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Reflexão jurídica sobre a eutanásia e o suicídio assistido sob a ótica do filme Mar adentro

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Agenda 15/04/2017 às 19:09

O presente artigo intenta esmiuçar a Eutanásia em uma perspectiva analógica, legislativa e principiológica. Para tanto, iremos demonstrar o seu conceito, as suas modalidades, os seus aspectos sociais, médicos e jurídicos.

RESUMO

O presente artigo intenta esmiuçar a Eutanásia em uma perspectiva analógica, legislativa e principiológica. Para tanto, iremos demonstrar o seu conceito, as suas modalidades, os seus aspectos sociais, médicos e jurídicos. Além disso, trataremos sobre o filme espanhol “Mar Adentro” que retrata as discussões inerentes ao tema e discute a possibilidade da realização de tal prática.

Palavras Chave:

Eutanásia; Suicídio Assistido; Mar Adentro.

1 Introdução

A Eutanásia é emblemática por ser uma prática bastante controversa, uns defendem a sua adoção diante da abreviação do “sofrimento” de alguém e de sua família, outros entendem que essa conduta nada mais é do que uma barbárie, um homicídio doloso. A constante divergência faz com que brilhantes apontamentos ganhem destaque, para algumas pessoas sobreviver sem dignidade não prospera, para outros, vida é vida. E é este o tema que iremos enfrentar.

Importante frisar que devemos utilizar, e muito, a Medicina, a cada dia a multidisciplinariedade é inerente ao contexto diário, de igual sorte, o Direito deve se ater as demais ciências na tentativa de reproduzir o que for mais coerente, mais correto, mais ordeiro e ético. Assim, traremos informes a este estudo proveniente da Medicina para informar e demonstrar a repercussão da Eutanásia.

No decorrer do estudo iremos nos respaldar em doutrinadores e jurisprudência, abordaremos grande pensadores que omitem opinião sobre o assunto, a começar pelo defensor dela, Rubem Alves[1] que chega a mencionar que “como um instrumento musical, a vida só vale a pena ser vivida enquanto o corpo for capaz de produzir música, ainda que seja a de um simples sorriso”. Mas, sem esquecermos de quem não admite a prática, como o professor José Roberto Goldim[2], do Núcleo Interdisciplinar de Bioética, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, que assevera o juramento de Hipócrates, precursor da Medicina, que afirma: “Eu não darei qualquer droga fatal a uma pessoa, se me for solicitado, nem sugerirei o uso de qualquer uma deste tipo”.

Não devemos também esquecer da necessidade de se conceituar a Eutanásia. Para Maria Helena Diniz[3] é a “deliberação de antecipar a morte de doente irreversível ou terminal, a pedido seu ou de seus familiares, ante o fato da incurabilidade de sua moléstia, da insuportabilidade de seu sofrimento e da inutilidade de seu tratamento”. Assim, basta analisarmos tal conceito e já nos vem em mente que a Eutanásia é uma conduta que ocorre desde o início da civilização, no primórdio da humanidade era comum exterminar indivíduos portadores de deficiências e doenças incuráveis, podemos citar os Germanos, Espartanos, Índios, Romanos, Europeus da Idade Média etc.[4]; todavia, com o judaísmo e o cristianismo a conduta passou a ser condenada, pois pregavam que a vida é sagrada[5].

E o tempo segue, e o pensamento fez com que ponderássemos se a medida seria viável hoje em dia ou não. A polêmica persiste e com ela devemos ponderar antes de nos posicionarmos, alguns países voltaram a legislar e praticar a Eutanásia, outros permanecem intolerantes e outros em cima do muro. Desta maneira, iremos mencionar critérios éticos, materiais, religiosos, jurídicos e sociais sobre a disciplina na intenção de auxiliar na discussão.

Sempre ressaltando que o tema é polêmico e nunca será consenso, mas devemos nos ater a nossa legislação uma vez que a Eutanásia, queiramos ou não, consiste na legalização da prática médica de por fim a vida de um ser humano. Portanto, deve haver respaldo jurídico na prática ou quem a adotar será responsabilizado por crime de homicídio doloso.

Ademais, não se pode tomar um posicionamento de maneira imprudente, é necessário, de início, nos afastarmos de casos concretos, de pacientes em estado terminal, da família em frangalhos, para analisarmos friamente se a conduta deve ser tomada, até porque se nos posicionarmos pela pratica não haverá volta. Por outro, negar a conduta apenas por conta da Religião também não nos parece lógico, razão pela qual devemos entendermos as consequências daquilo que estamos defendendo ou refutando.

Para os defensores da Eutanásia, ela só seria praticada se o paciente a pedisse, ou seja, a própria pessoa tomaria a decisão, claro que com acompanhamento psicológico e jurídico. A intervenção estatal ocorreria apenas na violação de vontade do paciente[6]. Por essa razão a medida deveria ser permitida para alguns pela simples razão de que o Estado não pode interferir no Direito Privado do indivíduo. Já para os refutadores a medida tem que ser proibida totalmente porque o Direito a vida é universal.

Depois essa análise preliminar, passaremos a abordar a etimologia, a evolução histórica, a legalização nos países e estados estrangeiros, as espécies, a análise do filme Mar Adentro e a discussão inerente, favorável e contrário a prática. 

2 A etimologia da palavra eutanásia

A Eutanásia advém de um termo adotado por Francis Bacon em 1623 na sua obra Historia vitae et mortis. A palavra deveria do grego “eu” (bem, bom, belo) e “thanatos” (morte), significando assim a boa morte, a morte doce, a morte sem dor nem sofrimento[7].

Francis Bacon inclusive era a favor do uso do método pelos médicos nas situações em que o enfermo atormentado já não dispusesse mais de meios para se curar ao argumentar: “a meu ver eles (médicos) deveriam possuir a habilidade necessária a dulcificar com suas mãos os sofrimentos e a agonia da morte[8].

Nas palavras de Royo-Villanova Y Morales[9], Eutanásia seria uma “boa morte, morte fácil, morte doce, sem dor nem sofrimentos; morte grata, teologicamente, morte em estado de graça”.

Para Luiz Jimenez de Asúa[10], a Eutanásia como a “morte que alguém proporciona a uma pessoa que padece de uma enfermidade incurável ou muito penosa, e a que tende a extinguir a agonia demasiado cruel ou prolongada”.

