A enorme demanda pelos serviços judiciários no País nem de longe tem sido acompanhada pelos necessários investimentos na sua estrutura.
A atenção dispensada pelo governo no que diz respeito aos reajustes dos vencimentos dos servidores da Justiça bem espelha a tentativa de sucateamento do Poder Judiciário, que conta com número reduzido - quer de Juizes, quer de servidores - dificultando o exercício da nobre missão conferida pela Constituição Federal.
Todavia, em vez de se atacar o problema na sua origem, ficamos todos a mercê de soluções que, apesar da boa intenção de garantir o cumprimento da sentença num prazo menor, podem acabar gerando outros problemas piores que a simples demora.
Exemplo ilustrativo dessa situação é o mecanismo da penhora on line. Por meio de convênio firmado entre a Justiça Trabalhista e o Banco Central, os Tribunais Regionais ganharam o poder inédito e assustador de rastrear as contas bancárias das empresas e dos sócios, visando promover o bloqueio de seus saldos, a pretexto de forçar o pagamento de alegadas dívidas trabalhistas.
Os defensores dessa fórmula a justificam como um atalho destinado a dar celeridade às execuções. Disso não se duvida. A questão é saber se o que se está fazendo com rapidez é justiça ou injustiça, considerando que, mesmo nessa fase, é comum descobrir-se que houve erro de contas, por exemplo.
Esse é um aspecto, aliás, que tem invalidado inúmeras das pretensas fórmulas mágicas cogitadas para a melhoria do funcionamento dos mecanismos judiciais do país.
Afinal, é fundamental apurar se o cidadão quer apenas um Judiciário veloz ou se, além de rapidez, ele quer também uma Justiça melhor.
Fosse a celeridade o único objetivo a ser atingido, muitas outras medidas poderiam ser adotadas. Resta saber se elas representarão solução ou mais problemas.
Um exemplo é a campanha que existe contra as possibilidades de recurso. Proibir a parte inconformada de recorrer também reduz o prazo e o trajeto do processo. É de se ver, entretanto, se o princípio constitucional da ampla defesa estará assegurado, caso essa "solução" seja adotada.
O ordenamento jurídico brasileiro assenta-se sobre a premissa de que a constrição judicial deve ser efetuada na forma menos onerosa ao devedor. Esse princípio foi consolidado para que se preserve o interesse social e coletivo sobre o interesse individual. Não podemos voltar aos tempos medievais onde a execução da dívida era impiedosa contra o devedor.
A penhora, levada a efeito sobre a conta bancária da empresa e, muitas das vezes, a de seus sócios, prejudica interesses imediatos de empregados ativos, fornecedores etc, e não só do credor. Até porque, em muitas das vezes, o simples fato de uma empresa possuir valores depositados em bancos, não significa necessariamente que este numerário esteja à disposição da Justiça para penhora.
Saliente-se que uma empresa sobrevive enquanto realizar os fins constantes no seu objeto social. E para a consecução desses fins, é necessária a movimentação de numerários. Desta sorte, os valores depositados em bancos são, na maioria das vezes, destinados a pagamentos de obrigações decorrentes das atividades normais das empresas, tais como os próprios salários dos demais empregados e a satisfação de outras dívidas de natureza trabalhista, previdenciária, fiscais etc.
A simples penhora cega de numerários, como vem ocorrendo, faz com que muitas empresas não consigam honrar com outros compromissos assumidos, importando até mesmo em emissão de cheques sem provisão de fundos.
É certo que uma medida que faz valer a autoridade da coisa julgada mereça elogios. Contudo, não se pode, em nome da satisfação de um crédito individual, colocar toda a sociedade em apuros.
De outra parte, a empresa, enquanto executada, deverá ter bens suficientes que possam satisfazer o crédito discutido. Logo, não se justifica a necessidade de penhora em conta corrente.
