3 Competência da Vara da Infância e da Juventude
3.1 Entendimento atual
O assunto abordado neste Artigo é, a longa data, discutido pelos Tribunais, tendo prevalecido o entendimento de que presente órgão da Administração Pública no pleito, a competência é remetida à Vara da Fazenda Publica, a exemplo:
APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. INCOMPETÊNCIA DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. COMPETÊNCIA DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA. [...].[13]
Conquanto a adoção reiterada desse entendimento pela jurisprudência, alguns Tribunais estão revendo tal posição e decidiram cometer estes feitos às Vara da Infância e Juventude, como se percebe nos seguintes julgados:
DIREITO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. APELAÇÃO CÍVEL. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. [...] COMPETÊNCIA ESPECIAL DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. [...] 5. A competência especial da Vara da Infância e da Juventude prevalece sobre a regra de competência da Vara de Fazenda Pública para julgar os feitos em que os entes da Administração direta e indireta forem partes ou interessados[14].
Agravo de instrumento. Vara de infância, juventude e fazenda publica. Competência. Decisão nula. Proferida por juiz incompetente. I - competência absoluta da vara da infância e da juventude, em razão da matéria, prevalecendo a mesma, por ser especial em relação a regra geral da competência das varas da fazenda publica; II - tendo em vista que a hipótese dos autos refere-se justamente quanto aos interesses afetos as crianças e adolescentes, evidente a competência do juízo da infância e juventude para processar e julgar a ação civil publica manejada. De consequência e de ser declarada nula a decisão monocrática vez que proferida por juiz absolutamente incompetente. Agravo conhecido e provido. Decisão nula. Remessa dos autos ao juízo da infância e juventude de caldas novas".[15] (TJGO. Agravo de Instrumento 56728-6/180, rel. Des. Walter Carlos Lemes, 3a Câmara Cível, julgado em 18/dez/2007).
Perceptível a mudança de orientação da jurisprudência pátria, todavia, para entender este fenômeno e compreender se a competência afeta às Varas especializadas infantojuvenis, é preciso ponderar os elementos que norteiam os direitos nelas discutidos.
3.2 Construção da competência Das Varas da Infância e da Juventude
A Constituição Federal de 1988, como mencionado anteriormente, priorizou o atendimento às necessidades da criança e do adolescente, conforme previsão constante no art. 227 da Carta Política, que veio a se concretizar no mundo jurídico com a edição da Lei n. 9.069⁄90 – Estatuto da Criança e do Adolescente.
Segundo o art. 148, inciso IV, do mencionado diploma, “a Justiça da Infância e da Juventude é competente para conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209”.
Por sua vez, o art. 209, traz o seguinte:
Art. 209. As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores.
Convém apontar que a Constituição Federal (art. 227), alterou o anterior Sistema de Situação de Risco então vigente, e passou a reconhecer a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, protegidos atualmente pelo Sistema de Proteção Integral.
Assim, as normas que integram o sistema vigente são norteadas, dentre outros, pelos princípios da Absoluta Prioridade e do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente.
Nesse limiar, atentando aos princípios referidos, não há dúvida de que, na interpretação do Estatuto, "levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento" (art. 6º).
Ademais, a proteção integral à criança e ao adolescente inclui a previsão de normas de natureza processual, especialmente, aquelas que dispõem sobre a competência para o conhecimento, processamento e julgamento das demandas em que figuram estas pessoas.
Pois, como menciona a doutrina:
O Estatuto resguardou à Vara Especializada da Infância e da Juventude a competência absoluta para processar e julgar as demandas identificadas no art. 208. Assim, mesmo que os Estados e Municípios figurem no polo passivo ou ativo das ações civis públicas, será aquele o juízo competente, para o qual deverão ser encaminhadas as demandas de responsabilidade por alguma ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, o que representa uma novidade, pois, até o advento dessa nova leis, as ações propostas pelas pessoas jurídicas de direito público ou contra elas eram todas processadas nas Varas da Fazenda Pública, sem qualquer exceção[16].
