1 Apresentação do problema
O “Capítulo X”, referente ao procedimento comum no direito processual civil, intitulado “Do julgamento conforme o estado do processo”; é disposição legislativa sobre a matéria intitulada e elenca possíveis caminhos a serem adotados, cabendo ao magistrado à determinação por um deles em detrimento ao outro. Abordar o instituto é o primeiro passo a ser dado. Após, entender os caminhos trazidos pelo legislador como possíveis. E, então, ponderar os questionamentos sobre os elementos a se considerar no momento oportuno a escolha, por parte do magistrado, é que orientaram as pesquisas legislativas e doutrinárias para desenvolvimento do presente estudo.
2 Julgamento conforme o estado do processo
Analisar esse instituto requer, primeiramente, ter em mente o seu antecedente imediato: a fase preliminar ou das providências preliminares. Nesse momento processual, atitudes são tomadas com vista o salvaguardo o contraditório no processo, busca-se eliminação de eventuais falhas ou nulidades no percorrer do procedimento comum. É, em outro dizer, uma busca por tornar mais eficaz a prestação jurisdicional.
Ainda que nenhuma providência preliminar tenha se feito necessária, ultrapassada a fase, o processo alcança novo momento em que, sentencial ou interlocutória, será proferida decisão pelo juiz. Nessa mesma ideia, escreve Marcelo Abelha “superada a fase procedimental de providências preliminares, seja porque cumpridas, seja porque não houve necessidade de nenhuma providência, o juiz deve proferir julgamento conforme o estado do processo”[i]. Alcançam-se, dessa forma, dois possíveis caminhos para a decisão magistral: dar continuidade ao feito, e aí há que se falar em saneamento do processo; ou a extinção processual.
Antes, porém, de adentrar nas opções supracitadas, observa-se o que pondera Humberto Theodoro Júnior:
“Ao instituir o julgamento conforme o estado do processo, o legislador brasileiro, além de conservar a tradição luso-brasileira a respeito do despacho saneador, deu-lhe nova feição, sob inspiração do julgamento conforme o estado dos autos, do direito germânico. Ampliou, porém, seus contornos para além dos simples casos de revelia a que se refere o sistema alemão (...)”[ii].
E, sequencialmente, citando doutrina de Rogério Lauria Tucci: “de modo a propiciar, em grande número de casos, sem maior delonga, a provocada ou espontânea extinção do processo com ou sem resolução do mérito”[iii].
Esse modelo contemporâneo de julgamento conforme estado do processo admite que o juiz, sob algumas hipóteses, faça apreciação da própria lide. Nesse caso, configura-se uma antecipada sentença de mérito, levando a extinção processual, sem que nem se tenha passado por dilação probatória.
Dessa forma, a supressão da fase preliminar pelo julgamento conforme estado do processo abre diferentes caminhos, quais sejam: a extinção do processo, o julgamento antecipado do mérito, o julgamento parcial do mérito e o saneamento e organização do processo. Como se vê, o instituto tem múltipla finalidade e pode ater-se a questões meramente processuais ou penetrar no âmago do litígio, resolvendo desde logo a questão de direito material deduzida em juízo, no todo ou em parte.
3 Extinção
Dispõe o código de processo civil no artigo 354 que nas hipóteses previstas nos artigos 485 e 487, incisos II e III, haverá prolação de sentença terminativa ou definitiva pelo juiz.
Em análise ao artigo 485, e nas hipóteses por ele elencadas, é possível depreender que ele se refere à sentença a ser proferida quando não houver análise de mérito. E isso se dará porque há a percepção de uma inutilidade em se dar continuação ao processo. A motivação para tanto é a presença de um vício insanável que desencadeia essa extinção sem resolução de mérito por parte do magistrado, com fundamentação no referido artigo de lei. Como os aspectos verificados são naturalmente formais, não há uma resposta direta ao requerido pelo autor. A sentença produzida é apenas terminativa, pois se relacionou unicamente a admissibilidade. A coisa julgada será, portanto, formal.
