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Inconstitucionalidade do procedimento nas representações para aplicação de penas acessórias a militares no Tribunal de Justiça do Espírito Santo

Agenda 25/09/2004 às 00:00

Para Damásio E. de Jesus, condenação é o ato do juiz, através do qual impõe uma sanção penal ao sujeito ativo de uma infração.

Seu efeito principal é a imposição de pena ou medida de segurança, conforme seja o réu imputável ou inimputável.

Além destas, porém, existem os efeitos secundários, que podem ser conseqüências penais (por exemplo, a reincidência, a revogação de sursis etc.)ou extrapenais (v. g., obrigação de indenizar o dano, incapacidade para o exercício do pátrio poder, perda de função pública ou do mandato eletivo).

Antes da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, a condenação de militares julgados na Justiça Especializada a pena superior a dois anos resultava em imediata perda de posto ou patente do acusado, se oficial, e da graduação, se praça (artigos 99 e 102 do Código Penal Militar). (1)

A sanção acessória era imposta pelo próprio Conselho da Justiça Militar, como decorrência da quantidade de pena privativa de liberdade irrogada ao condenado.

A nova ordem jurídica instituída pela Carta Magna, sediada no § 4º do seu art. 125 (2), entretanto, dispôs de maneira diferente, tornando insubsistentes os artigos do Código Substantivo Castrense acima referidos, eis que não recepcionados pela norma constitucional.

Assim, a perda de função pública – que era conseqüência natural da condenação a sanção superior a dois anos – passou a ser vista como procedimento autônomo, iniciado após o trânsito em julgado da decisão condenatória, pelo Ministério Público (no Estado do Espírito Santo, pelo subprocurador-geral de justiça judicia, por força do disposto no art. 31 da Lei Estadual 95/97 (3) c/c art. 1º, I (4) da Resolução nº 008/2002, do Procurador Geral de Justiça, publicada no DOES de 16.05.2002).

Reverenciado, desta forma, o princípio do estado de inocência, eis que a natureza da representação para aplicação de pena acessória a militar não deixa de ser efeito extrapenal da condenação.

O procedimento, entretanto, é tratado como de cunho eminentemente penal, neste Estado. Evidência disto é a cominação de competência, no Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, às Câmaras Criminais Reunidas para o seu processo e julgamento (art. 53 da Resolução nº 15, de 08 de janeiro de 1995) (5).

A tramitação das representações para aplicação de pena acessória a militares está prevista no RITJES, através dos artigos 336 a 338 (6).

Como procedimento de natureza criminal, deveria seguir as normas, princípios e garantias assegurados ao processo penal.

Aliás, a afirmativa poderia ser ampliada, vez que a Constituição assegura aos acusados em processo judicial ou administrativo e aos litigantes em geral a ampla defesa e o contraditório.

Isto, rogata venia, não foi obedecido no Regimento Interno do TJES, quanto tratou da tramitação do procedimento autônomo e constitucional para perda da função pública do militar.

A tal conclusão nos leva o mais perfunctório exame das previsões regimentais para o procedimento a ser observado quando da representação do Ministério Público.

Nota-se, ao exame dos artigos pertinentes do RITJES, que após a distribuição, à defesa é proporcionado o prazo de cinco dias para articular seus argumentos, de molde a evitar a perda da função pública, quer seja ela representada pelo posto ou pela graduação.

Nada mais do que isto.

A produção de prova é expressamente vedada, o que nos remete a mais uma irregularidade: a decisão de perda da função é adotada mediante a utilização de prova emprestada, produzida perante outro juízo, qual seja, o Conselho da Justiça Militar.

É bem verdade que resta aos opositores da idéia a afirmativa de que a prova, no presente caso, não é emprestada, pois sobre ela a defesa pode se manifestar, perante o Conselho da Justiça Militar, estando reverenciado, desta maneira, o princípio do contraditório e da ampla defesa.

