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Os dados genéticos e a proteção à intimidade no direito brasileiro:

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07/10/2004 às 00:00

Resumo:


  • Dados genéticos integram a esfera íntima do indivíduo e sua divulgação ou manipulação sem consentimento é uma questão ética que afeta a dignidade humana.

  • O direito à intimidade é um direito fundamental protegido pela Constituição Brasileira, garantindo ao indivíduo controle sobre suas informações genéticas.

  • Embora o ordenamento jurídico brasileiro proteja o direito à intimidade, ainda falta legislação específica que aborde integralmente as questões éticas e legais relativas ao genoma humano.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Sumário: 1.Os dados genéticos: definição e problemática. 2.O direito à intimidade: origem, conceituação e delimitação. 3.A intimidade no direito brasileiro: tratamento e proteção dos dados genéticos; conflito entre o direito à intimidade e o direito à informação. 4.Conclusões. 5.Notas. 6.Bibliografia.


1. Os dados genéticos: definição e problemática.

Prima facie faz-se mister certo esclarecimento sobre determinados conceitos que serão úteis e, até mesmo, indispensáveis, no decorrer deste trabalho, ante sua correlação com o tema central. São eles: D.N.A., genes e genoma.

Pois bem, o genoma humano é formado por três bilhões de pares de bases de D.N.A. (ácido desoxirribunucléico), que são moléculas que contém a informação genética dos seres vivos, distribuídos em vinte e três pares de cromossomos, contendo entre setenta mil a cem mil genes (1). Estes são partes do já mencionado D.N.A., responsáveis pela configuração dos seres vivos (herança genética), mas é preciso ter-se em mente que nem todos contêm informação genética propriamente dita, ou melhor, são não-codificantes, despidos de função na herança genética.

O genoma é o conjunto dos genes que se encontram em cada célula do ser vivo; é informação sobre as características físicas do ser humano (pouco se sabe, mas ao gene também é vinculada a característica mental), que podem ser conhecidas, usadas, modificadas e induzidas.

Em 1990 surgiu, oficialmente, nos EUA, por iniciativa do Departamento de Energia, que pretendia estudar os efeitos da radiação intensa sobre os genes humanos, o Projeto Genoma Humano. Seu objetivo nada mais era que a "cartografia" dos genes humanos, com sua localização, estabelecimento de suas funções, bem ainda atuação como medida preventiva para controle de doenças, ou seja, o desenvolvimento do Projeto Genoma Humano implicava no desenvolvimento do perfil genotípico dos indivíduos. No ano 2000 o Programa Genoma Humano e a empresa privada norte-americana Celera anunciaram a conclusão de um primeiro rascunho do mapeamento do genoma humano e, em 2003 cientistas inauguraram uma nova era na medicina e na biologia, com a divulgação da seqüência completa do genoma humano.

Para tanto, o Projeto Genoma Humano valeu-se dos dados genéticos, cuja definição pode ser obtida na Recomendação nº R (97) 5, de 13 de fevereiro de 1997, do Comitê de Ministros do Conselho da Europa aos Estados Membros sobre Proteção de Dados Médicos, in verbis:

"Todos os dados, qualquer que seja sua classe, relativos às características hereditárias de um indivíduo ou ao padrão hereditário de tais características dentro de um grupo de indivíduos aparentados. Também se refere a todos os dados sobre qualquer informação genética que o indivíduo porte (genes) e aos dados da linha genética relativos a qualquer aspecto da saúde ou enfermidade, já presente com característica identificáveis ou não."

Os dados genéticos revelam toda a história do ser humano e, também, sua potencialidade evolutiva (2).

Deixando de lado a questão do grande desenvolvimento científico e tecnológico em que se constitui o Projeto Genoma Humano, até mesmo indiscutível, tem-se que diversos problemas advém daí, principalmente relacionados à ética. Tanto isto é verdade que o próprio Projeto prevê que dez por cento de seu orçamento seja direcionado a discussões sobre a privacidade da informação genética, segurança e eficácia da medicina genética e justiça no uso da informação genética.

O tema é tão atual e interessante para toda a humanidade que a UNESCO proclamou, em 11 de novembro de 1997, a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, que estatui em seus artigos 1º e 2º, o respeito à dignidade humana, como se vê de sua transcrição abaixo:

"Artigo 1º.

O genoma humano é a base da unidade fundamental de todos os membros da família humana e do reconhecimento de sua dignidade e diversidade intrínsecas. Em sentido simbólico, o genoma humano é o patrimônio da humanidade."

