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A contratação de obras e serviços de engenharia sob o enfoque do pregão

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Agenda 13/09/2004 às 00:00

A contratação de obras e serviços de engenharia poderá ser objeto de pregão? Existe fundamento nas normas regulamentares que impedem tal contratação? Qual o precedente do Tribunal de Contas da União para a espécie?

EMENTA: Contratação de Obras e Serviços de Engenharia. Modalidade Pregão. Configuração de Bens e Serviços Comuns. Possibilidade. Legislação Aplicável: Lei nº 8.666/93; Lei nº 10.520/02; Decretos Regulamentadores.


1 - INTRODUÇÃO

A Constituição da República, no capítulo concernente à Administração Pública, trouxe para o ordenamento jurídico constitucional diversas diretrizes norteadoras da atividade pública, dentre elas a expressa menção aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, arrolados no caput do artigo 37.

Em consonância com os princípios constitucionais e a fim de propiciar à iniciativa privada a possibilidade de contratar com a Administração Pública, com ampla competitividade e em igualdade de condições, já que a Administração não supre internamente todas as demandas que se lhe apresentam, seja para adquirir bens de que não dispõe ou que não produz, seja para se valer de serviços que, por esporádicos ou especiais, não são prestados por seus próprios agentes, seja para qualquer outro fim que não possa atingir mediante manifestação unilateral de vontade, e, também, visando a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração nas suas contratações, o legislador constituinte previu no inciso XXI do art. 37 da CR/88 o instituto das licitações, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratadas mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

(g.n.)

Não obstante a base constitucional consubstanciada no referido texto normativo, a mesma necessitava ser regulamentada por uma lei, propiciando a sua aplicabilidade. Segundo o art. 22, inciso XXVII, da CR/88, tal regulamentação ficou a cargo da União, a quem compete legislar privativamente sobre normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas Diretas, Autárquicas e Fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Determinada a competência privativa da União, no dia 21 de junho de 1993, foi publicada a Lei n.º 8.666/93, regulamentando, então, o art. 37, inciso XXI da Constituição, que, muito além de estabelecer apenas normas gerais sobre licitações e contratos, minudenciou todo o procedimento licitatório, desde a fase interna até a homologação pela autoridade competente.

Como todo ato da Administração Pública, os procedimentos licitatórios devem ser conduzidos em observância ao princípio da legalidade, que, diferentemente do âmbito privado em que é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, determina que na Administração só é permitido fazer o que a lei autoriza. HELY LOPES MEIRELLES [1] bem definiu essa nuança do princípio da legalidade da seguinte forma: "A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’; para o administrador público, significa ‘deve fazer assim’".

A Lei n.º 8.666/93, ao regulamentar o art. 37, inciso XXI, da Constituição da República de 1988 e instituir normas para licitações e contratos da Administração Pública, consignou no § 8º do art. 22, verbis:

Art. 22. São modalidades de licitação:

(...)

§ 8º. É vedada a criação de outras modalidades de licitação ou a combinação das referidas neste artigo.

(g.n.)

Todavia, a despeito da referida vedação, a União, por meio da Medida Provisória n.º 2.026/00 e, posteriormente, pela Medida Provisória nº 2.182-18/01, regulamentada pelos Decretos Federais n.º 3.555/00 e 3.697/00, instituiu a modalidade de licitação denominada Pregão, para aquisição de bens e serviços comuns. Muito combatida pelos doutrinadores por infração à pressupostos constitucionais, a "Medida Provisória do Pregão" foi convertida na Lei n.º 10.520/02, estendendo a possibilidade de criação do Pregão, aos Estados, Municípios e Distrito Federal, mantendo-se vigente os decretos regulamentares supra.

A priori, vale ressaltar que alguns desavisados poderiam pensar que não seria possível a edição da Lei nº 10.520/02 nos moldes em que foi idealizada, como norma geral, a teor do art. 22, inc. XXVII, da CR/88, uma vez que já existe a Lei nº 8.666/93, que também é norma geral no que diz respeito ao sistema de licitações e contratos da Administração Pública. Todavia, é pacífico na doutrina jurídica que a edição de determinado texto legal não exaure a competência legislativa do ente federativo, o que implica na coexistência da Lei nº 8.666/93 e a Lei nº 10.520/02, ressalvados os aspectos incompatíveis entre ambas.