Esta não é, entretanto, a posição doutrinária adotada por Ada Pellegrini Grinover, que considera prova emprestada, inclusive, aquela produzida em juízos diferentes, envolvendo partes diversas.

A prova emprestada, por fim, tem tratamento semelhante ao dado às provas ilícitas, expressamente vedadas através de norma constitucional (7), já se notando resistência à sua admissão, mormente no processo penal, quando figuram como razões únicas de decisão (8).

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Se, ainda que por amor ao debate, não considerássemos prova emprestada a produzida na 1ª Instância, perante o Conselho da Justiça Militar, a vedação de produção de provas no procedimento judicial para a aplicação de pena acessória a militares nos levaria a um absurdo jurídico: se a defesa não mais pode produzir provas nesta quadra do processo penal, a perda da graduação ou posto estaria condicionada, única e exclusivamente ao quantum da pena imposta ao condenado. Logo, em sendo superior a dois anos a pena irrogada e transitada em julgado a decisão, o procedimento na 2ª Instância seria inócuo.

Observe-se que procedimento similar, previsto no Código Penal comum, impõe ao juiz do feito – competente para a aplicação deste efeito extrapenal, de cunho administrativo – fundamente o cabimento da sanção, demonstrando que o ato delituoso ocorreu no exercício de função pública, apreciando a natureza e a extensão do dano, bem como das condições pessoais do réu. A fundamentação da decisão judicial – garantia constitucional inarredável – é feita ante processo abençoado pela ampla defesa e pelo contraditório.

Partindo de tal raciocínio, qual seria a utilidade do especial procedimento previsto pela Constituição Federal para a perda de graduação ou de posto dos militares? Apenas referendar a decisão do Conselho da Justiça Militar? E pior: se o objetivo não é só o de referendar a decisão de piso, com base em que provas a pena acessória não seria aplicada, eis que nenhuma é produzida em 2º grau de jurisdição?

Assim, a perda da função pública, na ausência do contraditório e da ampla defesa, passa a ser automática, condicionada apenas à condenação a pena superior a dois anos, transitada em julgado: um mero corolário da condenação.

Não foi isto, evidentemente, o que pretendeu a lei.

Não constitui, desta forma, exagero afirmar que seja qual for a natureza do processo para a aplicação da pena acessória a militares condenados a sanção superior a dois anos, as previsões contidas no Regimento Interno do Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo não atendem às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, sendo, portanto, inconstitucional o procedimento e nulas TODAS as penas de perda de função aplicadas após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988.


NOTAS

(1) Perda de posto e patente

Art. 99. A perda de posto e patente resulta da condenação a pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos, e importa a perda das condecorações.

Exclusão das forças armadas

Art. 102. A condenação da praça a pena privativa de liberdade, por tempo superior a dois anos, importa sua exclusão das forças armadas.

(2) Art. 125 - Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

.....................................................................

§ 4º - Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

(3) Art. 31(*). Compete ao Procurador-Geral de Justiça definir as atribuições dos Subprocuradores gerais de Justiça, inclusive as previstas nos seguintes incisos:

I - oficiar perante as Câmaras Reunidas do Tribunal de Justiça;

..................................................................................................

* redação dada ao caput do art. 31 pela Lei Complementar 231, de 31.01.2002, publicada no Diário Oficial do Estado do Espírito Santo do dia 01.02.2002.

(4) Art. 1º - Atribuir e delegar ao Subprocurador-Geral de Justiça, ora denominado Judicial, as seguintes funções:

I – atuar nos processos judiciais e administrativos conforme estabelecido na Lei Orgânica do Ministério Público e nas legislações cíveis, penais e especiais;

..................................................................................................

(5) Art. 53 – Às Câmaras Criminais Reunidas compete:

I – processar e julgar:

..................................................................................................

f. as representações para aplicação de penas acessórias a oficiais e praças da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo e as justificações oriundas do Conselho de Justificação da referida corporação.

II – julgar:

..................................................................................................

c. as representações oriundas do Ministério Público, relativas a perda de posto, patente e graduação dos policiais militares.