Diferente será a sentença produzida com fundamentação no artigo 487, seja em seu inciso II, quando ocorre decadência ou prescrição; seja no III, com homologação de reconhecimento jurídico do pedido, da transação e de renúncia. Essa sentença se estabelece sobre a resolução do mérito sendo definitiva, podendo ser sobre toda a ação ou a apenas parte do processo. Encontrada sua fundamentação no Código de Processo Civil, artigo 355, sendo chamado julgamento antecipado da lide; ou artigo 356, quando é o julgamento antecipado parcial da lide, nas quais se adentra a seguir.
3.1 Julgamento antecipado do mérito
Determina o legislador processual no Artigo 355: “O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I – não houver necessidade de produção de outras provas; II – o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349”.
Julga-se o mérito de maneira antecipada, no estado em que se encontra o processo, por não ser mais necessário praticar nenhum ato preparatório ao julgamento. O juiz examina o pedido e profere sentença contendo a solução para a lide, sem que se passe por audiência de instrução e julgamento. O critério que legitima essa modalidade de julgamento é, portanto, a desnecessidade de produção de outras provas para além das já introduzidas com a petição inicial e na contestação do réu. Havendo esse julgamento, a sentença é fundada em cognição exauriente e o recurso cabível é o de apelação.
Importante é perceber que a promoção de audiência de instrução e julgamento quando a questão de fato se limita apenas a interpretação de documentos já produzidos pelas partes, se não houve requerimento de provas orais, se os fatos que foram arrolados pelas partes são incontroversos e se não houve contestação, o que também leva à incontrovérsia dos fatos da inicial e sua admissão como verdadeiros, art. 344; seria contrária ao próprio espírito do Código, como escreve Humberto Theodoro Júnior[iv].
É preciso recordar que no artigo 139, inciso II, há disposição no sentido de que o juiz vele pela duração razoável do processo, direito fundamental considerado promotor dos demais direitos, no sentido de que deve o Estado dar tempestividade à tutela jurisdicional para analisar as demandas e promover os direitos. Demonstra-se, dessa forma, que afastar o julgamento antecipado do mérito, quando as hipóteses à sua prolação se consolidam, não é simplesmente tomar atitude desnecessária, como também é ferir um direito fundamental: ao de tutela jurisdicional adequada (art. 5º, XXXV, da CF) e, por consequência, o direito ao processo justo (art. 5º, LIV, da CF).
3.2 Julgamento antecipado parcial do mérito
Todas essas considerações são também pertinentes ao julgamento antecipado parcial do mérito. Ele não é uma faculdade, é um dever do juiz; uma exigência para solução da lide de forma efetiva e rápida.
Ponderam Marinoni, Arenhart e Mitidiero que “nesses casos, representaria certamente uma má gestão do tempo do processo deixar de decidir parte incontroversa da demanda ou um dos seus pedidos que se afigure incontroverso apenas para que se tenha a oportunidade de decidir o litígio como um todo ao mesmo tempo”[v].
Sobre o julgamento antecipado parcial do mérito, dispõe o Código no Art. 356: “O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I - mostrar-se incontroverso; II – estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do artigo 355”. Depreende-se que existe permissão à divisibilidade do objeto litigioso, prevendo possibilidade de fracionamento do objeto do processo, tendo no artigo exposto condições para que uma parcela de pedidos ou pedidos distintos sejam solucionados separadamente. O processo contém litígio que pode ser fracionado ou em regime de cumulação simples que podem ser decididos autonomamente. A primeira hipótese é incontrovérsia; a segunda, desnecessidade de produção de nova prova, sobre a qual se descreveu no tópico anterior.
Atentemos, então, a incontrovérsia, quando a resolução da parte do mérito se dará por decisão interlocutória, cabendo impugnação mediante agravo de instrumento. Incontroverso é aquilo que não está em discussão pelas partes. Pode surgir da existência de alegações de fato independentes de prova, de reconhecimento jurídico de pedido parcial, transação parcial, admissão de alegações de fato incontroversas e de não desempenho da impugnação específica de alegações fáticas (art. 341). O que não se considerou na decisão, ou seja, que não atendeu aos requisitos legais segue para elucidação probatória; o que foi julgado constitui obrigação líquida ou ilíquida, que pode já ser cumprida pela parte. Se transitar em julgado, a execução será definitiva em função da formação de coisa julgada.
