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Amplitude jurídica da Súmula nº 276 do STJ, que desobriga as sociedades civis, ora simples, do recolhimento da Cofins

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3 – FUNÇÕES CONSTITUCIONAIS ATRIBUÍDAS AO STJ NO QUE SE REFERE À QUESTÃO EM ESTUDO

            Art.105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

            ...........................................................................

            III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

            ...........................................................................

            c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe aja atribuído outro tribunal.

            Analisando estes dispositivos, concluímos que o STJ, via recurso especial, deverá analisar decisões dos Superiores Tribunais de Recursos, no que se refere ao pagamento ou não da COFINS, que é uma lei federal, em razão das decisões conflitantes destes mesmos tribunais. É o que determina a letra c, Item III, do artigo 105 da Carta Constitucional.

            Considerando esta atribuição constitucional do STJ e após diversos julgamentos do tema, emitiu a Súmula 276 que diz:

            Sociedades civis de prestação de serviços profissionais são isentas do pagamento da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (cofins), independentemente do regime tributário adotado.

            Note-se que o STJ está cumprindo o seu papel constitucional até mesmo quando emitiu a Súmula 276, considerando uma lei federal como inconstitucional. Está expressando o pensamento da maioria daquela casa legislativa e, certo ou errado, exerce a sua função.

            Quem não está cumprindo o seu papel é o intérprete da lei, que parece ignorar a letra b, Item II, do artigo 102 da Carta Constitucional, que diz que decisão de tribunal de instância inferior que considerar inconstitucional uma lei federal, deverá ser revista em recurso extraordinário, pelo Supremo Tribunal Federal.

            Parece-nos, pois, óbvio que a decisão final terá que ser do STF, uma vez que a decisão do STJ, declarou a inconstitucionalidade da lei ordinária federal 9430/96, e ainda transformou suas constantes decisões a favor das sociedades de profissionais liberais, na Súmula 276.

            Se o STJ tivesse declarado a constitucionalidade da COFINS, ao invés da inconstitucionalidade, teria sido então a última instância para a decisão e não haveria mais como recorrer ao STF.

            Apesar deste óbice, a Súmula 276 do STJ, desencadeou um clima de euforia que transcende ao limites da prudência e do bom senso jurídico. Evidente que o grau de potencialidade explosiva se dá em razão, de que esta euforia, ocorre justamente na classe que tem a obrigação e a responsabilidade de ser prudente e mais esclarecida, a classe dos juristas.

            Imaginem a situação de nós, os contabilistas, que passamos a ser acossado por todos os lados, por clientes de nossos escritórios que querem parar de pagar a Cofins em razão de simples liminares expedidas a torto e direito, alicerçadas na controvertida decisão do superior Tribunal de Justiça.

            Vemos tal situação com muita preocupação porque somos jogados contra uma classe, cuja especialidade é o conhecimento das leis, sua interpretação e aplicação. Ficamos em situação constrangedora, pois temos uma formação técnica diferente, e fica muito difícil encontrar argumentos contra os pareceres de advogados.

            Os contabilistas dependem de informações jurídicas dos advogados especializados, porque embora estudem a aplicação diária das leis tributárias, não são especialistas no assunto, não têm tempo, nem formação para a busca de conhecimentos mais aprofundados.

            Afirmou o ilustre Professor Clélio Chiesa, com a sabedoria que lhe é peculiar, em uma de suas brilhantes palestras:

            Sempre, a melhor opção é buscar na justiça o direito de depositar em juízo o tributo questionado, porque a responsabilidade do advogado e do juiz que desobrigam o pagamento de tributo é muito grande e pode levar à futura quebra do empresário.

            Depositando em juízo, se o contribuinte ganhar, após decisão transitada em julgado, ele saca imediatamente o valor depositado com juros, e se perder, quem vai sacar imediatamente é o estado sem maiores traumas para as duas partes.

            As multas, os juros e a correção monetária que incidem sobre tributos não recolhidos tempestivamente são leoninos, podem destruir uma empresa, por isso não é prudente escolher o caminho do não pagamento, simplesmente.

            Não procedem as argumentações da Procuradoria Geral da Receita Federal de que sendo o assunto eminentemente constitucional a acolhida de recurso extraordinário pelo STJ constituiria usurpação de funções.

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            O STJ, certo ou errado nas suas decisões, está apenas cumprindo o seu papel constitucional.

