se interpretar as normas trabalhistas.Façamos aqui, um breve apanhado de sua intepretação:
"Art. 8º, CLT: As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público".
Quando a lei volta-se para a Administração Pública, e diz: "As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho decidirão ..." está monstrando meios, paradigmas, mecanismos de busca da verdade real, fática do caso concreto. É tanto, que no final do artigo 8º dispõe: "nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público"
E qual é, aqui, o interesse público? Para chegarmos de forma lógica a tal conclusão, partiremos da Constituição Federal.
Assim dispõe o preâmbulo, que possui natureza "puramente" principiológica:
"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL".
O artigo 1º, incisos III e IV c/c art. 170 Caput.
"Art. 1º - A República federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos":
III – a dginidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa
Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios (...)."
Não há necessidade de recorrermos aos estudos hermenêuticos para o magistrado chegar a esta conclusão.
Para materializar esses comandos da CF/88, temos a legislação infraconstitucional, que "ordena" àquelas autoridades administrativas a buscarem a realidade dos fatos. Como exemplo, meramente ilustrativo: Portaria do MTB 148/96, que é uma norma infraconstitucional regulamentar.
Quando são lançadas as NDFG, os fiscais do trabalho, além de outros elementos, lançam o periodo relativo ao DÉBITO DO FGTS.
Como, então, podemos raciocinar, que em muitos julgados da Justiça do Trabalho, o magistrado possa exigir ao "obreiro" que este prove a opção pelo FGTS, antes de 1988? Tal procedimento, ou melhor, tal exigência vai de encontro a qualquer "interpretação mais favorável ao trabalhador". Isso é um absurdo, pois, para os documentos públicos, sobretudo os dos fiscais do trabalho, não há necessidade de prova em contrário ou de qualquer outra forma instrumental que prove que o empregado é ou não optante do FGTS. Se há lançamento, no qual o empregado laborou no município, não há necessidade de que o Juiz exija outra prova do empregado, basta tão somente a NFDG ou o contrato de parcelamento administrativo do FGTS celebrado com a Caixa Econômica Federal.
Em síntese, podemos concluir que o "formalismo" exigido pela Justiça Obreira prejudica, não somente os empregados, mas também, o próprio Governo Federal, quando as Prefeituras Municipais deixam de recolher ao FGTS o valor correto de suas dívidas sociais.
Cabe a Justiça do Trabalho ampliar a visão dos magistrados diante desses fatos. Há necessidade de prevalência do conteúdo, da substância e não das formas.