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A contratação de obras e serviços de engenharia sob o enfoque do pregão

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Agenda 13/09/2004 às 00:00

3 – AS CONTRATAÇÕES DE OBRAS E SERVIÇOS DE ENGENHARIA

Quanto ao sistema da Lei nº 8.666/93, pode-se afirmar que o pensamento do legislador ordinário na elaboração de grande parte do seu conteúdo, estava voltado para as contratações de obras e serviços de engenharia, tendo em vista que na maioria das vezes este objeto envolve uma importância considerável de recursos financeiros, o que sempre estimulou as ações de pessoas interessadas em causar prejuízos ao Estado, enriquecendo-se a custa do trabalho de toda a sociedade.

Desta feita, pode-se arrolar alguns dispositivos constantes da Lei nº 8.666/93 que tratam especificamente das licitações de obras e serviços, o que, inclusive, é objeto de muitas críticas pela doutrina, uma vez que a Lei de Licitações tem fundamento constitucional na competência legislativa da União para legislar sobre normas gerais.

Com efeito, veja que a Lei nº 8.666/93, no art. 6º, incisos I e II, define obra e serviços, respectivamente. E assim, sucessivamente, faz menção a aspectos intrinsecamente relacionados com as licitações de obras e serviços, tais como os regimes de empreitada, projeto básico e projeto executivo. Questão que sempre gerou polêmicas diz respeito à fase de habilitação, em que se exige a comprovação da capacitação técnica, por meio de atestados, o que pode dar ensejo à elaboração de cláusulas no edital que contrariem a competitividade do certame, favorecendo determinados licitantes. Adiante, quando o legislador tratou das hipóteses de desclassificação das propostas, foi estabelecido um critério objetivo especificamente para as obras e serviços de engenharia, a teor do parágrafo 1º, do art. 48, da Lei de Licitações.

Infere-se, portanto, que para as contratações de obras e serviços de engenharia, o sistema de licitações previsto na Lei nº 8.666/93 sempre foi muito rigoroso quanto às suas exigências, em especial na fase de habilitação, mas que nunca se mostrou adequado e suficiente para conter os abusos praticados pelos fraudadores do sistema licitatório, objeto de bastante corrupção, e, até mesmo, para cumprir um dos fins da licitação que é a obtenção da proposta mais vantajosa.

Face às considerações acima dispostas, temos, agora, subsídios suficientes para enfrentar as questões inicialmente postas, quais sejam: a contratação de obras e serviços de engenharia poderá ser objeto de licitação na modalidade Pregão? Não havendo restrição na Lei nº 10.520/02, existe fundamento de validade nas normas regulamentares que impedem a contratação de obras e serviços de engenharia pelo Pregão? Qual o precedente do Tribunal de Contas da União para a espécie?

No sistema de licitações adotado exclusivamente no âmbito da ANATEL, de onde remontamos às origens do Pregão, a Lei nº 9.472/97 veda expressamente a adoção do Pregão para a contratação de obras e serviços de engenharia, conforme prescreve o art. 54, parágrafo único, do referido diploma legal.

Todavia, a Lei n° 10.520/02 condiciona o uso da modalidade Pregão somente aos bens e serviços comuns, sem excluir previamente quaisquer espécies de serviços e contratações. Lembre-se que os rol de bens e serviços comuns previstos nos decretos regulamentadores é meramente exemplificativo. A existência de bens e serviços comuns deverá ser aferida pelo administrador no caso concreto, por meio de circunstâncias objetivas constantes da fase interna do procedimento licitatório.

Observa-se, então, que a Lei n° 10.520/02 não exclui de antemão, a utilização do pregão para a contratação de obra e serviço de engenharia. O que exclui as obras e serviços de engenharia é o Decreto Federal n° 3.555/00, bem como, no âmbito do Estado de Minas Gerais, o Decreto n° 42.408/02. É nesse momento que surge o ponto em que devemos ter maior atenção, para evitar a aplicação da lei cegamente, sem observância dos ditames fundamentais do Direito (que é o que interessa), e concluir que as obras e serviços de engenharia estariam definitivamente excluídas do instituto do Pregão.

Pois bem, em primeiro lugar, lembramos que somente à lei compete inovar o ordenamento jurídico, criando direitos e obrigações para as pessoas, como pressuposto do princípio da legalidade. Nesse sentido, o Decreto não reúne força para criar proibição não necessariamente pressuposta em lei, haja vista a incidência restrita da competência regulamentar, sempre abaixo da lei, com o propósito específico de regrar-lhe a execução e a concretização, nos termos do inc. IV, do art. 84, da CR/88.

