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O novo regime dos crimes tributários.

A Lei nº 10.684/03 (Refis II)

Agenda 21/10/2004 às 00:00

Os autores dos crimes tributários estabelecidos na Lei 8.137/90, em virtude de disposição da Lei 9.249/95, podiam ter a extinção da punibilidade decretada, caso o pagamento fosse realizado até momento anterior ao oferecimento da denúncia criminal; já para os crimes de natureza previdenciária trazidos pelos artigos 168-A e 337-A do Código Penal, o regime era um pouco mais severo, posto que o marco final para desconsideração penal era que o pagamento se desse anteriormente ao início da ação fiscal e não da denúncia criminal.

Agora, ao que indica a jurisprudência que vem se formando no Supremo Tribunal Federal - STF, o sistema teria sido radicalmente alterado. Porém, ousamos discordar, em parte, da Corte Suprema, como se verá abaixo.

A título de histórico, lembramos que o Refis I, regime de parcelamento de débitos tributários em condições extremamente vantajosas, instituído através da L. 9964/00, em seu artigo 15, dispôs sobre a suspensão da pretensão punitiva referente aos crimes tributários, desde que a inclusão no regime se desse antes do recebimento da denúncia criminal ou início da ação fiscal. Até aí, em nada diferiu do sistema penal tributário até então vigente.

Ocorre que no Refis II, instituído pela Lei 10.684/03, este marco final não foi mais exigido. Assim, para os débitos incursos, a despeito de já haver denúncia criminal ou início da ação fiscal, a pretensão punitiva do Estado fica suspensa, até que se dê o pagamento total, para então decretar a extinção da punibilidade.

Referia Lei assim dispõe:

art. 9º: "É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei n0 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento...."

§ 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios."

Contudo, a extensão dos efeitos das disposições legais acima, talvez tenham extrapolado o desiderato do legislador, porque:

a)trata-se de instituto de direito penal, onde incide a regra excepcional do inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal, de retroatividade da lei mais benéfica ao réu (lex mitior);

b) o STF tem interpretado que não é necessário que o parce1amento e/ou pagamento se refiram à inclusão no Refis, podendo se referir a qualquer pagamento (desde que integral) e qualquer acordo de parcelamento como Fisco, em qualquer esfera de governo.

Consideramos que a aplicação do princípio constitucional da retroatividade da lei penal benéfica é mesmo inevitável. Imaginemos o caso de uma empresa que efetuou o pagamento total de um tributo após o recebimento da denúncia criminal ou da ação fiscal, e que agora está incursa em ação penal, e de outro lado, uma empresa que não pagou os tributos que sonegou na mesma época, mas agora adere ao Refis e tem a punibilidade suspensa. Esta casuística demonstra que o sistema atual de que estamos tratando pode acabar punindo quem agir com maior boa-fé, violando assim o principio da isonomia entre outros como a moralidade administrativa. Em tais casos não há como deixar de retroagir a lei penal benéfica.

Nesse sentido, já se manifestou a Corte Suprema, vejamos:

"A Turma..., concedeu habeas corpus de ofício para declarar extinta a punibilidade, nos termos do disposto no art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003, já que tal Lei possui retroatividade porsermais benéficaque a existente ao tempo da impetração (Lei 9.249/95) — a qual previa a extinção de punibilidade quando o pagamento fosse realizado até o recebimento da denúncia".

HC 81929/RJ rel. Min. Cezar Peluso, 16.12.2003)

Já no que tange à possibilidade do parcelamento e/ou pagamento se dar em qualquer situação (mesmo para quem não aderiu ao REFIS), a alegação principal é de que o texto da Lei 9.944/00 – REFIS – I (artigo 15, caput) limitava a suspensão da pretensão punitiva àqueles casos nos quais a pessoa jurídica estivesse "incluída no Refis" e desde que a inclusão "no programa" ocorresse antes do recebimento da denúncia; ao contrário da Lei 10.684/03 que não traz referidas exigências.

Contudo, não nos parece escorreito o raciocínio de que pode haver parcelamento ou pagamento fora do sistema REFIS, gerando respectivamente suspensão e extinção da punibilidade, posteriormente à lei em comento.

A lei instituidora do REFIS – II, como acima asseverado limitou o prazo para adesão ao programa, podendo deste modo ser equiparada à lei temporária, que não tem aplicação após sua cessação. Destarte, não deve haver aplicação desta lei para situações a ela posteriores.