Entretanto, é necessário advertir que a competência das Varas da Infância e da Juventude não é afeta qualquer ação que apresente interesse de criança e adolescente, sendo imprescindível estabelecer um norte para sua atuação.
Tal marco é consagrado no próprio Estatuto, através de uma análise dos dispositivos supramencionados, que indicam que para firmar a competência do juízo especializado, exige-se que a questão submetida a julgamento diga respeito à tutela de direitos relacionados diretamente a interesses da criança ou do adolescente, dentre eles, a garantia de acesso à educação, saúde e dignidade da pessoa humana. Ao passo que afasta, por exemplo, demandas com objeto preponderante de cunho patrimonial, tais como previdenciárias, tributárias e danos morais e materiais.
Ainda mesmo que se entenda que a hipótese apresentada não está incluída no rol do “caput” art. 148 do Estatuto, especialmente no inciso IV, caracterizada a situação de risco – que não é incomum na violação de direitos fundamentais – a competência será da Vara da Infância e da Juventude.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu nesse sentido:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. MENOR PÚBERE. MATRÍCULA EM CURSO SUPLETIVO. ART. 148, IV, C/C ART. 209 DO ECA. COMPETÊNCIA ABSOLUTA DA VARA DA INFÂNCIA E DO ADOLESCENTE. 1. Discute-se no apelo a competência para apreciar mandado de segurança impetrado contra dirigente de instituição de ensino, com o objetivo de se assegurar ao menor de 18 anos matrícula no exame supletivo e, em sendo aprovado, a expedição do certificado de conclusão do ensino médio. 2. A pretensão deduzida na demanda enquadra-se na hipótese contida no art. 148, IV c/c art. 209, do ECA, sendo da competência absoluta do Juízo da Vara da Infância e da Juventude a apreciação das controvérsias fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos vinculados à criança e ao adolescente. Precedentes. 3. Recurso especial provido[17].
Assim, mesmo que a Fazenda Pública seja parte, a competência, quando presentes tais direitos, deve ser fixada no Juízo da Vara da Infância e da Juventude, diante das normas específicas mencionas que regem o tema.
Notas
[1] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 31.
[2] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 31.
[3] THEODORO Júnior, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 176.
[4] THEODORO Júnior, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 187.
[5] BORDALLO, Galdino Augusto Coelho. “As regras gerais do processo”, in: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 5 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 93.
[6] VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. Vol. 5. Coleção Resumos Jurídicos. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006, p. 9-10.
[7] DALLARI, Dalmo de Abreu. “Art. 4º”, in: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da criança e do adolescente comentado. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 38.
[8] PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 4.
[9] SÊDA, Edson. A criança e o direito alternativo: Um relato sobre o cumprimento da doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente no Brasil. Campinas: Adês, 1995, p. 43.
[10] MARSHESAN, Ana Maria Moreira. O princípio da prioridade absoluta ao direito da criança e do adolescente e a discricionariedade administrativa. Ministério Público do Rio Grande do Sul. Disponível em: < http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina> Acesso em 07/jun/2013.
[11] ALBERGARIA, Jason. Comentários do estatuto da criança e do adolescente. 2.ed. Rio de Janeiro: Aide, 1991, p. 30.
[12] DALLARI, Dalmo de Abreu. “Art. 4º”. in: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da criança e do adolescente comentado. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 25.
[13] SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de. Apelação Cível n. 2012.070744-8, de São José. Relator: Desembargador Júlio César Knoll, julgado em 29/nov/2012.
[14] DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do. Apelação Cível n. 531302. Relator: Desembargador Mário Zam Belmiro, julgado em 6/jul/2011.
[15] GÓIAS. Tribunal de Justiça de. Agravo de Instrumento n. 56728-6/180. Relator: Desembargador Walter Carlos Lemes, julgado em 18/dez/2007.
[16] VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. Vol. 5. Coleção Resumos Jurídicos. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006, p. 9-10.
[17] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1217380/SE. Relator: Ministro Castro Meira, julgado em 25/mai/2011.