Coube a Lameira Bittencourt[11] conceituar a Eutanásia associada a pacientes terminais, “a eutanásia é tão-somente a morte boa, piedosa e humanitária, que, por pena e compaixão, se proporciona a quem, doente e incurável, prefere mil vezes morrer, e logo, a viver garroteado pelo sofrimento, pela incerteza e pelo desespero”.

Após a análise etimológica iremos analisar o contexto histórico da eutanásia.

3 A evolução histórica

Neste ponto iremos apresentar, sucintamente, a Eutanásia no contexto da Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea.

3.1 Idade Antiga

A Eutanásia não é uma prática ou ideia contemporânea, longe disso, podemos retroagir ao início da civilização, mas de maneira concreta podemos mencionar a Grécia e a Roma antigas. Entretanto, devemos ressaltar que a Eutanásia lá não possuía o sentido atual. Na era antiga existia a “falsa eutanásia”, ou seja, a eutanásia de fundamento e finalidade “puramente eugênica”[12].

Platão, em Atenas, 400 anos a.C., defendia o sacrifício de velhos, fracos e inválidos, sob o argumento de interesse do fortalecimento do bem-estar e da economia coletiva. Antes dele, Licurgo, defendia matar as crianças aleijadas ou débeis[13].

Em Roma também se praticava a “falsa eutanásia”, mas já havia a morte piedosa. Theodoro Hommsen se refere à lei Cornélia que definia o homicídio, considerando-se este, inclusive, o movido por compaixão e exemplificando com o médico que matava o enfermo para pôr fim às suas dores. Todavia, os romanos denominavam tal situação de homicídio benigno ou tolerável, e a lei dava a este tipo de homicídio tratamento especial e mais brando, tendo em vista os móveis generosos e nobres que o inspiravam[14].

Já os Germânicos matavam os enfermos incuráveis, estes, eram enterrados vivos juntamente com os velhos. Os eslavos e os escandinavos também apressavam a morte de seus pais quando estes sofriam de mal incurável e irreversível[15].

3.2 Idade Média

Na Idade Média não nos permite ter dados concretos a respeito da prática da Eutanásia, mas se tem conhecimento da sua realização nos períodos de guerras, era usado entre os soldados um punhal pequeno e afiado, denominado “misericórdia”, com o qual se livravam dos sofrimentos os mortalmente feridos. A medida também deveria acontecer durante as epidemias recorrentes neste período humano[16].

3.3 Idade Moderna e contemporânea

Na Era Moderna podemos fazer menção ao Imperador Napoleão, que teria pedido ao cirurgião Degenettes, durante a guerra no Egito, de abreviar o sofrimento dos soldados atacados pela peste por meio de ópio, mas o cirurgião teria se recusado[17].

Todavia, atualmente muito se fala na implementação da Eutanásia, cresce a sua efetividade e os seus defensores, inclusive, inúmeras nações passam a adotar o sistema, sendo a legalização o abrandamento do crime de homicídio, sob a visão “da piedade”; mais uma vez, a utilização da Eutanásia, normalmente, respeita a vontade do paciente, cabendo a ele decidir se deseja abreviar a sua vida ou não.

Diante da legalização e da decisão do paciente terminal a justiça não poder intervir caso o enfermo deseje liquidar a sua vida. Frise-se a exceção é quando estão presentes vícios de vontade, normalmente quando familiares, médicos e ou qualquer outra pessoa ou entidade deseja por fim a vida de alguém por não quer(em) continuar com o tratamento.

Desta forma, iremos demonstrar quais as nações que permitem a conduta e como ocorre nesses países o “pedido” de Eutanásia.

3.3.1 Os países permissivos

Preliminarmente devemos ter ciência de que cada cultura é livre para estabelecer as suas normas e não nos cabe criticar levianamente a estrutura social de qualquer nação. Todavia, também não podemos constatar que a maioria dos países ditos civilizados são geridos por normais religiosas e tais ordenamentos impedem a legitimidade de pôr fim a vida de alguém. Essa vertente é tida como “tradição moral” que não permiti a conduta da Eutanásia.

Por outro lado, algumas legislações mais “modernas” tendem pela inovação, seja positiva ou negativa, mas conseguem sair da mesmice burocrática da sociedade politicamente correta. Poucos são esses países e menos ainda os que permitem a Eutanásia.

Uma das nações mais modernas e porque não dizer polêmicas é a Holanda, primeiro país do mundo a legalizar a Eutanásia e o suicídio assistido, mas a conduta não é livre, muito pelo contrário existe uma série de condições, primeiro só quem pode fazer o pedido é o paciente que deve estar em um estado de “total consciência”, comprovar que sofre dores insuportáveis e ser portador de uma doença incurável[18].

Os debates na Holanda começaram com o chamado “caso Postma”, em 1973. A médica Geertruida Postma foi julgada e condenada pela prática de Eutanásia (homicídio na época) contra a sua própria mãe. A idosa senhora estava doente e reiteradamente implorava para que a filha lhe abreviasse a vida. A repercussão foi tamanha que a jurisprudência foi se abrandando e estabelecendo critérios gerais para a prática da Eutanásia, mas a legalização só se deu em 2001 quando o país finalmente legalizou a prática da Eutanásia e do suicídio assistido, alterando os artigos 293 e 294 da Lei Criminal Holandesa. Isto só é possível se o paciente tiver uma doença incurável e estiver com dores insuportáveis; se o paciente deve ter pedido, voluntariamente, para morrer e; só depois que um segundo médico tiver emitido sua opinião sobre o caso. Frise-se que a Eutanásia e o suicídio assistido sofrem intenso controle de uma comissão regional formada por médicos, juízes e sociólogos que devem se manifestar pela viabilidade ou não do procedimento e em caso de dúvida o caso é submetido ao poder judiciário[19].

Para fins de estatística, o “The Guardian”, informou que em 2010 os coquetéis de drogas letais foram administrados, sob supervisão médica, a 3.136 (três mil e cento e trinta e seis) pessoas. Outra prática originalmente regulamentada no país, desde 2005, é a chamada sedação paliativa, na qual médicos induzem o coma e retiram a hidratação e nutrição de pacientes com expectativa de vida inferior a duas semanas[20].