(6) Art. 336 – Os processos oriundos do Conselho de Justificação, relativos à incapacidade de oficial da Polícia Militar do Espírito Santo para permanecer na ativa e as representações do Ministério Público para aplicação de penas acessórias serão julgados, em instância única, pelas Câmaras Criminais Reunidas do Egrégio Tribunal de Justiça.

Art. 337 – Recebido o processo, será o mesmo distribuído a um dos Desembargadores que compõem a Câmara, que abrirá o prazo de cinco (05) dias para que a defesa se manifeste, por escrito, sobre a decisão do Conselho de Justificação ou Representação do Ministério Público.

Parágrafo único – Nesta fase, não se admite produção de provas.

Art. 338 – Concluída a fase de defesa, o Relator redigirá relatório e pedirá dia para o julgamento.

§ 1º - O Tribunal, caso julgue que o oficial é incapaz de permanecer na ativa, deverá:

I – declará-lo indigno do oficialato ou com ele incompatível, determinando a perda de seu posto ou patente, ou

II – determinará sua reforma, ex vi lege.

§ 2º - Aplicada a pena acessória e publicado o acórdão será o processo devolvido à inferior instância para a execução, ou, se for o caso, será o processo devolvido ao Poder Executivo, para os devidos fins.

(7) art. 5º -

..................................................................................

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

(8) STJ - Acórdão: HC 14216 / RS ; HABEAS CORPUS 2000/0087281-4

Fonte: DJ DATA:12/11/2001 PG:00174; JBC VOL.:00047 PG:00122, LEXSTJ VOL.:00149 PG:00308

Relator: Min. VICENTE LEAL (1103)

Data da Decisão: 16/10/2001

Orgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA

PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA.INIMPUTABILIDADE. RECURSO. NOVO LAUDO. PROVA EMPRESTADA. PRONÚNCIA. NULIDADE.

- Absolvido o réu por ser considerado inimputável, a modificação desta sentença em grau de recurso deve fundar-se em prova lícita, demonstrativa de sua higidez mental.

- Laudo pericial realizado em outro processo e anexado por cópia na fase recursal constitui prova emprestada, qualificada como prova ilícita, porque produzida com inobservância dos princípios do

contraditório e do devido processo legal, não se prestando para embasar sentença de pronúncia.

- Habeas-corpus concedido.

Decisão: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Fernando Gonçalves, Paulo Gallotti e Fontes de Alencar votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido.

STF - HC 67707 / RS - RIO GRANDE DO SUL HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO
Julgamento:  07/11/1989

Órgão Julgador:  PRIMEIRA TURMA
Publicação:  DJ DATA-14-08-92 PP-12225 EMENT VOL-01670-01 PP-00178:: RTJ VOL-00141-03 PP-00816

PRISAO DECORRENTE DE SENTENCA DE PRONUNCIA - EFEITO JURIDICO -PROCESSUAL ORDINARIO. CONCESSAO DE LIBERDADE PROVISORIA. FACULDADE JUDICIAL . PRISAO PREVENTIVA ANTERIORMENTE DECRETADA. - A PRISAO PROVISORIA CONSTITUI EFEITO JURIDICO-PROCESSUAL QUE DECORRE, ORDINARIAMENTE, DA SENTENCA DE PRONUNCIA. A CONCESSAO DE LIBERDADE PROVISORIA AO REU PRONUNCIADO TRADUZ MERA FACULDADE LEGAL RECONHECIDA AO JUIZ (CPP, ART. 408, PAR. 2. ). PRONUNCIADO O REU, QUE JA SE ENCONTRAVA PRESO PREVENTIVAMENTE, NAO SE NULIFICA A SUA CUSTODIA PROVISORIA, DESDE QUE SUBSISTAM OS MOTIVOS QUE JUSTIFICARAM A DECRETACAO DAQUELA PRISAO CAUTELAR. SAO IRRELEVANTES, PARA ESSE EFEITO, A PRIMARIEDADE E OS BONS ANTECEDENTES DO ACUSADO, QUE NENHUM DIREITO TEM, NESSE CONTEXTO, A OBTENCAO DA LIBERDADE PROVISORIA. SENTENCA DE PRONUNCIA - ELEMENTOS. - SE A SENTENCA DE PRONUNCIA REVELA, EM SEU CONTEUDO INTRINSECO, OS ELEMENTOS ESSENCIAIS A CONFIGURACAO DO JUIZO DE ADMISSIBILIDADE DA ACUSACAO (CPP, ART. 408), TORNA-SE LEGITIMA A SUBMISSAO DO REU A JULGAMENTO POR SEU JUIZ NATURAL: O TRIBUNAL DO JURI.