            Cabe ao STF a última palavra sobre a questão e ignoro se existe no momento, transitando alguma Ação Direta de Constitucionalidade, sobre o assunto, naquela egrégia casa de leis.


4 - FUNÇÕES CONSTITUCIONAIS ATRIBUÍDAS AO STF NO QUE SE REFERE À QUESTÃO EM ESTUDO

            Art.102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição Federal, cabendo-lhe:

            ...........................................................................

            II – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

            a) contrariar dispositivo desta Constituição;

            b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal.

            Comentando estes dispositivos constitucionais, parece-nos evidente que o Supremo Tribunal Federal terá a palavra final sobre a questão, pois o STJ pela Súmula 276, declarou a inconstitucionalidade da Lei ordinária federal 9430/96 em relação à Lei Complementar 70/91, incorrendo no item "b" deste artigo.

            Em entrevista à Revista Eletrônica CONSULTOR JURÍDICO em novembro de 2003, o ilustre Tributarista Ives Gandra Martins declarou:

            Acredito que também no mérito a pretensão do governo será repelida.

            Comenta ainda o redator: para Ives Gandra, falta base constitucional ao intento fiscal. Adicionalmente, na visão do especialista, é muito remota a possibilidade de o STF revogar entendimento que o STJ chegou a ponto de consubstanciar em súmula.

            Portanto, é posição do ilustre professor que a palavra final sobre a questão terá que ser dada pelo Supremo Tribunal Federal.

            Se assim é, perguntamos novamente, por que tanto alarde em cima da Súmula 276 do STJ?

            Gostaríamos de citar aqui as prudentes palavras da eminente advogada baiana, Rosana Oliveira Libonati, que em seu trabalho, COFINS: O STF E A SÚMULA 276 DO STJ, divulgado via Internet (www.juspodivm.com.br), expressou-se assim, ao concluí-lo:

            Por absoluta cautela, entendemos não ser recomendável que com base na Súmula 276, prestadores de serviços de profissão regulamentada, deixem de recolher a contribuição COFINS, pois, na verdade, não existe ainda um pronunciamento final do Poder Judiciário, e a questão, como visto, deve ser analisada com um olhar muito mais profundo.


5 – O VERDADEIRO CONTEÚDO DO ACÓRDÃO REFERENTE À AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 1-1/DF

            Tem sido muito citada, e de forma bastante equivocada quanto ao seu conteúdo, nos diversos artigos publicados aqui e ali sobre a Ação Declaratória de Constitucionalidade 1-1/DF, exarada pelo Supremo Tribunal Federal em 01.12.1993.

            A ADC 1-1/DF decidiu pela constitucionalidade de apenas cinco artigos da Lei Complementar 70 de 30.12.1991, sendo: confirma a constitucionalidade da Cofins, da receita bruta de vendas e serviços como sua base de cálculo, que os recursos arrecadados devem compor o orçamento da seguridade social, que a Cofins não extingue as outras fontes de custeio e por fim, confirma que esta lei deverá produzir efeitos a partir de 90 dias após sua publicação.

            Como podemos observar, nada mais disse o STF nesta sentença. Não procede, portanto, a afirmativa de que esta declaratória afirme que as contribuições para a seguridade social prescindem de lei complementar e que, por isso, esta pode ser modificada por uma lei ordinária, por ser a LC 70/91 formalmente complementar, porém, materialmente ordinária.

            Esta é na verdade, uma afirmação que salta aos olhos, pelo absurdo que retrata. A ADC 1/1/DF foi emitida pelo STF em 01.12.93 e a Lei ordinária 9430 foi aprovada em 27.12.1996, nascendo desta segunda norma legislativa, a discussão sobre a possibilidade de uma lei ordinária ter ou não ter o poder de alterar uma lei complementar. Como poderia o STF tratar de um problema que somente surgiria três anos depois?

            Também, se isto realmente tivesse acontecido, estaríamos aqui discutindo o quê, já que a ADC provoca efeito erga omnes?

            Art.102, § 2º da CF/88:

            As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo.