A competência federal para produzir normas gerais poderá exteriorizar-se em uma única lei ou em vários diplomas. Não é possível estabelecer uma espécie de hierarquia superior da Lei nº 8.666/93, do que derivaria a impossibilidade de lei ordinária posterior disciplinar a mesma matéria. A Lei nº 8.666/93 se constitui em uma lei ordinária, que pode ser modificada por lei subsequente de idêntica hierarquia.

Veja, portanto, que um dos aspectos incompatíveis entre a Lei nº 8.666/93 e a Lei nº 10.520/02 é o teor do parágrafo 8º, do art. 22, da Lei nº 8.666/93, supratranscrito, com a criação de nova modalidade de licitação pela Lei nº 10.520/02. A esse respeito, deve prevalecer a regra do parágrafo 1º, do art. 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, que determina que lei posterior revoga lei anterior quando seja com ela incompatível. Destarte, propugna-se nesse estudo que o parágrafo 8º, do art. 22, da Lei nº 8.666/93 está derrogado pelo art. 1º, da Lei nº 10.520/02.

Nesse contexto, vimos pelo presente trabalho trazer à baila uma questão, que a nosso ver, merecer atenção especial dos administradores públicos, pregoeiros, servidores incumbidos da fiscalização dos atos da Administração Pública, entre outros. O ponto é: a contratação de obras e serviços de engenharia poderá ser objeto de licitação na modalidade Pregão? Não havendo restrição na Lei nº 10.520/02, existe fundamento de validade nas normas regulamentares que impedem a contratação de obras e serviços de engenharia pelo Pregão? Qual o precedente do Tribunal de Contas da União para a espécie?

Como última noção propedêutica, cumpre dizer que para tornar o trabalho mais claro para o leitor, as remissões à legislação do Pregão restringir-se-á àquelas editadas no âmbito federal, até mesmo porque os órgãos federais estão espalhados por todas as unidades da Federação, enquanto que a análise das legislações estaduais isoladamente tornaria o estudo por demais exaustivo, sem, contudo, contribuir para o fim proposto. Destarte, a legislação dos Estados, em especial a do Estado de Minas Gerais, será citada apenas pontualmente, com a finalidade de estabelecer comparações.

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2 – O PREGÃO COMO NOVA MODALIDADE DE LICITAÇÃO

2.1 – ASPECTOS GERAIS

O instituto do Pregão, como modalidade de licitação, surgiu e desenvolveu-se no âmbito da Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL, em virtude na necessidade de se criar mecanismos mais eficientes, em contraponto à alguns aspectos da Lei nº 8.666/93, simplificando e agilizando as aquisições de bens e contratações de serviços do referido órgão regulador.

Com efeito, a previsão legal da adoção da nova modalidade de licitação está disposta nos arts. 54, 55 e 56 da Lei nº 9.472/97, denominada Lei Geral de Telecomunicações. A propósito, veja a transcrição literal do art. 54, parágrafo único, da Lei nº 9.472/97:

Art. 54. A contratação de obras e serviços de engenharia civil está sujeita ao procedimento das licitações previsto em lei geral para a Administração Pública.

Parágrafo único. Para os casos não previstos no caput, a Agência poderá utilizar procedimentos próprios de contratação, nas modalidades consulta e pregão.

(g.n.)

Entretanto, a questão está tratada de forma mais minuciosa nos arts. 7 a 13 da Resolução nº 005, de 15 de janeiro de 1998, que aprovou o regulamento de contratações da ANATEL. Cotejando as normas da Lei nº 10.520/02 com as do regulamento supramencionado, verifica-se que a sistemática é a mesma, tais como a necessidade da configuração de bens e serviços comuns para a contratação, a inversão das fases do certame e a possibilidade de oferta de lances, reduzindo o valor da proposta inicial. Por outro lado, o ponto diferencial mais marcante entre o Pregão adotado pela ANATEL e aquele instituído pela Lei nº 10.520/02 é que, nos termos do inc. I, do art. 9º, da Lei nº 9.472/97, há a previsão do "pregão restrito", o qual só admite a possibilidade de participação de pessoas previamente cadastradas na ANATEL. Esta hipótese não tem amparo jurídico na sistemática da Lei nº 10.520/02, em que está ínsita a idéia de ampliação da competitividade. Se assim não fosse, o que iria acontecer é transmutação da modalidade Tomada de Preços, prevista no parágrafo 2º, do art. 22, da Lei nº 8.666/93, com as demais peculiaridades do Pregão.