PROVA EMPRESTADA - INOBSERVANCIA DA GARANTIA DO CONTRADITORIO - VALOR PRECARIO - PROCESSO PENAL CONDENATORIO. - A PROVA EMPRESTADA, ESPECIALMENTE NO PROCESSO PENAL CONDENATORIO, TEM VALOR PRECARIO, QUANDO PRODUZIDA SEM OBSERVANCIA DO PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DO CONTRADITORIO. EMBORA ADMISSIVEL, E QUESTIONAVEL A SUA EFICACIA JURIDICA. INOCORRE, CONTUDO, CERCEAMENTO DE DEFESA, SE, INOBSTANTE A EXISTENCIA DE PROVA TESTEMUNHAL EMPRESTADA, NAO FOI ELA A UNICA A FUNDAMENTAR A SENTENCA DE PRONUNCIA. PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA NAO-CULPABILIDADE - GARANTIA EXPLICITA DO IMPUTADO - CONSEQUENCIAS JURIDICAS. COMPATIBILIDADE COM O INSTITUTO DA TUTELA CAUTELAR PENAL. O PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA NAO-CULPABILIDADE, QUE SEMPRE EXISTIU, DE MODO IMANENTE, EM NOSSO ORDENAMENTO POSITIVO, IMPEDE QUE SE ATRIBUAM A ACUSACAO PENAL CONSEQUENCIAS JURIDICAS APENAS COMPATIVEIS COM DECRETOS JUDICIAIS DE CONDENACAO IRRECORRIVEL. TRATA-SE DE PRINCIPIO TUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL, CUJO DOMINIO MAIS EXPRESSIVO DE INCIDENCIA E O DA DISCIPLINA JURIDICA DA PROVA. A PRESUNCAO DE NAO-CULPABILIDADE, QUE DECORRE DA NORMA INSCRITA NO ART. 5. , LVII, DA CONSTITUICAO, E MERAMENTE RELATIVA (JURIS TATUM). ESSE PRINCIPIO, QUE REPUDIA PRESUNCOES CONTRARIAS AO IMPUTADO, TORNOU MAIS INTENSO PARA O ORGAO ACUSADOR, O ONUS SUBSTANCIAL DA PROVA. A REGRA DA NAO-CULPABILIDADE - INOBSTANTE O SEU RELEVO - NAO AFETOU E NEM SUPRIMIU A DECRETABILIDADE DAS DIVERSAS ESPECIES QUE ASSUME A PRISAO CAUTELAR EM NOSSO DIREITO POSITIVO. O INSTITUTO DA TUTELA CAUTELAR PENAL, QUE NAO VEICULA QUALQUER IDEIA DE SANCAO, REVELA-SE COMPATIVEL COM O PRINCIPIO DA NAO-CULPABILIDADE.

VOTACAO: UNANIME.

RESULTADO: INDEFERIDO.

VEJA HC-64208, RTJ-121/1023, RHC-65986, HC-67064, RTJ-129/727, RT-531/416, RTJ-55/314.

Sobre a autora
Mônica Cristina Moreira Pinto

promotora de Justiça do Estado do Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Mônica Cristina Moreira. Inconstitucionalidade do procedimento nas representações para aplicação de penas acessórias a militares no Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 445, 25 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5736. Acesso em: 23 dez. 2024.

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