"Artigo 2º.

a) Cada indivíduo tem direito ao respeito de sua dignidade e direitos, quaisquer que sejam suas características genéticas.

b) Esta dignidade humana impõe que não se reduza os indivíduos a suas características genéticas e que se respeite seu caráter único e sua diversidade."

Portanto, em um primeiro momento pode-se ter como premissa que na investigação e na manipulação do genoma humano, ou melhor, na tratativa dos dados genéticos obtidos deve-se respeitar o ser humano enquanto pessoa, física; e, como parte da espécie humana deve-se preocupar com esta e com a relação com as futuras gerações, além de atentar-se para formas de proteção e os direitos fundamentais do homem (liberdade, intimidade, etc.).

Os dados genéticos obtidos em pesquisas e experimentos realizados com o genoma humano não podem servir a objetivos meramente econômico-financeiros, mas precipuamente ao desenvolvimento do homem e da sociedade. Os direitos fundamentais do ser humano, reconhecidos pela Organização das Nações Unidas e pela totalidade dos países democráticos não podem ser desprezados ou mesmo, minimizados em virtude do progresso científico.

É neste ponto que se encontra hoje a ciência, especificamente no que diz respeito aos dados genéticos que pode desvendar o passado do ser humano e permitir visualizar sua condição futura. Desenvolvimento e respeito aos direitos do homem não são aspirações contrapostas ou inconciliáveis, desde que não se submeta o segundo ao primeiro. As conquistas históricas do cidadão não devem ser levadas em consideração, pois é sabido que o ambiente também influencia a informação genética, às vezes em quantidade irrelevante, outras vezes superior ao que se espera.

Como adverte o festejado jurista brasileiro DALMO DE ABREU DALLARI (3),

"são também contra os direitos humanos os que, em nome do progresso científico e de um futuro e incerto benefício da humanidade, ou alegando atitude piedosa em defesa da dignidade humana, pregam ou aceitam com facilidade a inexistência de limites éticos para as experiências científicas ou o uso dos conhecimentos médicos para apressar a morte de uma pessoa."

No Brasil não é diferente. As preocupações são idênticas às do resto do mundo: desenvolvimento científico e dignidade humana. O direito brasileiro procura, entretanto, conciliá-los, com o intuito de não impedir o progresso científico, mas ao contrário estimulá-lo, respeitando-se os direitos do cidadão.

Assim é que prescreve a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, em seu artigo 225, §1º, incisos II e V:

"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(...)

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

(...)

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

(...)"

Tais dispositivos constitucionais foram regulamentados inicialmente pela Lei nº 8.974, de 05 de janeiro de 1995, que vetou a utilização de técnicas de engenharia genética por pessoas físicas enquanto agentes autônomos independentes, além de impedir a manipulação genética de células germinais humanas, a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para tratamento de defeitos genéticos, a produção, o armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível, além de instituir tipos penais específicos. Ficou também autorizada a criação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, posteriormente regulada pelo Decreto nº 1.752, de 20 de dezembro de 1995.

A Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, regulamentada pelo Decreto nº 5.591, de 22 de novembro de 2005, ao revogar a Lei nº 8.974/95, manteve a proibição de utilização de técnicas de engenharia genética por pessoas físicas, mas veio a permitir a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, para os fins de pesquisa e terapia, impondo algumas condições, como o congelamento por no mínimo três anos, a aquiescência dos genitores e a aprovação do comitê de ética correspondente.

A par de todas as questões que podem surgir da tratativa dos dados genéticos, este trabalho se deterá na análise do respeito e observância dos direitos fundamentais do cidadão, mais especificamente do direito à intimidade, sob o ponto de vista do ordenamento jurídico brasileiro.

Basicamente a questão é saber-se o indivíduo possui total controle sobre seus dados genéticos ante o direito à intimidade, privacidade e autodeterminação, principalmente levando-se em conta o direito à informação da sociedade.

Muitas são as indagações surgidas com o tema, tais como: o diagnóstico de doenças genéticas e a identificação de indivíduos propensos a desenvolver sérias e graves doenças durante certo estágio da vida pertencem à esfera íntima do homem? Estes dados genéticos devem ser resguardados, independentemente do quantum que afete a sociedade? Qual sua relação com o direito à informação e ao desenvolvimento tecnológico e científico? Como impedir a rotulação e discriminação das pessoas após a determinação de sua herança genética? Os dados genéticos podem ser exigidos por companhias de seguros, planos de saúde ou empregadores, como requisitos para contratação?