Outro país que adotou a prática é a vizinha da Holanda, a Bélgica, que em 2002 legalizou a conduta. Para tanto, as pessoas saudáveis podem deixar registrado o seu desejo de morrer caso entrem em estado de inconsciência ou coma durante uma doença terminal. A legislação belga é considerada menos restritiva e mesmo pessoas sem doenças terminais já recorreram a Eutanásia. A polêmica se deu em fevereiro de 2014 quando a Bélgica permitiu também a Eutanásia em crianças, sendo os pais os responsáveis pela decisão[21][22].

O terceiro país europeu a admitir a conduta foi Luxemburgo, mas para que a medida entrasse em vigor foi necessário modificar a Constituição e reduz os poderes do chefe de Estado, o grão-duque Henri. A lei de Luxemburgo se assemelha a da Holanda e da Bélgica, pois exige que a eutanásia só possa ocorrer em pacientes com doenças incuráveis, por solicitação da própria pessoa, com a avaliação prévia de dois médicos e por um painel de peritos[23].

A Suíça e a Alemanha não reconhecem a possibilidade da Eutanásia, mas autorizam o suicídio assistido, desde que o paciente não tenha a ajuda de terceiros no momento de sua morte. Destaque-se que a Suíça não se opõe à atuação de entidades que orientam e oferecem estrutura para aqueles que desejam morrer, o que contribui para a existência de um mórbido “turismo da morte”, com doentes de diversos países viajando até lá especificamente para encerrar suas vidas[24].

Nos Estados Unidos da América cada Estado Federativo possui competência para legislar. Atualmente 05 (cinco) estados autorizam a prática do suicídio ou a morte assistida. O Oregon, no ano de 1997, por meio do chamado “Death with Dignity Act”, foi o primeiro a permitir que médicos receitem medicamentos letais aos pacientes em estado terminal que manifestarem sua intenção de abreviar a morte. Em 2001 a Suprema Corte decidiu pela constitucionalidade da Lei do Oregon. Em 2008 foi a vez de Washington, que regulou a prática da morte assistida, desde que o enfermo  esteja em estado terminal com pelo menos seis meses de vida, deve ser maior de idade e estar consciente da sua escolha. Em sequência veio Vermont, o primeiro a legalizar a prática via processo legislativo e não referendo. Para validar o ato é necessária a manifestação favorável de dois médicos, avaliação psicológica e um período de espera de 17 (dezessete) dias antes da ingestão dos medicamentos. Após adveio a decisão de Montana em que a morte assistida é autorizada via processo judicial. Por fim, e não menos importante, o Texas que por meio da lei de “Advance Directives Act” autoriza em determinados casos que médicos e hospitais paralisem os tratamentos quando estes se mostrarem inadequados ou fúteis, permitindo, assim, a chamada eutanásia passiva[25].

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Na América do Sul a discussão é antiga, no Uruguai, o Código Penal prevê, desde 1934, que os juízes têm a possibilidade de isentar quem comete “homicídio piedoso”, o que na prática coloca nas mãos de cada juiz a decisão sobre casos de Eutanásia. O suicídio assistido, porém, é crime em qualquer hipótese[26]. Menção honrosa ao nosso vizinho, por ser o primeiro país moderno a tolerar a Eutanásia, desde que se preencha 03 (três) condições básicas: a) ter antecedentes honráveis; b) ser realizado por motivo piedoso; c) a vítima ter feito reiteradas súplicas[27][28].

A Colômbia foi outra nação vizinha a adotar um procedimento parecido com o uruguaio. Em maio de 1997, a Corte Constitucional Colombiana decidiu que os juízes podem isentar quem cometa o homicídio piedoso, desde que exista “consentimento prévio e inequívoco” do paciente em estado terminal. A decisão, no entanto, contrasta com o Código Penal do país, que ainda prevê o ato de homicídio piedoso como crime, com pena de seis meses a três anos de detenção[29].

Na Ásia foi noticiada que a China decidiu não interferir nos hospitais dispostos a realizar a Eutanásia em pacientes terminais, porque, com ela, ter-se-ia o fim do sofrimento desses doentes e o alívio mental e físico para os parentes. Já em Taiwan, uma emenda na legislação adotada em 2000, permite aos pacientes em fase terminal rejeitar certos tratamentos. E no Japão, um tribunal de Yokohama avaliou em 1995 que, em certas circunstâncias, as pessoas envolvidas em casos de eutanásia não deveriam ser acusadas de assassinato[30].

Assim, estabelecidos tais paradigmas vamos ao contexto do filme Mar Adentro.

4 Mar Adentro[31]

No filme espanhol The Sea Inside (Mar adentro), de 2004, Ramón Sampedro (Javier Bardem) é um marinheiro que viaja o mundo no estilo carpe diem (aproveite o dia) e ao visitar uma pequena vila de pescadores em que nasceu na Galícia sofre um acidente ao saltar ao mar e bater a sua cabeça em uma pedra ou arrecife. Com o acidente, Ramón fica tetraplégico e deseja exercer o seu direito de pôr fim à sua própria vida, por acreditar que a vida se tornou um fardo.

Lúcido e extremamente inteligente, Ramón decide lutar na justiça pelo direito de decidir sobre sua própria vida, o que lhe gera problemas com a justiça, a igreja e até mesmo seus familiares.

Com a luta de Ramón 02 (duas) mulheres alteraram o seu mundo, a primeira é Julia (Belén Rueda), a advogada que apoia a pretensão, e Rosa (Lola Dueñas), uma vizinha do povoado que tentará convencer-lhe de que viver vale a pena.

Após 28 (vinte e oito) anos dependendo de todos à sua volta para tudo, ele chama uma advogada para tentar conseguir legalmente o direito de cometer Eutanásia, por acreditar que aquela vida não é digna. Ao não ter o seu pedido aceito ele pede ajuda para pôr fim a própria vida, praticando o suicídio assistido.

O filme defende a prática da Eutanásia. Em outra vertente nos mostra o poder do amor, com a família (especialmente o sobrinha, a cunhada e o irmão) e as mulheres que o rodeiam, Rosa, a vizinha que se apaixona; Julia, uma intelectual que também deseja a Eutanásia. Sem esquecermos da poesia inerente ao filme que em diversas passagens revela a arte da poesia como fundo, a visão de vida e morte no salto ao mar e na forma em que Ramón revela que o mar lhe deu a vida e o mar a tirou. O mar é claramente um escape. É uma linha do horizonte que nunca se acaba, que representa o infinito.

No fim indagações: Todos têm direito a vida, porém, essa vida tem que ser digna? Essa vida não sendo digna pode ser considerada vida? Será que todos têm direito à vida? Ou todos têm direito a uma vida digna? Devemos pensar e ponderar.

