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Evolução e aplicação da Lei nº 9455/97

Agenda 20/04/2017 às 09:16

A artigo se refere a uma breve evolução histórica do Lei 9455/97, assim como a sua aplicabilidade dentro do contexto atual. Tendo em vista, ter a sua elaboração voltada para os agentes de segurança em geral.

Desde a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1793, a preocupação com a dignidade humana tem sido objeto de convenções internacionais. Nesse diapasão, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, datada de 10.12.1948, estabelece em seu artigo V que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante".

Na mesma linha, estabelece a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica), de 1969, em seu artigo 5º., n. 2, que "ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano".

Na mesma esteira, a Convenção da ONU sobre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, de 10.12.84, que vem, em seu artigo 1º., a conceituar tortura como:

"Qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido, ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, por sua instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência".

Com o advento da Convenção Europeia para a prevenção da tortura e das penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, em 01.02.89, ela nos apresenta uma série de medidas regulamentadoras da fiscalização entre os Estados Membros com respeito a práticas ilícitas relacionadas com atos de tortura. Do mesmo modo, também o faz a Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura, datada de 1985 e ratificada pelo Brasil, através do Decreto 98.386 de 09.11.89, trazendo, novamente  em seu bojo uma conceituação própria de tortura:

"Art. 2º. - Para os efeitos desta convenção, entender-se-á por tortura todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação ou castigo pessoal, como medida preventiva ou com qualquer outro fim.

Entender-se-á também por tortura a aplicação, sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou psíquica".

No Brasil, desde a Constituição Imperial de 1824, exsurge uma declaração solene contra a tortura e outros tratamentos desumanos, conforme se verifica da leitura do art. 179, § 19 daquele diploma:

"Desde já ficam abolidos os açoutes, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as demais penas cruéis".

Com o promulgação da Constituição Federal de 1988, houve uma mudança de forma radical dentro do nosso País, passando de uma regime ditatorial que perdurava desde 1964 para um estado democrático, onde foram inserido vários títulos, capítulos, artigos e incisos inovadores, que a tornaram uma das constituições mais modernas do mundo em termos de proteger os direitos do seu cidadão, apesar de não ser respeitada na sua inteireza.

Pode-se destacar dentre os vários artigos da novel Constituição, o artigo 5º que tem por finalidade precípua de demonstrar ao cidadão os seus direitos e garantias fundamentais, tendo uma importância essencial, pois, elenca uma série de direitos básicos, que não podem ser limitados e nem retirados,  a não ser por uma nova constituição, por serem consideradas cláusulas pétreas, podendo citar os seguintes incisos, litteres:

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;  

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

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Para um estudo mais aprofundado, a tortura se destaca dentre todos os incisos do art.5º, mesmo em virtude de ter sido elaborada para coibir uma prática contumaz dentre as polícias do Brasil, no entanto, mesmo a Constituição em seu inciso III do art. 5º, trazendo em seu bojo o crime em 1988, apenas foi regulamentada pelo legislador em 1997, através da Lei nº 9455. Demandando o legislador desde a previsão até a sua regulamentação nove anos, contribuindo de sobremaneira para o cometimento de abusos neste lapso temporal.

A Lei 9455 traz um grande avanço quanto a o crime, ora, em tela, em virtude  de trazer em seu art. 1º uma nova tipificação do que é tortura, se referindo que não seria apenas a violência física, como as agressões diversas e sufocamentos, mas também aquela  violência mental, em que a pessoa e submetida a algum tipo de ameaça, coação ou até mesmo uma conversa que possam lhe levar a algum temor desproporcional.

Como pode demonstrar o ilustre doutrinador Mirabete, que nos assevera, verbis:

"tortura é a inflição de mal desnecessário para causar à vítima dor, angústia, amargura, sofrimento".