Vê-se, de uma análise perfunctória dos problemas que podem surgir com a divulgação ou não dos dados genéticos que a questão é polêmica, embora recentes sejam as experimentações neste campo da ciência. Ainda mais em se tratando de Brasil, onde questões mais simples e antigas, como a fome e miséria da maioria da população não foram resolvidas, em quinhentos anos de história.

Ocorre que o genoma humano é patrimônio da humanidade e os avanços e ganhos obtidos de sua experimentação também pertencem aos países do chamado Terceiro Mundo (4). Devemos, na realidade, contribuir com o progresso científico das pesquisas com o genoma humano e, mais ainda, com as questões éticas que as envolvem, pois, como advertem PESSINI e BARCHIFONTAINE (5),

"Uma macrobioética (sociedade) precisa ser proposta como alternativa à tradição anglo-americana de uma microbioética (solução de casos clínicos). Na América Latina, a bioética sumarizada num ‘bios’ de alta tecnologia e num ‘ethos’ individualista (privacidade, autonomia, consentimento informado) precisa ser complementada por um ‘bios’ humanista e um ‘ethos’ comunitário (solidariedade, equidade, o outro).

(...)

Quem sabe, a intuição pioneira de Potter (1971) ao cunhar a bioética como sendo uma ponte para o futuro da humanidade necessita ser repensada neste limiar de um novo milênio, também como uma ponte de diálogo multi e transcultural entre os diferentes povos e culturas, no qual possamos recuperar não apenas nossa tradição humanista como também o sentido e o respeito pela transcendência da vida na sua magnitude máxima (cósmico-ecológica) - e desfrutá-la como Dom e conquista, de forma digna e solidária."

Com estas observações introdutórias e indispensáveis, passa-se ao tema proposto.


2. O direito à intimidade: origem, conceituação e delimitação.

O direito à intimidade, enquanto direito fundamental do cidadão, tem sua origem na cláusula do due process of law. Utilizada pela primeira vez pela Magna Charta de João Sem Terra, em 1215, como a law of the land, possuía caráter eminentemente penal, somente vindo a ter o conteúdo que conhecemos pela lei inglesa de 1354 - Statute of Westminster of the Liberties of London -, sendo copiada pela Constituição Federal americana de 1787 e mesmo antes pelas Constituições dos Estados de Virgínia, Maryland, Pensilvânia e Massachusetts.

O princípio do devido processo legal "caracteriza-se pelo trinômio vida-liberdade-propriedade" (6), não possuindo, somente, sentido processual. É aí que faz sentido sua divisão em procedural due process (quando refere-se às garantias constitucionais do processo: ampla defesa, contraditório, etc.) e substantive due process of law, quando de sua atuação referente ao direito material. Isto significa dizer que todos os direitos fundamentais do cidadão, inclusive o direito à intimidade e à privacidade, decorrentes do direito à liberdade, estão protegidos pela cláusula do devido processo legal em seu aspecto substantivo.

Sobre o alcance da cláusula do devido processo legal substantivo sobre o direito à intimidade, importante é o entendimento do il. PAULO FERNANDO SILVEIRA (7), in verbis:

"(...) o substantivo devido processo legal refere-se ao conteúdo ou à matéria tratada na lei ou no ato administrativo, ou seja, se a sua substância está de acordo com o devido processo, como cláusula constitucional garantidora das liberdades civis. Envolve, desse modo, aspectos mais amplos da liberdade, como o direito à privacidade ou a uma educação igualitária. O governo tem que demonstrar uma razão imperativa antes de infringir tais liberdades.

Nas palavras do eminente Ministro Carlos Velloso, do Supremo Tribunal Federal, ‘Due process of law, com conteúdo substantivo - substantive due process - constitui limite ao legislativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (rationality), devem, guardar, segundo N. Holmes, um real e substantivo nexo com o objetivo que se quer atingir. (...)"

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Como já foi dito, a intimidade é um direito fundamental da pessoa humana, vez que sem ela o ser humano não se realiza com dignidade, impondo-se como uma limitação ao Poder do Estado. É uma manifestação da personalidade do homem, decorre de seu direito à vida e à liberdade; são seus pressupostos elementares e como tais possuem caráter universal. Tanto o é que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral da O.N.U. de 10 de dezembro de 1948, traz estampada em seu preâmbulo a necessidade de respeito à dignidade da pessoa humana e proclama em seus artigos iniciais o direito à intimidade pessoal, familiar, epistolar e de domicílio.