Tenha-se em vista que a apuração do valor da penhora é fruto do despacho que julga a fase de liquidação de sentença, decisão esta somente impugnável depois da penhora. Desta forma, se entendermos razoável a penhora de depósitos bancários a empresa deverá primeiro imobilizar valores (até superiores ao débito), para depois poder discutir a dívida.
Por tais motivos, não é demais lembrar o contido no artigo 620 do Código de Processo Civil: "quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor". Esse "favor", a despeito da dicção legal, refere-se a vários modos de promover "atos executivos" dentro da execução própria, e não "vários modos de promovê-la". Embora a execução deva ser realizada como resultado do exercício de um direito do credor, nem por isso o sujeito passivo deve ser inutilmente sacrificado, quando, por outro modo que não o usado pelo sujeito ativo, seja atingido o mesmo objetivo quanto à solvência da prestação.
Demais disso, mesmo que não seja observada a ordem legal do artigo 655, do CPC, o ordenamento não tem caráter absoluto, mas relativo e deve atender ao objetivo de garantir o êxito da execução, sem prejudicar desnecessariamente o devedor e toda a atividade empresarial. A penhora sobre crédito em conta corrente, poderá afetar o desempenho da empresa, inclusive sua imagem, quando há outros bens suscetíveis de constrição judicial, caracterizando-se violência contra o devedor e abuso de autoridade. A gradação legal estabelecida para efetivação da penhora não tem caráter rígido, podendo, pois, ser alterada por força de circunstâncias e atendidas as peculiaridades de cada caso concreto, bem como o interesse das partes litigantes.
Apesar de uma medida eficiente e ágil, o sistema aplicado às execuções dos débitos trabalhistas, nos termos que se encontra o convênio entre o Tribunal Superior do Trabalho e o Banco Central, coloca as empresas e os seus sócios à mercê da penhora de um mesmo crédito em múltiplas contas. Portanto, é constatação cristalina que a medida é temerária, ante o risco de bloqueio de quantia imprescindível para a empresa manter seu negócio em atividade, mormente colocando em risco o pagamento dos salários de empregados ativos.
O bloqueio de valores de empresa que tenha em sua conta corrente tão somente o valor exato para pagamento dos salários de seus empregados ativos causaria transtornos imensuráveis para os demais trabalhadores. Eles também, a exemplo do eventual credor, têm compromissos inadiáveis, como o pagamento de aluguel, mensalidade escolar, mantimentos e todas as despesas para a sobrevivência de suas famílias.
O impacto na imagem da empresa, junto ao sistema bancário e a todos que tiverem conhecimento da "punição" é outro fator a ser considerado. Eventuais dificuldades vividas serão agravadas e ampliadas podendo contribuir até mesmo para o encerramento de suas atividades. A quem poderia interessar essa perspectiva? Ou, ainda, no caso de penhora para resgate de valores que, em seguida, se mostre indevido, como fará o credor para recuperar o que lhe pertence? Abrirá um novo processo? A quem responsabilizará pelo dano verificado?
A penhora on line, ao que se percebe, atende, eventualmente, a necessidade da máquina judiciária, mas não a dos trabalhadores, pois está levando as empresas a dificuldades maiores, colocando em risco o próprio emprego que é o maior bem do trabalhador. "Ora, dúvida não há de que o bloqueio on-line de saldos bancários e aplicações financeiras dos executados por dívidas trabalhistas perpetram grave lesão à ordem jurídica, ante a multiplicidade de pessoas físicas e jurídicas, inclusive dos sócios e responsáveis, abrangíveis na acepção de devedores de ações da Justiça do Trabalho" (texto extraído da ADIn – 3203, proposta por Confederação Nacional dos Transportes, no Supremo Tribunal Federal, de 14/05/2004).
O aperfeiçoamento da Justiça deve ter por matriz a consolidação dos valores que dão forma e personalidade ao Direito. Recorrer a antivalores como atalho para a consecução do que é justo equivale a colocar um edifício inteiro sob risco, a pretexto de consertar uma porta ou uma janela.