SOLON LEMOS PINTO [2], analisando os resultados obtidos pela ANATEL, ressaltou o seguinte:

A Lei n. 9.472, de 16 de julho de 1996, instituiu o pregão na Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL). Como resultado da utilização dessa modalidade de licitação, a ANATEL tem conseguido, em média, reduções de 22% entre os preços iniciais e os vencedores. A conformação direta dos participantes possibilitou diminuições de preços expressivas, como a redução de 62% na contratação de serviços de saúde e de 68% na aquisição de softwares para uso na internet. Além disso, a duração do processo licitatório tem sido encurtada para cerca de 20 dias.

Diante da realidade fática descrita e da impossibilidade de adoção do Pregão pelo demais órgãos do Governo Federal, porquanto a Lei nº 9.472/97 é aplicada exclusivamente no âmbito da ANATEL, aquele, conforme cultura político-jurídica que vem se perpetuando a algum tempo, editou a Medida Provisória n.º 2.026/00 e, posteriormente, a Medida Provisória nº 2.182-18/01, instituindo exclusivamente no âmbito da União a modalidade de licitação denominada Pregão.

Até a edição da Lei n.º 10.520, de 17 de julho de 2002, que instituiu o Pregão como norma geral, aplicável à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a matéria foi amplamente questionada, principalmente pelos demais entes federativos, que ficaram excluídos da Medida Provisória que instituiu o Pregão. Todavia, a questão foi parcialmente resolvida no sentido da doutrina de JESSÉ TORRES PEREIRA JÚNIOR [3], que, reconhecendo o problema da aplicabilidade do Pregão somente à União, preferiu dar-lhe solução diversa, recorrendo à interpretação conforme a Constituição, defendendo que também os Estados, o Distrito Federal e os Municípios estavam autorizados a adotar a modalidade pregão, malgrado a norma estampada nas aludidas medidas provisórias, desde que produzissem legislação própria.

Verbi gratia, essa foi a conduta adotada pelo Estado de Minas Gerais, que em 10 de janeiro de 2002, editou a Lei nº 14.167, dispondo sobre a adoção, no âmbito do Estado, do pregão como modalidade licitatória para a aquisição de bens e serviços comuns. Posteriormente, o diploma legal referido foi regulamentado pelo Decreto nº 42.408, de 08 de março de 2002, e pelo Decreto nº 42.416, de 13 de março de 2002, sendo objeto deste a regulamentação do Pregão Eletrônico.

Cumpre ressaltar que a despeito do exemplo citado, referente ao Estado de Minas Gerais, bem como a própria ordem normativa regulamentar aplicável na esfera federal, após a edição da Lei nº 10.520/02 tornou-se dispensável aos Estados, Distrito Federal e Municípios a expedição de decretos para aplicação da Lei nº 10.520/02, tendo em vista que a mesma é auto-aplicável, no que se refere ao pregão presencial, a não ser que seja de interesse dos referidos governos a edição de normas regulamentares que possam ambientar a legislação geral às peculiaridades locais, respeitados os princípios e regras do instituto do Pregão. Situação diversa ocorre com o Pregão Eletrônico, que não foi efetivamente disciplinado pela Lei nº 10.520/02, cujo parágrafo 1°, do art. 2°, remete à regulamentação. Portanto, pela sistemática da Lei nº 10.520/02, o Pregão Eletrônico depende de decreto.

Configurar o Pregão como modalidade licitatória significa adotar um procedimento para seleção da proposta mais vantajosa, mais evoluída do que aquelas constantes dos procedimentos instituídos pela Lei nº 8.666/93. Em suma, o que diferencia uma modalidade de outra é o âmbito de aplicação, a estruturação procedimental, a forma de disputa entre os licitantes e o universo de possíveis participantes.