O il. Prof. CARLOS M. ROMEO CASABONA (8), uma das maiores autoridades mundiais em genoma humano entende a intimidade como,

"(...) aquellas manifestaciones de la personalidad individual (o familiar) cuyo conocimiento o desarrollo quedan reservados a su titular o sobre las que ejerce alguma forma de control cuando se vem implicados terceros (entendiendo por tales tanto los particulares como el Estado)."

O constitucionalista JOSÉ AFONSO DA SILVA (9), considerando a intimidade como espécie do direito à privacidade, que seria o gênero, baseado em J. MATOS PEREIRA e RENÉ ARIEL DOTTI, ensina que:

"(...) a privacidade como ‘o conjunto de informação acerca do indivíduo que ele pode decidir manter sob seu exclusivo controlo, ou comunicar, decidindo a quem, quando, onde e em que condições, sem isso poder ser legalmente sujeito’.

(...)

Segundo René Ariel Dotti a intimidade se caracteriza como ‘a esfera secreta da vida do indivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os demais’ (...)"

Dessa forma, por ser direito fundamental, a intimidade é inalienável, imprescritível e irrenunciável; deve ser respeitada, inclusive pelos órgãos governamentais, pois a dignidade humana depende de sua observância. O progresso da ciência e da tecnologia devem se adequar a este direito, não o contrário.

Hodiernamente, com o surgimento de novos e melhorados meios de comunicação e divulgação da imagem, a temática proposta neste trabalho apresenta-se delicada. Cada dia mais a esfera de privacidade e intimidade do indivíduo é diminuída sob alegações não muito originais, v.g. o interesse público. Isto não é diferente com o campo da ciência genética, pois as pressões políticas e econômicas e, também, as promessas de um futuro melhor para a vida em sociedade têm forçado e estimulado o estudo da questão.

Contudo, parece-nos que o tema chega a ser menos "espinhoso" do que parece. Isto se levando em conta, sempre, que a intimidade da pessoa humana é um direito fundamental, universal, e, assim, inatacável por quaisquer formas, ainda que as intenções sejam magnânimas.

Revelando-se, os dados genéticos, como informações históricas do ser humano, é impossível não integrá-los como pertencentes à esfera íntima do homem, que deve ser protegida. Com esta afirmativa chega-se a uma resposta que atende a algumas perguntas formuladas no item anterior: as pesquisas e intervenções no genoma humano somente podem ser realizadas com prévia autorização – sem vícios - do paciente, nos limites da legislação em vigor, e, os dados obtidos (dados genéticos) a ele pertencem, apenas podendo ser divulgados ou posteriormente utilizados ou manipulados com seu consentimento. Embora existam e devam existir certas exceções, esta deve ser a regra, pois a intimidade não é mera concessão liberal ao homem, mas um direito correlato à sua dignidade e liberdade.


3. A intimidade no direito brasileiro: tratamento e proteção dos dados genéticos; conflito entre o direito à intimidade e o direito à informação.

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, não se afastando da concepção moderna e histórica, erigiu expressamente à categoria de direito fundamental individual a intimidade do ser humano, nos termos seguintes:

"Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

(...)

§1º. As normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte."

Inquestionável é a proteção dada pelo ordenamento jurídico brasileiro ao direito à intimidade. A Constituição não só declara sua inviolabilidade, mas também prevê indenização por danos morais e patrimoniais nos casos em que o preceito constitucional venha a ser descumprido, na forma da lei civil.

Como direito fundamental possui eficácia imediata, independentemente de quaisquer regulamentações - norma constitucional auto-aplicável. Também em decorrência disto é impossível sua supressão, mesmo que por Emenda à Constituição (Art. 60, §4º, inciso IV, CR/88), sendo cláusula pétrea:

"Art. 60. (...)

§4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

(...)

IV - os direitos e garantias individuais."

Ressalte-se, uma vez mais, que os dados genéticos fazem parte dos atributos íntimos do homem, pois retratam seu passado e permitem a análise de sua possível condição futura. Esta é a posição esclarecida do direito brasileiro que pode ser visualizada através dos seguintes dispositivos do Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.246/88, de 08 de janeiro de 1988 - D.O.U 26.01.88):

"Capítulo I - Princípios Fundamentais

Art. 11 - O médico deve manter sigilo quanto às informações confidenciais de que tiver conhecimento no desempenho de suas funções. O Mesmo se aplica ao trabalho em empresas, exceto nos casos em que seu silêncio prejudique ou ponha em risco a saúde do trabalhador ou da comunidade."

"Capítulo V - Relação com Pacientes e Familiares

É vedado ao médico:

Art. 59 - Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal."