No caso real, não mostrado no filme, Ramón Sampedro[32] foi encontrado morto no dia 15 de janeiro de 1998. O corpo foi levado para autópsia e ficou constatada a morte por deglutição de cianeto. Antes de morrer, Ramón gravou um vídeo em que a participação de seus amigos fica clara, pois são eles que colocam o canudo em um corpo e ao alcance da boca de Ramón, entretanto, é ele que se dirige ao canudo.

Todavia, mesmo com a comprovação do suicídio assistido, a polícia incriminou a amiga por ser responsável pelo homicídio. Com a repercussão negativa a justiça espanhola foi obrigada a arquivar o processo contra a amiga de Ramón Sampedro.

Dando continuidade ao tema proposto passaremos a abordar a legislação brasileira e as espécies de Eutanásia.

5 A nossa legislação e as “espécies” de eutanásia

De início devemos destacar que a discussão sócio jurídica sobre o tema é recente, razão pela qual nossa legislação ainda não compôs o problema de maneira expressa, a única referência legislativa é o artigo 121, do Código Penal[33], que prevê pena de (06) seis a 20 (vinte) anos de reclusão quando o médico abrevia o sofrimento da vítima, mesmo com a alegação de piedade ou compaixão, cometendo assim o crime de homicídio simples.

A falta de expressividade de nossa norma possui um fundamento, o religioso, nosso país é Católico e nós sabemos que boa parte das normas são colocadas justamente com a noção de “proteção” a família e a vida. E, por essa razão, defender a mitigação da vida não se opera.

Para alguns autores nada que restrinja a vida deve ser defendido para outros não devemos considerar tudo como uma coisa só, devemos estabelecer classes e distinções conceituais e práticas para so depois analisarmos a possibilidade ou não da adoção desse instituto.

Desta feita, importante frisar nesse momento as modalidades ou espécies de eutanásia.

5.1 As modalidades ou espécies de eutanásia

A eutanásia, atualmente, divide-se em três modalidades, que são chamadas de libertadora, piedosa e eugênica (ou econômica). Na forma libertadora, o enfermo incurável pede que se lhe abrevie a dolorosa agonia, com uma morte calma, indolor. Já na forma piedosa, o moribundo se encontra inconsciente, e, tratando-se de caso terminal que provoca sofrimento agudo, proporcionando horríveis espetáculos de agonia, seu médico ou seu familiar, movido por piedade, o liberta, provocando a antecipação de sua hora fatal. Quanto à forma eugênica, trata-se da eliminação daqueles seres apsíquicos e associais absolutos, disgenéticos, “monstros de nascimento, idiotas graves, loucos incuráveis” e outros. Essa modalidade está presente na lembrança histórica das atrocidades dos nazistas, contra judeus e outras minorias, em prol da apuração da raça ariana[34][35].

Todavia, uma coisa é certa, a Eutanásia significa que qualquer ato cometido ou omitido com o propósito de causar ou acelerar a morte de um ser humano após o seu nascimento, com o propósito de pôr fim ao sofrimento de alguém[36], que se divide, ou se classifica, em ativa ou passiva. Na eutanásia ativa o ato específico é uma atitude positiva, cometida para levar a morte imediata do paciente independe de sua vontade. A prática é acobertada na Bélgica e na Holanda. Já na eutanásia passiva o ato é omitido, mas ainda assim intencional, de deixar de fazer o que está ao alcance para salvar o paciente, facilitando sua morte[37].

Além da Eutanásia temos ainda outras maneiras alternativas de tratamento ou assistência que as vezes se confundem, passaremos a descrever o suicídio assistido, a distanásia e a ortotanásia.

5.2 O suicídio assistido, a distanásia, a ortotanásia e a situação do paciente terminal

Alguns institutos se misturam e complicam a vida de quem não está familiarizado com o tema da Eutanásia, é o caso de outras condutas parecidas com a Eutanásia, é o caso do suicídio assistido, da distanásia, da ortotanásia e da situação do paciente terminal.

O suicídio assistido é quando o próprio paciente pratica o ato contra si próprio, claro que devidamente acompanhado por alguém que auxilia minimamente a conduta. A prática é aceita na Suíça, país em que já existe uma clínica especializada em suicídio assistido, e no estado do Oregon, nos Estados Unidos da América, onde médicos podem prescrever coquetel letal para pacientes terminais[38].

A distanásia se trata de uma atitude médica que visa prolongar a vida de paciente terminal, apenas para prolongar a vida, pois o paciente não irá sobreviver de qualquer jeito. O médico se utiliza de meios terapêuticos, cujos efeitos são inúteis, pois não levam à cura ou a melhora e só aumentam o sofrimento do paciente e principalmente da família. O termo também pode ser empregado como sinônimo de tratamento fútil ou obstinação terapêutica[39]. Para alguns, geram gastos desnecessários, tanto no aspecto financeiro quanto no psicológico.

A ortotanásia, por sua vez, é utilizada em pacientes terminais para caracterizar a morte correta ou no seu tempo certo. Para muitos é tida como uma humanização da morte porque não abrevia e nem prolonga desproporcionalmente. A morte acaba acontecendo de maneira simples e na hora devida. Os médicos defensores desta prática concordam que o paciente tem direito de morrer em casa ao lado de sua família. Para tanto, observa-se o conforto do paciente para que este passe os seus últimos momentos serenamente. No meio jurídico, após a Resolução 1.805/2006, a ortotanásia significa eutanásia passiva. No entanto, os médicos preferem chamar de morte natural[40].

No que diz respeito a paciente terminal, de acordo com Genival Veloso de França[41], é aquele que, na evolução da doença, não mais responde a nenhuma medida terapêutica conhecida e aplicada, sem condições de cura ou prolongamento da sobrevivência, necessitando apenas de cuidados que lhe facultem o máximo conforto e bem-estar. O quadro de coma não é de paciente terminal. É um paciente inconsciente que pode acordar a qualquer hora e viver muitos anos. O demente também não é um paciente terminal. É uma doença crônica incurável, mas que pode viver muitos anos[42].

Portanto, não devemos mais misturar cada instituto sobre tema de demonstrar desconhecimento. Devemos considerar no caso concreto como proceder da melhor forma e analisarmos qual a forma de Eutanásia empregada, sem esquecermos de ter em mente a necessária ideia de observarmos o que está sendo decidido e empregado fora de nosso país para depois, se for o caso, utilizarmos o instituto em nosso território se for o caso.