            Aliás, esta tem sido uma das argumentações falhas da Fazenda Nacional, na tentativa de impor a cobrança da Cofins e rechaçada, com justiça, pelo Min.Carlos Velloso, do STF, ao negar liminar a Reclamação 2.475, contra decisão do STJ que determinou a isenção da Cofins, por parte das sociedades civis. Diz na sentença:

            A decisão, está-se a ver, não assentou ser a Lei Complementar 70/91, lei complementar simplesmente formal. É verdade que, no voto do Ministro Relator isso foi dito (RTJ 156/745). Trata-se, entretanto, de um obter dictum.

            O STF realmente afirma que uma lei formalmente complementar pode ser modificada por uma lei ordinária, mas não na ADC 1-1/DF e sim na RE 138.284-8/CE ( item 2.2, deste trabalho) que não tem efeito erga omnes, citado na íntegra, neste ensaio.

            Para eliminar qualquer dúvida a respeito, leia abaixo a integra da ADC 1-1/DF:

            ADC 1-1 / DF - DISTRITO FEDERAL

            AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE

            Relator: Min. MOREIRA ALVES

            Julgamento:  01/12/1993  Órgão Julgador:  TRIBUNAL PLENO

            Publicação:  DJ DATA-16-06-95 PP-18213 EMENT. VOL-01791-01 PP-00088

            EMENTA:Ação Declaratória de Constitucionalidade. artigos 1., 2., 9. (em parte), 10 e 13 (em parte) da Lei Complementar n. 70, de 30.12.91. Cofins. - a delimitação do objeto da ação declaratória de constitucionalidade não se adstringe aos limites do objeto fixado pelo autor, mas estes estão sujeitos aos lindes da controvérsia judicial que o autor tem que demonstrar. - improcedência das alegações de inconstitucionalidade da contribuição social instituída pela lei complementar n. 70/91 (Cofins). acão que se conhece em parte, e nela se julga procedente, para declarar-se, com os efeitos previstos no parágrafo 2. do artigo 102 da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional n.3, de 1993, a constitucionalidade dos artigos 1., 2. e 10, bem como, das expressões "a contribuição social sobre o faturamento de que trata esta lei não extingue as atuais fontes de custeio da seguridade social " contidas no artigo 9., e das expressões "esta lei complementar entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir do primeiro dia do mês seguinte aos noventa dias posteriores, àquela publicação,..." constantes do artigo 13, todos da lei complementar n. 70, de 30 de dezembro de 1991.


6 – SÚMULA 276 DO STJ – UMA VIAGEM PELOS BASTIDORES

            A Súmula 276 foi emitida pelo Superior Tribunal de Justiça em 14.05.2003 assim expressa: As sociedades civis de prestação de serviços profissionais são isentas da Cofins, irrelevante o regime tributário adotado.

            A Lei Complementar 70/91, que criou a Cofins, isentou deste tributo as sociedades civis de prestação de serviços profissionais em seu art.6º, inc.II, podendo o beneficiário escolher a forma tributária do lucro real ou lucro presumido, para o pagamento de seus tributos.

            A Receita Federal, não aceitando bem esta isenção, condicionou-a apenas aos beneficiários que optassem pelo lucro real, em total desrespeito ao princípio da estrita legalidade tributária, forçando os interessados a buscar estes direitos na justiça.

            O STJ, desde o primeiro momento, acolheu os pedidos de isenção, independentemente do regime tributário escolhido e após alguns anos de reiteradas decisões semelhantes, tomou a decisão de emitir a Súmula 276.

            Note-se que a súmula em referência está calcada nas reiteradas decisões fundamentadas no regime tributário escolhido e não na relação conflituosa entre a Lei Complementar 70/91 e a Lei Ordinária 9430/96.

            A propósito, expressou-se muito o bem o ilustre Promotor de Justiça Rubens Carlos Videira, de Porto Velho (RO), em seu comentário na Revista Eletrônica Consultor Jurídico em 24.05.2004 ( www.conjur.uol.com.br), que tomo a liberdade de transcrever:

            Na verdade, houve um equívoco por parte do STJ ao sumular a matéria. Isso porque os precedentes que deram origem à súmula foram quase todos julgados sem analisar a Lei 9430/96. Na verdade os precedentes praticamente não tratam da Lei 9430/96. Veja-se, a propósito, o seguinte precedente que serviu de fundamentação à edição da referida súmula:

            "A circunstância de as sociedades a que se refere o art.1º do DL 2.397/87, haverem optado pelo regime instituído pela Lei 8542/92 é irrelevante para que se lhe reconheça a isenção relativa à contribuição COFINS. Tal isenção nada tem a ver com o modo pelo qual as empresas recolhem o imposto de renda". ( RESP 260960).