Outra previsão legal existente na lei é a imputação do crime a pessoas que tenham o poder –dever de fornecer segurança, guarda, cuidados, tanto domésticos quanto sob o seu poder como:  presos ou sob medida de segurança custodiados por agentes públicos. Trazendo com isso uma discrepância quanto ao que deveria ser previsto pela ONU, que o Brasil deveria reverter a lei de tortura exclusivamente para agentes públicos. Em conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, litteres:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE TORTURA. LEI 9.455 /97. POLICIAL MILITAR. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ADITAMENTO. ALEGAÇÃO DE ILEGALIDADE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. LEGITIMIDADE DO ADITAMENTO ANTERIOR AO INTERROGATÓRIO. TORTURA. DELITO COMUM. INAPLICABILIDADE AO ART. 125 , § 4º , DA CONSTITUIÇÃO . PERDA DO CARGO. PENA ACESSÓRIA. APLICAÇÃO AUTOMÁTICA. ABSOLVIÇÃO DO RÉU. COGNIÇÃO FÁTICO-PROBATÓRIA. INVIABILIDADE. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. 1. A supressão de instância impede que sejam conhecidos, em sede de habeas corpus, argumentos não veiculados nos Tribunais inferiores. 2. In casu: a) A inépcia da denúncia e ilegalidade de seu aditamento não restaram suscitadas nas vias de impugnação anteriores, sendo certo que, ainda que superado o referido óbice, a exordial reveste-se de legitimidade, bem como o seu aditamento, este lavrado apenas um mês após o recebimento da exordial acusatória, e anteriormente ao interrogatório do réu. Precedentes : HC 87.347- ED /MS, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, Julgamento em 21/11/2006; HC 96.235/SP, Relator Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, Julgamento em 2/2/2010; HC 96.700/PE, Relator Min. Eros Grau, Segunda Turma, Julgamento em 17/3/2009. b) o recorrente, policial militar, foi condenado às penas do art. 1º , II , combinado com o § 3º da Lei de Tortura (Lei 9.455 /97), por ter, em concurso de agentes, submetido a vítima, pessoa sob sua guarda, a intenso sofrimento físico, mediante violência, em atos que culminaram com o resultado morte.

Fazendo-se uma detida análise na lei, pode-se verificar que houve uma deferência especial no que tange aos funcionários públicos, em especial os policiais militares, onde se verifica o intuito de legislador de fazer com que os mesmos sejam alcançados e punidos de forma exemplar, em caso, de incidir em um crime de tortura capitulado na lei.

Vale ressaltar, quando se fala de punição exemplar ao funcionário público, refere-se a penalização de perda do cargo, função ou emprego público e a sua interdição, para caso, queira novamente ser funcionário público pelo dobro do prazo da pena aplicada, vislumbrando desta feita uma pena rigorosa em caso de condenação.

Isto significa que o servidor público, praticante do crime de tortura contra alguém, não só deve perder o cargo como efeito imediato da condenação, mas, também, não pode exercer qualquer outra função pública por período duas vezes maior que a pena privativa de liberdade aplicada.

Também é relevante frisar quanto a progressão da pena nos casos do crime de tortura, em que a lei originalmente previa que o início do cumprimento seria no regime fechado, houve uma modificação neste entendimento por parte do Supremo Tribunal Federal com a edição da Súmula 689, em que previa a possibilidade de aplicação da progressão de regime para os crimes de tortura, mas não se estendia aos crimes hediondos previstos na lei 8072/90.

Assim prevendo o egrégio tribunal superior, litteres:

"Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura".

Seguindo também a linha de raciocínio favorável, existem fartas decisões dos Tribunais Superiores, permitindo que haja progressão de pena em caso do crime de tortura, neste sentido também o Superior Tribunal de Justiça- STJ:

Resp 184918 / RS - "Constitucional. Penal. Execução Penal. Regime Prisional. Progressão de Regime. Crimes Hediondos. Lei nº 8.072/90, Art. 1º, § 2º. Lei nº 9.455/97, Art. 1º, § 7º. Lex Mitior. Incidência. - É dogma fundamental em Direito Penal a incidência retroativa da lex mitior, encontrando-se hoje entronizado em nossa Carta Magna, ao dispor que a "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu" (art. 5º, XL). - Se a Lei nº 9.455/97 admitiu a progressão do regime prisional para os crimes de tortura, conferindo tratamento mais benigno à matéria regulada pela Lei nº 8.072/90, é de rigor a sua incidência no processo de individualização da pena dos demais delitos mencionados no art. 5º, XLIII, da Constituição, em face do tratamento unitário que lhe conferiu o constituinte de 1988. Recurso especial conhecido e provido."

Conforme exposto em todo o artigo, pode-se notar que com a edição da lei 9455/97, o legislador teve como nítida finalidade fazer com crimes desta natureza sejam coibidos de forma célere, e com uma punição rigorosa, para que principalmente os funcionários públicos, diga-se policiais civis e militares, não sejam estimulados a cometerem. Sendo, desta feita, aplicados de forma constam-te por parte dos magistrados do Brasil, assim como, autoridades judiciárias contribuído de forma ímpar para diminuição do referido delito, assim como, moldar as atitudes dos policiais na sua atividade de segurança pública.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial Simplificado. 7ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

COIMBRA, Mario, Tratado do Injusto Penal da Tortura – São Paulo: Editora revista dos Tribunais

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

 Lei nº 9.455, de 07 de abril de 1997. Define os crimes de tortura, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9455.htm>. Acesso em: 22. out. 2012.

FRANCO, Alberto Silva. Tortura, breves anotações sobre a Lei 9.455/97. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 19, jul/set, 1997, p. 55-72.

SILVA, Allan Coelho da. A tortura e sua influência na sociedade atual. Signum, n. 7. Vitória: Centro de Ensino Superior de Vitória, 2008.

SZNICK, Valmir. Tortura: histórico, evolução e crime. São Paulo: LEUD, 1998.

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