Quanto à primeira diferença citada, esta caracteriza-se pelo fato do Pregão somente poder ser aplicado para a aquisição de bens e serviços comuns, o que não é o caso das modalidades tradicionais previstas na Lei nº 10.520/02. No Pregão não existe escala de valores para a licitação, como é feito nas demais modalidades, ou seja, o Pregão poderá ser adotado qualquer que seja o valor da contratação, o que significa dizer que o critério de utilização do novo instituto é qualitativo e não quantitativo. Por ser essencial à conclusão desse estudo, o fato de o Pregão ser utilizado somente para a aquisição de bens e serviços comuns será melhor abordado adiante, em tópico separado.

A estrutura procedimental do pregão é absolutamente peculiar, com duas características fundamentais. Uma consiste na inversão das fases de habilitação e julgamento. Veja que essa peculiaridade elimina trabalho desnecessário realizado pelas comissões de licitação nas modalidades já conhecidas da Lei n.º 8.666/93. No Pregão só é examinada a documentação de habilitação do participante que tiver apresentado a proposta de preço vencedora. Outra característica é a possibilidade de renovação de lances por todos ou alguns dos licitantes, até se chegar à proposta mais vantajosa, isto é, o pregão comporta propostas por escrito, mas o desenvolvimento do certame envolve a formulação de novos lances, sob forma verbal. Podem participar quaisquer pessoas, inclusive aquelas não inscritas em cadastro.

Exemplo corriqueiramente citado pela doutrina administrativa é que o Pregão se assemelha a um leilão, só que às avessas. Cabe aos licitantes na etapa de lances, a busca constante pela redução dos preços, sob pena de serem vencidos pelos seus concorrentes. Todo o procedimento é marcado pela simplificação dos procedimentos, celeridade, resultando em contratações financeiramente mais interessantes para a Administração Pública, em sintonia com as metas de ajuste fiscal, que têm sido seguidas pelos atuais governos face à realidade sócio-econômica atual.

2.2 – BENS E SERVIÇOS COMUNS

Entre as características principais que diferenciam o Pregão das demais modalidades licitatórias previstas na Lei nº 8.666/93, há uma que merece uma análise mais detida, sobretudo por conter aspectos imprecisos e que podem levar dúvidas ao administrador público quando da definição de qual modalidade de licitação a ser adotada no caso concreto. Tal característica é a exigência de que a modalidade Pregão só deva ser acolhida para as aquisições de bens e contratações de serviços comuns. Antes de verificarmos algumas nuanças da referida afirmação, é de bom alvitre transcrevermos o dispositivo Lei n.º 10.520/02 que alicerça o tema, senão veja-se:

Art. 1°. Para a aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na modalidade pregão, que será regida por esta Lei. (g.n.)

Parágrafo único. Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado. (g.n.)

Observe-se, também, que o legislador, a teor do parágrafo único do supracitado texto legal, no intuito de estabelecer os contornos da expressão "bens e serviços comuns" tentou definir o sentido da mesma, de forma a compatibilizá-la com a sistemática do Pregão.

No entanto, a insuficiência da definição legal levou a doutrina administrativista a se debruçar sobre tal aspecto da matéria, a fim de se obter uma conceituação da expressão "bens e serviços comuns", o que gerou, inclusive, divergências quanto a sua maior ou menor abrangência de aplicação.

MARÇAL JUSTEN FILHO [4], insigne professor em matéria de licitações e contratos administrativos, se pronunciou sobre a matéria nos seguintes termos:

Ou seja, há casos em que a Administração necessita de bens que estão disponíveis no mercado, configurados em termos mais ou menos variáveis. São hipóteses em que é público o domínio das técnicas para a produção do objeto e seu fornecimento ao adquirente (inclusive à Administração), de tal modo que não existe dificuldade em localizar um universo de fornecedores em condições de satisfazer plenamente o interesse público. Em outros casos, o objeto deverá ser produzido sob encomenda ou adequado às configurações de um caso concreto.

(...)

Para concluir, numa tentativa de definição, poderia dizer-se que bem ou serviço comum é aquele que apresenta sob identidade e características padronizadas e que se encontra disponível, a qualquer tempo, num mercado próprio.