"Capítulo VII - Relações Entre Médicos

É vedado ao médico:

Art. 83 - Deixar de fornecer a outro médico informações sobre o quadro clínico do paciente, desde que autorizado por este ou seu responsável legal."

"Capítulo IX - Segredo Médico

É vedado ao médico:

Art. 105 - Revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade."

"Capítulo X - Atestado e Boletim Médico

É vedado ao médico:

Art. 117 - Elaborar ou divulgar boletim médico que revele o diagnóstico, prognóstico ou terapêutica, sem a expressa autorização do paciente ou de seu responsável legal."

Percebe-se que o paciente possui inteira e inquestionável disposição sobre seus dados médicos, incluídos seus dados genéticos. Pode-se mesmo afirmar que o prontuário é do paciente, sendo errôneas e desatualizadas as expressões "prontuário médico" e "arquivo médico", já que os hospitais, clínicas de saúde e médicos são apenas depositários destas informações (10).

Impossível e inconstitucional é a divulgação dos dados genéticos de um paciente sem sua prévia e legal autorização, sem quaisquer constrangimentos, ainda que para fins meramente científicos.

Nesta alcatifa, o Código Penal brasileiro, em seu artigo 154 considera crime a violação do segredo profissional, do qual se tenha conhecimento por função, ministério, ofício ou profissão. Essencial é a transcrição deste regramento legal:

"Art. 154. Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

Parágrafo único - Somente se procede mediante representação."

E, caso o sujeito ativo da conduta delituosa seja funcionário público o delito está previsto no artigo 325, caput, do Código Penal:

"Art. 325. Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa, se o fato não constituir crime mais grave."

Nota-se que o Código Penal brasileiro, embora oriundo da década de quarenta do século passado, está, em certa dose, em harmonia com a Constituição da República, pois tem como objetivo a proteção da intimidade do homem, considerando crime a revelação de segredo por profissionais que dele tenham conhecimento, por qualquer motivo.

Mostra-se, entretanto, um tanto quanto restrito, não atendendo a todas as situações que podem surgir de violação da intimidade do ser humano, tendo-se em vista o princípio da reserva legal: nullum crimen, nulla poena sine lege. Apresenta-se ultrapassado, neste sentido, deixando de atentar para as modernas formas de violação da intimidade e vida privada do indivíduo por uma questão simples: ao tempo em que foi criado eram impensáveis os avanços tecnológicos que hoje alcançamos e que podem colocar, ao menos hipoteticamente, em risco a dignidade da pessoa humana.

Ademais, pode-se perceber que os dispositivos retro-transcritos exigem a comprovação de dano a alguém, retirando do ofendido o direito de não revelar ou ver revelado segredo seu, que pode ser em relação a seus dados genéticos, independentemente de ser prejudicado ou não. Neste ponto nota-se certa redução do alcance do dispositivo constitucional protetor da intimidade, deixando claro, uma vez mais, a necessidade de adequação da legislação infraconstitucional, neste ponto.

Há, também, que ser incluído como possibilidade de dano, o moral, não apenas o patrimonial. As conseqüências da divulgação de dados genéticos de determinada pessoa pode causar-lhe não apenas reflexos em seus bens materiais, mas pior, pode atingir sua honra, imagem, etc., transformando-a em alvo de discriminações e vergonha. Não pode, portanto, deixar de ser considerada a possibilidade de dano moral em virtude de violação da intimidade do homem.

Em qualquer caso, é importante ressaltar, pode haver, além da condenação criminal do infrator, ou mesmo esta não existindo, seja por qualquer motivo, até mesmo por não ser atendido o princípio da reserva legal, é cabível a reparação civil dos danos patrimoniais e morais daí advindos.

Outro problema que estes dispositivos penais trazem (artigos 154 e 325, caput, ambos do Codex Aflitivo) é a inclusão entre os elementos de seus tipos penais a não existência de justa causa para revelação do segredo que, como a doutrina nacional vem entendendo, refere-se às excludentes de antijuridicidade (legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de direito e estrito cumprimento de dever legal). Constitui mesmo, inclusive, crime contra a saúde pública o fato de o médico deixar de comunicar ao Poder Público doença cuja notificação seja compulsória (artigo 269, do Código Penal), colocando em risco a incolumidade e saúde públicas, determinando o Código de Ética Médico que:

"Art. 102 - Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente.

Parágrafo único: Permanece essa proibição: a) Mesmo que o fato seja de conhecimento público ou que o paciente tenha falecido. b) Quando do depoimento como testemunha. Nesta hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento."