            Como se vê, a discussão não diz respeito à constitucionalidade ou não da lei 9430/96, mas ao regime tributário da sociedade civil.

            O Ministro Castro Meira que acabara de ingressar no STJ, propôs com muita propriedade, a revisão desta súmula sob a alegação de que o argumento da Fazenda Nacional era de que a lei instituidora da Cofins tinha natureza complementar, mas que poderia ter sido ordinária e, portanto, poderia ser revogada por lei ordinária, tese acolhida pelo Supremo Tribunal Federal.

            Para ilustrar sua tese o ilustre ministro cita a decisão tomada em junho de 1997, pelo STF, que manteve a alíquota do Finsocial em 05%. Neste julgamento o STF decidiu por maioria de votos que a mudança no conteúdo da LC 70/91, por lei ordinária, era constitucional.

            A Comissão Permanente de Ministros, responsável pela criação e aprovação das súmulas, se reuniram em outubro de 2003, sendo a tese do Ministro Castro Meira acompanhada apenas pelo voto do Ministro Teori Albino Zavascki. Prevaleceu, portanto, a tese pela imutabilidade da Súmula 276, com o voto contrário dos seis ministros que participaram da votação.

            O problema não parece estar no conflito entre a competência legislativa da lei complementar e a lei ordinária, mas no fato de que, ao declarar a inconstitucionalidade de lei federal (Lei 9430/96), o STJ remeteu a questão para ser revista pelo STF, conforme disposto na letra b, inciso II, do art. 102 da Carta Constitucional.

            Também o STF, ao declarar em diversos julgados, que uma lei formalmente complementar pode ser alterada por uma lei ordinária, quando não havia determinação constitucional para a emissão de lei complementar tem inegavelmente conteúdo constitucional e deve lhe caber, portanto, a última palavra sobre a questão.

            Pelo prisma que se olhar, a decisão deve caber ao STF, por que na nossa opinião, os dois casos têm natureza constitucional.

            A insegurança jurídica foi instalada pelas mãos do STJ e por suas mãos poderia ser sanada, mas isto exige a coragem de admitir um erro passado e exigir tal sacrifício dos ministros que votaram a citada súmula na primeira vez e a ratificaram na segunda é pedir um pouco demais.

            A Segurança jurídica terá que ser reinstalada, pelo visto, pelo Supremo Tribunal Federal, reconhecendo como constitucional a Lei 9430/96, lei ordinária que modificou a lei formalmente complementar 70/91, por que é de sua obrigação constitucional.

            O que está em jogo é a constitucionalidade ou não de uma lei federal, julgada por tribunal de instância inferior, como inconstitucional.

            Não temos a vontade, nem o ânimo, nem estômago para defender estes monstros vorazes em que se transformaram as fazendas públicas. O que buscamos é apenas a segurança jurídica, a certeza de estar fazendo a coisa certa, ao orientarmos aqueles contribuintes que colocam a vida de suas empresas em nossas mãos.

            Se for devido, mesmo a contragosto, paguemos todos. Se não for devido, que fique claro de uma vez por todas, para que todos sejam beneficiados com a isenção. Difícil competir, difícil estabelecer os custos dos serviços, quando não se sabe exatamente qual a carga tributária que recai sobre eles.

            Como este trabalho deve desagradar a muitos pobres de espírito, estes deverão nos jogar algumas pedras. Entretanto, ele foi escrito para ser analisado por espíritos avançados, espíritos que colocam a verdade acima de suas convicções e interesses pessoais, espíritos que resplandecem à luz da verdade.

            Com este intuito, de servir, publicamos o presente trabalho, liberando-o desde já para ser publicado por todos e quaisquer meios de comunicação que se interessarem por fazê-lo.

Sobre os autores
Dilson França Lange

contabilista, advogado, especializado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)

Paulo Sérgio Garcia

contador e Bacharel em Direito, sócio da Contalex-Triunfo Organização Contábil S/S de Dourados (MS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LANGE, Dilson França; GARCIA, Paulo Sérgio. Amplitude jurídica da Súmula nº 276 do STJ, que desobriga as sociedades civis, ora simples, do recolhimento da Cofins. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 451, 1 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5746. Acesso em: 7 nov. 2024.

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