Desta maneira, iremos explanar os pontos de defesa da eutanásia.

6 As teses de defesa da eutanásia e do suicídio assistido e a possível utilização no Brasil  por meio de analogia

Preliminarmente devemos mencionar que ninguém deve ficar feliz com a morte de alguém, nem tão pouco se defende a “limpeza ética” ou eliminar custos por meio da Eutanásia. A análise majoritária é que a Eutanásia, para os seus defensores, é a única medida necessária para abreviar o sofrimento do paciente e de sua família.

É evidente que quando se trata de análise de direito de temas polêmicos sempre teremos os mais ponderados e os mais radicais. As radicais se consolidam na ideia de que não há porquê prolongar uma vida sem dignidade, poupando o paciente, a sua família e a sociedade, com a ocupação dos leitos e recursos hospitalares para o seu atendimento diante da certeza da inutilidade das medidas. Já as moderadas ou ponderadas sugerem que quando há consentimento do enfermo ou da família, somados à certeza da inevitabilidade próxima da morte atestada por profissional habilitado não há motivos para negar o direito de escolher livre e racionalmente a morte digna, pois, da mesma forma que é assegurado o direito de viver, também deve ser o direito de morrer[43][44].

Devemos recordar que as maiores queixas são as terríveis dores, os sofrimentos insuportáveis, as doenças incuráveis, o ônus econômico (no ponto de vista do emprego de recursos em vão, que não salvarão a vida do enfermo, sendo que estes recursos poderiam estar direcionados aos que podem progredir), a vontade de desistir, de descansar, a necessidade do paciente parar de sofrer, são mais argumentos dos favoráveis à legalização da prática[45].

Há ainda a divisão de posicionamentos quanto à questão da voluntariedade, pois a vontade do paciente pode divergir com a da família. Há casos em que o doente tem condições de expressar a sua vontade e outros casos em que isso não lhe é permitido, cabendo aos familiares decidirem sobre.

Com interessantíssima peculiaridade, José Carlos de Almeida[46] assevera:

Um argumento que se pode avançar a favor da eutanásia não se debruça sobre a avaliação ética da eutanásia, mas antes posiciona-se, pura e simplesmente, contra as leis que a proíbem ou a penalizam. Neste sentido, não se trata de tomar uma posição a favor ou contra a prática da eutanásia, afirmando que a eutanásia é ou não um mal, mas tão-só afirmando que existe um reduto de moralidade e imoralidade privadas que as leis não devem invadir. O poder só tem legitimidade para ser exercido sobre um membro de uma comunidade contra a sua vontade para evitar prejuízos a outros membros dessa comunidade. Essa é a perspectiva que John Stuart MILL defende em Sobre a Liberdade. E mais. Ninguém pode ser legitimamente forçado a agir ou a abster-se de agir porque será melhor para ele, porque o fará mais feliz, porque, na opinião de outros membros, agir desse modo seria sensato ou mesmo justo. As leis que impedem a eutanásia ou a criminalizam são leis que criam “crimes sem vítimas”. Criminalizam-se certas práticas onde não existem vítimas. É evidente que no caso da eutanásia sempre se poderá dizer que o paciente que morre após um procedimento eutanásico será ele a vítima. Mas quando o procedimento eutanásico resulta do seu pedido consciente, claro e reiterado, será que podemos falar ainda da existência de uma vítima? O doente que solicita a eutanásia não é vítima, quando muito é a lei que criminaliza a eutanásia que o vitimiza. A lei que cria o crime, cria a vítima; antes da lei não havia vítima, como também não havia crime.[...] Fazer da eutanásia um crime significa que não se deixa à consciência de cada um a liberdade para praticar ou seguir aquilo que, em privado, entender o que é melhor para si, sem que isso venha a molestar os outros. A criminalização da eutanásia representará, nesta perspectiva, uma intromissão intolerável do poder na esfera privada de decisão dos cidadãos. Uma sociedade democrática, pluralista e evoluída deixa que cada um decida fazer ou não a eutanásia. Não impõe uma postura moral ou imoral através da lei.

Para os defensores no Brasil devemos analisar a dignidade como o mais importante no tema. No filme Mar Adentro, Ramón chega a mencionar que a vida desse jeito não é digna. Assim, devemos buscar guarita no inciso III, do artigo 1º, da Constituição Federal[47]:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III – a dignidade da pessoa humana.

A vida digna é o principal princípio ao se tratar da vida, pois podemos substituir quase tudo, no entanto, na ausência da dignidade o indivíduo não tem como repô-la. A dignidade está muito além de ter uma “vida” confortável se trata de qualidade, lazer, honra, mas na ausência de qualquer uma coisa dessas haverá um dano de difícil reparação.

Nas palavras de Marcelo Novelino[48]:

A dignidade da pessoa humana não é um direito, mas um atributo que todo ser humano possui, independentemente de sua origem, sexo, idade, condição social ou qualquer outro requisito. O ordenamento jurídico não confere dignidade a ninguém, mas tem a função de protegê-la contra qualquer tipo de violação.

Outro ponto importante para a análise é a ambiguidade de nossa legislação, pois a mesma é tão falha que muitas vezes depende da interpretação para se pleitear direito. Assim, caberia ao Estado proteger e promover os meios necessários para o indivíduo ter uma existência digna, mas sabemos que isso é uma ilusão, e, assim, se o Estado não fornece os meios para uma vida digna poderia um enfermo terminal optar por tirar a própria vida.

Ao sair da esfera nacional e irmos a universal chegamos na Declaração Universal dos Direitos Humanos[49], foi o primeiro documento sério a nível mundial para a proteção dos direitos humanos, em seu artigo 4º temos que:

toda pessoa tem direito ao respeito de sua vida. Esse direito deve ser protegido por lei, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.

A ideia de arbitraria é que polemiza a situação por ser explificativa.

Recordando o suicídio assistido visto no filme “Mar Adentro”, José Roberto Goldim[50], explica que “o suicídio assistido acontece quando um indivíduo incapaz de concretizar sua morte sozinho, solicita a ajuda de terceiros para que seu desejo seja materializado”. A assistência ao suicídio pode ser realizada com a prescrição de remédios, persuadindo ou encorajando.