"Art. 103 - Revelar segredo profissional referente a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou responsáveis legais, desde que o menor tenha capacidade de avaliar seu problema e de conduzir-se por seus próprios meios para solucioná-lo, salvo quando a não revelação possa acarretar danos ao paciente."

Ainda, mostra-se ilegal e inconstitucional a utilização ou a exigência de apresentação de exames ou dados genéticos como condição sine qua non para a contratação de empregados ou formalização de contratos de plano de saúde ou seguro. A Lei 9.656, de 3 de junho de 1998, alterada pela MP nº 2.177-44, de 24 de agosto de 2001, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde deixa em claro tal situação, bastante plausível de se ver ocorrer nos dias atuais, apenas estatuindo como dever da operadora a comprovação de que o consumidor teria conhecimento prévio de alguma doença, nos seguintes termos:

"Art. 11. É vedada a exclusão de cobertura às doenças e lesões preexistentes à data de contratação dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei após vinte e quatro meses de vigência do aludido instrumento contratual, cabendo à respectiva operadora o ônus da prova e da demonstração do conhecimento prévio do consumidor ou beneficiário.

Parágrafo único. É vedada a suspensão da assistência à saúde do consumidor ou beneficiário, titular ou dependente, até a prova de que trata o caput, na forma da regulamentação a ser editada pela ANS. "

Já foi transcrito neste trabalho o caput do artigo 5º da Constituição da República, onde está expressa a vedação à discriminação, seja por qualquer motivo, ao ser declarada a igualdade de todos perante a lei, bem como o artigo 3º, inciso IV, onde está previsto como fundamento do Estado a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas e maneiras de discriminação. Isto deixa claro que as exigências referidas - testes genéticos para contratação de empregados ou para a formalização de contratos de seguro e assistência médica - ofendem a Constituição da República, não tendo guarida em nosso país. Ademais, a Constituição de 1988, em seu inciso XLII, do artigo 5º, considera como inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, a prática de racismo. No campo infraconstitucional, as Leis nº 7.716/89, 8.081/90 e 9.459/97, apenas estabelecem como crime o preconceito em virtude de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, nada dizendo sobre a discriminação em virtude dos dados genéticos do indivíduo, muito menos sobre a exigência de que exames sejam feitos, o que não impede a configuração de discriminação nestes casos, vedado pelo ordenamento jurídico.

Visto isso surgem como derradeiras duas exceções, em que estaria justificada a revelação de dados genéticos: possibilidade de danos ao paciente e perigo para a comunidade.

Quanto ao primeiro caso a resposta parece ser única, ou seja, o paciente, acaso esteja no controle de suas faculdades mentais e possa avaliar seu problema e o resultado de sua decisão, ou seu responsável legal, tem o direito de não ver revelado o conteúdo de seus dados genéticos, ainda que isto possa ocasionar-lhe prejuízos futuros ou imediatos. Mesmo que isto possa significar um verdadeiros suicídio. O direito brasileiro não pune como crime o suicídio, mas a indução, o auxílio ou o instigamento a tanto. Os motivos para esta atitude podem ser muitos, entre eles a preservação de seu foro íntimo que, como já ficou fartamente demonstrado, é protegido pelo ordenamento jurídico pátrio.

Sendo a doença detectada por um procedimento de análise do genoma humano de notificação obrigatória pelas normas sanitárias do Brasil, cabe ao profissional médico, como já alertado, dar conhecimento ao Poder Público, mesmo que contra a vontade do paciente, mas isto não significa a violação de seu direito à intimidade, pois aqui apenas resguarda-se a saúde pública. Estes dados deverão ser preservados pela autoridade indicada para tomar conhecimento da mesma, que deverá deter-se na tomada das medidas sanitárias necessárias sem violar a intimidade do paciente, detentor dos dados genéticos. A necessidade de notificação da autoridade sanitária geralmente é requerida em casos de doenças infecto-contagiosas. Dessa forma, a sua detecção é importante para o controle de sua propagação. Levando-se em conta todas as considerações acima vê-se que esta informação ao Poder Público importa em uma quebra parcial da intimidade do indivíduo, pois pode ser tratado e controlada a doença sem que seja alastrada sua existência, sem que seus dados sejam revelados para a sociedade em geral.

Mas a situação não é tão simples. Poderá haver a ruptura total da intimidade do indivíduo, com a revelação de seus dados genéticos, em caso de perigo eminente para a coletividade? O interesse público deverá se sobrepor a um direito individual fundamental? O direito à informação deverá ter supremacia sobre o direito à intimidade? Ou o direito brasileiro aceita a conformação dos direitos e princípios constitucionais?