4 Saneamento
Como se percebeu, dois caminhos são apontados no julgamento conforme o estado do processo: sua extinção ou seu saneamento. As considerações sobre a extinção processual foram manifestadas anteriormente e adentramos agora no saneamento.
Segundo a doutrina de Marcelo Abelha, “esse é um momento crucial para a fase instrutória, pois é aqui que se delimitarão as questões de fato sobre as quais recairá a prova, sobre como ficará distribuído o encargo probatório e as questões de direito que se apresentam como importantes para a resolução do conflito”[vi].
Essa opção visa deixar o processo pronto para a fase instrutória. O afastamento da exclusão faz com que o processo corra em curso normal, culminando na decisão de saneamento, segundo artigo 357 do CPC.
Art. 357: Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento de organização do processo. I – resolver as questões processuais pendentes, se houver; II – delimitar as questões de fato sobre as quais recaíra a atividade probatória, especificando os meios de provas admitidos; III – definir a distribuição do ônus da prova, observando o art. 373; IV – delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; V – designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento.
Quando as questões preliminares trazidas pelo réu não forem bastante para provocar o julgamento da extinção do processo, cabe ao juiz apreciá-las e rejeitá-las no saneador. Após isso ou não havendo questões preliminares, declara-se saneado o processo. É, dessa forma, decisão proferida reconhecendo que o processo está em ordem e que a fase probatória pode ser iniciada. É possível o julgamento de mérito e, para tanto, haverá necessidade de prova oral ou pericial.
5 Conclui-se
Dessa forma, atinge-se conclusão no sentido de que o julgamento conforme estado do processo admite dois caminhos: extinção ou saneamento.
Será o processo extinto se apresentar vício insanável, e não há possibilidade de continuidade; se decair ou prescrever, segundo características próprias a esses institutos; ou se permitir julgamento antecipado do mérito. Para que esse último possa ocorrer, por sua vez, é preciso que duas condições concorram: que não haja fato controverso, relevante e pertinente que precise ser esclarecido, desnecessidade de produção de novas provas; e que as alegações de fato tenham sido convincentes de maneira suficiente, quando o fato está bem instruído e imediatamente julgasse o pedido. Diferentemente, observam-se todas as etapas do procedimento, no caminho do saneamento. Isso para que o processo fique pronto à sua fase instrutória.
Imprescindível é ter sempre em consideração os direitos e garantias fundamentais previstos constitucionalmente, como o acesso à justiça, a duração razoável do processo, a tutela jurisdicional adequada e ao processo justo. Por isso, ainda que extinção e saneamento sejam postos lado a lado como caminhos, a depender do caso concreto, um se sobrepõe ao outro como opção jurisdicional. Se o processo aceitar julgamento, assim deve ser feito, para que se garantam esses direitos fundamentais. A extinção sem resolução de mérito se mantém como excepcional, pelo mesmo motivo.
6 Referências bibliográficas
ABELHA, Marcelo. Manuel de Direito Processual Civil. 6ª ed. rev., atul. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 29/05/2017
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, v. 2: Tutela dos Direitos Mediante Procedimento Comum. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, v. 1: Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 56. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
[i] ABELHA, Marcelo. Manuel de Direito Processual Civil. 6ª ed. rev., atul. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 499.
[ii] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, v. 1: Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 56. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1068.
[iii] TUCCI, Rogério Lauria. Do julgamento conforme o Estado do Processo. São Paulo: RT, 1975, n. 19, p. 40 apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I. 56. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1068.
[iv] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, v. 1: Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 56. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1070.
[v] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, v. 2: Tutela dos Direitos Mediante Procedimento Comum. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 227.
[vi] ABELHA, Marcelo. Manuel de Direito Processual Civil. 6ª ed. rev., atul. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 501.