Em nosso país encontramos a criminalização do “suicídio assistido”, em que pese não ser reconhecido formalmente, a prática é caracterizada como crime se alguém fomentar outra pessoa a praticar suicídio, de acordo com o artigo 122, do Código Penal[51]:

Art. 122. Induzimento, instigação ou auxilio a suicídio.

Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

Parágrafo Único. A pena é duplicada.

Assim, se a situação ocorrida com Ramón acontece no Brasil, a pessoa que auxiliou seria condenada a até 06 (seis) anos de reclusão, uma vez que o suicídio assistido é considerado crime contra a vida de natureza grave no direito penal brasileiro.

Em que pese a dosagem legal, devemos ter em mente que já existem ideias favoráveis ao reconhecimento da Eutanásia e do suicídio assistido. Devemos levar em conta também que a competência para julgamento será o Tribunal do Júri, responsável por julgar demandas e crimes contra a vida[52] e nós bem sabemos que o Tribunal do Júri é livre para julgar a causa e acredito, que a composição dos jurados definirá as situações no caso concreto, haja vista que pessoas mais tradicionais e voltadas a religião devem julgar pelo homicídio, mas pessoas mais liberais poderão inocentar diante da situação apresentada, mesmo sem haver expressamente a possibilidade.

Realizadas tais considerações passaremos a abordar a corrente contrária a Eutanásia.

7 A tese contrária a eutanásia e ao suicídio assistido

A grande problemática na tese permissiva é a tendência a banalização daquilo. Isso acontece em quase todo o mundo e em quase toda a matéria. Apenas a título de exemplo podemos repercutir a decisão proferida em 29 de novembro de 2016, pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, que entendeu que não configura crime a prática do aborto nos 03 (três) primeiros meses de gestação. Especialistas já sustentam que haverá o crescimento do número dos casos de aborto dentro do primeiro trimestre gestacional[53], pois a prática será utilizada como meio de controle de natalidade, retirando o foco para a questão crua: uma mãe que por algum motivo quer matar o seu filho durante a gestação.

A legalização retira o medo da punição estatal e consequentemente mais pessoas praticam sem medo de repressão. Não devemos esquecer que uma pessoa fragilizada emocionalmente pelo medo que a morte traz a qualquer um, pode não estar em bom estado para tomar decisão tão séria e definitiva. Por vezes quando se está tomado por dores o indivíduo fraqueja e quer encerrar o sofrimento, mesmo que a situação seja passageira[54].

O Portal DW – Made for Minds[55] noticiou que em um “asilo na Alemanha converte-se em abrigo para idosos que fogem da Holanda, com medo de serem vítimas de eutanásia a pedido da família. São quatro mil casos de eutanásia por ano, sendo um quarto sem aprovação do paciente”. O problema holandês é que mesmo com rigoroso controle para a liberação da eutanásia foi observado que famílias com idosos pedem a eutanásia mesmo contra a vontade do idoso[56].

Na Europa, a realidade confirmou que a eutanásia atinge pessoas com deficiências mentais e pessoas que não se manifestam a favor da “solução”, ou seja, não funciona e é apenas uma resposta para casos específicos, nem respeitando a vontade da vítima. Assim, está satisfazendo as vontades de pessoas que se cansaram de cuidar de idosos, deficientes e enfermos. Infelizmente o instituto está sendo banalizado, sendo uma resposta perigosa que não dignifica as sociedades[57].

O jurista Edgard Magalhães Noronha[58] defende a tese contra a eutanásia, visto que para o especialista não existe direito de matar, nem de morrer, diante de nossa Constituição Federal, que estabelece que todos têm direito a vida; pois a vida segundo ele tem uma função social.

Relembremos que já vimos que a Constituição Federal[59] estabelece o direito a dignidade, por meio do inciso III, do artigo 1º, e que todos possuem o direito à vida, e, em consequência devemos interpretar que o indivíduo também tem o direito de não ser morto, de não ser alvo de homicídio; tem também o direito de ter uma vida digna, assim, o termo “todos tem direito a vida”, é na verdade que todos têm o direito de uma vida com dignidade.

O Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução n.º 1.805/2006, interpretou o princípio da dignidade da pessoa humana como uma via para a morte digna. Todavia, um ano depois, o Ministério Público Federal ajuizou uma Ação Civil Pública solicitando que fossem definidos alguns critérios para a prática da ortotanásia[60] para ser uma alternativa para os pacientes terminais. Até o presente momento nada foi adiante.

Portanto, devemos ter em mente que no momento não há permissão legal para a pratica da Eutanásia e para o suicídio assistido. Mencionado isso trataremos de casos reais que aumentam as discussões, especialmente a vida do físico Stephen Halking.

8 Os casos reais que inspiram a discussão

8.1 “Stephen Halking”[61]

O primeiro caso aqui trazido diz respeito ao físico Stephen Halking que aos 21 (vinte um) anos foi diagnosticou com esclerose lateral amiotrófica, doença degenerativa que iria progressivamente paralisar os seus músculos, e, de acordo com o médico, o levaria à morte em no máximo 03 (três) anos. Apesar do diagnóstico, continuou a sua vida, casou-se, teve 03 (três) filhos e é um físico reconhecido.

Em 1985, com a saúde bastante agravada por uma pneumonia, os médicos sugeriram desligar o respirador artificial, mas sua esposa não aceitou e o levou para Cambridge. Submetido a uma traqueostomia, nunca mais falou, no entanto, permaneceu vivo e faz o uso de um computador, com voz eletrônica, para se comunicar, mas continuou sua vida da maneira que podia.

Em 1988, publicou a obra que o tornou conhecido, “Uma Breve História do Tempo”, livro que fala sobre a origem do universo, com ilustrações criativas e texto bem-humorado, escrito em linguagem simples, para leigos, Stephen Hawking desvenda desde os mistérios da física de partículas até a dinâmica que movimenta centenas de milhões de galáxias por todo o universo. O livro o alçou ao reconhecimento mundial.

Stephen Hawking continuou sua jornada com diversas obras, entre elas, “Buracos Negros, Universos Bebês e outros ensaios”, “O Universo Numa Casca de Noz”, “A Teoria de Tudo: A Origem”, “O Grande Projeto” e “Minha Breve História”.

Stephen Hawking produziu algumas teorias fundamentais da física moderna. A Mais célebre é o teorema de singularidade. Supõe a existência de um ponto com força gravitacional no centro dos buracos negros capaz de atrair qualquer coisa (similar ao acúmulo de energia infinita que deu início ao Big Bang.