Somente em virtude de tais considerações já poderíamos chegar a conclusão de que as normas regulamentares que proíbem a contratação de obras e serviços de engenharia pelo Pregão carecem de fundamento de validade, porquanto não possuem embasamento na Lei n° 10.520/02. Desta feita, o único condicionamento que a Lei do Pregão estabelece é a configuração do objeto da licitação como bem ou serviço comum. Até podemos admitir que muitas vezes, quando se vai contratar uma obra ou um serviço de engenharia, estes se revestem de uma certa complexidade, que, em princípio poderia ser impeditivo para a utilização do Pregão como modalidade licitatória cabível.

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Pari passu, verifica-se, ainda, que a despeito do art. 5°, do Decreto Federal n° 3.555/00 vedar a utilização do pregão para obras e serviços de engenharia, o item 20 do Anexo II do mesmo Decreto autoriza a utilização do pregão para a contratação de serviços de manutenção de imóveis, que nada mais é do que um serviço de engenharia.

Em auxílio à nossa exposição, mister se faz a referência à JORGE ULISSES JACOBY FERNANDES [11], que dispõe:

(...) os serviços de engenharia, objeto da aplicação do inciso I do art. 24 da Lei n° 8.666/93, são todos aqueles que a lei exige sejam assinados por engenheiro, dentre aqueles declarados privativos da profissão pela legislação regulamentadora respectiva, além do que, sua execução deve estar voltada para bens imóveis (...)

Analisando o conceito de serviços de engenharia sob um sentido estrito, a CONSULTORIA ZÊNITE [12] assim se pronunciou:

Por outro lado, em sentido estrito, serviços de engenharia são as atividades de planejamento ou projeto, em geral, de regiões, zonas, cidades, obras, estruturas, transportes, explorações de recursos naturais e desenvolvimento da produção industrial e agropecuária; estudos, projetos, análises, avaliações, vistorias, perícias, pareceres e divulgação técnica; ensino, pesquisa, experimentação, e ensaios; fiscalização de obras e serviços técnicos; direção de obras e serviços técnicos; execução de obras e serviços técnicos; produção técnica especializada, industrial ou agropecuária, conforme disciplina o art. 7° da Lei n° 5.194/66.

Em nível regulamentar, o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia - CONFEA, editou a resolução n° 218, de 29 de junho de 1973, que considera de atribuição exclusiva de profissional de engenharia as funções de direção, execução e fiscalização de obra e serviço técnico, bem como a condução de equipe de instalação, montagem, operação, reparo ou manutenção.

Provocada a sua manifestação, o TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO [13] decidiu que a atividade de manutenção de bens móveis e imóveis, conquanto qualificada como serviço de engenharia, sujeita à fiscalização do CREA, é ao mesmo tempo serviço comum e, por isso, pode ser licitada através de pregão. Segue abaixo, trecho do aresto do TCU:

Temos, então, numa mesma norma jurídica, o Decreto n° 3.555/00, dois dispositivos conflitantes, o Anexo I, do art. 5°, que impede o uso do pregão para a aquisição de obras e serviços de engenharia, e o Anexo II, que autoriza serem licitados na modalidade pregão os serviços de manutenção de bens móveis e imóveis. Ensina a boa técnica de interpretação que, em normas do mesmo valor hierárquico, o específico deve prevalecer sobre o geral. Consequentemente, a proibição contida no art. 5° sucumbe diante da clara manifestação do Anexo II. Isto é, os serviços de manutenção de imóveis, mesmo sendo serviços de engenharia, podem ser licitados na modalidade pregão.

A referência à decisão do TCU é de grande valia, pois já coloca um importante precedente para análise do tema, qual seja, que a vedação do art. 5°, do Decreto Federal n° 3.555/00 não é absoluta. Se se admitiu a validade do item 20 do Anexo II do referido Decreto, que se refere à manutenção de bens imóveis, e sendo que este serviço consta de uma lista que trata apenas exemplificativamente de bens e serviços comuns, conclui-se, portanto, que outros serviços de engenharia também poderão ser licitados pelo Pregão.

Por isso, é imperativo admitir a utilização de pregão para outras obras ou serviços de engenharia afora os de manutenção predial, desde que comprovada sua natureza comum, independentemente do art. 5° Decreto Federal n° 3.555/00.

