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Os dados genéticos e a proteção à intimidade no direito brasileiro:

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Agenda 07/10/2004 às 00:00

4. Conclusões.

Após todo o expendido a primeira conclusão a que se pode chegar é que os dados genéticos, enquanto informações sobre as características hereditárias de um indivíduo, bem como seu padrão genético, pertencem ao ser humano, fazendo parte da esfera íntima, de sua personalidade.

Desta forma, quaisquer experimentações com o genôma humano ou divulgações de dados genéticos são mais que problemas científicos, mas éticos, visto que podem afetar seriamente a dignidade da pessoa humana, seja com discriminações ou com a ruptura de sua privacidade.

Atentos a estes problemas, diversos países vêm procurando modernizar sua legislação, no sentido de permitir o desenvolvimento tecnológico e científico, mas sempre com a observância dos direitos daqueles envolvidos em experimentações e manipulações. As dificuldades são muitas e podem ser reduzidas a duas, suas causas:

"Em primeiro lugar, porque tratam de realidades ainda não totalmente conhecidas e dominadas pelo homem; em segundo, porque as novas descobertas realizam-se numa sociedade cujos valores e cuja ordem jurídica, deles decorrentes, são contestados em seus fundamentos por um homem e uma sociedade nas dores de parto. Isto não significa, certamente, que os princípios, como o da autonomia serão ignorados, mas simplesmente terão uma leitura mais crítica e prospectiva. Somente inserindo-se no processo de elaboração legislativa a dimensão ética, expressão da autonomia do homem, é que a ordem jurídica poderá atender às novas realidades sociais, produto da ciência e da tecnologia." (17)

O Brasil, país de grandeza continental e riquezas naturais ímpares possui grandes desafios, ainda nas áreas econômica e social, e não tem grande expressão no cenário técnico-científico. Contudo, por ser uma nação em desenvolvimento, já começa a sentir os avanços obtidos por outras nações, inclusive referente ao Projeto Genoma Humano e à pesquisa genética em geral, como no caso dos alimentos transgênicos.

Isto faz com que se torne necessária a edição de toda uma legislação adequada para o tratamento dessas novas tecnologias, mas não com a simples cópia de textos normativos de outros países, pois é sabido que as condições sociais, a realidade e as aspirações do povo brasileiro são bastante diversas, bem como seu entendimento do que seja respeito à dignidade humana e justiça social. É neste cenário que foi editada a Lei 8.974/95, hoje revogada pela Lei 11.105/05, ambas atentas para certos aspectos da ciência genética, contudo sem esgotá-la, deixando mesmo uma lacuna nesta área em nosso país, inclusive quanto aos aspectos éticos a serem observados com relação ao genôma humano, aos dados genéticos.

Apesar disso, o brasileiro não está inteiramente desprotegido. Embora não haja regulamentação específica sobre toda a ciência genética, o ordenamento jurídico, em sua integralidade, oferece proteção aos direitos básicos do cidadão, inclusive o direito à intimidade, sobre o qual este trabalho se deteve.

Assim é que a Constituição da República, de 05.10.88, erigiu expressamente à categoria de direito fundamental o direito à intimidade, vedando sua violação e permitindo a indenização em caso de seu descumprimento, por danos morais e patrimoniais causados ao seu detentor (artigo 5º, inciso X). É que a intimidade faz parte da dignidade humana, como já se disse, e sem ela o ser humano não pode se realizar plenamente; é uma decorrência do direito à liberdade, um dos pilares do princípio do devido processo legal (vida - liberdade - propriedade), reconhecido em todas as legislações dos países democráticos. Pertencendo ao homem as informações contidas em seus dados genéticos, sua disposição, divulgação e conhecimento são de sua inteira responsabilidade; é ele autônomo em sua tratativa. Qualquer interferência ou ingerência nos mesmos, sem a adequada e lícita autorização do seu detentor, o ser humano, constitui ofensa a um direito fundamental, qual seja, a intimidade.