Ele recebeu diversos prêmios, entre eles, o Prêmio Especial de Física Fundamental; foi laureado pela descoberta da radiação dos buracos negros, por sua contribuição à física quântica e seus estudos sobre a origem do universo.

Paralisado, em uma cadeira de rodas, só lhe resta o controle dos movimentos da bochecha direita, que usa para se comunicar com a ajuda do computador. Diante da vida de Stephen Hawking nos vem uma indagação: e se a esposa de Hawking optasse por desligar respirador artificial? Se os aparelhos fossem desligados não teríamos o exemplo nem as descobertas desse brilhante físico que mesmo diante de tantas dificuldades contribuiu e contribui até hoje grandemente com toda a civilização mundial.

8.2 julgamentos de casos avulsos[62]

Nos Estados Unidos da América, mais precisamente em Nova York, no ano de 1913, uma senhora sofria há anos de enfermidade dolorosa incurável. Assim, pediu ao marido que lhe desse matasse. Nos dias seguintes, entre os desesperos de seus sofrimentos, insistia e implorar que a matassem. O marido cedeu e lhe deu uma forte dose de morfina. Os juízes o absolveram.

Na Inglaterra, um pastor evangélico, disparou um tiro de espingarda na cabeça. Caiu gravemente ferido e sofria horrivelmente. Com o olhar implorava a sua irmã que terminasse o serviço e acabasse com a sua dor, e esta compreendendo ultimou-o com outro tiro.

Na França, em 1912, uma senhora hemiplégica é morta “piedosamente” por seu marido, o qual declarou não haver feito mais que o seu dever, arrancando sua esposa das terríveis torturas e sofrimentos que a acompanhavam há um (1) ano.

Na Itália, os jornais relataram:

o maquinista que, vítima de espantosa catástrofe ferroviária, jazia sob a caldeira da máquina, com braços e pernas destroçados, queimando-se vivo e lançando gritos horrorosos de dor, suplicava ansioso aos que contemplavam, impotentes, tão terrível espetáculo, lhe suprimissem, acabando com aquele martírio. Uma das testemunhas da tragédia executou o gesto liberador e a maioria delas aprovou o ato, declarando que teriam feito o mesmo e que, em perfeito acordo com sua consciência, teriam acabado aquela agonia sem esperança.

Na Itália, em 1920, um noivo matou a sua noiva, tuberculosa e desenganada; os Tribunais não admitiram a tese de homicídio piedoso, porém o júri o absolveu por involuntariedade do ato delituoso, fundado na paixão.

Na França em 1924, Stanislawa Uminska que era uma jovem atriz polonesa que fora a Paris angustiosamente solicitada por seu amante, Juan Zinowski, escritor polonês, internado num hospital, enfermo de câncer e tuberculose, no último estágio dessas doenças, padecendo de dores as mais cruéis. Este rogou à amante, por inúmeras vezes, que lhe abreviasse os sofrimentos. Em 15 de julho de 1924, no instante em que o enfermo adormecia, sob efeitos de analgésicos a jovem atriz tomou o revólver com o qual o próprio paciente não teve ânimo para abreviar sua agonia, disparando em Zinowski. Foi julgada em Paris, onde o próprio Promotor dirigiu-lhe palavras de comiseração e respeito, tendo sido proclamada sua impunidade pelo júri.

Nos Estados Unidos, H. E. Blazer, médico de 61 anos, vivia com a filha paralítica e débil, a qual dispensava os mais ternos cuidados, sentindo-se enfermo e vendo-se morrer, consternado pelo desamparo em que deixaria a filha, deu-lhe a morte, proporcionando-lhe uma forte dose de clorofórmio, envenenando-se logo após.

Na Pensilvânia, nos Estados unidos da América, Samuel Kish matou a sua esposa a quem adorava, por solicitação dela, enferma de câncer, que lhe causava tormentos de dor extrema.

Por fim, na França, em 1930, um Tribunal absolveu entre aplausos da assistência o jovem inglês Richard Corbett que havia matado a sua mãe anciã, enferma de câncer incurável e que sofria barbaramente. Corbett não quis auxílio de um advogado, fazendo ele mesmo a sua defesa:

Eu admito que matei minha mãe sabendo perfeitamente o que fazia. E não me arrependo disso. Exerci um direito humano. Senhores jurados, minha mãe vinha sofrendo a insuportável tortura da enfermidade. Os médicos haviam afirmado que ela não se podia curar, nem melhorar um pouco. Pensei que, ainda quebrando a lei, procedia amorosamente. E estou desejando suportar qualquer pena que considereis justa. Meu ato teria sido desnecessário, se o Estado tivesse uma lei autorizando aos médicos abreviar os sofrimentos incuráveis.

            Em nosso país ganhou repercussão o caso da médica Virgínia Soares, que coordenava a UTI do Hospital Evangélico, em Curitiba (PR), que foi indiciada no 20/02/2013, por homicídio qualificado. Ela é suspeita de comandar um esquema de eutanásia na UTI do hospital, onde foi detida, por policiais do Núcleo de Repressão de Crimes Contra a Saúde (Nucrisa)[63].

            Esses casos são apenas um pequeno exemplo de prós e contras da prática da Eutanásia e do auxílio ao suicídio.

Conclusão

Preliminarmente devemos compreender que o filme “Mar Adentro” é inteiramente baseado em uma história real, e, por essa razão devemos ter em mente que a situação da Eutanásia e do suicídio assistido é problemático no contexto moderno, haja vista que uns tendem a defendê-los e outros a repudia-los completamente.

              O filme nos mostra a vida de Ramón Sampedro, personagem vivido pelo colecionador de premiações Javier Bardem. Ramón era um marinheiro espanhol, mecânico de barcos que vivia ao estilo carpe diem e aos 26 (vinte e seis) anos ao realizar um salto para mergulhar em águas rasas acabou por bater a cabeça e ficar tetraplégico. Assim, passou a sobreviver com cuidados diários de seus familiares.

Ao compreender que não iria melhorar passou a refletir e chegou ao entendimento de que deveria ter o direito a uma vida digna ou seria melhor a Eutanásia para aliviar o seu fardo e o da sua família. Importante frisar que a sua família não concordou com essa ideia.