A ZÊNITE CONSULTORIA [5], corroborando o autor MARÇAL JUSTEN FILHO, assim dispôs, verbis:

Bem ou serviço comum, para fins da adoção de Pregão, é aquele que pode ser adquirido no mercado sem maior dificuldade, nem demanda de maior investigação acerca do fornecedor. A interpretação do conceito deve fazer-se em função das exigências do interesse público e das peculiaridades procedimentais do próprio Pregão. A natureza do Pregão deve ser considerada para determinar o próprio conceito de ´bem ou serviço comum’.

Assim, bem ou serviço comum é aquele que pode ser adquirido, de modo satisfatório por intermédio de um procedimento de seleção destituído de sofisticação ou minúcia. Enfim, são comuns os objetos padronizados, aqueles que têm um perfil qualitativo definido no mercado. Entretanto, não apenas os objetos padronizados podem ser reputados como comuns. Por isso, a regra é que obras e serviços de engenharia não se enquadram no âmbito de bens e serviços comuns.

Noutro giro, veja o posicionamento de outros doutrinadores que procuraram delinear o conceito da expressão "bens e serviços comuns", numa perspectiva mais abrangente da norma:

JORGE ULISSES JACOBY FERNANDES [6]:

a) genérico, abrangendo qualquer tipo de objeto, seja manufaturado, industrializado, com funcionamento mecânico, elétrico, eletrônico, nacional, importado, de elevado preço, pronto ou sob encomenda. Também abrange qualquer tipo de serviço profissional, técnico ou especializado; b) dinâmico, pois depende de o mercado ser capaz de identificar especificações usuais; c) relativo, pois depende do conhecimento do mercado e do grau de capacidade técnica dos seus agentes para identificar o objeto.

VERA SCARPINELLA [7]:

Aqui está o segundo elemento de fundamental importância na caracterização da hipótese de cabimento da modalidade pregão acima referido – qual seja, a possibilidade de os bens e serviços envolvidos nos diversos casos concretos serem utilmente adquiridos por pregão. Isto implica adequação da estrutura procedimental da modalidade ao caso concreto. Considerando que o procedimento do pregão é abreviado, que o critério de julgamento é objetivo (sempre pelo menor preço) e que a inversão das fases de habilitação e julgamento impossibilita aferição especial a respeito do fornecedor ou do objeto licitado, somente serão compatíveis com esta modalidade as aquisições de bens e serviços comuns, na forma acima definida, que garantam a celebração de contratos em total consonância com as necessidades da Administração Pública. (g.n.)

JOEL DE MENEZES NIEBUHR [8]:

Evidentemente que a modalidade pregão não deve ser utilizada em todos os casos. E não é isso que se defende aqui. O que se defende, repita-se, é que ela seja utilizada em todos os casos em que o objeto da licitação seja compatível com a sistemática da modalidade. Ou seja, em que a sistemática dela, mais simples, com menos formalidades e rigores, não prejudique, sobretudo, a avaliação a respeito da qualidade do bem contratado pela Administração.

Acerca dos bens e serviços comuns, no âmbito federal o Decreto nº 3.555/00, Anexo II, discrimina a classificação desses, tais como a aquisição de combustíveis e lubrificantes, materiais de expediente, mobiliário, serviços de assinatura, serviços de atividades auxiliares (motoristas, ascensoristas e telefonistas, etc.), serviços de apoio administrativo (digitação, etc.), serviços de limpeza e conservação, vigilância e segurança ostensiva, manutenção. No mesmo sentido, o Decreto nº 42.408/02, do Estado de Minas Gerais, também é acompanhado por uma lista de bens e serviços, considerados, via de regra, comuns.

O referido rol deve ser concebido como espécie de referência aos agentes administrativos, que, em caso de dúvida, devem buscar apoio nela. Nessa linha, a lista de bens e serviços qualificados como comuns deve ser considerada de caráter meramente exemplificativo. Melhor explicando: o fato de outros bens e serviços de natureza comum não terem sido lembrados na lista do Decreto nº 3.555/00 não lhes retira essa qualificação e não impede a Administração a licitá-los por meio da modalidade Pregão. O que importa, a rigor, é que o bem e o serviço realmente se revistam de natureza comum, fato que só poderá ser verificado no caso concreto, de acordo com suas peculiaridades. Para tanto, o administrador público não pode olvidar da própria essência do instituto, que proclama pela simplificação, agilidade, e acima de tudo, redução de gastos. Tais finalidades devem ser interpretadas conforme os princípios constitucionais vigentes, sob pena de invalidação dos atos pelo Poder Judiciário.