Não bastasse a norma constitucional retro, pode o brasileiro e qualquer estrangeiro residente no país, dada a universalidade dos direitos fundamentais, recorrer também ao Código Penal brasileiro que, ainda muito restritamente configura como crime a violação de segredo profissional, aos quais podem ser acrescentados os dados genéticos de um paciente sobre os quais um médico tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão. Tem-se, ainda, o Código de Ética Médico, onde fica bem claro que o exercício da medicina tem como postulado o respeito aos princípios da intimidade e autonomia do paciente.

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Tais normas não são, repita-se uma vez mais, suficientes. Embora pareça que a questão de o paciente querer saber ou não sobre seus dados genéticos, ou de divulgá-los e permitir a experimentação dos mesmos e o tratamento de possíveis doenças e anomalias detectadas, esteja bem protegida, já que claro é que a intimidade é um direito fundamental do homem, outra é a conclusão em outros pontos, entre eles a discriminação em virtude de informações genéticas. A exigência de que empregados se submetam a exames genéticos, ou de pacientes, antes da formalização de contratos de seguros, ofende direito fundamental do ser humano, mas não existe nenhuma norma criminal que penalize aqueles que tomem tais medidas. A discriminação é crime inafiançável, como prevê a Constituição Federal, mas não há tipo penal específico para a decorrente de informações genéticas.

Há, ainda, no direito brasileiro, a questão do direito à intimidade em face do direito à informação, ambos direitos fundamentais individuais, v.g. quando uma informação genética possa prejudicar terceiros, a coletividade. Neste trabalho houve uma tentativa de explicar que, nestes casos deve-se analisar situação por situação e não, impor modelos normativos em tese, já que inexistem princípios constitucionais melhores ou superiores a outros; todos são válidos, embora apenas um seja válido para um determinado caso concreto. Contudo, esta posição ainda é recente em nosso direito, e, a tese que vem sendo adotada é a mesma de outros países, ou seja, considera-se como princípio maior o da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

Pode-se perceber que o ordenamento jurídico brasileiro não está totalmente preparado para o tratamento do genoma humano. O desenvolvimento científico e tecnológico é rápido, mas os direitos e garantias fundamentais do homem não podem ser submetidos a ele, sendo o contrário verdadeiro. Cabe ao legislador e aos doutrinadores desenvolverem uma teoria adequada ao Brasil do genoma humano, sempre respeitando os direitos do homem, colocando a ética no mesmo nível dos estudos científicos, pois, como adverte o filósofo americano JOHN RAWLS:

"Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras.

Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos.

(...)

Todos os valores sociais - liberdades e oportunidades, ingressos e riquezas, assim como as bases sociais e o respeito a si mesmo - forem distribuídos de maneira igual, a menos que uma distribuição desigual de algum ou de todos esses valores redunde em benefício para todos, em especial para os mais necessitados." (18)


5. Notas

1.Quando o Projeto Genoma Humano foi iniciado, imaginava-se que o homem teria cerca de 100 mil genes "escritos" no genoma. As primeiras análises do rascunho de 2000, entretanto, reduziram essa estimativa para cerca de 30 mil genes. Desde então, muitos novos genes foram descobertos e o debate permanece aberto. A contagem final, segundo a diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo, Mayana Zatz, deve terminar em torno de 50 mil genes.

2.PENA, Sérgio Danilo J. AZEVÊDO, Eliane S. O Projeto Genoma Humano e a Medicina Preditiva: Avanços Técnicos e Dilemas Éticos, in Iniciação à Bioética / Sergio Ibiapina Ferreira Costa, Gabriel Oselka, Volnei Garrafa, coordenadores. - Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. p. 140.

3.DALLARI, Dalmo de Abreu. Bioética e Direitos Humanos, in Iniciação à Bioética / Sergio Ibiapina Ferreira Costa, Gabriel Oselka, Volnei Garrafa, coordenadores. - Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. p. 238.

4.PENA, Sérgio Danilo J. AZEVÊDO, Eliane S. Ob. Cit. p. 140/141.

5.PESSINI, Léo. BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Bioética: do Principialismo à Busca de uma Perspectiva Latino-Americana, in Iniciação à Bioética / Sergio Ibiapina Ferreira Costa, Gabriel Oselka, Volnei Garrafa, coordenadores. - Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. p. 95/96.