Aqui se tem em mente que o Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CR/88) e como objetivos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, onde seja promovido o bem de todos (art. 3º, incisos I e IV, da CR/88) e que, a todos é assegurado o acesso à informação (art. 5º, inciso XIV, da CR/88). Temos, então, um conflito de princípios constitucionais (intimidade vs. Informação), entendidos estes como

"mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico" (11).

O respeitado Prof. PAULO BONAVIDES analisa as teses a respeito do conflito de princípios, começando por citar ROBERT ALEXY, para quem um dos princípios deve recuar, sem que com isso seja abdicado ou anulado, mas que um dos princípios tem maior "peso" que o outro, no caso concreto, devendo preponderar. Coloca entretanto, o próprio mestre, como obstáculos à sua teoria, três objeções: a existência de princípios fracos que em nenhum caso prevalecem, a ocorrência de princípios absolutos e a amplitude do conceito de princípios. Já R. DWORKIN entende que aquele que deve tomar a decisão deve levar em conta todos os princípios envolvidos, mas eleger apenas um deles, sem que isso signifique torná-lo válido. Há, ainda, a chamada jurisprudência dos valores, que prega a existência de um sistema de princípios de natureza teleológica, não lógica (12).

A par de todas estas posições, acredito que a solução deva ser dada caso a caso. Não há nenhuma regra ou princípio que informe esta solução, em tese. Ambos os princípios são válidos, tanto a intimidade quanto a informação e nenhum deles poderá ter sua efetividade mitigada, pois nenhum deles é superior ou inferior ao outro. A questão não é de adequação de normas válidas (entendendo-se aqui que princípios também são normas), mas de aplicação do direito. Há a necessidade de reconstrução correta do caso concreto para a determinação de qual das normas válidas deva ser aplicada.

Sobre o tema o Prof. MARCELO CAMPOS GALUPPO (13) conclui que:

"Muito mais radical, quanto a isto, é a posição de Dworkin, Habermas e Gunther. Se para Alexy a escolha entre princípios conflitantes a ser aplicado no caso concreto depende da análise do próprio caso, para estes autores toda aplicação de qualquer princípio depende de um juízo de adequabilidade, ou seja, os princípios só podem ser aplicados se forem adequados ao caso concreto. Para estes autores, os princípios não são normas que se aplicam em qualquer contexto, mas apenas naqueles em que forem adequados."

Assim também entende o Prof. JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES, em artigo publicado na revista eletrônica Jusnavegandi, intitulado Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional, como se percebe a seguir:

"Desta forma preferimos no lugar de hierarquia, visualizarmos nas normas constitucionais diversos graus de abrangência, aos quais nos referimos em classificação por nós adotada, onde poderíamos ainda acrescentar, conforme bem lembra o professor Ivo Dantas, uma diferenciação entre os princípios fundamentais e os princípios gerais setoriais. Temos então: a) regras em sentido restrito; b) regras deduzidas em sentido amplo; c) regras expressas em sentido amplo setoriais; d) regras expressas em sentido amplo fundamentais; e) ideologia constitucionalmente adotada.

Este conjunto de regras constitucionais se apresentam ao interprete, que poderá com os elementos oferecidos pela hermenêutica, adequá-las, sistematiza-las e inseri-las a na realidade social, política e econômica. Este processo de interpretação não ocorrerá pela vontade de um interprete, mas de vários interpretes, que para a correta interpretação da vontade da Constituição, e sua justa aplicação, deverão estar atentos às indicações advindas das aspirações populares adequadas aos valores do texto constitucional.

Nesta constante tarefa de interpretação do texto constitucional para sua aplicação e transformação da realidade, ou em sentido contrário, a transformação ou mutação do texto imposta pela realidade, o jurista irá trabalhar com regras que não tem hierarquia mas sim graus de abrangência diferentes. Desta forma, a interpretação de uma lei poderá ser bastante diferenciada em situações também diferentes, onde seguindo valores fundamentais, princípios aplicáveis a uma situação não poderão ser usados em outra condição. Talvez o exemplo mais simples desta situação esteja no direito constitucional à resistência, onde a desobediência passa a ser regra em substituição a obediência, o que ocorre em situações normais, onde deve-se obedecer as normas e os atos administrativos legais e constitucionais."

Não vem sendo esta, contudo, a posição adotada pela grande parte da doutrina e jurisprudência dos tribunais brasileiros. Na verdade, a tese dominante é a de que o interesse público tem supremacia sobre o privado, o que equivale a dizer que entre o direito à intimidade de um indivíduo e a garantia de saúde para a população, esta deve ser a preferida.