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Mas esta não é maneira que vem se posicionando o STF. Vejamos as considerações tecidas no acórdão supra citado, onde, foi adotada a conclusão do artigo jurídico de autoria de Heloisa Estellita [1]:

"Pondera, então, a doutrina:

"uma leitura apressada, feita sob a ótica da disciplina do antigo Refis, do novo §2º do artigo 9º poderia levar à crença de se tratar de norma que faz referência ao momento final do parcelamento,ou seja,queofinaldo parcelamento, implicando em pagamento, levaria à extinção da punibilidade. Sim, o entendimento está correto, mas o dispositivo diz mais que isto. Em nosso entender, o dispositivo pode perfeitamente ser interpretado de forma a permitir que sempre que houver pagamento independentemente de ser o momento final do parcelamento, extinta estará a punibilidade e, agora, sem limite temporal, isto é, sem que o recebimento da denúncia inviabilize o efeito jurídico-penal do pagamento integral do tributo.

Esta interpretação se assenta em dois fundamentos. Primeiro deles: na disciplina anterior (do Refis), o § 3º expressamente atrelava a extinção da punibilidade ao pagamento das parcelas do parcelamento, verbis:

Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo, quando a pessoa jurídica relacionado com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal" (grifamos).

A nova disciplina é bem diferente sob este aspecto, confira-se: "2º - Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios." (art. 9º, §2º). O segundo deles reside na questão da igualdade: se o agente pode, a qualquer momento, parcelaro débito, suspendendo a punibilidade que, ao cabo do parcelamento, será extinta, com maior razão a ação deve atingir aquele que opta por, num só ato, pagar integralmente o débito.

Tal qual ocorre relativamente ao parcelamento, a nova disciplina dos efeitos jurídico penais do pagamento, por ser mais benéfica, retroage atingindo todos os cidadãos que se encontrem nesta situação, não importando, igualmente, o estágio processual (art.5º, XL, CF, art. 2º, CP)

A nova disciplina, evidentemente mais benéfica ao réu, retroage."

(grifos nossos)

Já no HC 83.414/RS de relatoria do Min. Joaquim Barbosa, de forma incidental ficou consubstanciado mais uma vez:

"Quanto ao mais, observo que, com o advento da Lei 10.684/2003, não há mais necessidade de se pagar o tributo até o recebimento da denúncia (e, portanto, antes mesmo do exaurimento da via administrativa) para que o cidadão não venha a ser processado criminalmente. Isso porque o §2º do art. 9º da referida lei criou uma causa extintiva da punibilidade consistente no pagamento, a qualquer tempo, do débito.

Dessa forma o pensamento dos ilustres ministros do STF parecem se inclinar para uma despenalização completa dos crimes tributários, na medida em que o parcelamento e o pagamento integral dos mesmos em qualquer momento, teria o condão de sobrepujar os efeitos penais, consagrando mais uma vez o princípio do non olet (dinheiro não tem cheiro) que consiste em regra geral tributária enti-elisão, o que atende aos interesses arrecadatórios cada vez mais pujantes do Fisco, em detrimento da moralidade administrativa. Nos dizeres do ilustre professor Luiz Flávio Gomes [2]: "Importa mais arrecadar que punir penalmente o autor do crime. Utilitarismo em lugar de uma visão kantiana ou hegeliana (que não abriam mão do castigo penal nunca)".

Resta ainda atentar para o fato de que o tiro pode sair pela culatra, na medida em que pode incentivar o ato de sonegação tributária, já que não mais haveria o risco de sanções penais para os crimes tributários.

A nosso sentir há ainda a delicada questão da natureza fraudulenta dessas condutas. Como bem observa o autor Eugênio Pacelli (3), "com efeito, o núcleo dos tipos penais relativos à supressão ou redução de tributo (Lei 8.137/90) narra uma conduta, comissiva ou omissiva, necessariamente fraudulenta, à exceção talvez da ação omissiva prevista no inciso V".

Por isso, e em vista de julgados do STJ que consideram os crimes de falsidade documental como crime meio para a sonegação tributária por conta do princípio da consunção (v. HC 5154 / RJ ; HC 4340 / RJ, etc), consideramos que o entendimento que o STF vem dando ao extinguir a punibilidade nos crimes tributários pelo simples pagamento em qualquer momento, pode trazer repercussões ainda mais sérias do que as já mencionadas, ao ponto de desconsiderar o grau de lesividade e despenalizar os crimes de falso em situações que tais.

Há ainda um ponto pouco comentado que diz respeito a uma inconstitucionalidade formal existente na lei, já que a essa é fruto de conversão de medida provisória, apesar de disposição expressa proibitiva dessa espécie tributária versar sobre direito penal (CF, art. 62 §1º ‘b").


Nota

11publicado no IBCCRIM—SP em setembro de 2003, sob o título: "Pagamento e Parcelamento Nos Crimes Tributários: A nova disciplina da Lei 10.684/03

2 Artigo jurídico – "Crimes tributários e previdenciários para STJ, o parcelamento do débito extingue a punibilidade do sonegador."

3 Curso de Processo Penal – 3ª edição – Ed. Del Rey.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NIGRO, Renato Câmara. O novo regime dos crimes tributários.: A Lei nº 10.684/03 (Refis II). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 471, 21 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5856. Acesso em: 23 dez. 2024.

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