6.JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 5ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999. p. 33.

7.SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido Processo Legal - Due Process of Law. 2ª ed. rev. e ampliada. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p. 83/84.

8.CASABONA, Carlos M. Romeo. El Derecho Penal y las Nuevas Tecnologías, in Revista del Foro Canario nº 87. Las Plamas de Gran Canaria, 1993. p. 198.

9.SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1994. p. 188/189.

10.FRANCISCONI, Carlos Fernando. GOLDIM, José Roberto. Aspectos Bioéticos da Confidencialidade e Privacidade, in Iniciação à Bioética / Sergio Ibiapina Ferreira Costa, Gabriel Oselka, Volnei Garrafa, coordenadores. - Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. p. 269.

11.MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1980. p. 230.

12.BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997. p. 251.

13.GALUPPO, Marcelo Campos. Princípios Jurídicos e a Solução de seus Conflitos. A Contribuição da obra de Alexy, in Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 142, 2º sem. 1998.

14.SILVA, José Afonso da. Ob. Cit. p. 243.

15.MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Ed., 1995. p. 80/81.

16.GUIMARÃES, Alessandra Dabul. A Isonomia entre os Créditos e os Débitos da Fazenda Pública, in Revista Dialética de Direito Tributário nº 44. p. 19.

17.BARRETO, Vicente. Bioética e Ordem Jurídica, in Revista da Faculdade de Direito. V. 1, 1994 - Rio de Janeiro: UERJ. Nº 2 - publicação anual. p. 454.

18.RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad.: Almiro Pisetta e Lenita M.R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 64 e 66


6. Bibliografia.

- BARRETO, Vicente. Bioética e Ordem Jurídica, in Revista da Faculdade de Direito. V. 1, 1994.

- BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997.

- CASABONA, Carlos M. Romeo. El Derecho Penal y las Nuevas Tecnologías, in Revista del Foro Canario nº 87. Las Plamas de Gran Canaria, 1993.

- DALLARI, Dalmo de Abreu. Bioética e Direitos Humanos, in Iniciação à Bioética / Sergio Ibiapina Ferreira Costa, Gabriel Oselka, Volnei Garrafa, coordenadores. - Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998.

- FRANCISCONI, Carlos Fernando. GOLDIM, José Roberto. Aspectos Bioéticos da Confidencialidade e Privacidade, in Iniciação à Bioética / Sergio Ibiapina Ferreira Costa, Gabriel Oselka, Volnei Garrafa, coordenadores. - Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998.

- GALUPPO, Marcelo Campos. Princípios Jurídicos e a Solução de seus Conflitos. A Contribuição da obra de Alexy, in Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 142, 2º sem. 1998.

- GUIMARÃES, Alessandra Dabul. A Isonomia entre os Créditos e os Débitos da Fazenda Pública, in Revista Dialética de Direito Tributário nº 44.

- JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 5ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999.

- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Ed., 1995.

- ______________________________. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1980.

- PENA, Sérgio Danilo J. AZEVÊDO, Eliane S. O Projeto Genoma Humano e a Medicina Preditiva: Avanços Técnicos e Dilemas Éticos, in Iniciação à Bioética / Sergio Ibiapina Ferreira Costa, Gabriel Oselka, Volnei Garrafa, coordenadores. - Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998.

- PESSINI, Léo. BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Bioética: do Principialismo à Busca de uma Perspectiva Latino-Americana, in Iniciação à Bioética / Sergio Ibiapina Ferreira Costa, Gabriel Oselka, Volnei Garrafa, coordenadores. - Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998.

- RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad.: Almiro Pisetta e Lenita M.R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

- SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1994.

- SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido Processo Legal - Due Process of Law. 2ª ed. rev. e ampliada. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.

Sobre o autor
Rodrigo Rigamonte Fonseca

procurador da Fazenda Nacional em Belo Horizonte (MG), mestre em Direito Processual pela PUC/MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONSECA, Rodrigo Rigamonte. Os dados genéticos e a proteção à intimidade no direito brasileiro:: apontamentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 457, 7 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5780. Acesso em: 24 dez. 2024.

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