Derradeiramente, trazemos ao exame um benefício do Pregão, que poderá ser ressaltado quando for utilizado para as contratações de obras e serviços de engenharia. Estamos nos referindo ao incentivo à realização de licitações parceladas, com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade sem perda da economia de escala. Isso ocorre porque o Pregão já é comprovadamente um procedimento mais ágil e que favorece a competição entre os licitantes.

Por outro lado, a utilização do Pregão para as contratações de obras e serviços de engenharia impede a ocorrência de fracionamentos indevidos, a teor do § 5°, do artigo 23 da Lei n° 8.666/93, uma vez que no Pregão não existe escala de valores para a licitação, como é feito nas demais modalidades, mas apenas a qualificação do objeto da licitação, como bem ou serviço comum. Isso significa dizer que o Pregão poderá ser adotado qualquer que seja o valor da contratação, impedindo, assim, a troca de uma modalidade pela outra.


4 - CONCLUSÕES

Diante do exposto, ressalto que este singelo estudo visou provocar a todos para mais uma reflexão acerca das nuanças ocorridas quando da contratação de obras e serviços de engenharia. A despeito das várias outras controvérsias ainda existentes, decorrentes da aplicação da Lei n° 8.666/93, a que foi objeto deste trabalho reclama um pouco mais de atenção, uma vez que está diretamente relacionada com um instituto ainda em formação, qual seja, o Pregão.

Como o Pregão é comprovadamente uma modalidade licitatória que prestigia o princípio da eficiência, agilizando o processo de contratação da Administração Pública e reduzindo gastos, vejo que o mesmo não pode se desenvolver com as restrições impostas pelos decretos regulamentares que vedam a contratação de obras e serviços de engenharia, sem, ao menos, a verificação das circunstâncias concretas do caso. E, também, não é sem motivos, tendo que vista que essas prescrições regulamentares referidas afrontam o princípio da legalidade ao inovar a ordem jurídica, o que é vedado pela Constituição.

Por isso, repetimos: é imperativo admitir a utilização de pregão para outras obras ou serviços de engenharia afora os de manutenção predial, desde que de natureza comum, independentemente da vedação contida no art. 5°, do Decreto Federal n° 3.555/00 e dos decretos estaduais que também contêm normas neste sentido.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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NOTAS

1 LOPES MEIRELLES, Hely apud MENEZES NIEBUHR, Joel de. Princípio da Isonomia na Licitação Pública. 2000, p. 78.

2 PINTO, Solon Lemos. Pregão Para Menor Preço. Informativo de Licitações e Contratos. Curitiba: Zênite, ago/2000, p. 660.

3 PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Pregão, a Sexta modalidade de licitação. Informativo de Licitações e Contratos. Curitiba: Zênite, ago/2000, p. 638.

4 JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão – Comentários à Legislação do Pregão Comum e Eletrônico. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2003, p. 22 e 30.

5 ZÊNITE CONSULTORIA. Aspectos Relevantes do Pregão. Informativo de Licitações e Contratos. Curitiba: Zênite. dez/2002, p. 1000/1001.

6 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Sistema de Registro de Preços e Pregão. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 422.

7 SCARPINELLA, Vera. Licitação na Modalidade Pregão. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 81.

8 MENEZES NIEBUHR. Joel de. Pregão Presencial e Eletrônico. Curitiba: Zênite, 2004, 55.

9 MENEZES NIEBUHR. Joel de. Ob. Cit. Curitiba: Zênite, 2004, 57.

10 JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão – Comentários à Legislação do Pregão Comum e Eletrônico. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2003, p. 24.

11 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Contratação Direta Sem Licitação. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 292.

12 ZÊNITE CONSULTORIA. Orientação Objetiva. Informativo de Licitações e Contratos. Curitiba: Zênite. jul/1997.

13 TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Decisão n° 674/2002. Plenário. Processo n° TC-015.199/2001-3. Representação. Relator: Ministro Iram Saraiva. Brasília/DF, 19/06/2002, DOU de 08/07/2002.

Sobre o autor
Samuel Mota de Souza Reis

advogado em Belo Horizonte (MG), mestrando em Direito Administrativo pela UFMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Samuel Mota Souza. A contratação de obras e serviços de engenharia sob o enfoque do pregão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 433, 13 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5683. Acesso em: 24 nov. 2024.

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