Ramón travou inúmeras batalhas jurídicas e sociais para levar a cabo o seu ideal, sob a alegação que a sua vida já chegou ao fim no momento do acidente e que ele apenas sobrevive sem a perspectiva de melhora e viver “de favor” não é digno”, no entanto, suas pretensões sempre foram rechaçadas, haja vista que a Espanha não aceita a Eutanásia e o suicídio assistido.

Cansado do sofrimento psíquico e sem ilusões ele chega ao entendimento que é melhor ele mesmo pôr fim a sua vida, por meio do suicídio assistido, uma vez que Ramón não tinha condições físicas dele próprio se suicidar sem auxílio de alguém.

O filme poético e dramático retrata de maneira sublime a poesia em torno do dilema, por um lado uma pessoa sã e amante da vida que pede auxilio para deixar de viver. O mar que lhe trouxe a felicidade lhe trouxe um acidente que lhe “encerou a vida digna”. Apenas para exemplificar a inteligência de Ramón trago uma passagem do filme: Julia (Belén Rueda), uma advogada, pergunta: “Por que você sorri tanto?”. Eis a resposta: “Aprendi a chorar com sorrisos”.

Todavia, o filme não possui apenas a intenção de mostrar a vida de Ramón, vai além, o ser humano deve possuir o poder de encerrar a sua vida? Para uns, e isso fica demonstrado no filme, claro que sim, pois o estado não pode intervir na vida privada de seus indivíduos; para outros claro que não tem esse poder, cabe a Deus julgar e determinar o fim da vida de alguém.

Este artigo não tem a intenção de forçar alguém a tomar um lado. Pelo contrário. A intenção é fornecer conhecimento necessário para que as pessoas possam refletir antes de dar uma opinião sobre o tema.

Na história humana podemos ver inúmeros casos concretos em que a sociedade pôs fim a vida humana de maneira estruturada. Foi citada a Grécia Antiga, Roma dentre outros. Mas não só, depois de uma evolução religiosa em que limitou a prática alguns países retornaram a entender que podemos analisar cada caso concreto e legitimar a prática da Eutanásia e do suicídio assistido.

A Eutanásia, como visto, e nas palavras de Lameira Bittencourt[64], deve ser associada a pacientes terminais, “a eutanásia é tão-somente a morte boa, piedosa e humanitária, que, por pena e compaixão, se proporciona a quem, doente e incurável, prefere mil vezes morrer, e logo, a viver garroteado pelo sofrimento, pela incerteza e pelo desespero”.

Já por sua vez, o suicídio assistido acontece quando o próprio paciente pratica o ato contra si próprio, claro que devidamente acompanhado por alguém que o auxilia minimamente a conduta. Prática vista ao termino do filme. A prática é aceita na Suíça, país em que já existe uma clínica especializada em suicídio assistido, e no estado do Oregon, nos Estados Unidos da América, onde médicos podem prescrever coquetel letal para pacientes terminais[65].

Frise-se, os que defensores entendem que todos têm direito a vida digna, não há porquê prolongar uma vida sem dignidade e isso poupa tanto o paciente quanto a sua família, sem esquecermos a própria sociedade como um todo com a desocupação de leitos e de recursos hospitalares para pessoas que possuam chance de se recuperar. Não podemos esquecer que a prática deve ser precedida de parecer médico, da aprovação do paciente (se possível) e de sua família.

Assim, alguns países adotaram a prática da eutanásia, são eles: Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Suíça, Alemanha, Estados Unidos da América (nos Estados do Oregon, Washington, Vermont, Montana e Texas), Uruguai, Colômbia, China, Taiwan e Japão. Vimos, portanto, que a adoção da prática vem se alargando nos últimos anos.

Em outra vertente, a contrária a tese de aceitação compreende que não se pode generalizar um assunto tão complexo e particular, e a evolução cientifica poderá fazer com que enfermidade hoje impossíveis de se sanar passem a ser curadas, até porque a medicina avança a passos largos e novas descobertas são realizadas a cada dia.

Importante aqui mencionar mais um caso, retirado de texto de autoria de José Roberto Pereira dos Santos[66] que relata um caso dramático, de importante relevância, que é um convite à reflexão:

Flamínio Fávero transcreve em seu livro Medicina Legal, um trecho da aula de Estácio de Lima “Perto de Paris, adoece a filha de um médico, vitimada de difteria; na época doença de difícil prognóstico cuja evolução para óbito ascendia à cifra espantosa de 99%. Valeu-se de tudo que possível o pai para salvar a filha. Vieram os fenômenos asfíxicos. A cianose da face era, então, o sinal precursor da morte! Consultara, em desespero de causa, os colegas de Paris. Nenhuma resposta, doía-lhe, ao infinito, o espetáculo da ansiedade sem cura da pobrezinha. Pensa, nesse instante, em abreviar o desfecho. Uma injeção de ópio muito forte que aliviasse tudo, tudo... Pensou, e fez! Não falhou o tóxico. Veio, cedo, a serenidade definitiva. No momento do enterro recebeu um telegrama com os seguintes dizeres: Roux acaba de descobrir o soro antidiftérico, aplicando-o com êxito. Aguarde remessa”.

Ademais, não devemos esquecer que nosso pais é católico e a vida é o bem jurídico indisponível, está no ápice da hierarquia dos valores, razão pela qual nossa legislação não tolera a prática.

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Sobre o autor
Leonardo Barreto Ferraz Gominho

Graduado em Direito pela Faculdade de Alagoas (2007); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC/Anchieta (2013); Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable (2017); Foi Assessor de Juiz da Vara Cível / Sucessões da Comarca de Maceió/AL - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Foi Assessor do Juiz da Vara Agrária de Alagoas - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Conciliador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito das Obrigações, das Famílias, das Sucessões, além de dominar Conciliações e Mediações. Advogado. Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Professor e Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Responsável pelo quadro de estagiários vinculados ao Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF - CCMA/FACESF, em Floresta/PE, nos anos de 2015 e 2016. Responsável pelo Projeto de Extensão Cine Jurídico da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF, desde 2015. Chefe da Assessoria Jurídica do Município de Floresta/PE. Coautor do livro "Direito das Sucessões e Conciliação: teoria e prática da sucessão hereditária a partir do princípio da pluralidade das famílias". Maceió: EDUFAL, 2010. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico I: discutindo o direito por meio do cinema”. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821832; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito civil e direito processual civil”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821749; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821856. Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 02. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558019. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico II: discutindo o direito por meio do cinema”. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558002.

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