Por outro lado, também quer-se registrar que a expressão "lista de bens e serviços, considerados, via de regra, comuns" citada à pouco, não foi utilizada por acaso. Com isso, infere-se que é possível um serviço que esteja listado no Decreto nº 3.555/00, ainda sim não ser comum em determinada hipótese. Exempli gratia, recorremos novamente ao professor catarinense JOEL DE MENEZES NIEBUHR [9], que dispõe:

Por exemplo, o referido Decreto considera serviços de vigilância como comuns, o que é verdadeiro para a maior parte dos casos, especialmente quando se trata de vigilância ostensiva. No entanto, serviços de vigilância podem se tornar extremamente complexos, como o de um museu público que guarda obras de grande valor. Nessas situações, muitas vezes são necessárias várias medidas para a segurança como o uso de sistema interno de vídeo, alarmes sofisticados a serem disparados por censores, pessoal altamente especializado, etc, o que já não se subsume à qualificação de comum. Portanto, há de se reconhecer que, em certas ocasiões, mesmo os bens e serviços considerados pelo Decreto Federal nº 3.555/00 como comuns, na realidade não o são. Tudo depende dos detalhes de cada caso, da demanda administrativa.

Ao contrário, encontra-se na vida cotidiana casos que, em princípio, não seriam considerados como bens e serviços comuns, por terem habitualmente uma complexidade na sua execução. É a hipótese das obras e serviços de engenharia. Por ser o cerne do presente estudo, tratar-se-á dessa questão em tópico isolado, adiante visto.

No entanto já se pode perceber que a expressão bens e serviços comuns contém um conteúdo de indeterminação, mas que deve ser determinado em cada caso. Essa espécie de situação é denominada pela doutrina jurídica como conceitos jurídicos indeterminados. Todavia, mister se faz ressaltar que os conceitos jurídicos indeterminados não podem ser confundidos com situações que envolvem competência de natureza discricionária. Ora, na lição de MARÇAL JUSTEN FILHO [10], "se o legislador quisesse atribuir discricionariedade administrativa, não se valeria de conceitos jurídicos indeterminados. Atribuiria, desde logo, a liberdade de escolha para o agente administrativo".

Em se tratando da conclusão de que a expressão "bens e serviços comuns" é conceito jurídico indeterminado, mas determinável, isso implica dizer que a dificuldade não autoriza a Administração a aplicar o Pregão em hipótese em que não se tratar bem ou serviço comum. Se tal acontecer e ficar configurada a conduta dolosa do administrador público, é hipótese de aplicação do art. 93, da Lei nº 8.666/93, por fraude a ato do procedimento licitatório.

Não há discricionariedade do administrador em definir o que é bem ou serviço comum. Se constatada a existência de um bem ou serviço comum a ser licitado, a partir de dados objetivos, aí sim a escolha da modalidade licitatória enfrenta os aspectos de discricionariedade, podendo ser adotado ou não o Pregão. Todavia, vale fazer a ressalva quanto a esse raciocínio, no que diz respeito ao ordenamento jurídico aplicável à União e ao Estado de Minas Gerais. O art. 3º, do Decreto nº 3.555/00, assim como o art. 3º, do Decreto nº 42.408/02, estabelecem, respectivamente, no âmbito da União e do Estado de Minas Gerais, prioridade na aplicação do Pregão em face das demais modalidades licitatórias. A recusa ao cumprimento de tais normas pode dar ensejo à responsabilização administrativa do servidor público, tendo em vista o comando regulamentar.

Sobre o autor
Samuel Mota de Souza Reis

advogado em Belo Horizonte (MG), mestrando em Direito Administrativo pela UFMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Samuel Mota Souza. A contratação de obras e serviços de engenharia sob o enfoque do pregão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 433, 13 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5683. Acesso em: 26 dez. 2024.

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