O il. JOSÉ AFONSO DA SILVA (14), constitucionalista referência do direito nacional, por exemplo, entende que:

"Tudo isso constitui modos de restrições das liberdades, que, no entanto, esbarram no princípio de que é a liberdade, o direito, que deve prevalecer, não podendo ser estirpado por via da atuação do Poder Legislativo nem do poder de polícia. Este é, sem dúvida, um sistema importante de limitação de direitos individuais, mas só tem cabimento na extensão requerida pelo bem-estar social. Fora daí é arbítrio."

É forçoso convir que, no direito brasileiro, salvo raras exceções, como as demonstradas, não há o devido tratamento do aparente conflito de direitos e princípios constitucionais, como uma questão de aplicabilidade, mas sim, trata-se a problemática, principalmente, diferenciando-se o interesse público do privado, preferindo-se o primeiro.

Explica-se a sobreposição do interesse público sobre o privado, sempre, pelo fato de a Constituição da República de 1988, no Capítulo VII do Título III, de maneira inédita na história de nossas Constituições, Ter disciplinado a atividade administrativa, exercida pelos Poderes da Federação, outorgando-lhe um regime específico. Foi aberto o Capítulo VII - "DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA", dentro do Título III - "DA ORGANIZAÇÃO DO ESTADO", a partir do art. 37 da Carta Constitucional, que in verbis preceitua:

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

(...)"

O legislador constituinte fixou, basicamente no art. 37, como regra inafastável, o que a doutrina mais abalizada, antecedente ao novo Documento Político, já denominava - e continua denominando - "Regime Jurídico Administrativo". São, assim, princípios básicos, que devem permear necessariamente, a relação entre a Administração (Poder Público) e os administrados: o da Supremacia do interesse público sobre o privado e o da Indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos. Os atos administrativos praticados em desatenção aos princípios que definem o regime jurídico administrativo carecem de validade, merecendo a decretação de sua nulidade, tanto pela própria Administração, como pelo Poder Judiciário. Resumem-se, estes princípios, na lição do saudoso Ministro SEABRA FAGUNDES, para quem, "administrar é aplicar a lei de ofício".

A origem do princípio da legalidade e da supremacia do interesse público, é princípio da indisponibilidade dos bens e interesses públicos, que traz em seu bojo a vedação imposta ao administrador para transigir sobre o interesse público. Dele o agente público não é titular, mas apenas gestor. A coisa pública deve ser pelo administrador gerida - e bem gerida, anote-se - mas não será, jamais, por ele titularizada. Esta titularidade é do Estado que toma o administrador como instrumento para a boa gestão da res publica.

Este é o magistério do Prof. CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (15), in verbis:

"Uma vez que a atividade administrativa é subordinada à lei e firmado que a Administração, assim como as pessoas administrativas, não têm disponibilidade sobre interesses públicos, mas apenas o dever de curá-los nos termos das finalidades predeterminadas legalmente, compreende-se que estejam submetidas aos seguintes princípios: a) da legalidade, com suas implicações ou decorrências, a saber: princípios da finalidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, da motivação e da responsabilidade do Estado."

Vê-se que, de acordo com este entendimento, que como já se disse é o adotado majoritariamente pelo direito pátrio, a saúde pública, enquanto bem público, pertence à esfera do interesse da coletividade e não pode, jamais, ser subjugada pelo interesse privado, ainda que erigido a direito fundamental. Ou seja, o direito à informação é superior ao direito à intimidade, nos casos em que a saúde pública possa ser afetada, nas situações em que terceiros possam ser prejudicados por decisões privadas, de foro íntimo.

Para concluir este item valho-me, uma vez mais, das lições de JOSÉ AFONSO DA SILVA, desta vez citado por ALESSANDRA DABUL GUIMARÃES (16):

"Assim a determinação constitucional, segundo a qual a ordem econômica e social tem por fim realizar a justiça social, constitui uma norma-fim, que permeia todos os direitos econômicos e sociais, mas não só a eles como também a toda ordenação constitucional, porque nela se traduzem princípio político constitucionalmente conformador, que se impõe ao aplicador das normas constitucionais. (...)"

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Sobre o autor
Rodrigo Rigamonte Fonseca

procurador da Fazenda Nacional em Belo Horizonte (MG), mestre em Direito Processual pela PUC/MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONSECA, Rodrigo Rigamonte. Os dados genéticos e a proteção à intimidade no direito brasileiro:: apontamentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 457, 7 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5780. Acesso em: 23 dez. 2024.

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